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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.14 no.2 Lisboa jul. 2000

 

Apoio psicossocial a estudantes do ensino superior: Do modelo teórico aos níveis da intervenção

Psychossocial Support to Students in Higher Education: From Theory to Practice

 

Lígia Mexia Leitão*; Maria Paula Paixão**; José Tomás da Silva***; José Pacheco Miguel****

*-****Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação

 


RESUMO

Com base nas perspectivas interaccionista, desenvolvimentista e contextualista, os autores fundamentam um modelo teórico e de intervenção psicológica em contexto académico, susceptível de abranger um conjunto de estratégias, métodos e técnicas eficazes no apoio aos estudantes ao longo do seu percurso no Ensino Superior. Sem esquecer a vertente remediativa, este modelo privilegia uma intervenção de carácter preventivo, facilitadora do ajustamento e do sucesso no desempenho das principais tarefas implicadas nos três principais momentos de transição ao longo do Ensino Superior (entrada, frequência e saída) e nos principais domínios da intervenção psicológica neste tipo de população (orientação para o trabalho, apoio psicopedagógico e de promoção do sucesso educativo, apoio clínico).

Palavras-chave Modelo preventivo; orientação no ensino superior; apoio psicopedagógico; psicoterapia.


ABSTRACT

Founded in the contextualist, interactionist and developmental approaches, the authors present a theoretical and psychological intervention model capable of encompassing a set of strategies, methods and techniques which are effective in supporting higher education students during the whole university years. Although it has a remedial component, this model privileges a preventive kind of intervention that facilitates adjustment and success in the main tasks involved both in the three main transitional moments (entrance, attendance and access to the labour market) and in the main domains of psychological intervention adequate for this kind of population (career guidance, psychological support, enhancement of achievement success and clinical support).


 

Do modelo teórico...

A vida do estudante do Ensino Superior constitui uma experiência social única e distinta, que coloca ao jovem adulto expectativas, tarefas e desafios novos. Na verdade, este período de desenvolvimento constitui para muitos estudantes a última oportunidade para experimentarem mudanças significativas, antes de lhes ser pedida a assunção de maiores responsabilidades em contextos diversificados da sua vida social, familiar e profissional (Young & Friesen, 1990). Neste período, os estudantes operam modificações importantes, não apenas no domínio das competências intelectuais e dos conhecimentos adquiridos, como também em outras áreas nucleares no plano da construção da identidade pessoal, nomeadamente, atitudes, valores, interesses, objectivos, aspirações, planos de futuro, organização das emoções, autoconceito e relacionamento interpessoal.

Na realidade, o projecto existencial do início da vida adulta é muito vasto, dizendo fundamentalmente respeito ao desenvolvimento da identidade ocupacional e englobando várias tarefas vocacionais, nomeadamente, a inserção pré-profissional e profissional, pelo que comporta uma grande diversidade de horizontes prospectivos — projectos de mobilidade a curto prazo, respeitantes às sucessivas escolhas escolares e/ou de formação profissional, projectos a longo prazo, tendo em vista a inserção socioprofissional c abrangendo diversos planos temporais da vida adulta, e projectos mais globais, referentes a dimensões relacionais e familiares envolvendo a totalidade da vida (Boutinet, 1992).

O estabelecimento de uma identidade vocacional no sentido lato implica a compreensão, o envolvimento e a resolução de tarefas complexas, ambíguas e incertas que exigem dos jovens a construção e a articulação de planos extensos de acção, capazes de lidarem com o processo de mudança constante que caracteriza o mundo actual (Silbereisen, Eyferth & Rudinger, 1986). É por esta razão que diversos autores, no domínio da psicologia vocacional, têm referido que a intervenção psicológica deve estar fundamentalmente ao serviço da promoção da flexibilidade pessoal, isto é, da aquisição de padrões flexíveis de comportamento, de heurísticas de resolução de problemas, da tomada de decisão e da organização de estratégias de planeamento contingente (Herr & Cramer, 1992). Este processo passa pelo desenvolvimento de competências pessoais, tais como a capacidade de tomar decisões e assumir riscos, o sentido de iniciativa, a criatividade, a capacidade para trabalhar em equipa, o sentido de responsabilidade e de autodisciplina e o sentido de serviço à comunidade.

Na realidade, o desenvolvimento humano implica, na sociedade pós-moderna, múltiplas transições, mudanças e reorganizações para fases e/ou estruturas mais estáveis, requerendo, para que sejam bem sucedidas, a articulação de respostas de coping que exigem, por sua vez, a antecipação de consequências possíveis, desejadas e não desejadas, o desenvolvimento de estratégias explícitas para lidar com essas consequências e a organização de esforços para prevenir a ocorrência dos resultados negativos antecipados. Este coping antecipatório implica a estruturação de um quadro de simulação mental orientado para a acção, envolvendo o processamento eficaz de grandes quantidades de informação, dimensão cuja complexidade envolve o cidadão das modernas sociedades industrializadas (Gibson & Brown, 1992). Para além desta componente cognitiva, a informação comporta igualmente uma componente afectiva, geradora de ligações e de separações, de aproximações e de afastamentos, constituindo qualquer decisão um espaço subjectivo de união e de ruptura que organiza o campo psicológico e mobiliza o processo de construção comportamental. Trabalhar esta dimensão afectiva da informação poderá assim contribuir para incrementar a autonomia subjectiva dos jovens, correlativa da sua autonomia objectiva, que resulta do acréscimo de oportunidades existentes nos sistemas educativo e profissional (Abreu, 1992).

Enfrentar com êxito as novas experiências com que, na vida académica, o jovem se vê confrontado irá depender das suas condições objectivas e subjectivas para ensaiar as respostas adequadas às múltiplas situações de desafio. Frequentemente, os jovens carecem de suportes adequados no ambiente académico, capazes de os ajudarem a transformar os desafios em situações potencializadoras de desenvolvimento pessoal. Em síntese, há que preparar os jovens para um processo aberto e de formação continua, exercitando-os a aprender por eles próprios e activando as suas competências facilitadoras da transição comportamental. Toma-se, assim, indispensável a criação de serviços de apoio psicológico, psicopedagógico e psicossocial, que apoiem os jovens no seu processo de desenvolvimento de projectos pessoais que, nesta fase do percurso existencial, se caracterizam pela necessidade de especificação e implementação de planos elaborados por tentativas (Pelletier, Noiseaux & Boujold, 1982).

 

Figura 1

 

As conclusões de um estudo por nós realizado com alunos dó Ensino Superior de Coimbra, sobre as aspirações, projectos pessoais, condições de vida e de estudo (Abreu, Leitão, Paixão, Brêda & Miguel, 1996ab), apontam no sentido do reconhecimento por parte destes da necessidade de apoio psicológico durante a frequência deste nível de ensino, tendo como principal objectivo ajudá-los a antecipar as possíveis barreiras que possam ser colocadas à concretização dos seus projectos pessoais. Por estas razões, o modelo que sustenta o conjunto das nossas intervenções no âmbito do sistema educativo baseia-se num contexto teórico integrador das abordagens desenvolvimentistas e ecológicas no domínio da organização de projectos de vida (Super, 1991; Vondracek, Lemer & Schulenberg, 1986), da teoria relacional da motivação e da personalidade (Nuttin, 1964,1980,1985) e da abordagem preventiva e sistémica em contexto educativo proposta por Cole e Siegel (1990).

Este modelo compreensivo contempla, no seu contexto de análise e de acção, as relações entre o sujeito e os seus mais importantes espaços de vida (família, amigos, comunidade, sistema de valores da sociedade, etc.), articulando-se em tomo de dois eixos organizadores dos processos de desenvolvimento psicossocial da identidade (espaço e tempo) que se estruturam em diversas zonas (proximais e distais) do contexto sistémico. Em termos de compreensão dos factores e processos psicológicos intervenientes na organização comportamental do sujeito, este modelo assenta numa base intrinsecamente motivacional que explica o desenvolvimento pessoal fundamentalmente através do processo de estabelecimento de objectivos. Este processo complexo de meios-fins estrutura o estilo pessoal de funcionamento a três níveis: (i) cognitivo, nomeadamente, auto-eficácia (Bandura, 1995), expectativas de resultados (Atkinson & Raynor, 1978), processos atribucionais (Weiner, 1980); (ii) afectivo, sobretudo através dos interesses (Borgen, 1986; Lewin, 1959), das valências (Gelatt, 1989) e das vinculações afectivas; e (iii) accional, em termos de escolhas, decisões e processos volitivos (Kuhl, 1992), bem como de memórias e/ou as experiências subjectivas de aprendizagem, assim como de antecipação de momentos transicionais.

Decorrente deste modelo teórico, desenvolve-se no plano da intervenção um conjunto articulado de estratégias que visam a sua operacionalização em termos da sua implementação.

...aos níveis de intervenção

 

Figura 2

 

 

Figura 3

 

Qualquer que seja o plano ou o nível de intervenção considerado, o objectivo primordial é o da promoção da adaptação e sucesso académicos, envolvendo três dimensões/contextos: desempenho académico, ajustamento social e ajustamento pessoal.

Por sua vez, tendo em consideração os três momentos de transição ecológica, que os jovens atravessam ao longo do Ensino Superior (transição Ensino Secundário —

Ensino Superior; frequência do Ensino Superior; transição para o mundo do trabalho), e os desafios colocados pela vivência destes três momentos de transição, preconizamos a organização dos serviços de apoio psicológico em três vertentes distintas, porém complementares e interligadas.

Considerando os três momentos de transição ecológica referidos, propõe-se uma estruturação dos serviços de apoio ao estudante do Ensino Superior que contemple três vertentes de intervenção, designadamente, preventiva, reniediativa e de investigação, o cuja organização funcional determine o conjunto de actividades a programar para cada um daqueles momentos de transição.

Deste modo, no plano da intervenção preventiva, preconiza-se, ao nível da transição do Ensino Secundário para o Ensino Superior (entrada), o desenvolvimento de programas de promoção do sucesso académico, de formação de alunos mentores e de sensibilização para a problemática do ensino-aprendizagem. Ao nível da frequência, preconiza-se a difusão de informação relacionada com as problemáticas mais frequentes nos alunos do Ensino Superior (stress, insucesso, ansiedade aos testes, depressão, desmotivação, etc.). Ao nível da transição para o mundo do trabalho (saída), preconizam-se programas de formação em técnicas de procura de emprego, seminários destinados à promoção dos recém-licenciados junto de potenciais empregadores, bem como programas de difusão de informação sobre incentivos à criação do auto-emprego.

No plano da intervenção remediatiw preconiza-se, tanto ao nível da entrada como da frequência, o apoio psicopedagógico, a orientação/reorientação escolar e o apoio individual a problemáticas pessoais/relacionais. A nível da saída preconiza-se o apoio psicológico a ex-alunos com dificuldades de inserção no mundo do trabalho. Finalmente, no plano da investigação, preconizam-se, tanto a nível da entrada como da frequência, estudos sobre as condições/factores de sucesso/insucesso de cursos considerados problemáticos. A nível da saída, preconiza-se a análise dos índices de empregabilidade dos alunos finalistas dos vários cursos, para determinação de possíveis factores viabilizadores do sucesso/insucesso na inserção no mundo do trabalho.

Uma operacionalização do modelo: o CEIP

No ano lectivo de 1998/1999 já foram dados alguns passos no sentido da implementação destes serviços na nossa universidade, através da criação de um Centro de Estudos e Intervenção Psicológica (CEIP) na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC). A FCTUC é a única Faculdade da Universidade de Coimbra que possui autonomia pedagógica, administrativa e financeira, compreendendo um universo diversificado de cursos de licenciatura (cf. Figura 4) e uma população muito vasta de alunos (cerca de 9.000), correspondendo, sensivelmente, a cerca de 40% da população estudantil da Universidade de Coimbra.

O Conselho Directivo, sensibilizado para a necessidade de apoiar os seus alunos ao longo da sua passagem pela FCTUC e no seguimento da proposta anteriormente apresentada à Reitoria da Universidade de Coimbra e aprovada pelo seu Senado para a criação de um Centro de Informação e Apoio Psicológico (CIAP) nesta Universidade, dirigiu um convite à autora daquela proposta (Leitão, 1996, 1997) para a implementação de uma estrutura desta natureza e âmbito no seu seio. Procedeu-se, assim, ao estabelecimento de um protocolo entre a FCTUC e a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC), destinado à criação de um serviço para dar apoio psicológico, psicopedagógico e psicossocial aos alunos daquela faculdade para promoção do seu bem-estar ao nível do acolhimento que lhes é devido à chegada, do apoio que necessitam durante a sua frequência e da sua posterior transição para o mundo do trabalho. Nele trabalham très psicólogos e um licenciado daquela faculdade, estando os três primeiros mais orientados para as diferentes tarefas de intervenção psicológica naquele contexto académico e o último para as tarefas de investigação necessárias ao conhecimento da população abrangida, nomeadamente, no plano das condições promotoras versus inibidoras do sucesso académico e de uma inserção bem sucedida na vida profissional. Ao nível desta última vertente actua-se em estreita colaboração com a Unidade de Inserção na Vida Activa (UNIVA) da FCTUC, que funciona com o apoio do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) do Ministério para a Qualificação e Emprego. _

No ano lectivo de 1998/1999 decorreu a fase de lançamento do CEIP. Num primeiro momento, em Outubro, começou por se proceder à constituição de uma equipa de trabalho constituída por três psicólogos com diferentes áreas de especialização, designadamente. Orientação Escolar e Profissional, Trabalho e Organizações e Clínica. Constituída a equipa, procedeu-se ã planificação e organização do programa de actividades para o ano lectivo em curso, bem como à divulgação do serviço através de diferentes estratégias, nomeadamente contactos directos junto dos núcleos de estudantes dos vários departamentos da faculdade, elaboração de alguns materiais informativos destinados à divulgação das actividades do CEIP (cartazes, prospectos e calendários escolares) e utilização de meios informáticos (construção e activação da Web-page e abertura de e-mail). Ainda nesta fase inicial, procedeu-se ao estabelecimento de contactos e protocolos com diversas instituições/organismos prestadores de apoios nos âmbitos médico, social e profissional. Relativamente às diversas actividades desenvolvidas ao longo do ano lectivo, passaremos de seguida à sua referenciação, de acordo com a sistematização da intervenção já mencionada.

Plano de intervenção preventiva

No respeitante à promoção do sucesso académico procedeu-se à elaboração, em pequenos grupos, de um programa de metodologias de estudo e gestão do trabalho escolar que designámos "Estudar Também se Aprende". Com a sua implementação, procurou promover-se o autoconhecimento do sujeito relativamente ao seu estilo de funcionamento cognitivo, tendo em vista a adopção de estratégias mais eficazes no âmbito do processo de ensino-aprendizagem. A este mesmo nível, procedeu-se também à organização de sessões de informação/debate, com docentes das diversas áreas de pré-especialização das licenciaturas de Engenharia Civil e de Geologia.1 Estas sessões tiveram como objectivo proporcionar aos alunos uma visão integradora do curso enquanto meio privilegiado de formação, bem como das relações instrumentais que é possível estabelecer entre a formação académica e o mundo do trabalho.

No que se refere à facilitação da transição para a vida activa dos jovens licenciandos, organizou-se um programa de consulta psicológica em grupo visando a promoção de competências de inserção no mundo do trabalho. No mesmo âmbito promoveu-se a organização do "I Seminário de Saídas Profissionais de Licenciados da FCTUC", em colaboração com a sua UNIVA. Nele participaram empresários, potenciais empregadores de licenciados da FCTUC, representantes de organizações profissionais, empresas de consultadoria em recursos humanos e profissionais licenciados pela FCTUC a exercerem funções em áreas diversificadas do mundo do trabalho. Neste mesmo domínio foi ainda feita a difusão de informação sobre incentivos à criação do auto-emprego.

Dada a impossibilidade de concretizar, nesse ano lectivo, sobretudo devido à coincidência de datas entre o início do ano académico e do funcionamento do CEIP, um pequeno programa de educação de carreiras de tipo infusional em algumas disciplinas introdutórias das licenciaturas em Engenharia Civil e Geologia (e.£. Introdução à Engenharia Civil e Introdução à Geologia) c cujo principal objectivo visava o reforço da percepção da ligação entre conteúdos curriculares e problemáticas profissionais, por parte dos alunos, ficou já agendada a sua concretização para o ano lectivo seguinte. Este programa prévia, ainda, a realização de visitas de estudo e a elaboração de pequenos trabalhos práticos sobre as observações efectuadas.

Uma outra actividade igualmente agendada prende-se com a assinatura de um protocolo entre a Ordem dos Engenheiros e a FCTUC, no sentido da realização de miniestágios em contexto ocupacional supervisionados por "patronos" pertencentes à Ordem. Com o intuito de criar uma rede informal de suporte social interpares, procedemos à organização de cursos de formação inicial de alunos mentores, os quais terão continuidade em termos de formação e supervisão nos anos lectivos subsequentes.

Plano de intervenção remediativa

Com o objectivo de intervir sobre situações disfuncionais já instaladas, realizaram-se consultas psicológicas individuais nos três domínios da intervenção psicológica especializada, designadamente, de orientação/reorientação escolar e/ou profissional, de dificuldades de inserção na vida activa e de intervenção psicoterapêutica (perturbações ansiógenas, emocionais e da personalidade).

Plano da investigação

Dado privilegiarmos uma intervenção de tipo preventivo, torna-se imprescindível efectuar investigações diversas, tendentes a informar sobre factores predisponentes e/ou associados a situações de insucesso académico, para que deste modo seja possível planear antecipadamente e actuar eficazmente sobre a ocorrência e/ou reincidência dessas situações. Por outro lado, a investigação assume no plano da intervenção preventiva um carácter regulatório das actuações realizadas, uma vez que a sua análise e valoração permite a introdução de aperfeiçoamentos sempre que tal se revele necessário.

Neste sentido, lançámos a investigação "Ser Estudante na FCTUC", cujos objectivos visaram a recolha de dados para caracterização da população e a apreensão de circunstâncias conducentes ao sucesso/insucesso nesta faculdade. Deste modo, organizámos um questionário que, numa primeira fase desta investigação, procurou analisar, numa amostra representativa de dois cursos contrastando o nível de sucesso/insucesso, factores do contexto sistémico susceptíveis de intervirem na organização comportamental do sujeito. Numa segunda fase, depois de separar em cada um dos cursos os sujeitos com sucesso e insucesso, iremos procurar analisar e compreender o impacto desses factores que no plano individual podem explicar as circunstâncias de sucesso e insucesso.

Metodologia

Amostra

A investigação foi realizada numa amostra de conveniência de 586 alunos de todos os anos curriculares de dois cursos de licenciatura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) considerados a priori como um curso de sucesso (e.g. Geologia) e um de insucesso (e.g. Engenharia Civil). A amostra é composta por 47,7% de alunos de Geologia e 33,7% de alunos de Engenharia Civil, percentagem que se refere ao número total de alunos inscritos em cada uma das duas licenciaturas. A amostra revela uma certa ascendência do sexo masculino (n=331,56,5%) facto que traduz, de um modo geral, a realidade existente na maioria dos cursos da FCTUC. A média de idades é de 22,6 (DP=3,68) anos, sendo muito semelhante em ambos os sexos.

Instrumento

O questionário Ser Estudante na FCTUC constitui uma adaptação da versão portuguesa do inquérito Euro Student, já anteriormente utilizada no âmbito do estudo de caracterização das "aspirações e projectos, condições de vida e de estudo dos alunos do Ensino Superior de Coimbra" (Abreu, Leitão, Paixão, Brêda & Miguel, 1996ab). Este instrumento permite definir um perfil social, em termos das condições socioeconómicas de vida dos estudantes do Ensino Superior, oferecendo indicadores importantes sobre as dimensões relativamente às quais deverão ser desenvolvidos esforços no sentido da promoção do sucesso académico dos sujeitos. Paralelamente, e porque a versão do questionário utilizada naquele estudo de caracterização revestia um carácter predominantemente sociológico (Abreu et al, 1996b), optou-se por introduzir no questionário, agora construído, novas questões que permitem avaliar outras dimensões psicológicas, para além da planificação de carreira, da intensidade das motivações principais e das barreiras percebidas à concretização dos projectos de vida, já então introduzidas na primeira adaptação. Nesse sentido, foram agora incluídas outras dimensões psicológicas, tais como os estilos de pensamento (Questionário de Estilos de Pensamento, numa adaptação à população portuguesa por Miranda, 1994), a auto-estima (Escala de Auto-Estima, numa adaptação para investigação de Paixão, Silva, Leitão, & Miguel, 1998), a auto-eficácia (Escala de Crenças Gerais de Auto-Eficácia, numa adaptação para investigação de Paixão, 1997), e a ansiedade (Escala de Auto-Avaliação da Ansiedade, numa adaptação de Silva, Leitão, Paixão & Miguel, 1998). A totalidade das perguntas é de resposta fechada, devendo os sujeitos assinalar uma ou, em alguns casos, mais do que uma alternativa. As áreas abordadas são as seguintes: informações pessoais, estudos actuais, família de origem, avaliação da didáctica e dos docentes e auto-conhecimento e projectos pessoais de vida futura.

Procedimento

O estudo procurou determinar eventuais factores associados às situações de sucesso-insucesso académico na FCTUC. Nesse sentido, foram delimitados dois cursos de licenciatura que, segundo critérios definidos pelo presidente do Conselho Directivo deste estabelecimento de ensino e pelo Ministério da Educação (e.g. média dos resultados nas diferentes disciplinas curriculares, média final de licenciatura e tempo médio para conclusão do curso, aluno elegível), caracterizam um curso com sucesso académico (e.g., Geologia) e um curso com insucesso académico na mesma Faculdade (e.g. Engenharia Civil).

Dado que a problemática do sucesso-insucesso académico e dos seus determinantes é comum a todos os anos curriculares dos dois, cursos optou-se por proceder à passagem do questionário a uma amostra que abrangesse todos os anos de ambas as licenciaturas, numa percentagem (25%) julgada representativa da população envolvida neste estudo, e que respeitasse a proporcionalidade real existente entre as duas subpopulações. Apesar de nem sempre se ter conseguido respeitar esta percentagem nos diferentes anos curriculares dos cursos, por razões que se prendem essencialmente com a disponibilidade dos alunos e dos docentes envolvidos, ainda assim foi possível alcançar uma percentagem, por ano de escolaridade, que varia entre 16,6% e 28,3% na amostra total, oscilando entre os 5,3% e os 8,7% na subamostra do curso de Geologia e entre os 10,9% e os 19,8% na subamostra do curso de Engenharia Civil.

Quanto à modalidade de recolha dos dados, optou-se por atribuir a responsabilidade da tarefa à equipa executiva do CEIP da FCTUC, constituída por três psicólogos e por um licenciado da FCTUC. Os psicólogos receberam formação prévia sobre o questionário, tendo-se submetido a uma auto-aplicação do mesmo para esclarecimento de eventuais dúvidas que pudessem surgir no decorrer do seu preenchimento2. O licenciado da FCTUC, com funções essencialmente logísticas, agendou e coordenou a passagem do questionário. Para o registo dos dados em suporte informático e respectivo tratamento estatístico, foi elaborada uma base de dados em SPSS, versão 8.0 para Windows.

Resultados

Os resultados que se apresentam pretendem responder à questão fundamental do presente estudo, ou seja, identificar potenciais factores associados ao sucesso-insucesso académico, especificamente para as duas licenciaturas em análise. Deste modo, optou-se pela confrontação das duas subpopulações (Geologia e Engenharia Civil), em termos quer das variáveis demográficas (e.g. sexo e idade), quer das variáveis e dimensões sociais, pedagógicas e psicológicas (e.g. razões da frequência do Ensino Superior, nível de satisfação com o curso, avaliação da didáctica e dos docentes, planificação da futura carreira profissional) passíveis de poderem explicar o desempenho académico diferencial entre os alunos destes dois cursos de licenciatura da FCTUC.

A distribuição das subamostras de alunos por curso, sexo e idade apresenta-se no quadro 1.

Dado não existir uma proporcionalidade entre as amostras masculina e feminina, por curso e ano curricular de licenciatura, não procederemos à análise da eventual influência do sexo nas diferentes variáveis consideradas no questionário. A análise do quadro 2 respeitante à frequência relativa das diferentes razões invocadas para justificar o prosseguimento de estudos no Ensino Superior, permite constatar que as percentagens mais elevadas se distribuem pelas mesmas alternativas nos dois cursos, embora em termos absolutos não coincidam.

As razões mais evocadas são o desejo de ampliar e consolidar a formação, a obtenção de um emprego que proporcione uma boa remuneração e um bom estatuto social e, finalmente, o interesse específico pela respectiva área de estudo, correspondendo, respectivamente, às alternativas 1,3, 7 e 10. As alternativas 5 e 8,3 ser útil à sociedade e realizar expectativas familiares, respectivamente, constituem ainda, embora em menor escala, motivos que levaram estes alunos a prosseguir estudos neste nível de ensino3. As alternativas 1 e 3 são as que apresentam maior peso nas duas subamostras, o que aponta para o desejo de prolongar o percurso de formação por mais algum tempo, associado ao objectivo de melhorar o estatuto socio-económico. Se no primeiro caso (alternativa 1) esse desejo é quase equivalente entre os dois cursos, o objectivo que lhe está subjacente (alternativas 3 e 7) assume um maior pragmatismo para os alunos de Engenharia Civil que para os seus colegas de Geologia. O interesse específico pela respectiva área de estudos (alternativa 10) constitui, apenas, a terceira razão apresentada para justificar a frequência do Ensino Superior em ambas as licenciaturas. Analisadas conjuntamente, as alternativas mais escolhidas parecem salientar dois tipos de motivações subjacentes à frequência do Ensino Superior. Uma, essencialmente instrumental, relacionada com as implicações sociais decorrentes da obtenção de um título académico. Outra, mais intrínseca, relacionada com interesses específicos pelas respectivas áreas de estudo e que é operacionalizada através do aprofundamento desses conhecimentos científicos.

Na análise da figura 5, respeitante ao grau de satisfação que os alunos sentem face ao curso que frequentam, constata-se que em ambos os cursos há um certo equilíbrio entre o número de alunos satisfeitos e insatisfeitos.

Com o objectivo de analisar os possíveis determinantes subjacentes aos níveis de insatisfação sentidos em ambos os cursos, procedemos, em primeiro lugar, à análise da priorização das opões no acesso ao curso frequentado aquando da candidatura de acesso ao Ensino Superior e, em segundo lugar, à análise da disposição para a realização de uma possível mudança do curso frequentado. Da análise da figura 6, respeitante à frequência relativa aos níveis de priorização da escolha do curso no acesso ao Ensino Superior, salienta-se uma discrepância acentuada entre os alunos das duas licenciaturas.

Enquanto que, em Engenharia Civil, cerca de 84% dos alunos frequentam o curso que corresponde à sua primeira opção de candidatura e apenas 13% o fazem como segunda opção, o mesmo não acontece com a licenciatura em Geologia, em que apenas cerca de 10% dos sujeitos se candidataram a este curso como primeira opção, sendo que, na sua maioria (cerca de 79%) a opção pelo curso traduz uma escolha de segunda, terceira ou mesmo outra ordem inferior. A diferença registada ao nível da priorização das escolhas nos dois cursos poderia fazer pressupor um maior nível de satisfação por parte dos alunos de Engenharia Civil. De facto, quando confrontados com a possibilidade de poderem escolher livremente um novo curso universitário, apenas 7,5% dos alunos de Engenharia Civil, contra 31,2% de Geologia, se encontram dispostos a mudar de curso, enquanto que uma percentagem idêntica (12%) em ambos os cursos não consideram tal alternativa. Dado o facto de a nossa amostra contemplar alunos de todos os anos em ambas as licenciaturas, estes dados devem ser analisados sob reserva uma vez que os alunos dos primeiros anos podem revelar uma disposição diferente relativamente a uma possível mudança de curso.

Ao procedermos à análise das razões expressas pelos alunos que referem desejar manter-se no curso, embora alterando alguns aspectos associados à sua frequência, são os alunos de Engenharia Civil aqueles que se pronunciam mais claramente no que diz respeito à introdução de alterações, quer ao nível dos aspectos organizacionais (subjacentes ao funcionamento das aulas e à organização das matérias e das avaliações, entre outros), quer de aspectos de organização pessoal do processo de aprendizagem (como sejam, as estratégias de estudo e de aprendizagem, a gestão das relações interpessoais e a gestão do tempo). A análise destes dados faz pressupor que o nível de insatisfação manifestado pelos sujeitos poderá estar relacionado, não tanto com o nível de priorização das opções de escolha no acesso ao Ensino Superior mas, principalmente, com aspectos associados à organização pedagógica dos cursos e a estratégias pessoais de gestão das actividades académicas.

Procurámos avaliar também as percepções que os alunos têm do curso que frequentam. Neste sentido, o questionário permitiu recolher informações pertinentes acerca, designadamente, das condições institucionais de que dispõem, do apoio que lhes é prestado ao nível do processo de ensino-aprendizagem (quer por parte da própria instituição, quer por parte dos docentes), da relação professor-aluno e das competências, ideais e percebidas, para a actividade da docência.

Na avaliação das condições institucionais disponibilizadas para o funcionamento destes dois cursos, considerámos: os espaços e equipamentos; as bibliotecas, em termos da sua acessibilidade, apetrechamento bibliográfico e respectiva disponibilização aos alunos. Relativamente aos espaços e equipamentos (cf. figura 7), verifica-se que a avaliação dos alunos é francamente negativa em todos os parâmetros considerados.

Especificamente, e no que diz respeito às bibliotecas (cf. figura 8), embora os alunos reconheçam que estas se encontram bem apetrechas em termos da bibliografia necessária, merece avaliação negativa a sua acessibilidade em termos de horários e a disponibilização que fazem dos respectivos materiais bibliográficos.

No que se refere ao processo de ensino-aprendizagem, optámos pela recolha de dados acerca das percepções dos alunos relativamente: aos ratiae professor/aluno e alunos/aula (este último diferenciado em termos de aulas teóricas e de aulas práticas); às condições do ensino e da didáctica, designadamente, no que diz respeito à disponibilização de informação relevante na orientação pedagógica dos alunos com vista ao seu êxito no conjunto das disciplinas. No que se prende com os ratiae professor/aluno e alunos/aula, verificamos que, em ambos os cursos, as percepções dos alunos apontam no sentido que os ratiae actuais prejudicam o rendimento escolar, sobretudo o ratio alunos/aula, independentemente de se tratar de aulas teóricas ou práticas (cf. figura 9).

Relativamente às condições do ensino e da didáctica, especificamente naquilo que se refere às informações prestadas pelos docentes sobre os conteúdos programáticos, os objectivos e as metodologias de avaliação, aquando da apresentação das respectivas disciplinas, verificamos que as percepções dos alunos são globalmente positivas, embora se constate uma avaliação mais favorável por parte dos alunos de Engenharia Civil relativamente aos seus pares de Geologia (cf. figura 10). De entre os parâmetros submetidos à consideração dos alunos, verificamos uma centração na informação sobre os conteúdos programáticos em detrimento, quer da especificação dos objectivos a alcançar com a frequência bem sucedida da disciplina, quer das metodologias de avaliação em função desses mesmos objectivos.

Os docentes disponibilizam elementos destinados a facilitar o processo de ensino-aprendizagem, embora incidam particularmente, quer nas aulas teóricas, quer nas aulas práticas, em fontes bibliográficas e não tanto na facilitação de sínteses integradoras, na divulgação de estratégias de estudo adequadas à aquisição dos conteúdos ou mesmo na apresentação de exemplos-tipo de resolução de problemas. No que se prende com o cumprimento dos programas em ambos os cursos, regista-se uma maior preocupação com o cumprimento da componente teórica (89,0% e 84,9%, respectivamente Geologia e Engenharia Civil), em detrimento da componente prática (74,5% e 66,0%, Geologia e Engenharia Civil, respectivamente). Quando inquiridos sobre a inclusão da componente motivacional no processo de ensino-aprendizagem, com o intuito de procurarem envolver os alunos de uma forma activa na aquisição dos conteúdos programáticos, a maioria dos sujeitos de ambos os cursos (e.g. 70,0% e 68,5%, respectivamente, Geologia e Engenharia Civil) considera que os docentes não têm em conta esta dimensão.

Ao serem questionados sobre o tipo de relações que mantêm com os docentes, fora das aulas e das avaliações, 64,2% dos alunos de Geologia e 56,7% dos seus colegas de Engenharia Civil afirmam a ausência de qualquer tipo de relacionamento com os docentes, fora daqueles contextos. De entre aqueles que admitem procurar os seus professores fora das aulas e das avaliações (cf. figura 11), a maioria fá-lo com o intuito de pedir esclarecimentos sobre as matérias em estudo (e.g. 3), e não com o objectivo de solicitar apoio à identificação das estratégias de estudo mais adequadas à aquisição desses mesmos conteúdos (e.g. 1). De notar ainda a pouca importância que os alunos dispensam à componente prática da aprendizagem, traduzida na reduzida percentagem daqueles que procuram os seus docentes para a preparação de trabalhos e projectos (e.g. 4).

Solicitados a definirem o perfil de competências de um docente (cf. figura 12), quer em termos percebidos como ideais (e.g. competências ideais [I]), quer em termos do reconhecimento dessas mesmas competências no corpo docente dos respectivos cursos (e.g. competências percebidas [P]), os alunos avaliam muito positivamente os seus professores no que diz respeito à competência e actualização profissional, à paixão pela investigação científica e à capacidade de avaliação equitativa dos alunos. Porém, o perfil ideal e percebido diferem no que diz respeito à sua capacidade de estimulação do interesse dos alunos, à atenção e participação que dão aos problemas dos alunos, à falta de tempo para os atenderem e, finalmente, à capacidade e método de ensino.

Procurou-se analisar ainda o modo como, genericamente, os alunos de ambos os cursos tendem a organizar e a gerir as suas actividades de estudo e de aprendizagem em função das razões pelas quais se deslocam à faculdade, da organização e instrumentalidade reconhecidas à frequência das aulas e, finalmente, do modo como programam e gerem o trabalho pessoal.

Da análise do gráfico sobre este tema (cf. figura 13) o motivo mais frequente para a deslocação à faculdade é o acompanhamento regular das aulas (e.g. 2) em ambos os cursos, embora com uma ligeira vantagem no de Engenharia Civil. Esta tendência, porém, inverte-se no que se refere às três razões que os sujeitos assinalam de imediato com maior percentagem, designadamente, para encontrar colegas e amigos (e.g. 6), para frequentar a biblioteca (e.g. 7) e para realizar trabalhos/projectos (e.g. 8).

Constata-se, também, a existência de uma quantidade apreciável de alunos, 45,5% e 32,1%, Geologia e Engenharia Civil, respectivamente, que se deslocam à faculdade para estudar (e.g. 4).

A maioria dos alunos aponta um desajustamento entre as necessidades de formação e a organização das aulas, quando são solicitados a pronunciarem-se sobre a instrumentalidade que lhes reconhecem (cf. figura 14). De facto, a avaliação feita por ambos os cursos acentua o reconhecimento das aulas para a aprendizagem de matérias (e.g. 1) e para a realização de avaliações bem sucedidas (e.g. 2). Por outro lado, uma elevada percentagem dos alunos não considera que as aulas que frequentam sejam úteis para a aprendizagem de metodologias de estudo (e.g. 3) ou mesmo para o estabelecimento de contactos pessoais e de discussões, quer entre os pares (e.g. 4), quer entre estes e os seus docentes (e.g. 5).

Da análise da figura 15, relativa à organização pessoal das tarefas de estudo e de lazer, destaca-se a reduzida percentagem (e.g. cerca de 30,0%) de alunos de ambos os cursos que conseguem planificar adequadamente as suas actividades de modo a disporem de tempo para o estudo, a diversão e o descanso (e.g. 8). No que se prende com a gestão do estudo, são muitos os sujeitos que manifestam a sua preocupação com o facto de não terem um método de estudo (e.g. 3) ou de, quando o têm, não o conseguirem cumprir (e.g. 2). De facto, só 24,8% dos alunos de Geologia e 33,0% dos seus colegas de Engenharia Civil admitem o estabelecimento e cumprimento de um horário de estudo (e.g. 1), embora a percentagem daqueles que apenas estuda na véspera das avaliações não seja muito elevada (e.g. 4).

A motivação subjacente à activação e manutenção das actividades de estudo constitui uma das problemáticas mais marcantes nesta amostra. Com efeito, é elevada a percentagem de alunos que admitem ter dificuldade em iniciar o estudo das diferentes matérias (e.g. 9) e/ou que, quando tal acontece, o interrompem frequentemente para realizar outras actividades (e.g. 10). Complementarmente à dimensão motivacional, os alunos revelam ainda dificuldades associadas às competências cognitivas, nomeadamente, de atenção/ concentração (e.g. 6), de distinção entre o essencial e o acessório (e.g. 7) e de memorização (e.g. 11). Globalmente, dada a percentagem registada nesta amostra, os sujeitos avaliam-se positivamente relativamente aos hábitos de alimentação e de descanso (e.g. 12).

Conclusões

De um modo geral, podemos concluir que, relativamente à maior parte dos factores analisados nestes dois cursos (e.g. sucesso/insucesso), apenas se verificam algumas oscilações que, em princípio, não parecem justificar per se as diferenças verificadas em termos de resultados académicos em ambos os cursos. O facto de não se registarem diferenças significativas entre os dois cursos pode decorrer do enviesamento de, nesta fase da análise, não se ter procedido à separação, em cada um dos cursos, entre alunos com sucesso e com insucesso escolar. De entre aqueles factores que apontam para diferenças entre os cursos, a mais saliente é a que se reporta à ordem de priorização de entrada no curso. A maioria dos alunos de Engenharia Civil (83,6%) escolheu este curso como primeira opção, o que indica que ingressaram no curso desejado, facto que apenas foi possível porque as notas de ingresso no Ensino Superior lhes permitiram implementar a sua opção. Esta constatação faria pressupor que seriam os alunos de Engenharia Civil aqueles que deveriam estar melhor preparados para obter níveis de sucesso mais elevados, não apenas pela preparação recebida no ensino secundário (e. g. nota de ingresso mais elevada), como também pela motivação para frequentar o curso desejado (e. g. curso de 1.a opção).

No mesmo sentido apontam as diferenças verificadas no que se refere a uma tendência para serem os alunos de Engenharia Civil aqueles que revelam menos dificuldade na organização do estudo/aprendizagem (designadamente, no que se refere à organização de apontamentos, na separação entre o essencial e o acessório), na atenção/concentração e na manutenção de hábitos de vida saudáveis. Em contrapartida, são estes alunos aqueles que tendem a revelar uma percepção menos positiva acerca do corpo docente do seu curso. Muito embora considerem que, a nível do ensino e da didáctica, os professores fornecem informações iniciais sobre os objectivos, as metodologias de avaliação e um quadro integrador dos conteúdos das disciplinas que vão frequentar, estes mesmos alunos tendem a avaliar pior os professores no que respeita ao apoio dado aos alunos no processo continuado de ensino-aprendizagem, porque consideram que aqueles se centram, sobretudo, na apresentação de conteúdos e de informações sobre bibliografia complementar. Também são estes alunos aqueles que se pronunciam mais negativamente sobre a capacidade didáctica dos seus professores, sobre os seus métodos de ensino e sobre a sua capacidade para estimular e motivar os seus alunos. Destas percepções menos positivas decorre necessariamente uma avaliação menos favorável acerca da instrumentalidade e organização das aulas, admitindo que estas apenas servem para aprender as matérias que irão ser alvo de avaliação nos exames, não as reconhecendo como bem organizadas e estruturadas, considerando que se centram muito no ensino teórico e que, tanto as aulas práticas como as aulas teórico-práticas, apenas são úteis para aprofundar o conhecimento teórico. Em suma, a estrutura e funcionamento das aulas não parece a mais adequada às suas necessidades de formação. Muito embora estes resultados relativos aos alunos de Engenharia Civil possam apontar para alguns factores implicados no maior índice de insucesso registado, porém, não parece que só por si o justifiquem, uma vez que, embora com menos relevância, eles são igualmente referidos pelos alunos de Geologia. Pressupondo uma melhor preparação anterior, uma maior motivação e estratégias de estudo mais adequadas, por um lado, e constatando-se um maior índice de insucesso nos alunos do curso de Engenharia Civil, por outro, que factores/circunstâncias poderão explicar esta situação? Colocamos, em seguida, algumas questões que nos parecem pertinentes: (i) será que o curso de Engenharia Civil se reveste de um grau de dificuldade superior ao do curso de Geologia?; (ii) caracterizar-se-á a estrutura curricular do curso de Engenharia Civil por uma interdependência de conhecimentos fortemente hierarquizados que, associada à inexistência de precedências entre as disciplinas que apelam ao domínio desses conhecimentos, dificulta as aquisições sequenciais?; (iii) existirá, nos alunos de Engenharia Civil, uma maior dificuldade de adaptação às metodologias de ensino-aprendizagem específicas deste curso?; (iv) ou serão estas dificuldades a resultante da falta de uma orientação pedagógica com vista à apreensão da sequência de conhecimentos imprescindíveis a uma progressão no curso com sucesso?

Para dar resposta a estas questões torna-se necessário que, complementarmente à análise já realizada nos pontos anteriores, se proceda, também, à análise curricular dos dois cursos em termos da sua estrutura e funcionamento.

 

Notas

1Na impossibilidade de trabalhar, sobretudo nos planos preventivo e de intervenção, com todas as licenciaturas da FCTUC, optámos por nos centrar em apenas duas, apresentando uma delas índices elevados de insucesso (e.g., Engenharia Civil) e a outra, pelo contrário, uma taxa elevada de sucesso (e.g., Geologia).

2Os autores agradecem a colaboração dos licenciados Dora Goreti, Ana Isabel Melo, Ana Isabel Marques e António Macedo.

3As restantes alternativas são: (2) "Por não conseguir arranjar emprego"; (4) "Para melhorar a minha actual posição no emprego"; (6) "Porque os meus amigos também o fizeram"; (9) "Para dar continuidade à actividade de um familiar", e (11) para não me aborrecer em casa".

 

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