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Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.13 no.1-2 Lisboa Jan. 1999

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v13i1/2.559 

A experiência de justiça e de injustiça nas organizações: Um estudo qualitativo

The experience of justice and injustice in organisational context

 

Sofia Arez Theotónio1; Jorge Vala2

1Universidade Católica Portuguesa, Lisboa.

2Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa.


 

RESUMO

Com o fim de estudar o tipo e relevância das experiências de (in)justiça nas situações de trabalho, realizou-se um estudo junto de 193 sujeitos de 18 organizações. Foi pedido aos participantes: a) que descrevessem uma situação em que se sentiram injustiçados pelo seu superior hierárquico (estímulo 1) ou na sua organização (estímulo 2); b) que referissem o que tomaria justa a situação descrita. Procedeu-se a uma categorização de episódios e a uma classificação por dimensões de (in)justiça, tendo em consideração os dois estímulos. Verificou-se uma saliência de aspectos distributivos nas situações de injustiça e de aspectos procedimentais e interaccionais nas situações de reposição da justiça. Por outro lado, a fim de estudar a organização estrutural dos episódios relatados, procedeu-se a uma análise factorial de correspondências múltiplas. Os resultados mostram que a idade e a antiguidade são as características posicionais que apresentam coeficientes de discriminação mais elevados. A estrutura factorial revela ainda que as situações de injustiça se organizam em tomo de aspectos distributivos e que às situações de injustiça se opõem formas de repor a justiça, que não são de tipo distributivo, mas, dominantemente, de tipo procedimental e interaccional. Os resultados são discutidos à luz da hipótese segundo a qual as percepções de justiça são bidimensionais e não bipolares.

Palavras-chave: Justiça; injustiça; organizações.


ABSTRACT

This study examined the experience of justice and injustice in organizations. 193 participants from 18 organizations were asked a) to describe an episode were they had felt unjustly treated by their supervisor (stimulus 1) or to describe a personal episode of injustice in their organization (stimulus 2); b) to describe what would have made this episode a just situation (justice claim). Episodes were categorized and classified in terms of (in)justice dimensions.

Results show that distributive dimensions shape injustice situations, and procedural and interactional dimensions shape justice claims. Moreover, in order to understand the structural organization of the episodes a multiple correspondence factor analysis was conducted. Results show that age and seniority are the organizational and social-demographic positions that have highest discrimination coefficients. This same analysis also showed that injustice episodes are structured around distributive dimensions. Conversely, justice claims are structured around procedural and interactional dimensions. The hypothesis that perceptions of justice are bi-dimensional rather than bipolar is discussed.


 

Introdução

A vida organizacional é resultante de processos de tomada de decisão que variam quanto ao grau de formalidade, complexidade e centralização, bem como quanto à visibilidade e relevância que adquirem quer para os indivíduos, quer para a organização. Porém, as decisões que afectam os indivíduos são sempre por estes avaliadas e julgadas.

Pesquisas anteriores têm vindo a demonstrar que os julgamentos de justiça relativos a decisões organizacionais têm implicações não só ao nível individual, mas também no próprio funcionamento das organizações, uma vez que afectam emoções, atitudes e comportamentos.

Tão importante como conhecer as consequências da percepção de (in)justiça nas organizações é identificar o que provoca sentimentos de injustiça e quais as formas de reposição da justiça. Estes factores, a que podemos chamar os determinantes da percepção de injustiça e de justiça, têm sido classificados na literatura como distributivos, procedimentais e interaccionais. Esta terminologia advém de estudos clássicos sobre a percepção de justiça a que nos referiremos em seguida.

O conceito de justiça distributiva foi introduzido, na psicologia social, por Homans (1961) e desenvolvido por Adams (1965) na sua teoria da equidade. Saliente-se o facto de esta perspectiva se referir à justiça percebida na distribuição de recursos, sejam estes económicos, simbólicos ou emocionais. Isto é, centra-se nos julgamentos que os indivíduos fazem relativamente aos resultados que obtêm numa qualquer interacção. Posteriormente, Thibaut e Walker (1975) chamam a atenção para os processos que antecedem os resultados ou decisões: não são apenas os resultados que são alvo dos julgamentos dos indivíduos, os procedimentos usados na tomada de decisão são, igualmente, objecto de avaliações. Estes autores identificam dois determinantes da percepção de justiça procedimental: o controlo do processo e o controlo da decisão. Em contexto organizacional, estes conceitos têm sido traduzidos, respectivamente, por "voz" (oportunidade de expor o ponto de vista ou participação no processo de tomada de decisão) e por "escolha" (oportunidade de influenciar a decisão).

Leventhal (1980), procurando também identificar procedimentos considerados importantes para que a decisão seja percebida como justa, definiu um conjunto mais alargado de "regras procedimentais": a regra da consistência; da imparcialidade; da precisão da informação; da adaptabilidade; da representatividade e da moralidade.

A partir dos trabalhos pioneiros de Thibaut e Walker e de Leventhal, justiça distributiva e justiça procedimental passaram a ser conceitos básicos nos estudos sobre percepção de justiça, referindo-se a duas dimensões duma mesma realidade. Mais tarde, Bies e Moag (1986) identificaram uma terceira dimensão — a justiça interaccional. Segundo estes autores, a esta última refere-se às percepções sobre a qualidade do tratamento interpessoal recebido nos processos organizacionais. Frequentemente, esta dimensão é considerada um aspecto específico da justiça procedimental. Todavia, Bies e Moag consideram-na uma dimensão independente e apenas respeitante à relação e à comunicação entre os sujeitos e não aos processos formais, estes, sim, de ordem claramente procedimental.

Uma questão que importa examinar é a de saber se e em que medida as pessoas, de uma forma geral, e os actores organizacionais, em particular, distinguem as diferentes dimensões de justiça que a pesquisa identificou. Outra questão refere-se à saliência que as pessoas conferem às dimensões de justiça e aos aspectos que as configuram quando, na vida quotidiana, e na vida organizacional, clamam por justiça ou avaliam um acontecimento como injusto. Este estudo, realizado em contexto organizacional, visa responder a estas questões, procurando contribuir para o enriquecimento da pesquisa já realizada neste domínio.

Uma das formas de responder às perguntas referidas consiste em confrontar os inquiridos com uma lista mais ou menos longa de factores presentes nos julgamentos de justiça, solicitar que assinalem a importância que conferem a esses factores e, posteriormente, sujeitar as respostas obtidas a análises de tipo factorial. Vários estudos seguiram este procedimento. Entre eles, um estudo realizado por Alexander e Ruderman (1987), que permitiu verificar que os actores organizacionais distinguiam claramente os aspectos relacionados com a justiça distributiva e os aspectos relacionados com a justiça procedimental. Um outro estudo, realizado por Greenberg (1986a), com base em perguntas fechadas, respostas escaladas e posterior tratamento factorial, mostra que as pessoas distinguem os aspectos procedimentais e distributivos nos julgamentos sobre a avaliação de desempenho, e que conferem igual importância a estas duas dimensões de justiça quando avaliam a qualidade daquele processo. Mais recentemente, Tyler, Degoey e Smith (1996) identificaram, através de métodos semelhantes, duas dimensões de percepção de justiça—uma que se refere a questões instrumentais (justiça distributiva e procedimental) e outra a questões relacionais (justiça procedimental e interaccional).

Contudo, estes estudos podem ser criticados pelo facto de imporem aos respondentes um conjunto limitado de aspectos relacionados com a justiça, e pelo facto de as soluções factoriais apenas reflectirem a proximidade semântica entre os itens apresentados aos inquiridos. Estas possíveis insuficiências metodológicas levaram diversos autores a optar por metodologias mais qualitativas, embora recorrendo a procedimentos estatísticos adequados ao tratamento de dados qualitativos. O método qualitativo, com questões abertas, posteriormente sujeito a análises estatísticas, tem sido, assim, utilizado por diversos autores em estudos sobre a justiça, em contextos vários e com diferentes objectivos.

É no quadro destas preocupações que Messick, Bloom, Boldizar e Samuelson (1985) realizaram um estudo que se baseava em descrições de episódios justos e injustos, passados na vida quotidiana, cujos protagonistas eram ora o próprio, ora outrem. Estes autores verificaram a existência de um enviesamento egocêntrico nas descrições e, mais importante para nós, encontraram diferenças significativas no tipo de episódios relatados. Obtiveram assim quatro tipologias diferentes de episódios em função do actor (eu/eles) e do facto de se tratar de situações justas ou injustas. Os autores referem ainda que a maioria dos acontecimentos descritos se situa no âmbito das relações interpessoais (e. g. consideração, delicadeza) e não em factores distributivos ou procedimentais, áreas sobre as quais a investigação acerca da justiça mais se tinha debruçado até então.

Lipkus (1992), numa pesquisa que também parte de perguntas abertas, testa um modelo explicativo da avaliação de um acontecimento como injusto, segundo três parâmetros: questões de merecimento (deservingness), questões de justiça interaccional e questões de auto-imagem. Os resultados mostram que o modelo de partida se adequa, globalmente, à estrutura encontrada nas respostas sobre acontecimentos injustos na vida quotidiana. Repare-se que aqui o objectivo era saber o que torna injusto um acontecimento e, mais uma vez, factores não distributivos emergem dos resultados obtidos.

Um outro estudo sobre a percepção de injustiça na vida quotidiana, com base em descrições abertas, foi realizado por Glayton (1992). Este autor procurou uma tipologia de acontecimentos injustos, mas também as possíveis reacções que os sujeitos (não os mesmos) teriam a esses acontecimentos. Os resultados sugerem que os padrões de justiça variam de situação para situação e consoante o tipo de relação existente entre os sujeitos envolvidos, e que a justiça pode ser pensada em diferentes âmbitos — mais societal ou mais individual. As reacções são também diversas em função de características individuais e constrangimentos situacionais. De qualquer modo, a autora confirma o facto de muitas situações descritas não se reportarem a violações de factores distributivos ou de factores procedimentais e que há outros critérios para definir oqueé injusto, embora não chegue a tipificar esses outros critérios.

Um dos programas de pesquisa mais sistemático neste campo foi conduzido por Mikula (Mikula, Petri, Tanzer et al, 1990; Mikula, 1993). Os resultados do primeiro estudo conduzido por Mikula e colaboradores põem em evidência a saliência que as pessoas conferem aos aspectos da percepção de injustiça relacionados com a qualidade do tratamento recebido, e não apenas, embora também, com aspectos distributivos e procedimentais. Em 1993, Mikula publica um outro artigo em que apresenta os resultados de vários estudos, tendo como objectivos: criar uma tipologia de incidentes percebidos como injustos na vida quotidiana, encontrar os elementos que mais contribuem para os julgamentos de injustiça e ainda destacar as diferenças de perspectivas sobre o mesmo acontecimento injusto entre as descrições do seu agente e da sua vítima. De novo, o conjunto de resultados apresentados salienta a importância dos factores interaccionais na percepção da injustiça.

Exceptuando dois dos estudos relatados no programa de investigação de Mikula (1993) (em que os sujeitos eram casais ou amigos), todas as investigações referidas são baseados em descrições de episódios injustos (e justos apenas no caso de Messick et al., 1985) por parte de estudantes universitários. Estamos, assim, perante populações bastante homogéneas (em idade, formação, actividades e, eventualmente, no próprio tipo de experiências de injustiça vividas). Por outro lado, todos estes estudos se centram em episódios da vida quotidiana, o que inclui uma diversidade de contextos e de tipos de relação entre os actores, o que nem sempre é tido em consideração e comparativamente analisado. Nalguns casos, os episódios relatados podem até não ter sido vividos directamente pelos inquiridos (e. g. Clayton, 1992) . Porém, estas limitações não obstam a que se possa concluir destes trabalhos que a justiça distributiva não é sempre o aspecto central num julgamento de injustiça e que o relato de uma injustiça tem características diferentes em função do actor: vítima versus observador (Messick et al., 1985) ou vítima versus agente (Mikula, 1993) . A pergunta que agora podemos fazer é, então, a seguinte: será que, também nos contextos organizacionais, os julgamentos de justiça não se restringem aos aspectos distributivos?

Apresentamos, em seguida, estudos sobre a percepção de justiça e as dimensões de justiça, realizados em contextos organizacionais, com base em metodologias qualitativas e que procuraram responder à questão que formulámos.

Num trabalho de Bies e Moag (1986), já citado, trabalho este em que, pela primeira vez, se propôs a autonomização conceptual da justiça interaccional, os autores apresentam um estudo sobre a percepção de justiça numa situação específica da vida organizacional — o processo de selecção. Trata-se de um processo em que os aspectos distributivos (por exemplo, ser ou não seleccionado) e procedimentais (por exemplo, critérios de selecção) parecem ser muito relevantes. No entanto, os sujeitos interrogados (pergunta aberta) sobre o que torna o processo de selecção justo e injusto salientam sobretudo factores comunicacionais relacionados com a qualidade do tratamento recebido. Um outro estudo, conduzido por Singer (1992), examinou, especificamente, através de métodos qualitativos e depois quantitativos, os aspectos de justiça procedimental suscitados, também, pelos processos de selecção. Ainda em contexto organizacional, mas noutra situação específica, a avaliação do desempenho, Greenberg (1986b) pergunta aos sujeitos o que é que, acima de tudo, determina a justiça de uma avaliação de desempenho. O autor obtém respostas diversificadas mas que, depois de classificadas, incluíam 56% de aspectos procedimentais e 39% de aspectos distributivos, sendo apenas 3% as respostas que não se enquadravam em nenhuma destas categorias (note-se que este autor não reconhece a autonomia da dimensão interacional da justiça, considerando-a um aspecto da dimensão procedimental da justiça). Este estudo levanta um problema importante do ponto de vista da análise da saliência das dimensões de justiça: analisadas em termos de frequência de respostas, verifica-se uma maior saliência da dimensão interaccional do que da distributiva, contudo, procedendo a uma análise com base em atribuições de grau de importância ambas as dimensões apresentam uma valoração idêntica (Greenberg, 1986a).

Ainda nos anos 80, Sheppard e Lewicki (1987) realizaram um estudo com 44 executivos que realizavam um MBA (segundo os autores, trata-se de uma população homogénea, pois os inquiridos trabalham em duas empresas da mesma área e ocupam o mesmo nível hierárquico). Os investigadores solicitaram aos sujeitos que relatassem episódios passados com o seu superior hierárquico em sete áreas de actuação típicas dos gestores (por exemplo: motivação, planeamento, delegação, etc.), áreas estas consideradas relevantes para a percepção da justiça nas organizações. Era ainda pedido aos sujeitos que referissem se esses actos eram justos ou injustos e qual fora o princípio/regra, observado ou ignorado, que tornou o acto justo ou injusto. Foi então criada uma tipologia de acontecimentos centrada no conteúdo, independentemente dos actos serem justos ou injustos. Os autores concluem que há regras ou normas de justiça que incidem sobre resultados, outras sobre procedimentos e outras sobre processos (acções específicas num procedimento esporádico).

O conjunto dos estudos relatados mostra que as avaliações de justiça não se reduzem a questões distributivas, que as questões procedimentais são também importantes, bem como aquelas que se referem à qualidade da interacção (justiça interaccional), ao mesmo tempo que evidenciam uma grande continuidade nos resultados obtidos na vida quotidiana e em ambientes organizacionais.

Contudo, os estudos analisados não consideram de forma sistemática a possível distinção entre a experiência da justiça e a experiência da injustiça ou não entram em consideração com esta distinção na análise de dados. De facto, a nível das relações na vida quotidiana todos eles incidem apenas sobre a experiência da injustiça (Lipkus, 1992; Clayton, 1992; Mikula, 1993), com excepção da pesquisa de Messick et al. (1985). A nível do contexto organizacional, dois dos estudos incidem sobre a percepção de justiça (Greenberg, 1996b; Singer, 1992) e dois recaem sobre actos percebidos como justos ou injustos (Bies e Moag, 1986; Sheppard e Lewicki, 1987), mas esta distinção não é explorada. Poderemos assumir que as diferentes dimensões de percepção de justiça estão presentes com igual saliência na organização da experiência da injustiça e da justiça? No domínio das emoções, sabemos que a tristeza não é o oposto da alegria e, no domínio do estudo das atitudes, trabalhos recentes têm vindo a pôr em causa a sua bipolaridade para propor uma concepção ortogonal das dimensões positivas e negativas das atitudes (Cacioppo, Gardner e Berntson, 1997), perspectiva que questiona mais de cinquenta anos de pesquisa neste domínio. Também a velha teoria de Herzberg sobre a motivação no trabalho considera que os factores que causam satisfação não são idênticos àqueles que causam insatisfação (e. g Herzberg, 1996). Uma questão a examinar será, então, a de saber qual a semelhança entre a experiência de justiça e de injustiça. Terão estas duas experiências os mesmos antecedentes?

Outras questões complementares são, ainda, objecto desta pesquisa: duas questões teóricas e uma de ordem metodológica.

A primeira questão de ordem mais teórica é-nos suscitada pelas pesquisas de Mikula (1993). Nestas pesquisas, o autor chama a atenção para a pertinência da relação entre a saliência das dimensões de justiça e os contextos de interacção (por exemplo, formais versus informais ou hierárquicos versus simétricos). A hipótese que propõe é a de que a dimensão interaccional da justiça será mais saliente em contextos de relação simétrica e próxima. Esta hipótese levou-nos a perguntar se, em contextos organizacionais, os aspectos interacionais da percepção de injustiça não serão mais salientes quando é activada a relação com o superior hierárquico, uma relação assimétrica mas continuada, do que quando é activada, de forma indiferenciada, a vida em contexto organizacional.

Por outro lado, os estudos que citámos incidiram sobre populações na sua maioria homogéneas ou apenas compostas por estudantes universitários. Esta restrição levou-nos a interrogarmo-nos sobre o papel das posições organizacionais dos inquiridos na estruturação da sua experiência de justiça e injustiça. Realizámos, assim, um estudo junto de actores organizacionais muito heterogéneos e inseridos em organizações diversificadas.

Finalmente, dentre os estudos citados, verifica-se que apenas o de Sheppard e Lewicki (1987) incide sobre uma gama aberta de processos organizacionais. Todos os restantes estudos se restrigem a processos organizacionais específicos (selecção e avaliação de desempenho). Tendo presente a questão que anteriormente colocámos, considerámos pertinente não reduzir o campo de experiência dos entrevistados, solicitando que relatassem experiências em qualquer campo da vida organizacional.

Este estudo visa, assim, estudar as experiências de injustiça e justiça em contextos organizacionais, através de técnicas qualitativas, e propõe-se responder aos seguintes objectivos: identificar acontecimentos relevantes em termos da percepção de (in)justiça; verificar a adequabilidade das taxonomias científicas de classificação das percepções de justiça para categorizar a diversidade de acontecimentos recolhidos; comparar as experiências de injustiça e de justiça; averiguar se há diferenças na percepção de (in)justiça em função das posições organizacionais; verificar se existem diferenças significativas a nível das categorias e dimensões de (in)justiça, em função dos contextos relacionais em que os inquiridos são convidados a situar as suas experiências.

Método

Sujeitos

O questionário foi aplicado em 18 organizações diferentes e diversificadas no que respeita à sua dimensão e ramo de actividade (organismos estatais, empresas privadas e públicas, industriais e de serviços), e situadas na zona da Grande Lisboa. Todavia, todos os sujeitos trabalham, nas respectivas organizações, na área dos serviços, embora em campos e em categorias profissionais bastante diversas. Preencheram o questionário 193 sujeitos, cuja caracterização sociodemográfica e organizacional se pode ver no quadro 1. Do total dos sujeitos, 108 receberam o estímulo 1 ("superior hierárquico"), e os restantes 85 o estímulo 2 ("organização" em geral).

 

 

Procedimento

Este estudo foi feito com base num pequeno questionário que continha duas questões abertas. Na primeira, era solicitado aos sujeitos que relatassem "uma situação em que se sentiram injustiçados pelo seu superior hierárquico" (estímulo 1; 56%) ou que relatassem "uma situação em que se sentiram injustiçados na Organização onde trabalham" (estímulo 2; 44%). Na segunda questão, os sujeitos, independentemente do estímulo que haviam recebido na primeira questão, eram convidados a relatar "o que bastaria para que a mesma situação fosse justa". Finalmente, eram ainda pedidos os seguintes dados sobre a identidade dos sujeitos: sexo, idade, habilitações, antiguidade na organização e sector de actividade da organização. O questionário foi preenchido individualmente, no próprio local de trabalho, e devolvido em envelope fechado e anónimo. A análise de dados foi realizada em duas fases.

Primeira fase: dos 193 questionários, foram considerados 190 casos no que se refere aos episódios de injustiça. Quanto à segunda questão (justiça) retiveram-se para análise 174 casos. Os restantes foram excluídos por conterem, numa das questões, respostas não explícitas ou mesmo não respostas, não tendo, por isso, sido classificados. Quando os sujeitos referiam mais do que uma situação de injustiça ou justiça, optou-se por reter apenas a primeira referência. Estes casos foram agrupados com base na semelhança dos seus conteúdos. Do agrupamento dos casos de injustiça resultaram 22 categorias diferentes. Do agrupamento dos casos de justiça resultaram 15 categorias. O processo de categorização foi validado por dois juízes.

Com base neste processo não foi possível classificar três situações de injustiça e 19 situações de justiça.

Posteriormente, as várias categorias de episódios foram agregadas de acordo com as três dimensões teóricas de percepção de justiça: justiça distributiva, justiça procedimental, justiça interaccional (esta operação foi também validada por dois juízes). Como nos interessava a relação entre os episódios de justiça e injustiça e a continuidade entre a primeira e a segunda fases de análise dos dados, optou-se por excluir da amostra: todos os sujeitos que não tivessem respondido a uma das questões (justiça ou injustiça); que tivessem respostas não explícitas nalguma dessas questões; e ainda aqueles cujos episódios relatados se referissem a categorias com uma frequência inferior a três. Este último critério decorre de exigências da AFCM (ver segunda fase). De qualquer forma, este último critério levou apenas à exclusão de duas categorias, classificadas como procedimentais e relativas ao estímulo injustiça. Destas operações resultaram 169 casos válidos.

Segunda fase: as variáveis de posicionamento organizacional / sociodemográficas e as variáveis injustiça, justiça e estímulo (superior hierárquico versus organização) foram sujeitas a uma análise factorial de correspondências múltiplas (AFCM), com recurso ao programa Homals. Esta análise visava a compreensão da estrutura dos episódios descritos em função das variáveis referidas.

Resultados e discussão

Saliência e organização dimensional das categorias de percepção de (in)justiça

Da classificação em categorias, baseada nas semelhanças entre os episódios relatados, obtiveram-se 20 categorias de injustiça e 15 categorias referentes à reposição da justiça nas mesmas situações. Os quadros 2 e 3 permitem conhecer a frequência de cada categoria e a sua organização dimensional. Atendamos primeiro apenas à sua frequência, independentemente da respectiva dimensão.

 

 

 

 

Podemos verificar que os casos de injustiça mais frequentemente citados (por mais de 10 sujeitos) estão relacionados com não-promoções; com remunerações; acusações de incompetência por parte do superior hierárquico; critérios de atribuição de funções e cargos; falta de imparcialidade ou discriminação; atribuições de trabalho, funções ou responsabilidades em excesso; quebra de promessa; e a falta de reconhecimento do trabalho ou do mérito. Estas são, pois, as situações que mais provocam sentimentos de injustiça nos inquiridos. Quanto à forma de tornar justas as situações injustas descritas, os sujeitos referem mais frequentemente os seguintes factores: alteração dos critérios de remuneração, de promoção e de avaliação do desempenho; que os superiores hierárquicos tenham valores éticos (onde incluímos questões deontológicas, cumprimento de promessas, etc.); distribuição de recompensas (categoria em que incluímos os sujeitos que "pediam" aumentos salariais, prémios, regalias sociais ou promoções); o reconhecimento do trabalho, do esforço despendido; diálogo e relações interpessoais de maior proximidade com as chefias; alteração dos critérios de atribuição de tarefas e imparcialidade na tomada de decisão. Estes resultados permitem desde já verificar que o estímulo injustiça suscita mais referências a aspectos distributivos do que o estímulo justiça.

E ainda importante verificar, nos episódios relatados, a saliência de aspectos em que está subjacente a noção de (in)equidade proposta por Adams (1965). Veja-se a quantidade de inquiridos que se referem, por exemplo, às remunerações e ao reconhecimento do seu trabalho. Da mesma forma, os factores procedimentais voz e escolha referidos por Thibaut e Walker (1975) estão também presentes quer pela negativa, nas situações de injustiça, quer nas situações de justiça, embora não possamos dizer que apresentem valores muito relevantes. Relativamente às regras procedimentais de Leventhal (1980), os episódios relatados remetem para algumas delas. A imparcialidade e a diferenciação entre pessoas, que incluímos numa só categoria, estão contidas nas regras da "supressão de enviesamentos" e da "consistência" (dos procedimentos entre as pessoas e no tempo). A regra da "precisão da informação" contém em si a nossa categoria referente à recolha de informação. Por fim, registámos, também, episódios relacionados com a regra da "moralidade e ética" (valores éticos; quebras de promessa).

Atendamos agora às dimensões de percepção de justiça suscitadas pelo estímulo injustiça (quadro 2) e justiça (quadro 3). Gomo mostram os resultados, a classificação dos episódios relatados de acordo com a taxonomia teórica que hoje organiza os estudos sobre a percepção de justiça permitiu classificar a totalidade das situações. Desta forma, e tanto quanto este tipo de metodologia o permite afirmar, podemos concluir que a taxonomia implícita dos actores organizacionais sobre as dimensões de percepção de justiça é representável pela taxonomia teórica que a pesquisa, neste domínio, utiliza. Além disso, estes resultados mostram, tal como outros autores já haviam referido (e. g. Bies e Moag, 1986; Messick et al, 1985; Mikula et al. 1990; Mikula 1993)/ que não são apenas os factores distributivos e procedimentais os relevantes para a percepção da justiça, os aspectos interaccionais têm também peso considerável. Repare-se nas frequências dos factores interaccionais, igualmente presentes na pesquisa de Bies e Moag (1986), relacionados com a qualidade da comunicação (por exemplo: diálogo, explicação/justificação) e com a delicadeza no tratamento

A classificação dos episódios em dimensões permite ainda responder a uma das perguntas que formulámos: estarão as diferentes dimensões de justiça igualmente presentes quando se fala de injustiça e de justiça nas organizações?

Se atendermos às figuras 1 e 2, verificamos uma acentuada incidência da dimensão justiça distributiva aquando da descrição de episódios de injustiça, o que se contrapõe à sua menor frequência quando se refere a reposição de justiça (χ2=55,40; g.l.=2; p<0,001). O mesmo padrão de resultados, como se pode ver no quadro 4, ocorre também quer o estímulo seja a organização (χ2=17,25; g.l.=2; p<0,Q01), quer o estímulo seja o superior hierárquico (χ2=35,24; g.l.=2; p<0,001).

 

 

 

 

 

 

Mais importante do que o simples exame das diferenças na saliência das dimensões suscitadas pela evocação da injustiça e pela evocação da justiça é a relação entre os factores evocados em cada caso. Se as questões distributivas (por exemplo, as remunerações e as promoções) estão fortemente presentes quando se evoca a injustiça, não é dessas questões que se trata quando se fala da reposição de justiça. Por exemplo, um episódio que Mata uma injustiça relacionada com o aumento salarial não é seguido por um pedido de revisão desse aumento, mas sim pela "alteração dos critérios que determinam os aumentos". Uma possível explicação para este facto prende-se com o tipo de relação e o contexto em causa: trata-se de uma relação de longa duração. Nesta, o sujeito não tem necessidade de repor o estado de equidade imediatamente. A alteração pontual do resultado não torna justa à situação, mas sim a mudança de procedimentos, dos critérios existentes na organização e/ou do comportamento e atitudes do superior hierárquico face ao sujeito, o que, em princípio, torna mais duradoira a situação de justiça. A predominância de uma ou outra das dimensões da justiça prende-se, assim, com o facto de o sujeito se centrar na faceta injusta ou justa de um mesmo acontecimento.

Os resultados apresentados no quadro 4 permitem ainda responder à nossa hipótese relativa a diferenças na evocação das dimensões de justiça decorrentes do tipo de estímulo (organização versus superior hierárquico). Como os resultados comentados anteriormente já sugeriam, não se verificam diferenças estatisticamente significativas em função do estímulo, nem no caso da percepção de injustiça (χ2=4,41; g.l.=2; p=0,ll), nem da percepção de justiça (χ2=1,57; g.l.=2; p=0,46). Estamos, assim, perante um padrão de resposta que parece manter-se estável ao longo das diferentes situações de conflito e dos diversos tipos de interacção em contexto organizacional. Poderia pensar-se que um agente de injustiça concreto (o superior hierárquico) provocasse no sujeito um tipo de imagens de injustiça diferente das suscitadas por um estímulo mais indefinido como é a vida numa organização. Ora, tal não sucede de forma significativa, embora, tendencialmente, as pessoas que se reportam a um actor concreto refiram mais episódios que têm a ver com a relação interpessoal. Por sua vez, os sujeitos que recordam um episódio na organização referem mais aspectos procedimentais.

Análise estrutural: percepção de (in)justiça, tipos de interacção e posições organizacionais

As análises anteriores permitiram-nos verificar quais os domínios da vida organizacional mais salientes no âmbito da percepção de (in)justiça, em termos das suas categorias e dimensões, e ainda analisar as diferenças de experiências suscitadas pelo estímulo justiça e injustiça, além da homogeneidade das dimensões de justiça evocadas nas relações com o superior hierárquico e perante o estímulo genérico "organização ". Apresente análise visa compreender as inter-relações entre as variáveis anteriormente estudas: injustiça, justiça e estímulos. Como uma das nossas interrogações contemplava o papel das variáveis posicionais organizacionais / sociográficas na organização das experiências de (in)justiça, considerámos um quarto bloco de variáveis: as posicionais. A análise multidimensional realizada é uma AFCM (método Homals).

Foram extraídas três dimensões com valores próprios aceitáveis. Os coeficientes de discriminação de cada variável são apresentados no quadro 5. Assim, verificamos que na primeira dimensão as variáveis mais salientes são as variáveis injustiça, antiguidade e justiça e, embora com valores mais baixos, o estímulo e a idade. Na segunda dimensão, temos valores mais elevados nas medidas de discriminação para as variáveis injustiça e justiça, e, ainda, idade e antiguidade; e na terceira dimensão, estes valores são mais elevados para as variáveis injustiça e justiça.

 

 

As coordenadas das categorias das variáveis mais discriminantes podem ser observadas no quadro 6. Nas figuras 3 e 4 apenas se representam as categorias mais significativas. Para facilitar a leitura dos resultados, optou-se ainda por incluir na análise as categorias das variáveis estímulo e sociográficas que se opusessem às anteriormente incluídas.

 

 

 

 

 

 

Relativamente aos eixos 1 e 2, verifica-se desde logo uma oposição dos sujeitos mais velhos e com maior antiguidade nas organizações aos mais novos e que lá trabalham há menos de dois anos. Em termos posicionais (sociográficos ou organizacionais), estas foram as variáveis que se apresentaram como mais discriminantes quando relacionadas com a percepção de (in)justiça. Verifica-se, por outro lado, uma maior proximidade entre as respostas dos mais novos e o estímulo "superior hierárquico", e as respostas dos mais velhos e o estímulo "organização".

O polo negativo do eixo 1 corresponde aos sujeitos mais velhos e ao estímulo "organização". Pode observar-se que os episódios de injustiça mais salientes se referem a situações de não promoção e aos critérios de promoção, remuneração e avaliação de desempenho. Para que a justiça seja reposta, os sujeitos referem a alteração dos critérios de definição de promoções, de remunerações e de avaliação de desempenho e gostariam ainda de receber explicações e justificações das decisões tomadas pelos seus superiores hierárquicos. No polo positivo deste mesmo eixo, as situações de injustiça referidas partem, sobretudo, de sujeitos jovens e encontram-se próximas do estímulo "superior hierárquico". Os jovens destacam as ameaças de despedimento e o facto de as chefias não assumirem culpas que lhes caberiam. Para reposição da justiça, estes sujeitos salientam que as chefias deveriam informar-se melhor antes de decidirem, e que gostariam de ter maior oportunidade de influenciar as decisões.

No segundo eixo, salientam-se, no quadrante inferior direito, situações de injustiça como a alteração de procedimentos e o facto de o superior hierárquico não assumir culpas, que remetem para as seguintes formas de reposição da justiça: reconhecimento de culpas por parte das chefias, bem como partilha de responsabilidades. é ainda neste eixo, mas no seu lado positivo, que surgem as situações injustas de acusação de incompetência perante terceiros, as queixas de relações distantes com os superiores hierárquicos e a não justificação de decisões, que se encontram associadas a um apelo a uma maior oportunidade de expor a opinião própria (voz).

Relativamente ao eixo 3, é apenas de salientar o surgimento de mais dois factores na variável injustiça (resultados da avaliação de desempenho e remunerações), mais uma vez de ordem distributiva. A variável justiça, por seu turno, continua a ser apenas representada por factores procedimentais e interaccionais.

Assim, e como as análises bivariadas já haviam mostrado, esta análise mostra a associação dos factores distributivos apenas a situações de injustiça. Quanto à forma de reposição da justiça, esta encontra-se associada a factores procedimentais e interacionais.

Os resultados mostram, também, que, dentre as variáveis que escolhemos para caracterizar os sujeitos, as mais significativas, em termos de percepção de (in)justiça, são a idade e a antiguidade, variáveis directamente associadas. Apresentaram-se, pois, como pouco discriminantes o sector de actividade da organização, as habilitações dos sujeitos e o sexo. Em relação a esta última variável, estes resultados questionam outros estudos (e. g. Major e Konar, 1984), segundo os quais seria de esperar que as mulheres se centrassem, mais do que os homens, em aspectos interaccionais, quer em termos de injustiça, quer de justiça. Os homens, por sua vez, valorizariam mais aspectos instrumentais, por isso, mais distributivos. Deste modo, esta bipolarização, típica dos estereótipos feminino e masculino, não encontra suporte neste estudo.

A nível da relação entre a idade/antiguidade e os tipos de experiência de (in)justiça, importa destacar que os inquiridos mais velhos se apresentam associados a episódios mais homogéneos, quer em termos de injustiça, quer na sua percepção de justiça, centrando-se claramente no problema das suas carreiras. Por seu turno, os mais novos, e que trabalham há menos tempo, apresentam uma maior dispersão e heterogeneidade nas situações da vida organizacional em que se sentem injustiçados, e na percepção que têm daquilo que tomaria justas essas situações. Estes resultados sugerem-nos que a percepção da injustiça e da justiça em função da idade/antiguidade é mais relevante em termos temáticos, isto é, de domínios da vida organizacional, do que propriamente em termos das dimensões de (in)justiça. Ou seja, as diferenças de idade/antiguidade conduzem mais a diferenças de conteúdo dos episódios do que a diferenças decorrentes do facto de esses episódios serem distributivos, procedimentais ou interaccionais. Além disso, quando se trata de referir os factores de reposição da justiça, todos os inquiridos, independentemente da idade/antiguidade, salientam factores procedimentais e interaccionais.

Conclusões

Este estudo permitiu ilustrar a diversidade de situações que na vida organizacional suscitam sentimentos de injustiça e de justiça. Estas situações remetem para factores antecedentes do sentimento de (in)justiça facilmente enquadráveis nas três dimensões de percepção de justiça que a literatura tem estudado: a justiça distributiva, procedimental e interacional.

Ao mesmo tempo, os resultados apresentados vão ao encontro das pesquisas que mostram que não são apenas as questões distributivas que constituem antecedentes da percepção de justiça, e que se deverá continuar a dar atenção aos aspectos procedimentais e relacionais como fontes da experiência da justiça e da injustiça. Modelos recentes, como o do valor do grupo (Tyler et al, 1996), têm acentuado apenas a importância dos factores relacionais na percepção de justiça de uma decisão ou de uma atribuição de recursos, nomeadamente: a neutralidade (ou a percepção de honestidade e ausência de enviesamentos numa decisão), o reconhecimento do valor pessoal (ou em que medida o estatuto de cada um foi respeitado pela dignidade do procedimento, pela delicadeza no tratamento e pelo respeito dos direitos individuais) e a confiança atribuída a quem tomou a decisão. Ora, os nossos resultados mostram que a importância destas dimensões, relativas à qualidade da interacção no quadro de uma tomada de decisão, não obsta a que seja reconhecido um valor especial às regras procedimentais enquanto tais, quer àquelas que foram formuladas por Thibaut e Walker (1975), como o controlo do processo e o controle da decisão, quer a algumas daquelas que foram propostas por Leventhal (1980): a consistência, a supressão de enviesamentos, a precisão da informação recolhida e a compatibilidade entre os valores morais e o processo.

Deste modo, os resultados obtidos apontam mais para a necessidade de uma perspectiva multidimensional na conceptualização dos antecedentes dos julgamentos de justiça do que para a pertinência de pesquisas centradas apenas numa categoria de antecedentes. Por outro lado, a técnica de recolha de dados, abrangente e aberta, a que se recorreu neste estudo, permitiu mostrar um leque de situações onde ocorrem julgamentos de justiça e injustiça mais amplos do que aqueles que têm sido considerados em pesquisas semelhantes, mas que focalizam os inquiridos num conjunto predefinido de situações ou factores.

A segunda questão que nos levou a realizar este estudo considera a possibilidade de uma não homologia entre os antecedentes da justiça e da injustiça. Os resultados mostram que quando as pessoas recordam situações de injustiça refereir essencialmente factores distributivos, o mesmo não acontecendo quando falam de reposição de justiça, que associam sobretudo a factores procedimentais e interaccionais. Assim, os resultados sugerem que não existe simetria entre estes dois tipos de julgamentos: isto é, quando há um sentimento de injustiça provocado por uma determinada situação, não é necessariamente a situação oposta que a torna justa Tal como a pesquisa no domínio das atitudes considera agora a possibilidade de as estudar não como processos avaliativos bipolares, mas como processos que podem ser melhor representados num espaço bidimensional (Cacciopo et al, 1997), também a pesquisa sobre os sentimentos de justiça pode considerar a hipótese da organização num espaço bivariado da percepção de justiça e de injustiça.

Os resultados que comentámos podem, ainda, ser comparados com o que ( proposto pela teoria motivacional de Herzberg (e. g. 1996). Este autor verificou que os factores que provocam satisfação no trabalho não são os opostos dos que causam insatisfação. As pessoas têm dois tipos de necessidades independentes, umas, as motivadoras, conducentes à satisfação no longo prazo; outras, as de higiene, que seguem uma lógica de evitar o sofrimento no curto prazo. Os factores higiénicos não implicam satisfação, apenas uma diminuição duma insatisfação temporária Fazendo um paralelismo com o nosso estudo, vimos que os factores de injustiça não têm uma correspondência directa nos factores de justiça, nem em termos de conteúdo das categorias nem das respectivas dimensões de (in)justiça. Olhando por exemplo, para as análises de conteúdo categoriais apresentadas nos quadros 2 e 3, verifica-se que 23% dos sujeitos indicaram como fontes de injustiça a não-promoção e as remunerações; todavia, menos de 8% dos sujeitos indicam a distribuição de recompensas (remunerações e promoções) como fonte de justiça. Por outro lado, quando considerámos as dimensões de (in)justiça, verificámos, novamente, a não correspondência entre dimensões quando se tratava de injustiça e de reposição da justiça. Assim, por exemplo, o factor injusto "não-promoção" (distributivo) não corresponde ao factor de justiça equivalente "promoção", mas sim à alteração de critérios de recompensa (procedimental) e à obtenção de uma explicação / justificação por parte do superior hierárquico (interaccional). Como já referimos, julgamos que esta constatação terá como uma das explicações possíveis o facto de o contexto estudado ser um daqueles em que as relações são entendidas como de longa duração.

Um outro dos problemas examinados nesta pesquisa refere-se ao papel das variáveis posicionais organizacionais na modelação das experiências de injustiça nas organizações, questão não estudada nos estudos precedentes. Os resultados mostram apenas o peso da idade/antiguidade, variáveis que se reflectem mais sobre o conteúdo dos episódios do que sobre a saliência das diferentes dimensões de justiça e a sua articulação. A análise da relação entre percepções de justiça e variáveis organizacionais deve, pois, ser prosseguido. No entanto, perante os resultados pouco relevantes obtidos relativamente a quase todas as variáveis posicionais utilizadas neste estudo, podemos propor que essa análise deve ser prosseguida, sobretudo, com base em variáveis que remetam para as dimensões simbólicas dos contextos organizacionais, como as culturas e as identidades sociais.

Note-se, por outro lado, que, se a nossa hipótese relativa à articulação entre a evocação de um dado contexto de interacção e a saliência diferenciada das dimensões de percepção de justiça não se verificou a nível da análise bivariada, tal hipótese recebeu apoio na análise de correspondências múltiplas quando se examinaram conjuntamente os contextos de interacção, as variáveis posicionais e os episódios. Assim, verificámos que o estímulo "superior hierárquico" aparece mais associado aos respondentes mais novos e a episódios ligados a ameaças de despedimento ou questões relacionais. Por sua vez, o estímulo "organização" está próximo dos mais velhos e aparece associado a questões de ordem distributiva (promoções, remunerações, resultados da avaliação de desempenho). De qualquer forma, os resultados não apoiam a hipótese de Mikula (1993) segundo a qual os aspectos interaccionais se tornariam apenas salientes em contexto de relações simétricas.

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