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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.12 no.1 Lisboa jan. 1998

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v12i1.575 

Concepções pessoais de inteligência, atribuições e rendimento escolar: Desenvolvimento de um modelo compreensivo de inter-relações durante a adolescência

Personal conceptiond of intelligence, attributions and school achievement: development of a comprehensive model of inter-relations during adolescence

 

Luísa Faria*,c

*Professora auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Membro do Centro de Psicologia Diferencial e Ecológica do Desenvolvimento, no Instituto de Consulta Psicológica, Formação e Desenvolvimento.

cAutor para correspondência

 


RESUMO

A construção de um modelo compreensivo da motivação para a realização escolar durante a adolescência, em que as relações entre as concepções pessoais de inteligência, as dimensões atribucionais e os resultados escolares são analisadas, recorreu à utilização do modelo de equações estruturais Lisrel. O modelo hipotético a testar apresentou como variáveis independentes, ou preditoras, as concepções pessoais de inteligência e o rendimento escolar no primeiro momento de avaliação de um estudo longitudinal sequencial, e como variáveis dependentes, ou a explicar, as dimensões causais em ambos os momentos de avaliação e as concepções pessoais de inteligência e o rendimento escolar no segundo momento de avaliação. Os principais resultados obtidos apontam para a influência directa e positiva do rendimento escolar no primeiro momento, sobre as concepções pessoais de inteligência no segundo momento; para a importância da controlabilidade enquanto dimensão causal, com um papel preditor sobre as outras dimensões causais e para o facto de as relações entre variáveis serem de influência directa, não existindo variáveis com um papel mediador, ao contrário do previsto. O rendimento escolar assume, assim, no contexto escolar português um papel altamente preditivo sobre as variáveis motivacionais, corroborando resultados obtidos noutros contextos culturais.

Palavras-chave: inteligência; atribuição; rendimento escolar.


ABSTRACT

A comprehensive model of achievement motivation during adolescence, in which the inter-relations among personal conceptions of intelligence, attributional dimensions and school achievement (grade point average) are analysed, was tested using the structural equations modeling Lisrel. The hypothetical model to be tested presents, as independent or predictive variables, personal conceptions of intelligence and school achievement in the first moment of evaluation of a two-wave longitudinal sequential study, and as dependent explainable variables, either attributional dimensions in both moments of evaluation, and personal conceptions of intelligence and school achievement in the second moment of evaluation. The main results point to: the direct and positive influence of school achievement in the first moment of evaluation on personal conceptions of intelligence in the second moment; the importance of controllability as a causal dimension, with a predicting role over the other two causal dimensions, and the predominantly direct influences among variables, contrarily to our predictions, that pointed to the existence of mediating relations among variables. The school achievement (grade point average) proved to be a highly predictive variable over the motivational variables, in the Portuguese school context, confirming in this point the results obtained in other cultural contexts.


 

Com o objectivo de testar um modelo compreensivo da motivação para a realização escolar durante a adolescência, em que as relações entre as concepções pessoais de inteligência, as dimensões causais e os resultados escolares são analisadas, utilizou-se a análise de equações estruturais, através do programa LISREL VII (Jõreskog e Sõrbom, 1988)1. Através da utilização deste modelo estrutural, pretendeu-se dar resposta a um objectivo de explicação do desenvolvimento, apresentando interpretações e explicações possíveis para as relações entre as concepções pessoais de inteligência, os resultados escolares e as dimensões atribucionais, em função do tempo (mudança intra-individual).

Particularidades dos modelos estruturais em psicologia

A utilização de modelos estruturais em Psicologia, corresponde a uma perspectiva relativamente recente no estudo das relações de causalidade entre variáveis, particularmente útil para estudos realizados em contexto natural (Bacher, 1987). Neste quadro, a noção restritiva de causa dá lugar à de sistema, não se tratando apenas de determinar efeitos isolados de variáveis independentes sobre as dependentes, mas também de conhecer a organização de grupos de variáveis e a articulação dos seus efeitos conjuntos (Bacher, 1987). Assim, é possível estudar não somente as relações entre variáveis independentes e dependentes, mas também entre variáveis interdependentes, observando as possíveis variações das redes de relações entre as variáveis, em função de grupos de sujeitos ou de situações diferenciadas. Ao utilizar modelos estruturais, o investigador aproxima-se mais da complexidade das situações com que habitualmente se confronta, nas quais múltiplas variáveis co-variam entre si. É de salientar que estes modelos fazem apelo a uma concepção probabilística da causalidade, não pressupondo a existência de uma dependência funcional entre variáveis independentes e dependentes. A variação das primeiras permite prever as leis probabilísticas de manifestação das segundas e não os valores particulares que estas vão tomar (Bacher, 1987).

A resposta que tais modelos dão à necessidade de encontrar sistemas explicativos do comportamento humano, com um elevado grau de complexidade, conduziu-nos à utilização do modelo estrutural mais usado em psicologia, o Lisrel (linear structural relations).

Aspectos gerais do LISREL

O modelo LISREL, desenvolvido por Jõreskog e Van Thillo (1973) e Jõreskog e Sõrbom (1985), apresenta as vantagens de ter sido construído por estatísticos que trabalharam durante longos anos de parceria com psicólogos, conhecendo por isso os problemas metodológicos que se apresentam à psicologia (Bacher, 1987). O LISREL integra um modelo de análise factorial, que generaliza a teoria da medida, e um modelo de equações estruturais, que engloba e generaliza métodos como a análise de regressão múltipla e a análise de pistas causais (path analysis). Assim, comporta duas partes: um modelo de medida, que indica de que modo as variáveis latentes são avaliadas em termos de variáveis observadas, e um outro de equações estruturais, que especifica as relações entre variáveis latentes (Bacher, 1988). O modelo de equações estruturais permite formular e testar hipóteses relativas às influências das variáveis explicativas sobre aquelas que é preciso explicar. E um modelo linear, usado com variáveis intervalares ou consideradas como tal.

O LISREL apresenta-se particularmente adaptado à análise de dados longitudinais, pois a antecedência temporal de um acontecimento sobre um outro permite criar um modelo recursivo, e ainda a formulação de hipóteses relativas à ocorrência de erros de medida correlacionados no tempo, bem como a avaliação da adequação de um mesmo modelo para grupos variados. Apresenta como limitação principal o facto de não permitir tratar directamente as interacções, pois é um modelo linear.

Aplicação do LISREL aos resultados do estudo longitudinal

O LISREL foi usado para testar a pertinência de um modelo teórico de inter-relação entre as concepções pessoais de inteligência, as dimensões causais (locus de causalidade, estabilidade e controlabilidade) e o rendimento escolar, para explicar os resultados. Assim, permite testar hipóteses acerca das relações entre múltiplas variáveis, fornecendo simultaneamente elementos susceptíveis de precisar e completar o modelo explicativo inicialmente formulado.

A construção de um modelo inicial de relação entre as variáveis do nosso estudo implicou a formulação de hipóteses relativas aos efeitos de certas variáveis sobre outras, com base nos resultados de estudos transversais e de um estudo longitudinal com dois momentos de avaliação, separados por dois anos de intervalo. O modelo definido é do tipo recursivo, pois as variáveis avaliadas na primeira fase do estudo longitudinal (1990/91) são preditivas das avaliadas na segunda fase (1992/93). Pretende-se analisar as relações das concepções pessoais de inteligência e do rendimento escolar, no primeiro momento de avaliação, consideradas variáveis independentes ou preditoras, com todas as outras variáveis (dimensões causais no primeiro e segundo momentos de avaliação, concepções pessoais de inteligência no segundo momento e rendimento escolar no segundo momento), consideradas as variáveis dependentes ou a explicar. Além disso, pretende-se avaliar as relações que as variáveis dependentes mantêm entre si. As variáveis independentes — ou preditoras —, podem ter uma influência directa sobre cada uma das variáveis dependentes, ou indirecta, influenciando uma variável dependente através da mediação de outras.

Método

Instrumentos

As concepções pessoais de inteligência foram avaliadas através de uma escala adaptada ao contexto português, baseada na teoria de Dweck e colaboradores e previamente testada junto de uma amostra de 1500 alunos do ensino secundário (Faria e Fontaine, 1994). A escala compreende duas subescalas, uma com itens que reflectem a concepção estática e a outra com itens relacionados com a concepção dinâmica. Neste estudo será utilizada apenas a escala "estática", que revela boas qualidades psicométricas, com um alpha de Cronbach de. 80, compreendendo 15 itens, avaliados através de uma escala de Likert de seis pontos, que varia entre "concordo totalmente" e "discordo totalmente" (exemplo de itens "estáticos": "tu tens uma certa quantidade de inteligência e não podes fazer muito para a mudar"; " se não és tão inteligente quanto o desejas não podes fazer muito para mudar isso"). Resultados elevados nesta escala significam que os sujeitos são menos estáticos (mais dinâmicos).

As atribuições ou explicações causais para o sucesso e fracasso escolares foram avaliadas através de uma escala com 68 itens, adaptada ao contexto português e construída com base em instrumentos existentes no domínio (Bar-Tal, Goldberg, e Knaani, 1984), cujas qualidades psicométricas foram avaliadas junto de uma amostra de 1500 alunos do ensino secundário (Faria e Fontaine, 1993), revelando-se satisfatórias (valores de alpha de Cronbach entre 0,77 e 0,87). A escala compreende quatro subescalas com 17 itens cada uma, que correspondem às causas mais usadas por adolescentes portugueses para explicar o sucesso e o fracasso em contexto escolar (por exemplo: "capacidade intelectual"; "concentração durante o estudo"; "quantidade de estudo"), avaliando respectivamente a importância/ influência das causas no sucesso e fracasso escolar e as três dimensões causais na perspectiva atribucional de Weiner: o locus de causalidade (interno versus externo), a. estabilidade (estável versus instável) e a controlabilidade (controlável versus incontrolável), (Weiner, 1985), numa escala de Likert de quatro pontos. Neste estudo serão consideradas apenas as subescalas referentes às três dimensões atribucionais. Valores mais elevados nas subescalas significam que os sujeitos interpretam as causas como respectivamente mais internas, mais instáveis e mais controláveis.

O rendimento escolar foi avaliado através das notas do 3.o período das disciplinas principais (excluindo Educação Física, Educação Musical, Desenho e Trabalhos Manuais/Oficinais, por não serem comuns aos vários alunos).

Amostra e procedimento

As escalas foram administradas colectivamente durante o horário escolar normal a uma amostra de 577 alunos do ensino secundário, do 7.o ao 11.o anos, de ambos os sexos, que compreendem a amostra da segunda fase do estudo longitudinal (ver quadro 1).

 

 

Este estudo utiliza uma metodologia longitudinal sequencial, tendo os dados sido recolhidos em dois momentos distintos separados por um intervalo de dois anos (1990/91 e 1992/93).

Apresentação do modelo teórico inicial em função das hipóteses do estudo

No modelo a testar, as concepções pessoais de inteligência (estática versus dinâmica) constituem-se enquanto construtos centrais e organizadores, determinando a manifestação de atribuições causais particulares. Foi introduzido no modelo o rendimento escolar, como variável de avaliação da realização dos sujeitos. Com efeito, as atribuições causais referem-se a sucessos e fracassos escolares, que variam de sujeito para sujeito. A escolha das notas como medida privilegiada da realização escolar relaciona-se com o facto de estas serem interpretadas pelos alunos como informações relevantes acerca da competência escolar própria, ou indicadoras de outros traços pessoais. Além disso, são preditoras das possibilidades de sucesso no futuro. Assim, as concepções pessoais de inteligência e as notas ou rendimento escolar, no primeiro momento de avaliação, constituem as variáveis independentes ou preditoras. O rendimento escolar estabelece relações com as concepções pessoais de inteligência, relações estas que são predeterminadas em relação ao modelo inicial que se pretende formular.

Na figura 1, que apresenta o modelo inicial a testar, não se procurará explicar esta relação predeterminada entre variáveis independentes (XI e X2), representada através de uma elipse sem determinação do sentido da relação. Ambas as variáveis são supostas constituir um sistema com maior poder explicativo do que os efeitos de cada uma isoladamente, modelo que traduz algumas das hipóteses formuladas, relativas às relações previstas entre variáveis. As variáveis latentes são representadas por círculos e as observadas por rectângulos. Neste modelo, apenas as notas são consideradas variáveis observadas. Todas as outras são características psicológicas avaliadas por instrumentos de medida específicos. Para além disso, os algarismos 1 e 2 indicam, respectivamente, a fase do estudo longitudinal a que se referem as variáveis.

 

 

A primeira hipótese, segundo a qual as concepções pessoais de inteligência e as notas (variáveis independentes), no primeiro momento de avaliação, influenciam as três dimensões causais — de locus (Yl), de controlabilidade (Y2) e de estabilidade (Y3) (variáveis dependentes) —, é representada por flechas que vão das primeiras para as segundas.

A previsão de relação entre as concepções pessoais de inteligência e as dimensões causais (Hla) funda-se quer em conclusões da literatura sobre as concepções pessoais de inteligência e as atribuições, quer nos resultados da comparação dessas características nos sujeitos "perdidos" da primeira para a segunda fase deste estudo longitudinal e nos que permaneceram nele, o que permitiu concluir pela existência de uma relação entre as concepções pessoais e as dimensões de locus e de controlabilidade: os sujeitos que abandonaram o estudo tinham concepções mais estáticas de inteligência e percebiam as causas atribucionais como menos internas e menos controláveis do que aqueles que permaneceram nele. No que se refere à dimensão de estabilidade, não se observou qualquer diferença entre os sujeitos "perdidos" e os que permaneceram no estudo (Faria, 1995). Contudo, a dimensão de estabilidade das causas, ao ter um papel relevante na modificação das expectativas de sucesso futuras dos sujeitos, estabelece relações com as concepções pessoais de inteligência, pois evidências empíricas apontam para o facto de os sujeitos com concepções mais dinâmicas apresentarem expectativas de sucesso, quanto à realização futura, mais elevadas do que os sujeitos com concepções estáticas, o que permite inferir que percepcionarão as causas como mais instáveis (menos estáveis) em caso de fracasso.

Para além das concepções pessoais de inteligência, as notas influenciam também as dimensões causais: hipotetizámos a existência de uma influência directa dos resultados escolares sobre as dimensões causais, no primeiro momento de avaliação (H1b). Apesar de esta influência não ser totalmente assumida pela perspectiva atribucional, sabemos que os resultados inesperados, ou atípicos, suscitam maior procura causal do que os esperados. Conhecemos também a importância dos resultados escolares na construção de um sentimento de competência e valor pessoais, bem como o facto de os alunos mais penalizados serem "obrigados" a procurar explicações causais que protejam a sua imagem e a sua auto-estima. Por outro lado, a análise das diferenças de rendimento escolar entre os alunos "perdidos" e os que permaneceram no estudo evidencia diferenças significativas, que favorecem o segundo grupo, como era previsível: o de alunos "perdidos" apresenta notas significativamente inferiores ao de alunos que permanecerem no estudo (quadro 2). Este resultado parece assim reforçar a hipótese de que a interpretação das causas do fracasso funcionaria como mecanismo protector da auto-estima, existindo uma relação entre o nível de realização escolar e a elaboração de padrões atribucionais.

 

 

Quer as variáveis motivacionais, quer os resultados escolares apresentarão uma certa estabilidade temporal. Esta será a nossa segunda hipótese: uma relação positiva liga cada variável, no primeiro momento de avaliação, à sua homóloga, no segundo momento de avaliação (relações entre: Y1-Y5; X1-Y4; Y2-Y6; X2-Y8; Y3-Y7). O carácter recursivo do modelo torna impossível qualquer efeito no sentido oposto.

As evidências empíricas observadas nos dois estudos transversais, que constituem as duas fases do estudo longitudinal, relativas à existência de uma relação positiva entre a dimensão de locus e a de controlabilidade, que comprovam os resultados no domínio, levam-nos a prever a influência mútua entre a controlabilidade e o locus, no primeiro e segundo momentos de avaliação, bem como do primeiro para o segundo momento. Esta será a nossa terceira hipótese (relações entre: Y2-Y1; Y2-Y5; Y6-Y5; Y1-Y6), sendo difícil estabelecer o sentido da influência a priori, que será testada com os dados empíricos.

Para além da influência directa que as concepções pessoais de inteligência e as notas, no primeiro momento de avaliação, exercem sobre as dimensões causais, a quarta hipótese postula uma influência indirecta de ambas sobre as concepções pessoais de inteligência, no segundo momento, através do efeito mediador das dimensões causais (H4). As pistas de influência indirecta são as seguintes: Xl-YlY4; X1-Y2-Y4; X1-Y3-Y4; X2-Y1-Y4; X2-Y2-Y4; X2-Y3-Y4.

As relações entre as concepções pessoais de inteligência e as dimensões atribucionais, no segundo momento, seriam semelhantes àquelas observadas no primeiro momento, orientadas da primeira variável para as segundas (H5: relações entre Y4-Y5; Y4-Y6; Y4-Y7).

O objectivo deste estudo é igualmente o de testar o impacte de variáveis motivacionais, desenvolvidas no decorrer da escolaridade, sobre os resultados escolares futuros. Postulamos que esta relação não é simples nem directa, construindo-se progressivamente no decorrer do tempo. Assim, a nossa sexta hipótese postula a existência dum efeito indirecto das concepções pessoais de inteligência, no primeiro momento, sobre os resultados escolares, no segundo momento, via concepções pessoais de inteligência no segundo momento (pista: X1-Y4-Y8; H6a), via dimensões atribucionais (pistas: X1-Y1/Y2/Y3-Y5/Y6/Y7-Y8; H6b), ou via dimensões atribucionais e concepções pessoais de inteligência (pista: XIY1/Y2/Y3-Y4-Y8; H6c), (pista: X1-Y4-Y5/Y6/Y7-Y8; H6d).

Será comparada a adequação aos dados destas diversas pistas de influência teórica.

O modelo inicial construído será testado para a amostra total do estudo longitudinal. O modelo construído será testado para a escala "estática" das concepções pessoais de inteligência.

O modelo foi testado usando o programa LISREL VII e adoptando o procedimento baseado nó maximum likelihood analysis of structural equations. Foram considerados três indicadores, que avaliam o ajustamento do modelo aos dados: o chi quadrado (Χ2), que avalia o grau de proximidade do modelo teórico aos dados e que deve ser não significativo, o adjusted goodness offit index (AGFI), que indica a proporção de variâncias e co-variâncias explicada pelo modelo, ajustada aos graus de liberdade, que varia entre zero e um, e o root mean square residual (RMSR), que é uma medida da média das variâncias e co-variâncias residuais e que deve ser o mais baixa possível. No caso de vários modelos se ajustarem igualmente bem aos dados (com o Χ2 não significativo), a escolha de um deles será feita com base num teste de diferenças de Χ2 entre os dois modelos. O escolhido será aquele que, sendo mais simples, se adequa significativamente melhor aos dados.

A apresentação de um modelo inicial e provisório para explicar os dados, com base em algumas hipóteses prévias, não nega a possibilidade de construção progressiva de um sistema em função das constatações feitas a partir dos dados. Neste sentido, a aplicação do Lisrel aos dados permite conjugar uma démarche hipotético-dedutiva com outra indutiva. Porém, a apreciação da adequação desses novos modelos exigirá novas verificações empíricas (Bacher, 1988).

Resultados

No quadro 3 encontram-se os resultados das análises de equações estruturais para a amostra total. Os três indicadores principais, Χ2 e sua significância, AGFI e RMSR, estão assinalados em função da escala "estática" das concepções pessoais de inteligência. De um modo geral, obteve-se um modelo ajustado aos dados, com um valor de X2 não significativo e com um valor de AGFI superior a. 90. No entanto, é de salientar que o modelo inicial sofreu alterações sugeridas pelo próprio programa, as quais foram introduzidas até à obtenção de valores aceitáveis dos indicadores. Segue-se então a análise do modelo obtido.

 

 

Análise e discussão do modelo para a amostra total

O modelo hipotético inicial não foi totalmente comprovado. Do que melhor se ajusta aos resultados para a amostra total (figura 2), podemos salientar os seguintes aspectos: a estabilidade relativa quer dos resultados escolares, quer de certas variáveis motivacionais (influência directa da nota, controlabilidade e concepções pessoais de inteligência do primeiro momento sobre o segundo), estabilidade que parece compreensível se tivermos em conta que permaneceram no estudo os alunos em relação aos quais se esperava uma evolução menos acentuada nas variáveis motivacionais. A fraqueza das relações entre as avaliações de estabilidade e de locus nos dois momentos é, contudo, tanto mais surpreendente quanto MANOVAS realizadas anteriormente nos tinham indicado uma certa estabilidade temporal destas variáveis. Podemos assim interpretar esta estabilidade temporal como o resultado não de um processo de influência directa termo a termo, como no caso das concepções pessoais de inteligência e da controlabilidade, mas de um processo indirecto, implicando provavelmente a percepção da controlabilidade das causas. Com efeito, podemos observar a influência directa desta sobre o locus e sobre a estabilidade nos dois momentos de avaliação. A dimensão causal de controlabilidade influencia directamente a de locus, comprovando a existência de uma associação directa entre ambas, já verificada anteriormente noutros estudos no mesmo contexto, confirmando a H3. A dimensão de controlabilidade influencia também a de estabilidade, sendo contudo negativa a relação entre ambas no primeiro momento de avaliação. Assim, a percepção de maior controlabilidade das causas conduz a uma percepção de menor instabilidade (maior estabilidade) das mesmas. A influência das concepções pessoais de inteligência 2 sobre o locus 2, fraca e isolada, não permite comprovar as hipóteses 6, que previam o efeito mediador das dimensões causais na relação entre concepções pessoais de inteligência e nota no segundo momento de avaliação. Contudo, a influência directa e forte da nota 1 sobre as concepções pessoais de inteligência 2 não confirma a H4, que previa a necessidade de um efeito mediador das dimensões causais na relação entre a nota e as concepções pessoais de inteligência. No entanto, parece indiciar que as reacções do sujeito a experiências pessoais de sucesso e de fracasso têm um papel fundamental na construção das suas concepções pessoais de inteligência. Finalmente, observa-se a influência directa das concepções pessoais de inteligência 2 sobre o locus 2 e sobre a estabilidade 2 (o que comprova parcialmente a H5).

 

 

Globalmente, conclui-se que o tipo de influência predominante entre as variáveis é directo, embora certas influências indirectas sejam necessárias para explicar os valores de locus e de estabilidade no segundo momento.

A partir da análise do modelo obtido salienta-se globalmente (1) o papel explicativo da nota no primeiro momento de avaliação, enquanto variável independente, sobre as dimensões causais e sobre as concepções pessoais de inteligência no segundo momento; (2) a relação entre as dimensões causais, nomeadamente entre o locus e a controlabilidade; (3) o papel central da dimensão de controlabilidade na explicação das outras dimensões causais e da nota nos dois momentos de avaliação e (4) a importância da relação entre as concepções pessoais de inteligência e as dimensões causais no segundo momento de avaliação.

Conclusões

Os resultados analisados põem em relevo o papel penalizador do contexto escolar, que age seleccionando e eliminando os sujeitos menos capazes de se adaptarem às suas exigências, e não fornece experiências desafiantes e promotoras do desenvolvimento psicológico dos sujeitos.

A partir dos resultados obtidos com a aplicação do modelo LISREL, podemos concluir que a nota apresenta uma influência directa sobre as dimensões causais e sobre as concepções pessoais de inteligência, contrariamente à hipótese formulada, que previa o seu efeito indirecto sobre as concepções pessoais de inteligência através do efeito mediador das dimensões causais. O papel preditor da nota sobre as concepções pessoais de inteligência é particularmente importante, pois parece influenciar — tendo um efeito diferido —, todo o sistema de variáveis motivacionais: é a nota no primeiro momento que influencia as concepções pessoais de inteligência no segundo momento. Este efeito diferido apoia a concepção da construção progressiva das características motivacionais a partir da interpretação de experiências anteriores relevantes.

Por outro lado, a controlabilidade revela-se a dimensão causal mais importante, influenciando positivamente o locus e negativamente a estabilidade. A sua influência sobre a nota é também relevante, embora contraditória, sobretudo no segundo momento de avaliação, em que se revela predominantemente negativa. Embora a médio prazo a percepção de controlabilidade das causas dos resultados escolares seja associada a melhores realizações, as relações a curto prazo sugerem que à percepção de menor controlabilidade das causas do sucesso e fracasso escolares imediatos está associado maior rendimento escolar. A manipulação da controlabilidade pelo próprio sujeito poderia, neste caso, funcionar como defesa contra a ansiedade em situação de avaliação.

Saliente-se ainda a influência das concepções pessoais de inteligência sobre as dimensões causais no segundo momento de avaliação.

Estes resultados comprovam, sem dúvida, a importância da nota sobre as variáveis motivacionais no contexto português, tal como noutros contextos culturais, enquanto forma de avaliação do rendimento escolar e, sobretudo, enquanto indicador de traços pessoais globais do aluno e das suas potencialidades de sucesso no futuro. Para além do significado social e institucional da nota, esta também é percebida como forma de avaliar a inteligência e a capacidade de integração no sistema escolar por parte do aluno: assim, a nota está associada ao valor e competência pessoais. Com este quadro de referência, os alunos são impelidos a responder rápida e eficazmente ao que lhes é pedido de modo a obterem bons resultados, mesmo em detrimento da aprendizagem e da descoberta. É neste sentido que podemos interpretar a influência negativa observada entre as concepções pessoais de inteligência e a controlabilidade, e entre esta e a nota no segundo momento de avaliação. Deste modo, apesar de as notas mais elevadas promoverem a médio prazo o desenvolvimento de concepções mais dinâmicas (menos estáticas) de inteligência, estas concepções estão associadas, por exigência das características do contexto escolar, a uma pseudo-orientação para a mestria, pois o aluno é constrangido a dar resposta às tarefas e objectivos escolares imediatos de modo a ser avaliado positivamente, tomando-se menos importante a aprendizagem, pelo menos a curto prazo. Ao prosseguir objectivos centrados no resultado (obter juízos positivos de competência e evitar juízos negativos desta), o sujeito é conduzido a desenvolver percepções de menor controlo e responsabilidade sobre as causas do sucesso e do fracasso, como forma de protecção contra a responsabilização pelos fracassos imputada pela escola. Por outro lado, o confronto com critérios múltiplos de avaliação nas diferentes disciplinas, num contexto de alteração permanente das regras e do valor da avaliação, reforça as percepções de incontrolabilidade e a desresponsabilização pelas causas que produzem o sucesso e o fracasso. Apesar da pressão avaliativa do contexto escolar e da importância atribuída às notas enquanto critérios de avaliação da inteligência, os sujeitos com concepções menos estáticas (mais dinâmicas) de inteligência serão mais capazes de lidar com as exigências dos contextos competitivos, pois obtêm melhores resultados e são mais capazes de dar resposta à necessidade de mostrar sinais de competência, cumprindo assim objectivos centrados no resultado, mais adaptados ao contexto escolar, sem, no entanto, deixarem de perceber que a aprendizagem e o desenvolvimento da competência intelectual, através do esforço e do investimento pessoal, são a finalidade de todo o processo educativo. Podemos assim concluir que as concepções pessoais de inteligência mais adaptativas são as que conciliam a necessidade de dar resposta às pressões avaliativas — através da demonstração de competência e do evitamento de juízos negativos da mesma —, com a prossecução de objectivos centrados na aprendizagem — pela ênfase no desenvolvimento e progresso pessoais. Assim, parece também ser possível prosseguir objectivos centrados no resultado adoptando concepções dinâmicas de inteligência.

Neste quadro, a intervenção psicológica deliberada parece configurar-se como altamente desejável no sentido de apoiar o desenvolvimento de estratégias mais adaptativas para lidar com o fracasso e a pressão avaliativa no contexto escolar.

 

Referências

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cAutor para correspondência:

A correspondência referente a este artigo deverá ser enviada para a FPCE — UP, Rua do Campo Alegre, n.o 1055,4150 Porto.

 

Notas

1Este trabalho faz parte da tese de doutoramento da autora, apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

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