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Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.13 no.1-2 Lisboa Jan. 1999

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v13i1/2.558 

Justiça Nas Organizações: O modelo do valor do grupo e as orientações comportamentais face à mudança

Justice on Organizations: The Group-Value Model and Behavioral Orientations Towards Organizational Change

 

Fátima Halbritter de Sousa1; Jorge Vala2

1Universidade Católica Portuguesa, Lisboa.

2Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa.

 


RESUMO

Com o objectivo de testar a dinâmica psicológica do modelo do valor do grupo num contexto de mudança organizacional, realizou-se um estudo junto de 176 empregados de uma empresa de serviços. Foi pedido aos participantes que: a)    pensassem numa situação de confronto ou problemas com o superior hierárquico; b)    que avaliassem o comportamento deste, nessa situação, relativamente a três dimensões de justiça: interaccional, procedimental e distributiva; c) que indicassem quais os aspectos que mais valorizavam naquele tipo de situações. Procedeu-se ao teste do modelo, para a situação seleccionada pelos participantes, através de uma análise de mediação realizada a três níveis: organização, departamento e grupo de trabalho. O conjunto dos resultados obtidos valida globalmente o modelo do valor do grupo: os aspectos interaccionais e procedimentais (julgamentos relacionais de justiça) são os únicos a relacionar-se com o orgulho, o respeito e as orientações comportamentais e são também os mais valorizados em quaisquer situações de confronto ou problemas com o superior hierárquico. Os resultados validam igualmente as nossas hipóteses: o modelo parece funcionar melhor para os níveis da organização mais próximos dos indivíduos (departamento e grupo de trabalho), e também no caso das orientações comportamentais activas-positivas e normativas, como os comportamentos extra-papel e de aceitação e apoio à mudança no departamento e no grupo de trabalho.

Palavras-chave: Justiça; organizações; modelo do valor de grupo; mudança.


ABSTRACT

To test the psychological dynamics of the group-value model in an organizational change context, a study was conducted with 176 members of an organization. Participants were asked: a) to think of a relevant conflict or problem situation with their supervisor; to evaluate the supervisor^ behavior in relatiòn to three justice dimensions: interactional, procedural and distributive; c) to State the aspects most valued in that type of situations. A test of the model was conducted, for the situation selected by participants, through a mediation analysis at three different levels: organization as a whole, department and workgroup. Taken together, the results obtained globally validate the group-value model: interactional and procedural aspects (relational justice judgements) are the only ones to correlate with pride, respect and behavioral orientations, and are also the ones most valued in general conflict or problem situations with the supervisor. The results obtained also validate our hypotheses: the model seems to work better for the organizational levels closest to the individual (department and workgroup), and also for active-positive and normative behavioral orientations, such as extra-role behaviors, and acceptance and support for change in the department and the workgroup.


 

O estudo das percepções de justiça nas organizações iniciou-se com a "teoria da equidade" proposta por Adams. Esta teoria oferece não só uma forma de compreensão da percepção de justiça e injustiça, como explica as reacções psicológicas e comportamentais dos membros das organizações ao sentimento de injustiça na atribuição de recompensas (Adams, 1963,1965,1968; Walster, Berscheid e Walster, 1976). A preocupação com os aspectos distributivos da justiça nas organizações foi posteriormente alargada a diferentes tipos de situações (e. g. Greenberg e Ornstein, 1983, sobre a atribuição de novos títulos a cargos; Greenberg, 1988, sobre a atribuição de espaços no local de trabalho, ou Brockner, De Witt, Grover e Reed, 1990, sobre a reacção aos lay-offs).

Thibaut e Walker (1975) abriram uma nova linha de pesquisa no campo das percepções de justiça — a justiça procedimental. Os seus estudos, no contexto dos processos jurídicos, comparam as reacções de indivíduos em situações litigiosas simuladas, e que diferiam consoante o controlo que os litigantes detinham relativamente aos resultados (controlo sobre a decisão) e relativamente ao processo de tomada de decisão (controlo sobre o processo). Os resultados decorrentes de procedimentos que oferecem possibilidade de "voz" aos litigantes (controle sobre o processo) são percebidos como mais justos, mesmo quando não favoráveis. Esta hipótese foi rapidamente aplicada, com resultados semelhantes, a situações organizacionais, como, por exemplo, a avaliação de desempenho (Landy, Barnes e Murphy, 1978; Landy, Barnes-Farrell e Cleveland, 1980; Greenberg, 1986) e os processos de tomada de decisão (Rasinsky, 1992).

Na década de 80, Leventhal sistematizou outras dimensões da justiça procedimental para além daquelas que Thibaut e Walker haviam proposto. Rigor na recolha de informação para a tomada de decisão, representação dos implicados nas decisões, consistência nos padrões e critérios para a tomada de decisão, existência de mecanismos de correcção das decisões tomadas e objectividade e imparcialidade na tomada de decisão foram propostos como sendo critérios vulgarmente utilizados pelos membros das organizações para avaliar a justiça dos procedimentos e da atribuição de resultados (Leventhal, 1980; Leventhal, Karuza e Fry, 1980). A questão que, então, se colocou foi a de saber se os actores organizacionais conferiam importância aos critérios de justiça procedimental e distinguiam esta última da justiça distributiva. De forma global, as pesquisas realizadas mostraram que a justiça procedimental e distributiva constituíam duas dimensões da justiça claramente distinguidas pelos actores organizacionais e que os critérios de justiça procedimental eram salientes na avaliação dos processos organizacionais (e. g. Alexander e Ruderman, 1987; Folger e Konovsky, 1989; Fryxell e Gordon, 1989; Gordon e Fryxell, 1989).

Contudo, segundo Tyler (1987), até aqui estava-se no domínio do chamado "modelo instrumental" de justiça, ou seja, pensava-se que a preocupação com procedimentos justos radicava, sobretudo, na preocupação com a obtenção de melhores resultados. Ora, Bies e Moag, em 1986, propuseram uma nova hipótese: a de que a percepção de justiça procedimental não estava necessariamente relacionada com os resultados obtidos ou a obter, nem apenas com aspectos formais do processo de tomada de decisão. Este tipo de justiça detinha valor em si próprio, um valor simbólico, intrinsecamente ligado ao decorrer da comunicação no âmbito da interacção em situações de troca social: honestidade, cortesia, feed-back atempado e respeito pelos direitos pessoais eram agora também critérios utilizados para avaliar a justiça de uma situação. Nascia, assim, uma nova dimensão da justiça procedimental, que progressivamente se autonomizou e se passou a designar por justiça interaccional (Bies e Moag, 1986; Bies e Shapiro, 1987; Bies e Shapiro, 1988; Tyler e Bies, 1989).

Os estudos sobre a justiça nas organizações passaram, então, a debruçar-se sobre aquelas três dimensões da justiça (distributiva, procedimental e interaccional) e as suas inter-relações, bem como sobre o seu impacto em termos de comportamento organizacional (e. g. Brockner et al. 1990; Barling e Phillips, 1993). Por exemplo, Greenberg (1993) estudou as consequências da justiça distributiva, procedimental e interaccional quanto à propensão para defraudar a organização e mostrou que factores distributivos e procedimentais eram igualmente importantes na percepção de justiça da avaliação de desempenho (Greenberg, 1986). Em Portugal, quanto à inter-relação e impacto organizacional dos três tipos de justiça, são de salientar as pesquisas levadas a cabo por Caetano e Vala (1996), Theotónio (1997) e Lamego (1997). Theotónio (1997) mostrou, por exemplo, que, nos julgamentos sobre a remuneração, aqueles que tiveram um resultado percebido como favorável avaliam os procedimentos muito mais em função do processo do que do resultado, enquanto os que obtiveram um resultado desfavorável avaliam a remuneração atribuída tanto em função do resultado como do processo. Este resultado contradiz os de um estudo experimental de Greenberg (1987), de acordo com o qual a justiça procedimental é mais saliente quando as recompensas são baixas. Por sua vez, Lamego (1997), num estudo sobre justiça e avaliação de desempenho, mostrou que a percepção da exactidão da avaliação correlaciona mais com a justiça procedimental e interaccional do que com a justiça distributiva.

Mostrada a relevância dos factores procedimentais e interaccionais nos processos organizacionais, importava compreender quais os mecanismos psicológicos que subjazem a essa relevância. Uma resposta para esta questão é oferecida pelo modelo do y/valor do grupo" (Group-Value Model) proposto por Lind e Tyler (1988), que se fundamenta na distinção crítica entre, por um lado, motivos associados aos recursos e factores instrumentais (distributivos ou procedimentais) presentes nos julgamentos de justiça e, por outro lado, motivos relacionais e factores relacionais (procedimentais/interaccionais), que se referem à qualidade do tratamento recebido por parte do poder formal organizacional ou institucional. De acordo com este modelo, são os motivos relacionais que podem explicar a saliência dos julgamentos de justiça decorrentes de factores procedimentais e interaccionais.

Este modelo parte de hipóteses bem estabelecidas pela teoria da identidade social (SIT) (Tajfel e Turner, 1979). Com base nesta teoria, o modelo do valor do grupo (GVM) propõe que "as pessoas usam a informação sobre a justiça distributiva, procedimental e retributiva como indicador da qualidade da sua relação com o grupo e as suas autoridades. Se as pessoas recebem resultados injustamente baixos, são sujeitas a um tratamento rude ou insensível, ou o mal que lhe fizeram não é corrigido, essas experiências comunicam um estatuto social marginal. Inversamente, se receberem resultados justos, forem tratadas com respeito e sentirem corrigidas as injustiças, sentem-se valorizadas pelo seu grupo" (Tyler e Smith, 1998, p. 612). Desta forma, os julgamentos de justiça não têm apenas subjacentes preocupações com as recompensas, mas sim com a identidade e têm consequências nas relações indivíduo-grupo: um tratamento justo não só comunica respeito e valor, como potência a auto-estima individual e contribui para a legitimação da autoridade e das normas por esta propostas. Contudo, o GVM assume que a nível destes processos três variáveis relativas à justiça interaccional ou relacional desempenham um papel crítico, maior do que aquele que caberá à justiça distributiva ou às dimensões instrumentais da justiça procedimental — a avaliação de que as decisões do poder formal relativas a uma pessoa foram feitas com neutralidade, respeitaram a pessoa enquanto pessoa e o seu status no grupo, e a avaliação de que esse poder é digno de confiança. Serão, sobretudo, as avaliações relativas a estas três dimensões que terão consequências para os indivíduos na avaliação que fazem do seu grupo e nas relações indivíduo-grupo.

As hipóteses genéricas do modelo do valor do grupo, estudadas e globalmente validadas em contextos muito diversificados (família, trabalho, organizações e sistema político) por Tyler, Degoey e Smith (1996), são as seguintes (ver figura 1).

 

 

a)    A percepção de justiça relacional/procedimental comunica mensagens simbólicas sobre o valor do indivíduo no seio do grupo. Embora Tyler e seus colaboradores não neguem a existência, por parte dos actores organizacionais, de preocupações de carácter instrumental, são o tratamento interpessoal e os procedimentos vistos como justos que indicam, em primeiro lugar, que o sujeito é respeitado pela autoridade e é respeitado dentro do seu grupo, indicando o contrário marginalidade e desrespeito (Tyler e Lind, 1992; Tyler, 1994; Tyler et al., 1996). A percepção de justiça relacional/procedimental indica, ainda, até que ponto os sujeitos se podem orgulhar da pertença ao grupo, já que as autoridades são, por definição, representantes dos grupos, exprimindo as suas normas e os seus valores centrais;

b)    Respeito e orgulho conduzem a comportamentos positivos face ao grupo e a uma auto-estima individual mais elevada. Esta hipótese é, como se referiu, globalmente derivada da SIT (Tajfel e Turner, 1979). A partir desta teoria, o GVM propõe que as pessoas que se identificam com um grupo e o avaliam positivamente tendem a internalizar os seus objectivos e a associá-los aos seus próprios interesses. Torna-se, assim, mais provável a legitimação da autoridade (Tyler e Degoey, 1995; Tyler, 1997), a aceitação das regras do grupo (Tyler, 1994), o desejo de permanecer no grupo e mesmo a exibição de comportamentos não apenas passivos, mas que vão além do esperado (Tyler et al., 1996; Smith e Tyler, 1997). Tyler et al. (1996) referem ainda que enquanto para a SIT o orgulho no grupo (ou identificação com o grupo) é uma variável importante na explicação do comportamento intergrupal, no caso do modelo do valor do grupo o respeito percebido no seio do grupo deverá ser mais saliente do que o orgulho para a explicação do comportamento intragrupal. Ainda de acordo com a SIT, as pessoas usam os grupos a que pertencem como fontes importantes de informação sobre si próprias. Daqui o GVM admitir que o orgulho num grupo e o respeito de que aí se é objecto deverão correlacionar positivamente com a auto-estima individual (Tyler et al., 1996; Smith e Tyler, 1997; Smith, Tyler, Huo, Ortiz e Lind, 1998; Koper, Van Knipperberg, Bourhuis, Vermunt e Wilke, 1993);

c)    A relação entre as duas hipóteses anteriores oferece uma explicação particularmente dirigida para a compreensão das relações dentro dos grupos. Enquanto a SIT se preocupa em saber como a identidade social e as estratégias de mudança social decorrem das relações intergrupais, nomeadamente por via do estatuto relativo do endogrupo e de exogrupos, o GVM centra-se nas consequências para o indivíduo (a nível da sua identidade e dos seus comportamentos) que decorrem das relações no interior do grupo e, nomeadamente, das suas relações com o poder formal, ou seja, das relações que se estabelecem individualmente entre os membros dos grupos e as autoridades que os representam (Tyler e Lind, 1992; Tyler, 1994).

Apesar da evidência empírica sobre o GVM já acumulada em contexto organizacional, os estudos que suportam o modelo (Tyler, 1994; Tyler et al. r 1996) não distinguem os diferentes níveis da estrutura organizacional, por exemplo — o grupo de trabalho, o departamento e a empresa como um todo. O modelo enuncia predições sobre as consequências das relações entre os indivíduos e as "autoridades" mais próximas (o superior hierárquico imediato), mas, empiricamente, apenas situa essas consequências a nível da empresa como um todo. Da mesma forma, quando operacionalmente se mede o orgulho e o respeito no grupo, o grupo em questão é a organização em que o indivíduo se encontra inserido como trabalhador. Ora, como sabemos, as organizações não são um todo homogéneo, podendo os processos descritos pelo GVM não funcionarem da mesma forma a nível do grupo de trabalho, do departamento e da empresa como um todo. A nossa hipótese, avaliada neste estudo, é a de que os julgamentos relacionais terão mais impacto nos processos que se desenrolam ao nível dos contextos organizacionais mais próximos dos indivíduos — o grupo de trabalho e o departamento — do que ao nível da empresa como um todo, embora os impactos previstos pelo GVM também se verifiquem a este nível, como foi mostrado em estudos anteriores.

A nível das consequências organizacionais dos julgamentos relacionais, os autores do GVM têm sobretudo estudado o impacto desses julgamentos de justiça em orientações comportamentais passivas-positivas (como a aceitação das regras) e activas-positivas (como os "comportamentos" além do esperado ou extra-papel). Os resultados dos estudos realizados sustentam globalmente as predições do GVM a nível dos comportamentos além do esperado, o mesmo não sucedendo com a aceitação das regras, caso em que os resultados são ambíguos. Por exemplo, os estudos realizados por Tyler et al. (1996) não mostram que a aceitação das regras seja mediada pelo orgulho e pelo respeito, quer no caso de situações de trabalho (estudo realizado com funcionários de uma universidade), quer no caso do estudo realizado junto de estudantes universitários. Contudo, essa mediação verifica-se claramente, no contexto das relações familiares e, parcialmente, com resultado fracos, no estudo sobre a relação entre os cidadãos e as autoridades legais. Tyler t al. sugerem que, no caso do estudo com estudantes universitários, é provável que autoridade em causa (um professor ou um administrador universitário) não seja vista como um verdadeiro representante do grupo (a universidade) e dos seus valores. é, no entanto, difícil sustentar este tipo de justificação no caso do estudo realizado por aqueles autores em contexto de trabalho e no qual, como referido, o resultados são também ambíguos no que se refere à aceitação das regras.

Colocamos duas hipóteses para explicar a ambiguidade dos resultados relativos à aceitação das regras. A primeira é a de que o GVM, pelo menos em contexto organizacional, se revele mais fecundo para explicar os comportamentos activos positivos e voluntários (como o comportamento extra-papel ou outros comporta mentos associados ao conceito de cidadania organizacional) do que para explica comportamentos passivos, como a aceitação não voluntária de regras. A obediência não voluntária às regras poderá até decorrer sobretudo de factores "não positivos" como o receio da perda do emprego ou de uma avaliação negativa d desempenho.

A segunda hipótese, que pretendemos testar, é a de que o poder explicativo d GVM para a aceitação de regras depende do tipo de regra e do contexto em que o se cumprimento se coloca. Esta hipótese decorre da "teoria da auto-categorização (SCT) de Turner, Hogg, Oakes, Reicher e Wetherell (1987). De acordo com esta teoria quanto mais um indivíduo associa um grupo ao seu auto-conceito, mais procura aderir às normas e valores percebidos como prototípicos desse grupo. Por outro lado, o GVM assume que, em grupos hierarquizados como os grupos organizadora is, a informação relevante para a identificação do indivíduo com um grupo é propocionada pela liderança do grupo. Ora, a SCT propõe que um líder reconhecido é vist como o representante mais prototípico de um grupo, propondo os comportamentc que os membros do grupo devem adoptar (Hogg, Hains e Mason, 1998).

Transpondo estas hipóteses da SCT para o GVM, poderá esperar-se que quanto to maior o orgulho no grupo e quanto maior o respeito percebido no grupo, suscita dos pela percepção de justiça relacional (confiança, neutralidade e status), maior orientação para a aceitação das normas do grupo propostas pelo poder formal. S essas normas contemplarem a aceitação não voluntária das regras, os indivíduc apresentarão comportamentos de conformismo. Porém, se as normas proposta valorizam o espírito crítico e a mudança, então ocorrerão atitudes e comportamentos relacionados com a negociação das regras e com o apoio à mudança. Apoio, air da que indirecto, para esta hipótese pode ser encontrado num estudo de Kim Mauborgne (1993) sobre a relação entre julgamentos de justiça procedimental e aceitação, por parte de gestores das filiais de uma empresa, das decisões estratégicas tomadas pela sede, em organizações multinacionais.

Para testar esta hipótese, realizámos o estudo que a seguir se apresenta num contexto organizacional em mudança em que era formalmente solicitado aos indivíduos um apoio a essa mudança. Assim, podemos predizer que os julgamentos relacionais terão impacto sobre a aceitação e apoio à mudança (uma orientação comportamental activa-positiva e normativa) e sobre a aceitação das regras (igualmente, uma orientação comportamental activa-positiva e normativa), mas não sobre a aceitação acrítica de regras (uma orientação comportamental passiva-positiva, mas anti-normativa).

A análise das duas hipóteses anteriormente enunciadas (a relativa à diferenciação dos contextos organizacionais e a relativa às normas grupais) constitui o objectivo fundamental destas pesquisas. Contudo, ela visa ainda o estudo de duas questões complementares.

Como primeira questão complementar, este estudo propõe-se validar o GVM num contexto cultural diferente daquele em que tem sido estudado. De facto, as predições da SIT incluídas no modelo foram validadas em múltiplos contextos nacionais e culturais. Contudo, o mesmo não acontece com as restantes predições do GVM, até agora apenas testadas em contextos de cultura anglo-saxónica. Ora, embora muitos estudos mostrem que as percepções de justiça não são afectadas pela socialização em ambientes culturais distintos, outros mostram resultados diferentes e outros ainda que o problema não reside nas diferenças culturais, mas nas diferenças nos contextos económicos ou nos aspectos interpessoais da socialização (Tyler e Smith, 1998). Justifica-se, assim, o exame do funcionamento do GVM num contexto cultural diferente daquele em que até agora foi estudado.

A segunda questão complementar, a ser estudada, refere-se às dimensões dos julgamentos de justiça subjacentes ao GVM. Como referido, este modelo contrasta os efeitos dos julgamentos instrumentais (distributivos, mas também procedimentais — nomeadamente a percepção de controlo sobre a decisão) com os efeitos dos julgamentos relacionais (procedimentais, de orientação interaccional). O modelo propõe que são três as dimensões relacionais mais importantes para as consequências psicológicas e comportamentais preditas pelo modelo: confiança, status e neutralidade. Neste estudo, a importância destas dimensões será contrastada não só com os julgamentos instrumentais, mas também com outros princípios mais directamente procedimentais, como as regras procedimentais propostas por Leventhal (1980).

De acordo com as hipóteses e problemas enunciados, este estudo propõe-se: 1) avaliar o GVM em diferentes níveis de análise organizacional, ou seja, não apenas ao nível da empresa como um todo, mas também ao de grupos mais específicos, como o departamento e o grupo de trabalho; 2) analisar a validade do modelo não só relativamente à aceitação de regras e aos comportamentos além do esperado, mas também no que respeita à aceitação e apoio à mudança organizacional; 3) avaliar o GVM num contexto cultural diferente daquele em que tem sido testado; 4) contrastar os julgamentos relacionais não só com os julgamentos instrumentais, mas também com julgamentos claramente procedimentais. Estes três objectivos envolvem: a) a avaliação de situações de conflito ou problemas com a autoridade e que dão origem a julgamentos de justiça; b) a avaliação empírica da distinção das dimensões de justiça organizacional (interaccional, procedimental e distributiva); e c) a avaliação da valorização dos critérios de justiça naquelas situações.

Método

Amostra

O questionário foi aplicado a 179 membros de uma empresa seguradora, dos quais 89 eram quadros técnicos sem chefia e 90 empregados administrativos e chefiai médias e baixas. Os sujeitos são membros de uma empresa que estava a ser objecto de uma profunda mudança organizacional.

Procedimento

O questionário foi apresentado como sendo destinado a um estudo sobre dimensões da cultura organizacional, garantindo-se absoluta confidencialidade das respostas. A aplicação do questionário fez-se na presença da primeira autora, em sessões contínuas ao longo de um dia, levadas a cabo na sede da empresa, para c qual foram ainda convocados membros da organização de outras unidades com diferentes localizações geográficas, embora todas na cidade de Lisboa. As pessoaís eram livres de participar ou não no estudo, embora fossem encorajadas a fazê-lo pelas chefias. Garantiu-se deste modo uma taxa de resposta de 100% da amostra seleccionada, tendo sido excluídos da análise apenas três questionários, respeitantes à segunda categoria de participantes, por apresentarem demasiados itens não respondidos. Restaram, assim, 176 casos válidos.

Variáveis e medidas

Tipo e importância dos episódios de justiça relatados

Logo no início do questionário, pedia-se aos sujeitos que "pensassem na pessoa de hierarquia da empresa com quem contactavam mais habitualmente e com mais poder de decisão sobre o seu trabalho e a sua carreira". Pedia-se, ainda, nessa questão, que "pensassem em situações de confronto ou problemas que o tenham envolvido c a essa pessoa e tenham sido por si consideradas importantes". Numa segunda questão, e logo de seguida, solicitava-se aos participantes que "se concentrassem apenas numa dessas situações que tivesse ocorrido durante o último ano", de forma a procurar assegurar maior precisão de recordação e, ainda, que "fosse considerada muito importante". Para melhor confirmar a importância da situação seleccionada pelos sujeitos, foram introduzidos no questionário dois itens formulados da seguinte forma: 1) "Em que medida foi a situação que escolheu realmente importante para si? "; 2) ”Em que medida era importante para si que o resultado da situação lhe fosse favorável? ” Utilizou-se uma escala de seis posições ancorada em todas elas [(1) nada, (2) muito pouco, (3) pouco, (4) bastante, (5) muito, (6) muitíssimo)].

Medida da valorização das dimensões de justiça

Para responder à questão sobre a valorização dos diferentes factores que integram um julgamento de justiça pedia-se aos sujeitos que indicassem a importância (l. o, 2. a, 3. o lugar) que conferiam a uma lista de factores (ver ponto seguinte). O grau de importância foi recodificado da seguinte forma: (1) não escolhido, (2) 3. o lugar, (3) 2. o lugar, (4) 1. o lugar.

Medida da avaliação do comportamento do superior hierárquico: os julgamentos de justiça

Julgamentos interaccionais. Para medir este tipo de julgamentos utilizámos as três dimensões relativas aos julgamentos relacionais propostas por Tyler (Tyler, 1989; Tyler et al, 1996): "reconhecimento de status", "neutralidade" e "confiança". Enquanto o autor utiliza onze itens para construir a sua escala, seleccionámos seis, dois para cada dimensão, já que, ao contrário daqueles autores, utilizámos também uma escala para julgamentos especificamente procedimentais. Assim, pedia-se aos participantes que, pensando na situação e na pessoa referida no início do questionário, utilizassem a escala de seis posições já mencionada para dar a sua opinião sobre os seguintes itens. Estatuto: "Em que medida foi tratado com educação / delicadeza por essa pessoa? ", "em que medida essa pessoa demonstrou preocupação com os seus direitos? " Neutralidade: "Em que medida essa pessoa se esforçou por explicar de forma adequada porque tomou as decisões que tomou naquela situação? ", "em que medida pensa que as razões dadas por essa pessoa foram as verdadeiras razões para as decisões tomadas? " Confiança: "Em que medida essa pessoa deu atenção às suas opiniões quando foram tomadas decisões para resolver o problema que estava em causa? ", "em que medida essa pessoa se esforçou por levar em consideração as suas necessidades? "

Julgamentos procedimentais: a escala para a medição destes julgamentos foi construída com base em princípios procedimentais propostos por Leventhal (1980) e por Bies e Moag (1986): "rigor", "representatividade", "consistência", "possibilidade de correcção" e "objectividade/imparcialidade". Rigor: "Pensa que essa pessoa obteve de forma rigorosa a informação necessária para tomar as decisões adequadas à situação? " Representatividade: "... lhe deu oportunidade para descrever bem o seu problema antes de serem tomadas as decisões? " Consistência: "... utilizou padrões e critérios claros de forma a que as decisões fossem tomadas com consistência? " Possibilidade de correcção: "... deu a possibilidade de pôr em causa e corrigir a decisão em caso de necessidade? " Objectividade/imparcialidade: "... foi objectiva e imparcial na forma de resolver o problema? "

Julgamentos distributivos: a escala que construímos para este efeito prende-se directamente com os resultados (ou solução) da situação e tem como critérios subjacentes a favorabilidade e aceitabilidade do resultado, bem como três normas típicas de justiça distributiva (necessidade, mérito e equidade). Assim, pedia-se aos participantes que assinalassem, na escala de seis posições já referida, em que medida "o resultado (ou solução) foi favorável para si", "facilmente aceite por si", "de acordo com as suas necessidades na situação", "aquele que pensa que merecia", "de acordo com a solução encontrada para outros nas mesmas circunstâncias"(Elliot e Meeker, 1986; Tyler, 1994; Baron e Pfeffer, 1994).

Realizou-se uma análise factorial em componentes principais no sentido de averiguar a distinção entre julgamentos de justiça interaccionais, procedimentais e distributivos. Os resultados mostram que os julgamentos distributivos se encontram claramente isolados num factor, sucedendo o mesmo para os julgamentos procedimentais. Já para os julgamentos interaccionais a distinção não é tão clara. Três dos itens interaccionais repartem-se pelo factor distributivo e pelo factor procedimental. Os três itens restantes da escala interaccional surgem claramente diferenciados num terceiro factor. Esses itens são os relativos ao estatuto e um item da subdimensão neutralidade. Outra análise factorial conduzida apenas para os itens interaccionais e distributivos extraiu dois factores distintos: um distributivo e outro interaccional. Uma terceira análise factorial apenas para os itens procedimentais e distributivos produziu também dois factores distintos. Estes testes mostram a sobreposição apenas entre itens interaccionais e procedimentais, uma questão que, de resto, tem sido referida na literatura (e. g. Vermunt, Van der Kloote e Van der Meer, 1993; Folger, 1996; Theotónio, 1997). Dados estes resultados, optámos por construir uma variável que inclui os itens procedimentais e interaccionais (julgamentos relacionais; α=0,94, M=3,46 e DP=1,06) e uma outra apenas com os itens distributivos (julgamentos instrumentais; α=0,93, M=3,13, DP-1,23). A coerência interna das duas variáveis criadas é, pois, muito elevada. Contudo, estes resultados impedem a prossecução de um dos objectivos deste estudo — o contraste das variáveis especificamente relacionais (estatuto, confiança e neutralidade) com as restantes variáveis procedimentais. Desta forma, a avaliação do GVM apenas contrastará os julgamentos relacionais/procedimentais com os julgamentos instrumentais/distributivos.

Medida do orgulho no grupo e do respeito no seio do grupo

Orgulho no grupo. Utilizando a escala de seis posições já referida, pedia-se aos sujeitos que indicassem em que medida concordavam com as seguintes afirmações com respeito à empresa no seu todo: "Tenho orgulho em fazer parte desta empresa", "quando alguém elogia outros membros da minha empresa é como se me elogiassem a mim","digo aos meus amigos quanto gosto de fazer parte desta empresa" e "quando penso noutras empresas tenho ainda mais orgulho em fazer parte desta". Os sujeitos respondiam sucessivamente às mesmas afirmações para o seu departamento e o seu grupo de trabalho, sendo nestes casos os indicadores adaptados. Os primeiros três itens são muito semelhantes aos utilizados por Tyler et al. (1996) e Smithe Tyler (1997), tendo o quarto sido usado para introduzir a dimensão de comparação social (Ambrose, Harland e Kulick, 1991).

Respeito no seio do grupo. Utilizando também a escala de seis posições, pedia-se aos participantes que indicassem em que medida concordavam com as seguintes cinco afirmações a) para a empresa no seu todo, b) para o seu departamento e c) para o seu grupo de trabalho: "Sinto que a maioria dos membros... (da minha empresa... do meu departamento... do meu grupo de trabalho)... me respeitam como pessoa", "reconhecem o valor do meu trabalho", "reconhecem o contributo que tenho dado", "valorizam o qué digo e faço" e "me vêem como um elemento valioso", Esta medida é idêntica à utilizada por Tyler et al (1996), e retoma também itens da escala de auto-estima social de Luthanen e Crocker (1992).

De forma a testar se estas duas dimensões da relação do indivíduo com o grupo eram sentidas como claramente distintas, conduziram-se três análises factoriais em componentes principais, com rotação varimax, dos indicadores referidos, relativamente à empresa, ao departamento e ao grupo de trabalho. Isolámos, claramente, nos três casos, dois factores: um correspondente ao orgulho e outro correspondente ao respeito (variâncias explicadas entre 77 e 79%, valores que são substancialmente superiores aos obtidos por Tyler et al. A partir dos indicadores mais saturados em cada um dos factores construímos um índice de orgulho e outro de respeito, os quais apresentam alfas que variam entre 0,83 e 0,91 para o orgulho e 0,75 e 0,93 para o respeito. Calculámos seguidamente a correlação entre estes dois índices relativamente aos vários grupos (empresa, departamento e grupo de trabalho), variando a correlação de Pearson entre 0,45 e 0,46. O conjunto destes resultados mostra que se trata de duas dimensões diferentes, embora correlacionadas, do mesmo conceito. Os valores das variáveis assim obtidas são: orgulho na empresa: α=0,91, M=4,20, DP=1,04; orgulho no departamento: α=0,90, M=4,28, DP=1,07; orgulho no grupo de trabalho: α=0,90, M=4,43, DP=0,99; respeito na empresa: α=0,93, M=4,02, DP=0,82; respeito no departamento: α=0,93, M=4,33, DP=0,84; respeito no grupo de trabalho: α=0,93, M=4,71, DP=0,76.

Medida das orientações comportamentais face à organização

De acordo com as hipóteses referidas, foram estudadas quatro dimensões das orientações comportamentais. Pedia-se aos participantes no estudo que, utilizando a habitual escala de seis posições, indicassem o grau de acordo com as proposições seguintes. Aceitação acrítica das regras do grupo (no contexto organizacional estudado, trata-se de comportamentos passivos-positivos e anti-normativos): "Tento cumprir as orientações que me são dadas na empresa mesmo quando me parecem erradas" (M=3,98, DP=1,05). Aceitação das regras (comportamentos passivos-positivos e normativos): "Sigo as indicações estabelecidas pelo meu superior hierárquico" (M=4,70, DP=0,75). Comportamentos além do esperado: "Esforço-me para ajudar colegas mesmo se não esperam isso de mim", "trabalho muitas vezes para além do meu horário, mesmo quando não esperam isso de mim" (α=0,45, M=4,91, DP=0,75). Aceitação e apoio à mudança: pedia-se que as pessoas indicassem (separadamente para a empresa, departamento e grupo de trabalho) em que medida "tinham observado alterações importantes" (na unidade em análise), "tinham aceite favoravelmente essas mudanças" e "lhes tinham dado de boa vontade o seu apoio". O primeiro indicador visava avaliar a percepção de mudança organizacional. Os resultados indicam que os sujeitos apresentam uma percepção clara dessa mudança: organização (M=4,49, DP=1,01); departamento (M=4,17, DP=1,17); grupo de trabalho (M=3,85, DP=1,27). Os restantes itens visavam avaliar as orientações de apoio à mudança na organização (α=0,83, M=4,30, DP=0,78), no departamento (α=0,87, M=4,19, DP=0,97) e no grupo de trabalho (α=0,91, M=4,21, DP=1,13).

De acordo com a nossa hipótese, os indicadores relativos à aceitação de regras apresentam graus de normatividade diferentes, sendo aquele que remete para a "aceitação acrítica de regras" menos normativo do que o que se refere à "aceitação de regras "no contexto de uma relação hierárquica clara e próxima (t=-11,81, gl 173, p<0,001).

Resultados

Tipo e importância das situações de confronto ou problemas com a autoridade

No que se refere às situações de confronto ou problemas mais frequentes com a autoridade mais próxima (ou superior hierárquico) referidos pelos entrevistados, os dados mostram que a "organização do trabalho", os "objectivos a atingir" e os "prazos a cumprir" são as situações mais frequentes, representando 42,8% das situações mencionadas. Podemos dizer que estas são situações com uma componente fortemente interaccional e procedimental. As situações especificamente distributivas ("ordenado", "carreira", "promoções" e "benefícios") têm menor expressão, somando 32,3%. Por sua vez, a "avaliação de desempenho" foi referida por 9,8% dos casos, podendo este tipo de situação ser visto como tendo uma componente híbrida, de carácter procedimental e distributivo.

Quanto à situação de conflito seleccionada pelos membros da organização como a mais importante no último ano (importância da situação seleccionada: M=4,71, DP=1,03; importância da favorabilidade do resultado: M=4,85, DP=0,96), e à qual se referem os julgamentos de justiça nesta pesquisa, verificamos que, embora a "organização do trabalho" mantenha o primeiro lugar destacado (seguida pelos "objectivos a atingir"), a "avaliação de desempenho" sobe de importância. As questões especificamente distributivas somam 26,8% e representam um valor inferior ao obtido pelas situações antes mencionadas.

Valorização dos critérios de justiça

Como se referiu, foi pedido aos entrevistados que hierarquizassem um conjunto de factores presentes nos julgamentos de justiça relativamente a situações genéricas consideradas importantes (estes factores são os mesmos que foram utilizados para avaliar a justiça na situação de conflito seleccionada pelos entrevistados). A análise de dados mostra que os factores relativos à justiça relacional (interaccional e procedimental) são mais importantes (M=1,99, DP=0,14) do que os relacionados com a justiça distributiva (M=1,18, DP=0,32) (F(1,143)=468,6,p<0,001).

Se considerarmos apenas a ordenação dos itens, verificamos que são aqueles que se referem à justiça procedimental ("representatividade", "rigor" e "consistência") que mais frequentemente ocupam o primeiro lugar na ordem de importância atribuída pelos inquiridos. O item interaccional mais frequentemente referido em primeiro lugar refere-se à "neutralidade". Por sua vez, o item distributivo que mais vezes aparece em primeiro lugar é aquele que remete para a comparação social ("obter um resultado igual ao de outros na mesma situação").

Teste do modelo do valor do grupo

Começámos por avaliar a relação entre os julgamentos relacionais e as variáveis dependentes consideradas. Como se mostrará adiante, verifica-se uma relação positiva significativa entre os "comportamentos além do esperado", a "aceitação e apoio à mudança" e os julgamentos relacionais, o que apoia as nossas hipóteses. Porém, essa relação não se verifica relativamente à "aceitação das regras", o que não apoia as nossas hipóteses. Quanto à variável "aceitação acrítica das regras", a sua relação com os julgamentos relacionais é negativa e estatisticamente significativa, resultado que também apoia as hipótese formuladas. Neste sentido, apenas as variáveis cuja associação com os julgamentos relacionais é significativa foram consideradas nas análises subsequentes.

O ponto crítico do teste do modelo consiste em verificar se o orgulho e o respeito são variáveis mediadoras entre os julgamentos de justiça e as orientações comportamentais face à empresa. De acordo com Baron e Kenny (1983) um processo de regressão multiestádios é a forma mais adequada de testar o papel mediador de uma variável. Devem então estimar-se as seguintes três equações de regressão: na primeira equação deve regredir-se a variável mediadora sobre a variável independente, devendo, neste caso, esta variável afectar a mediadora; na segunda equação deve regredir-se a variável dependente sobre a independente, devendo, neste caso, a variável independente afectar a dependente; na terceira equação deve regredir-se a variável dependente sobre a independente e a mediadora simultaneamente devendo, neste caso, a variável mediadora afectar a variável dependente. "Se todas estas condições se verificarem na direcção prevista, então o efeito da variável independente na dependente tem de ser menor na terceira equação do que na segunda. Obtém-se uma mediação perfeita se a variável independente não tiver efeito quando a mediadora é controlada" (Baron e Kenny, p. 1177). Dito ainda por outras palavras, "uma variável funciona como mediadora quando satisfaz as seguintes condições: a) as variações na variável independente explicam significativamente as variações na presumível moderadora (relação a); as variações na mediadora explicam as variações na variável dependente (relação b); e, quando as relações a e b são controladas, a relação c, anteriormente significativa entre as variáveis independente e dependente, deixa de o ser, ocorrendo a demonstração mais forte de mediação quando essa relação c se torna zero" (p. 1176).

É de notar, ainda, segundo estes autores, que, se uma relação c que se reduz a zero no final do processo "é a mais forte demonstração de mediação, no que respeita a esta condição podemos encarar um continuum. Quando a relação c se reduz a zero temos fortes provas de que se trata de uma mediadora única, dominante. Se a relação residual c não for zero, isto indica que existem em jogo múltiplos factores mediadores. Porque a maior parte das áreas da psicologia, incluindo a social, tratam de fenómenos com múltiplas causas, um objectivo mais realista será procurar variáveis mediadoras que diminuam significativamente a relação c, em vez de procurar a eliminação completa da relação entre as variáveis independentes e dependentes", (p. 1176). Seguindo estes procedimentos, apresentamos seguidamente os três estádios da análise de mediação referidos.

Estádio 1 das análises de mediação: a relação entre as variáveis independentes (julgamentos de justiça) e as variáveis mediadoras (orgulho e respeito)

Conduziram-se neste estádio dois tipos de análises: efectuou-se primeiro uma regressão do orgulho e do respeito, separadamente, sobre os dois tipos de julgamentos de justiça (relacional e distributivo), introduzidos estes simultaneamente na equação de regressão. A segunda análise juntou, separadamente, cada uma das variáveis dependentes à equação de regressão de forma a controlar a co-variação entre variáveis dependentes e mediadoras.

O quadro 1 apresenta o resultado destas análises para a variável "orgulho" e para a variável "respeito", considerando sempre os seguintes níveis de análise: empresa, departamento e grupo de trabalho. De acordo com os requisitos para uma relação de mediação referidos, esperava-se aqui que a variável independente (julgamentos relacionais) afectasse cada uma das variáveis mediadoras, mesmo quando as variáveis dependentes fossem controladas.

 

 

Observando o quadro 1, fica claro que se confirma a hipótese colocada pelo GVM: os julgamentos interaccionais e procedimentais (relacionais) demonstram uma relação clara com o orgulho, enquanto os julgamentos distributivos (instrumentais) não o fazem em caso algum. A relação entre julgamentos relacionais e orgulho é particularmente forte para o caso do departamento.

No caso do respeito, verificamos igualmente um padrão muito semelhante no que se refere ao peso dos julgamentos relacionais em detrimento dos distributivos. Neste caso, embora o departamento apresente de novo os resultados mais fortes, é de salientar o aumento, pelo menos aparente, da importância dos julgamentos relacionais para o respeito no seio da empresa como um todo.

Tal como se esperava, apesar de se introduzirem as variáveis dependentes (aceitação acrítica de regras, comportamentos além do esperado e aceitação e apoio à mudança) nas equações de regressão, manteve-se significativa a relação entre a avaliação da autoridade e o orgulho e o respeito, excepto para o caso do orgulho na empresa, quando a variável aceitação e apoio à mudança foi controlada.

Estádio 2 das análises de mediação: a relação entre as variáveis mediadoras e as variáveis dependentes

O primeiro passo deste novo estádio foi regredir cada uma das variáveis dependentes separadamente sobre o orgulho e o respeito, controlando seguidamente a relação entre cada uma das variáveis dependentes e os julgamentos de justiça, ao introduzi-los, juntamente com o orgulho e o respeito, em equações de regressão distintas. Esperava-se aqui que as variáveis mediadoras afectassem as variáveis dependentes e continuassem a fazê-lo mesmo quando se controlassem as variáveis independentes.

Observando o quadro 2, no que se refere à variável dependente aceitação acrítica de regras, não se verifica nenhuma relação estatisticamente significativa entre esta variável e o orgulho ou o respeito para qualquer dos níveis organizacionais considerados, quando as variáveis independentes são controladas. Saliente-se a relação negativa entre julgamentos relacionais e a aceitação acrítica de regras.

 

 

Já para o caso da variável dependente comportamentos além do esperado se revela uma relação bastante significativa entre esta variável e o orgulho e o respeito para todos os grupos considerados. Tal como seria desejável, esta relação mantém-se e tende mesmo a aumentar quando os julgamentos de justiça são controlados.

No caso da variável dependente aceitação e apoio à mudança, encontramos uma relação particularmente forte e significativa entre esta variável e o orgulho e o respeito para todos os níveis organizacionais considerados, com destaque para a empresa no seu todo. A este nível, a relação da variável dependente com o respeito é ainda reforçada quando os julgamentos são controlados. Aos três níveis considerados, saliente-se que o orgulho parece mais importante do que o respeito para explicar a aceitação e o apoio à mudança.

Estádio 3 das análises de mediação: o papel mediador do orgulho e do respeito entre as variáveis independentes e dependentes

Neste estádio da análise, espera-se que a variável independente afecte a dependente. Seguidamente, para obter uma mediação perfeita seria necessário que esta relação desaparecesse quando a variável mediadora fosse controlada. Para obter uma mediação imperfeita basta que essa relação se atenue.

O quadro 3 apresenta os resultados sobre o papel mediador do orgulho e do respeito entre os julgamentos de justiça e cada uma das duas variáveis dependentes consideradas. A segunda e terceira equações para cada uma das variáveis relatam resultados já anteriormente apresentados, o que se fez, tal como em Tyler et al. (1996), para efeitos de uma comparação agora mais directamente legível. A primeira equação refere-se à relação entre julgamentos avariáveis dependentes e a quarta e última equação representa o teste final da mediação, com a introdução simultânea do orgulho e do respeito, como forma de controlar a co-variação entre estas duas variáveis.

 

 

Verifica-se a mediação perfeita do orgulho e do respeito para o caso da variável comportamentos além do esperado. é clara a relação entre orgulho e respeito e as orientações comportamentais deste tipo, mesmo quando os julgamentos são controlados, para os três grupos considerados, e mesmo quando orgulho e respeito são introduzidos simultaneamente. Obedecendo ao critério de mediação perfeita, a relação previamente existente entre julgamentos e comportamentos torna-se agora nula.

Obteve-se uma mediação imperfeita para o orgulho e o respeito no caso da aceitação e apoio à mudança, uma vez que a relação entre os julgamentos e esta variável se torna apenas menos significativa quando orgulho e respeito são controlados. Neste caso, é ainda de salientar que, logo à partida, os julgamentos relacionais são muito mais importantes para explicar este comportamento do que no caso da variável anterior. Quanto à variável "aceitação acrítica das regras" é importante assinalar a relação inversa com os julgamentos relacionais. Não se pode, no entanto, falar de mediação para este caso, pois não há qualquer relação entre orgulho ou respeito e esta orientação comportamental.

A título de exemplo, a figura 2 resume e apresenta graficamente os resultados do modelo para a variável aceitação e apoio à mudança, para os três grupos considerados. Esta representação gráfica permite visualizar os casos em que se verificou o modelo e se observou efectivamente uma relação de mediação.

 

 

Discussão dos resultados e conclusões

A diferenciação das dimensões de justiça e a sua saliência

No contexto das situações seleccionadas pelos entrevistados, verifica-se uma distinção entre dois tipos de julgamentos de justiça — os julgamentos relacionais (interaccionais e procedimentais) e os distributivos. Não se obteve, no entanto, uma diferenciação entre a dimensão interaccional e a procedimental da justiça.

Estes resultados são semelhantes aos de um estudo de Folger e Konovsky (1989) , autores que também não encontraram uma clara distinção entre aquelas duas dimensões de justiça. Mais recentemente, e entre nós, o mesmo ocorreu numa pesquisa de Theotónio (1997). Por outro lado, e embora, de acordo com Greenberg (1990) , Alexander e Ruderman (1987) e Tyler e Caine (1981) tivessem identificado a independência estatística das medidas de justiça procedimental e distributiva utilizadas em questionários, não se pode dizer com segurança que os inquiridos tenham sempre uma consciência intuitiva exacta daquela distinção.

Como também mostraram Sheppard e Lewicki (1987), num estudo, com respostas abertas, sobre princípios de justiça junto de uma amostra de gestores, nem todos os princípios recolhidos eram claramente procedimentais ou distributivos.

Se nos reportarmos a Thibaut e Walker (1975) e a Leventhal (1980), verificamos que as dimensões procedimentais propostas por estes autores envolvem já aspectos "comunicacionais" ou "interaccionais", como a "voz" ou a "representatividade". Como propõe Theotónio (1997): "O conceito de controlo do processo implica, necessariamente, relação interpessoal e comunicação. (...) Os elementos e as regras procedimentais de Leventhal referem igualmente a recolha de informação, a representatividade, entre outros aspectos, que levam à participação activa do sujeito no processo, logo, à relação interpessoal, à comunicação entre o sujeito e o decisor" (Theotónio, 1997, p. 102). Esta observação vai na linha do que sugere o próprio Tyler: "Estes resultados (de pesquisas anteriores) suportam fortemente a ideia de que os julgamentos de justiça procedimental são efectivamente relacionais. (Tyler e Smith, 1998, p. 613).

De facto, o próprio conceito de justiça relacional proposto por Lind e Tyler (1988), e subsequentemente desenvolvido e aplicado em inúmeros estudos (organizacionais e outros), contém componentes que podem ser vistos como simultaneamente interaccionais e procedimentais. Desta forma, parece ganhar consistência a hipótese assumida pelo GVM sobre a distinção entre os aspectos distributivos/instrumentais da justiça e os aspectos relacionais (interaccionais /procedimentais). A distinção lógico-formal entre justiça distributiva, justiça interaccional e justiça procedimental parece opor-se com mais acuidade a distinção baseada em motivos de justiça—instrumentais versus relacionais. Esta distinção não só se reveste de acuidade teórica, como parece corresponder melhor às representações sobre a justiça partilhadas pelos actores organizacionais.

Em termos da saliência das diferentes dimensões de justiça para os inquiridos, os nossos resultados mostram que as situações de conflito evocadas se centram nos aspectos interaccionais e procedimentais da relação com as chefias organizacionais, não detendo os julgamentos distributivos qualquer peso significativo. Estas conclusões são reforçadas quando consideramos os critérios de justiça indicados como mais importantes, não já para a situação específica seleccionada pelos inquiridos, mas em quaisquer situações de conflito ou problemas com a autoridade: ainda aqui são os critérios de justiça procedimentais e interaccionais a surgirem como mais relevantes. Estes resultados vêm no sentido de um dos primeiros e mais importantes estudos sobre a saliência e impacto das diferentes dimensões de justiça ao nível organizacional (Alexander e Ruderman, 1987), onde se mostrava que eram os aspectos procedimentais a relacionar-se, de forma preponderante, com uma variedade de atitudes comportamentais positivas face à organização. Outros estudos, por exemplo, os de Fryxel e Gordon (1989) e Gordon e Fryxel (1989), apresentam resultados nesta mesma linha.

A avaliação do modelo do valor do grupo

Os resultados da pesquisa apresentada apoiam globalmente as predições do GVM.

Como previsto pelo modelo, verificámos uma relação entre julgamentos relacionais e o orgulho e respeito percebidos no interior do grupo, mas não entre os julgamentos instrumentais e estas mesmas dimensões da relação indvíduo-grupo. Para além disso, estas duas dimensões da relação indivíduo-grupo (orgulho e respeito) aparecem como dimensões diferenciadas.

Verificámos, ainda, a relação prevista pelo modelo entre as percepções de orgulho e respeito e os comportamentos orientados para o grupo no caso dos comportamentos além do esperado e no caso da aceitação e apoio à mudança. Sublinhe-se que esta relação se verificou nos três níveis de análise considerados (grupo de trabalho, departamento, empresa como um todo). Como previsto ainda nas nossas hipóteses, aquela relação é negativa para o caso da aceitação acrítica das normas organizacionais. Esta mesma relação não se verificou, contudo, para a aceitação de regras (um comportamento definido por nós como passivo-positivo e normativo).

Globalmente, os nossos resultados mostram que o orgulho e o respeito percebidos são variáveis mediadoras entre os julgamentos relacionais e as orientações comportamentais. De facto, este resultado verificou-se na nossa pesquisa para os comportamentos além do esperado e para a aceitação e apoio à mudança no departamento e no grupo de trabalho. Os resultados não permitiram, no entanto, esta conclusão para a aceitação de regras, nem para a aceitação e apoio à mudança na empresa como um todo. Ao mesmo tempo, e no que se refere à hipótese, colocada por Tyler et al. (1996), de que no âmbito da SIT o orgulho no grupo é mais importante para explicar os comportamentos, enquanto para o GVM será o respeito, os nossos resultados mostram que o respeito parece mais relevante para os comportamentos além do esperado, enquanto o orgulho surge como mais importante para explicar a aceitação e o apoio à mudança. E bem possível que aquelas dimensões da relação com os grupos detenham diferentes capacidades explicativas consoante o comportamento considerado e também consoante o grupo em análise.

Note-se, contudo, que este estudo é um estudo correlacionai e que, apesar do tipo de análises estatísticas realizadas, os resultados relativos a relações de causa-efeito, como em todos os estudos correlacionais, devem ser encarados com precaução. Dado os resultados obtidos em favor do modelo em múltiplos estudos correlacionais, poderá agora sujeitar-se o modelo, no todo ou em parte, à análise experimental. Por outro lado, os indicadores utilizados para medir os comportamentos face à organização são em número reduzido, o que aconselha alguma prudência na generalização dos resultados. Será ainda desejável, em futuras pesquisas, a construção de índices claramente separados para os diferentes grupos em análise, e para todos os comportamentos, como fizemos no caso da aceitação e apoio à mudança.

Sublinhe-se ainda que este estudo, ao basear-se numa única situação de confronto ou problema entre os inquiridos e as respectivas chefias, e embora as situações seleccionadas pelos inquiridos tenham sido avaliadas por estes como muito relevantes, corre o risco de não ser representativo das situações problemáticas na relação com o superior hierárquico. Em contrapartida, foi possível demonstrar que uma única situação marcante tem impacto ao nível de orientações comportamentais na organização estudada. é também possível que, nas suas respostas, os membros da organização estudada tenham sido influenciados pela sua avaliação geral (e continuada) do superior hierárquico.

Em resumo, e do ponto de vista das implicações deste estudo para a análise do comportamento organizacional, pode concluir-se que, ao contrário da noção bastante generalizada nos meios organizacionais e empresariais, de que os membros das organizações tendem a pautar as suas atitudes e estratégias comportamentais apenas pelos resultados que podem obter/negociar junto das chefias, verifica-se que uma avaliação positiva, em termos de justiça, do tratamento por parte do superior hierárquico e dos procedimentos utilizados para a tomada de decisão e para a resolução de problemas, contribui para orientações comportamentais positivas e voluntárias face à empresa, o departamento e o grupo de trabalho.

Os níveis de análise das organizações e o modelo do valor do grupo

Este estudo propôs-se avaliar o GVM em diferentes níveis estruturais de uma organização — o grupo de trabalho, o departamento e a empresa como um todo. Os resultados obtidos apoiam a hipótese subjacente à diferenciação proposta e mostram, globalmente, que o modelo funciona em todos os níveis de análise, mas que resulta melhor a nível dos contextos organizacionais mais próximos dos indivíduos — o grupo de trabalho e, sobretudo, o departamento.

Ao contrário do que sucedeu para o departamento e o grupo de trabalho, não se encontrou uma relação directa entre julgamentos relacionais e a aceitação e apoio à mudança na empresa como um todo, sugerindo a hipótese de existência de eventuais variáveis moderadoras entre julgamentos e comportamentos para este caso. Também não se verificou, a este nível e para este comportamento, a relação encontrada, aos outros níveis, entre julgamentos relacionais e orgulho na empresa. Em contrapartida, a relação entre orgulho e respeito na empresa e a aceitação e apoio à mudança apresentam valores substancialmente mais fortes do que nos casos do departamento e do grupo de trabalho.

No caso dos comportamentos além do esperado, para o qual se verificou uma mediação perfeita do orgulho e do respeito, aos três níveis considerados, é de salientar a relação particularmente forte entre os julgamentos relacionais e o orgulho e o respeito a nível do departamento. é também a nível do departamento que melhor se verifica o impacto do respeito nos comportamentos analisados.

O modelo do valor do grupo e a teoria da identidade social

Para além da validação do GVM em diferentes níveis de análise organizacional, este estudo propôs-se analisar a hipótese de que os julgamentos de justiça relacional teriam consequências nos comportamentos percebidos como prototípicos do grupo, mas não naqueles que fossem percebidos como não prototípicos. Estudámos por isso um contexto em mudança organizacional. Os entrevistados mostraram claramente partilhar uma percepção da empresa estudada como uma empresa em mudança e mostraram, também claramente, que a "aceitação das regras organizacionais" era um comportamento mais visivelmente normativo ou prototípico do que a "aceitação acrítica" dessas mesmas regras. Assim, e de acordo com as nossas hipóteses, verificámos que quanto maior a percepção de justiça relacional, maior a aceitação da mudança e menor a "aceitação acrítica das regras". Ou seja, quanto mais o superior hierárquico é visto como justo, menor será a predisposição para uma actuação acrítica por parte dos subordinados, e maior o apoio à mudança.

Levando em conta o contexto particular da empresa — um contexto de mudança —bem como a teoria do valor do grupo, pode dizer-se que, face ao ambiente de mudança claramente observado, o conformismo relativamente ao grupo está igualmente centrado numa lógica de mudança, constituindo esta, assim, a verdadeira norma. Por outro lado, não cumprir ou pôr em causa uma regra, sobretudo quando "parece errada", pode traduzir-se, de facto, numa atitude benéfica face ao grupo — a regra pode e, provavelmente deve, ser negociada no sentido mais adequado ao contexto, neste caso, um contexto de mudança. Isto sugere, igualmente, que quanto mais o superior é visto como justo, menor será a predisposição para uma actuação acrítica por parte do membro da organização.

Estes resultados são importantes para o desenvolvimento do GVM. De facto, um exame das pesquisas até agora realizadas no contexto deste modelo pode fazer crer que julgamentos positivos de justiça relacional conduzem necessariamente a comportamentos passivos (aceitação do status quo). Ora, os nossos resultados mostram que os julgamentos relacionais também podem facilitar a adesão à inovação e à mudança. Estes resultados podem ser enquadrados pela teoria da auto-categorização (SCT) (Turner et al, 1987; Abrams e Hogg, 1990). De acordo com esta teoria, a identificação com o grupo facilita a adesão às normas prototípicas do grupo. Da mesma forma, quando uma pertença grupal se torna saliente, o líder de um grupo é percebido como prototípico desse grupo (Hogg et al, 1998) e, consequentemente, os comportamentos que propõe podem ser mais facilmente seguidos e interiorizados. Assim, uma vez que a norma do grupo era, neste caso, o apoio à mudança, compreende-se que se tenha verificado uma relação clara entre os julgamentos relacionais e esse apoio, relação essa mediada pelo orgulho no grupo e pelo respeito percebido no grupo.

O estatuto teórico conferido no GVM à variável "orgulho" no grupo deverá, contudo, ser melhor esclarecido. De facto, no quadro da teoria da identidade social (SIT), os fenómenos que esta variável pretende captar referem-se à identificação com o grupo ou à associação entre o grupo e o auto-conceito e, simultaneamente, à percepção do valor do grupo. Trata-se, portanto, de uma medida compósita que inclui a identificação e uma avaliação do grupo (esta avaliação corresponde à dimensão de auto-estima colectiva privada proposta por Luhtanen e Crocker, 1992 — a percepção pessoal do valor do grupo). Em futuras pesquisas, será importante controlar o significado particular daquelas duas dimensões.

Da mesma forma, o significado da variável "respeito" percebido no seio do grupo deverá ser articulado com as dimensões da auto-estima colectiva ou social. O que se avalia nos indicadores de respeito de Tyler et al (1996) é a percepção que cada membro da organização constrói sobre a sua reputação ou sobre a consideração que pensa merecer por parte do grupo. Trata-se de uma dimensão não considerada habitualmente no quadro dos estudos sobre a identidade social, nem nos estudos sobre a multidimensionalidade do conceito de auto-estima social (e. g. Luhtanen e Crocker, 1992), mas que com este pode ser relacionada. Note-se que uma das dimensões da auto-estima social propostas por Luhtanen e Crocker se refere à auto-avaliação que cada indivíduo faz do seu valor como membro do grupo (membership esteem), enquanto a variável "respeito" tenta dar conta das percepções que cada um tem sobre a forma como é visto enquanto membro do grupo. As relações propostas entre as variáveis "orgulho" e "respeito" e os conceitos de identidade e auto-estima social são importantes na medida em que o GVM se assume como uma extensão intragrupal da SIT, na linha, aliás, de outros trabalhos que estenderam a SIT à análise dos processos intragrupais (e. g. Hogg, 1996).

No contexto da articulação entre a SIT e o GVM, importa ainda referir que para a primeira destas teorias o processo de comparação social é fundamental. Ora, o GVM avalia os julgamentos relacionais fora dos processos de comparação, perspectiva que pode constituir uma limitação do modelo.

Ainda ao encontro da SIT, e no quadro das questões abertas por esta pesquisa, parece ser de explorar o GVM no quadro das relações intergrupais nas organizações. Ao termos mostrado que os processos analisados pelo GVM têm uma incidência particular a nível dos departamentos, podemos supor que as relações interdepartamentais e os graus de identificação a diferentes níveis organizacionais (e. g. Ashforth e Mael, 1989) serão relevantes para os processos que o GVM se propõe compreender. Uma vez que uma empresa é formada por diferentes grupos, os conflitos intergrupais mais ou menos explícitos são um fenómeno inevitável, com repercussões nas próprias percepções de justiça (e. g. Vala, Lima e Monteiro, 1994), e cuja gestão poderá ser enquadrada por modelos orientados para a redução dos conflitos intergrupais, como aquele que foi proposto por Gaertner, Dividio, Anastasio, Bachman e Rust (1993).

Os contextos culturais e o modelo do valor do grupo

Por último, mas não menos importante, os resultados apresentados nesta pesquisa são igualmente encorajadores no que se refere à utilidade do modelo em contextos culturais diferentes daqueles em que tem sido testado. Até agora, o modelo não se tem revelado sensível a diferenças nacionais ou culturais. Porém, entendemos que as culturas organizacionais podem funcionar como uma importante variável moderadora dos processos analisados pelo GVM. Resultados de um outro estudo, ainda não publicado, mostram que as dimensões da cultura organizacional relacionadas com a saliência da interdependência indivíduo-grupo e com a saliência da comparação social são de facto moderadoras da relação entre os julgamentos relacionais e os comportamentos organizacionais.

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