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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.13 no.1-2 Lisboa jan. 1999

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v13i1/2.564 

Efeitos da auto-estima e da auto-eficácia sobre a orientação social na negociação: Com negociadores profissionais

Social orientation in negotiation: effects of self-efficacy and self-esteem

 

Eduardo Simões*

*Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, Cegoc-Tea.

 


RESUMO

Os desvios da racionalidade cometidos sistematicamente pelos negociadores têm sido atribuídos a limitações do processamento de informação e à utilização de informação incompleta na tomada de decisão em situações de negociação. Contudo, a literatura sobre a cognição social descreve interferências das necessidades pessoais na racionalidade das decisões, envolvendo ilusões cognitivas motivadas. A hipótese explorada neste trabalho é a de que a necessidade de preservar a auto-percepção positiva da eficácia negocial pode conduzir os negociadores para uma orientação distributiva, menosprezando o potencial integrativo das negociações. Um grupo de negociadores profissionais (n=106) participou neste estudo. Os resultados mostram que os sujeitos com elevada auto-eficácia concebem a tarefa de negociação proposta de forma mais distributiva, enquanto que os sujeitos com menor auto-eficácia tendem a encará-la de modo integrativo. Este efeito parece ser moderado pelo nível actual de auto-estima. Estes resultados são discutidos no contexto das relações entre a motivação e a cognição e da crítica do modelo do percepcionador social enquanto avarento cognitivo.

Palavras-chave: Negociação; ilusões cognitivas; auto-eficácia; auto-estima; tomada de decisão.


ABSTRACT

Systematic deviations from rationality in negotiator's behaviour had been explained by the limitations of information processing and the use of incomplete information in decision making in negotiation. However, the literature on social cognition describes interference of personal needs in decision's rationality, involving motivated cognitive illusions. The hypothesis explored in this paper is that the negotiator's need to preserve positive self-perception of efficacy in negotiation can result in a distributive orientation dismissing the integrative potential of negotiation's issues. A group of professional negotiators (N=106) participated in this study. Results show that high self-efficacy subjects were prone to view the experimental negotiation task as distributive, whereas the low self-efficacy subjects perceived it as an integrative one. Level of State self-esteem may moderate this effect. Results are discussed within the framework of cognition-motivation links and critical approaches to cognitive miser model.


 

Na última década, um crescente conjunto de estudos tem vindo a mostrar como a persistência de enviesamentos de julgamento na negociação constitui um factor responsável pela dificuldade dos negociadores em alcançarem soluções integrativas, quer em disputas e conflitos sociais, quer na negociação profissional. Assim, por exemplo, as partes percebem frequentemente os seus interesses como sendo mais incompatíveis do que realmente são (Thompson & Hastie, 1990), subestimam a vontade de cooperação (Thompson & Hrebec, 1996) e possuem expectativas iniciais negativas quanto à possibilidade de obtenção de ganhos conjuntos (fixed pie assumption) assumindo a (1) inevitabilidade de uma solução distributiva (Bazerman & Carrol, 1987).

A explicação destes enviesamentos tem-se centrado em factores cognitivos, sendo frequentemente referidas as limitações da capacidade de processamento de informação como justificação destes desvios da racionalidade.

A literatura sobre o julgamento na tomada de decisão foca essencialmente dois problemas: como as pessoas se afastam da decisão optimizada e porque ocorrem tais desvios. O ponto de referência comparativo destas abordagens consiste num modelo tácito da tomada de decisão que supõe o acesso e processamento de informação completa e precisa. Os desvios em relação às decisões óptimas resultariam, assim, da utilização de informação incompleta e de heurísticas simplificadoras.

Mais raramente abordada é a questão das consequências pessoais das decisões racionalmente deficientes, nomeadamente no que respeita às dimensões emocionais e motivacionais. Ainda que de forma implícita, na maioria das concepções dominantes na pesquisa sobre a tomada de decisão, incluindo a teoria do comportamento de decisão, encontra-se subjacente a assunção racionalista de que uma compreensão rigorosa do mundo constitui condição de adaptação individual. As ilusões e crenças não racionais1 seriam fonte de insatisfação e de comportamentos inadaptados, ao passo que a precisão dos produtos cognitivos incrementaria a adaptabilidade e a satisfação dos indivíduos.

Com poucas excepções (e. g., Carnevale & Isen, 1986, Kramer et al, 1993), menor atenção tem sido dedicada à intervenção dos factores emocionais e motivacionais nos processos de julgamento social e de tomada de decisão na negociação.

Em contraste, nas literaturas popular e prescritiva da negociação faz-se apelo a factores afectivos e motivacionais enquanto suportes da competência negocial. Por exemplo, explora-se com insistência a suposta relação causal entre o optimismo e a autoconfiança dos negociadores e os resultados positivos obtidos na negociação.

A literatura sobre a cognição social (e. g., Taylor & Brown, 1988) descreve e estuda várias ilusões cognitivas que, ao mesmo tempo que impelem a tomada de decisões não racionais, parecem favorecer necessidades pessoais de auto-protecção e de auto-enaltecimento, tais como, por exemplo, o incremento da auto-estima ou o favorecimento da auto-apresentação. Nesse sentido, auto-percepções positivas, ainda que desviadas da racionalidade, poderiam ter um papel adaptativo para o sujeito.

Sabe-se também que os indivíduos tendem a julgar-se capazes de controlar acontecimentos que, na verdade, são aleatórios, como acidentes de viação (Robertson, 1977), ocorrências quotidianas (Crocker, 1982) ou os lances no jogo de dados (Langer & Roth, 1975). Nalguns destes casos, tais ilusões podem, simultaneamente, favorecer sentimentos de segurança pessoal quando na realidade potenciam ameaças à segurança em concreto. Se tomarmos como exemplo a ilusão de controlo sobre a possibilidade de ser vítima de um acidente de automóvel, verifica-se que se, por um lado, ela pode desencadear decisões não racionais (não utilizar o cinto de segurança, por exemplo) que põem realmente o sujeito em perigo, por outro, podem ser consideradas como suporte para a necessidade de reduzir a incerteza e o sentimento de insegurança pessoal provocado pelo reconhecimento da vulnerabilidade.

Em suma, na literatura sobre enviesamentos de julgamento na negociação as explicações predominantes baseiam-se no que Krebs e Denton (1997) denominam processos "frios" por oposição a processos "quentes". Os primeiros remetem para limitações das estruturas de processamento de informação, enquanto os últimos pressupõem a interferência dos interesses e das necessidades pessoais no modo como os indivíduos tratam a informação.

Para Tyler e Hastie (1991), estas "ilusões cognitivas baseadas na necessidade" distinguir-se-iam dos enviesamentos cognitivos por serem motivadas pelas metas e necessidades pessoais, ou seja, pela "presença de objectivos, adicionados ao, ou em lugar do, desejo de conhecer o mundo" (p. 72). Embora sejam concepções substancialmente coincidentes, as ilusões baseadas na necessidade poderiam ser distintas dos enviesamentos cognitivos, strictu senso, em três aspectos.

—    Assimetria: a deformação no julgamento ocorre sempre no sentido da protecção da auto-percepção, enquanto os enviesamentos cognitivos são "simétricos", isto é, tendem a sobrestimar ou a subestimar informação precisa, independentemente da relevância real desta para o sujeito.

—    Desvios da solução óptima: enquanto nos enviesamentos cognitivos estes desvios derivam da complexidade ou da incerteza da tarefa, nas ilusões baseadas na necessidade os mesmos devem-se a características da tarefa que se revelam pessoalmente ameaçadoras.

—    Aprendizagem: ao passo que nos enviesamentos cognitivos o feed back sobre a inadequação do processamento de informação no passado favorece a precisão de futuras decisões, nas ilusões motivadas por necessidades verifica-se a tendência para ignorar informação sobre decisões inadequadas no passado: por exemplo, o reconhecimento do "erro" pode ameaçar a ilusão de superioridade (na responsabilidade pelo sucesso, na posse de capacidades positivas, etc.).

Para o objecto que nos ocupa neste estudo, a distinção que detalhámos permite predizer que a crença em elevada competência pessoal na negociação pode impedir a obtenção de soluções integrativas dada a necessidade de preservar a ilusão de superioridade.

Por outro lado, no domínio emocional, se o afecto positivo parece facilitar a orientação integrativa na negociação (Carnevale & Isen, 1986), pela facilitação da relação pessoal entre as partes, também tende a promover uma expectativa exacerbada do desempenho: " se os negociadores mantêm, de forma irrealista, crenças optimistas acerca das suas capacidades e dos resultados a obter, podem evitar a aceitação de acordos que eles percepcionam como estando abaixo das suas aspirações" (Kramer et al, 1993, p. 125).

Revendo a literatura sobre o auto-enaltecimento, Fiske e Taylor (1991) fazem notar que os indivíduos com menor auto-estima ou moderadamente deprimidos, quando comparados com sujeitos com elevada auto-estima, processam a informação relevante sobre si próprios de uma forma menos enviesada e mais coincidente com a percepção de observadores independentes.

Constituindo a auto-estima e a auto-eficácia dimensões diferentes e independentes, poderão, todavia, interagir na manutenção de ilusões positivas sobre o desempenho negocial.

Como acentua Bandura (1997), "não existem relações fixas entre as crenças sobre as capacidades de um indivíduo e o facto de ele gostar ou não de si próprio" (p. 11). Contudo, a auto-avaliação de competência pessoal em domínios relevantes para o indivíduo constitui uma fonte óbvia de manutenção ou de incremento da auto-estima. Assim, por exemplo, um indivíduo com baixa auto-estima, mas com elevada auto-eficácia num dado domínio, pode servir-se dessa percepção para restabelecer um sentimento de valia pessoal. Ao invés, um défice (ocasional ou não) de auto-estima pode ampliar os efeitos da percepção de baixa auto-eficácia.

Note-se que neste estudo procuramos analisar o modo como os indivíduos concebem a negociação e não como se comportam em negociação. O objecto de análise é, pois, a representação do processo negocial e particularmente as expectativas de desempenho próprio e alheio.

Especificamente, procuramos avaliar a influência da auto-estima e da auto-eficácia negocial na concepção da orientação social sobre a negociação. Por esta última, entendemos a dicotomia clássica integração-distribuição.

Pretendemos analisar este efeito quer na concepção do desempenho próprio, quer na concepção do desempenho da outra parte. Neste último caso, interessa-nos verificar como os sujeitos representam os resultados próprios, os da outra parte negocial e a relação entre ambos.

Hipóteses

Tendo em conta o que foi referido anteriormente, esperamos que a orientação social na negociação seja afectada pela percepção de eficácia.

Especificamente, espera-se que a um nível elevado de auto-eficácia corresponda uma orientação social distributiva na negociação. Complementarmente, espera-se que o nível de auto-estima actue como variável mediadora deste efeito.

Método

Sujeitos

Participaram neste estudo 106 sujeitos cujas funções profissionais exigem o envolvimento frequente em negociações (técnicos e gestores comerciais, responsáveis de compras, chefes de projecto) e cuja experiência negocial varia entre três a 15 anos.

Procedimentos, tarefa e materiais

Como condição prévia, foi obtida uma medida de auto-eficácia negocial através de uma escala (EAN) construída para o efeito. A auto-estima, enquanto estado, foi avaliada utilizando uma versão revista da Escala de Inadequação Janis-Field. Os sujeitos foram, posteriormente, confrontados com um caso de negociação adaptado de Thompson (1990). Trata-se de uma negociação de recrutamento envolvendo um empregador e um candidato a um posto de trabalho, sendo o quadro negocial constituído por cinco assuntos (salário anual, percentagem de cobertura das despesas médias, número de dias de férias, prémio sobre lucros e data de entrada em funções), existindo cinco propostas alternativas para cada um deles. A cada uma destas propostas corresponde um número de pontos indicativo das preferências (e, indirectamente, dos ganhos possíveis) de cada parte negocial. Três dessas propostas, em três assuntos diferentes, são inteiramente compatíveis, sendo todas as restantes distributivas, mas possibilitando trocas equitativas.

Ao contrário das simulações classicamente utilizadas em pesquisa nesta área, na nossa versão do caso (que designámos por Imagine uma negociação) os sujeitos têm conhecimento do quadro negocial e das preferências da outra parte, tendo-lhes sido solicitado que, assumindo o papel do empregador, imaginassem os primeiros dois lances da negociação (proposta e contraproposta do candidato) e os termos do acordo final.

Variáveis independentes

Auto-eficácia negocial

A primeira das variáveis independentes, a percepção de auto-eficácia na negociação, corresponde à pontuação total e parcial obtida nas respostas à Escala AEN que se descreve em seguida.

A auto-eficácia na negociação foi medida através de uma escala de 11 itens seleccionados com base numa estudo prévio em que uma listagem exaustiva de condições de eficácia na negociação baseada na literatura prescritiva foi discutida por grupos de negociadores profissionais, num total de 34 sujeitos. Foram seguidas as indicações de Bandura (1995,1997) para a construção de instrumentos de medida da auto-eficácia que apontam para a utilização combinada da análise conceptual e do conhecimento de especialistas da área de actividade sobre a qual recai a medida de auto-eficácia.

Na escala original, cinco itens diziam respeito às competências de planeamento e preparação da negociação, enquanto os restantes incidiam no processo de condução da negociação.

Em todos os itens, os sujeitos indicaram em que medida se julgavam eficazes para atingir desempenhos específicos, utilizando uma escala de dez pontos.

Após análise das correlações item-teste das respostas obtidas aos 12 itens da escala original, foi decidido eliminar um dos itens por apresentar uma fraca correr lação item-teste. As correlações item-teste da escala definitiva situam-se entre 0,25 e 0,46 (p<0,001), sendo o alfa de Cronbach de 0,70.

Procedeu-se a uma análise factorial de componentes principais, com rotação Varimax, tendo sido extraídos dois factores que explicam 40,9% da variância.

O factor 1 é fundamentalmente definido por cinco itens da escala e corresponde à percepção de eficácia no planeamento da negociação. A consistência interna (alfa de Cronbach) dos cinco indicadores é de 0,74. O factor 2 corresponde principalmente aos seis itens relativos à percepção de auto-eficácia na condução da negociação, sendo a consistência interna de 0,62.

Deste modo, foi possível obter instrumentos de medida para duas áreas da eficácia negocial cuja autonomia, amplamente reconhecida nas abordagens prescritivas, tem sido acentuada na literatura empírica sobre negociação (Thompson, 1998).

Nível de auto-estima

Foi utilizada a versão revista da Escala de Inadequação Janis-Field desenvolvida e validada por Heatherton e Polivy (1991) composta por 20 itens destinados a avaliar a auto-estima enquanto estado, ou seja, a auto-percepção momentânea da valia pessoal. Neste estudo, foi utilizada uma escala de sete pontos em vez da original de cinco pontos. A consistência interna (alfa de Cronbach é de 0,72).

Variável dependente

A orientação social (integrativa versus distributiva) foi operacionalizada através de três indicadores.

—    Nível de aspiração: o valor, em pontos, da proposta inicial.

—    Ganho relativo: a diferença entre os valores do acordo, para as duas partes. Este indicador possui uma amplitude que vai de um máximo de 1020 pontos (acordo totalmente distributivo favorável ao sujeito) a —1020 pontos (acordo totalmente distributivo desfavorável ao sujeito).

—    Nível de concessões: a diferença entre valor da primeira oferta e o do acordo.

Resultados

Constata-se, em primeiro lugar, que a maioria dos sujeitos (84%) antecipou acordos favoráveis ou de soma nula.

Para a análise exploratória das respostas à tarefa de negociação (percepção do desempenho próprio e do desempenho da outra parte), consideramos, em primeiro lugar, as diferenças entre os valores das propostas e contrapropostas em cada lance da negociação em função da auto-eficácia negocial, elevada ou baixa (figura 1), e da auto-estima, elevada ou baixa (figura 2). A constituição dos grupos foi efectuada por corte a partir da mediana.

 

 

 

 

Verifica-se que, em ambos os grupos e em todos os lances, os sujeitos atribuem maiores ganhos a si próprios do que à outra parte. Contudo, apenas nos indivíduos com auto-eficácia elevada existe diferença significativa entre os dois valores do acordo final.

Destaque-se a existência, nos sujeitos com elevada auto-eficácia, de um padrão estável de percepção do desenrolar da negociação; as diferenças entre os valores das propostas e das contrapropostas aumentam progressivamente atingindo o máximo no acordo final.

O mesmo procedimento para a auto-estima gerou uma configuração idêntica de resultados, ou seja, os sujeitos com elevada auto-estima propõem um acordo final com ganhos próprios significativamente mais altos.

Com vista a analisar a interacção entre as variáveis que integram o nosso corpo de hipóteses efectuámos uma Anova Com o seguinte design: auto-estima (2) x auto-eficácia no planeamento (2) x auto-eficácia na condução da negociação (2), sendo a variável dependente a orientação social. Dado que esta variável foi acedida por várias medidas, efectuámos a análise considerando, sucessivamente, o nível de aspiração (valor do lance inicial), o ganho relativo (diferença entre os valores do acordo para as duas partes) e o nível de concessões (diferença entre o valor da proposta inicial e o do acordo final).

Nível de aspiração e ganho relativo

Nenhuma das variáveis independentes, por si só, parece afectar o valor do lance inicial.

No que respeita ao ganho relativo, detectou-se um efeito de interacção significativo, F(1,98)=4,46; p<0,03, entre a auto-eficácia no planeamento e a auto-estima na diferença entre os benefícios de cada uma das partes no acordo final. Assim, constata-se que os acordos mais equitativos são propostos por indivíduos com baixa auto-eficácia no planeamento e baixo nível de auto-estima (M=38,2). Os acordos mais desnivelados (M=179,3) correspondem à combinação de pontuação elevada na auto-eficácia no planeamento com pontuação baixa na auto-estima. Aparentemente, nos indivíduos em estado de baixa auto-estima, a auto-eficácia na preparação da negociação favorece uma orientação social competitiva.

Nível de concessões

No que respeita a este indicador, os resultados obtidos mostram um efeito significativo, F(1,98)=4,65, p<0,03, da auto-eficácia no planeamento sobre o nível de concessões. Os sujeitos com elevada eficácia fazem, portanto, menos cedências (M=77,5, DP=113,2) do que o grupo com baixa auto-eficácia (M=388, 2, DP=116,1). Verificam-se igualmente efeitos significativos, F(1,98)=4,2; p<0,04, das duas medidas de auto-eficácia (planeamento e condução), evidenciando que as concessões são máximas em indivíduos com baixos scores em ambas as sub-escalas e mínimas naqueles que se percebem, simultaneamente, como eficazes no planeamento e menos eficazes no desenrolar da negociação.

Finalmente, ao efectuarmos o mesmo tipo de análise ao efeito de interacção da auto-estima e da auto-eficácia no planeamento, detectamos que o mesmo é significativo, F(1,98)=5,22; p<0,02). Os sujeitos com baixa auto-estima apresentam o nível de concessões mais elevado (M=307,5) quando, simultaneamente, possuem baixa auto-eficácia e apresentam o menor nível de concessões (M=142,7) quando associada a elevada auto-eficácia.

 

 

 

 

Este resultado específico evidencia a possível natureza da interacção da auto-eficácia com a auto-estima na orientação social na negociação prevista nas nossas hipóteses, ou seja, um efeito de ampliação da influência da auto-eficácia. Assim, os sujeitos com baixa auto-estima e elevada auto-eficácia apresentam um orientação fortemente distributiva, evidenciada num nível mínimo de concessões. Pelo contrário, nos sujeitos com baixa auto-eficácia e com auto-estima deficitária o nível de concessões é máximo, potenciando uma orientação social integrativa.

Discussão

A primeira constatação do presente estudo é a da existência, na maioria dos sujeitos, de excesso de confiança generalizado na antecipação dos resultados do seu desempenho negocial. Este resultado confirma as repetidas referências a este fenómeno (overconfidence) na literatura sobre tomada de decisão na negociação (Bazerman & Neale, 1986,1992).

O conjunto dos resultados parece vir em apoio das nossas hipóteses no que respeita à relação entre a auto-eficácia e a orientação social. Aparentemente, o facto de se perceberem como eficazes fomenta, nos sujeitos deste estudo, uma orientação distributiva, o que sugere que um resultado negocial competitivo lhes serve como principal indicador confirmatório de eficácia. O facto de se tratar de profissionais, em que a competência negocial é crucial para a auto-percepção global do desempenho profissional, poderá constituir um factor adicional na explicação da exacerbação da percepção da eficácia própria.

A percepção de auto-eficácia no planeamento é mais preditiva da orientação social do que a percepção de eficácia na condução da negociação. Enquanto a primeira parece implicar uma clara posição distributiva, a última não apresenta relação significativa com os indicadores de orientação social. Dependendo unicamente do sujeito, o planeamento poderá gerar mais facilmente a ilusão de controlo, por oposição à condução da negociação, que, envolvendo o comportamento e as decisões da outra parte, introduz elementos de imprevisibilidade na percepção do desempenho próprio.

No que respeita à auto-estima, as conclusões gerais são congruentes com os estudos (Bandura, 1997) que lhe apontam um fraco poder preditivo do desempenho. Contudo, os resultados do presente trabalho apontam no sentido de que, no contexto da tomada de decisão na negociação, ela pode interagir com a auto-percepção da eficácia.

De um ponto de vista estritamente cognitivo, os dados obtidos permitem sustentar que a auto-eficácia negocial exacerbada pode levar os sujeitos a fixarem-se nos ganhos relativos como fonte essencial de informação sobre o seu desempenho e a ignorarem as diferentes informações favoráveis à consecução de acordos integrativos. Refira-se que, ao contrário de outros trabalhos (por exemplo, Pinkley et al, 1995), em que a orientação distributiva e a incapacidade de obtenção de acordos optimizados é atribuída à deficiente compreensão das preferências do oponente por indisponibilidade de informação, os sujeitos do nosso estudo possuem completo acesso à informação sobre a outra parte. O facto de se verificar, apesar desta completa disponibilidade de informação, que os sujeitos com auto-eficácia elevada tendem a propor acordos distributivos sugere a insuficiência de uma explicação centrada unicamente em deficiências de processamento de informação. Pelo contrário, estes resultados encorajam a construção de um modelo que inclua a motivação para sustentar auto-ilusões positivas e, em conformidade com estas, a ocorrência de erros sistemáticos de processamento de informação acerca dos interesses e preferências da outra parte. Tal como sugerem Ebhenbach et al. (1998) a propósito da relação entre a emoção e a precisão de julgamento nos conflitos sociais, tratar-se-ia mais de explicar o que motiva o percepcionador social a utilizar atalhos simplificadores da informação disponível (avarento cognitivo) do que assumir estas "deficiências" como agentes causais.

Dando sequência a esta linha de interpretação e tendo em conta os resultados do presente estudo, os sujeitos com menor auto-eficácia poderão estar mais disponíveis para integrar os critérios de decisão da outra parte e para detectar pontos de integração para uma solução negocial. Este efeito na orientação social não garante, naturalmente, que os mesmos sujeitos possuam as competências cognitivas necessárias para divisar as soluções óptimas. Sugere, contudo, que uma menor auto-eficácia, embora não incrementando a precisão de julgamento, poderá contribuir para remover ilusões auto-centradas e, em consequência, levar o indivíduo a relevar as informações sobre a outra parte.

Neste trabalho lidamos com percepções e sistemas de crenças, deixando em aberto a questão da relação entre estas e o desempenho concreto em situação de negociação. Segundo Bandura (1997), "o mecanismo que permite transformar o pensamento em acção opera por um processo de concepção-adequação"(p. 26), isto é, através de ajustamentos correctivos decorrentes da auto-monitorização das acções próprias a partir da detecção de informação relevante.

No caso da negociação, e ensaiando uma explicação "fria", a complexidade e a ambiguidade da informação envolvida poderão dificultar o seu processamento e levar o sujeito a estabelecer, de modo enviesado, uma relação de causalidade simples entre os ganhos relativos e a eficácia negocial. Por outro lado, na linha da nossa hipótese geral, factores de ordem motivacional, como a necessidade de preservar auto-ilusões positivas, poderiam concorrer para esse enviesamento. Se assim acontecer, as conclusões deste trabalho revelar-se-iam igualmente pertinentes a respeito do desempenho em situações concretas. A confirmação desta hipótese exige outro tipo de pesquisa em contexto organizacional, em particular em situações negocials em que os sujeitos estejam realmente envolvidos e em que os resultados da negociação possuam consequências pessoalmente relevantes.

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Notas

1Seguimos aqui a terminologia de Thompson (1998), distinguindo, por um lado, não racionalidade que refere decisões envolvendo comportamentos previsíveis, apesar de não conformes com a noção económico-utilitarista de racionalidade, e, por outro lado, irracionalidade, que diz respeito a decisões originando comportamentos imprevisíveis ou aleatórios.

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