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Psicologia

Print version ISSN 0874-2049

Psicologia vol.11 no.2-3 Lisboa June 1996

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v11i2/3.606 

Desenvolvimento intra-individual das atribuições e dimensões causais durante a adolescência1

 

Luísa Faria1,*

1Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

*Autor para correspondência

 


RESUMO

A análise do desenvolvimento intra-individual e dos padrões inter-individuais (sexo, ano de escolaridade, zona de residência e nível sócio económico) na mudança intra-individual das dimensões atribucionais de locus de causalidade, estabilidade, controlabilidade e influência/importância das causas, no âmbito de um estudo longitudinal sequencial, revelou a ausência de qualquer tipo de evolução com o tempo destas variáveis motivacionais, bem como a ausência de influência das variáveis inter-individuais na mudança intra-individual, contrariamente às hipóteses formuladas. Estes resultados conduziram a uma análise mais detalhada das características dos sujeitos «perdidos» e dos sujeitos que permaneceram no estudo longitudinal, quanto às variáveis em estudo que justificassem a ausência de qualquer tipo de evolução. A hipótese da selecção escolar de alunos com determinados padrões atribucionais (causas externas e incontroláveis), foi levantada para explicar os resultados da análise da mudança intra-individual das dimensões atribucionais e da influência dos padrões inter-individuais nesta mudança. Tal hipótese reforça a importância da implantação de uma intervenção psicológica deliberada, no sentido de promover o desenvolvimento de estratégias mais adequadas para lidar com as situações de fracasso e com a pressão avaliativa do contexto escolar.


ABSTRACT

The analysis of intra-individual development of attributional dimensions of locus of causality, stability, controllability and influence/importance of the causes for success and failure, and of the influence of inter-individual patterns (sex, school grade, area of residence and socio economical status) in the intra-individual change, in the scope of a longitudinal sequential design, evidenced the absence of evolution with time of these motivational variables, as well as the absence of influence of the inter-individual variables in intra-individual change, contrarily to our predictions. These results led to the analysis of the motivational characteristics of the «lost» subjects in the longitudinal study, and of those that remained in the study, that could explain the absence of any kind of evolution in the attributional dimensions. The hypothesis of «school selection» of those students with specific attributional patterns (external and uncontrollable causes), was raised to explain the results. This hypothesis reinforces the importance of introducing deliberate psychological intervention in the school context, in order to promote the development of more adequate strategies to deal with failure and with the evaluative pressure of the competitive school context.


 

A constatação de que grupos de sujeitos com práticas de socialização semelhantes, desenvolvem padrões atribucionais com o mesmo significado, sugere que a análise da causalidade dos resultados, bem como da sua interpretação em termos de dimensões causais, varia em consequência de experiências individuais e de socialização diferenciadas, que suscitarão consequências cognitivas, afectivas e comportamentais diferentes em contextos de realização.

As atribuições causais serão assim perspectivadas como manifestações de teorias pessoais mais alargadas, que sofrem um processo de desenvolvimento diferencial, sendo influenciadas pelas características dos contextos de existência.

O modelo racional e lógico apresentado por Weiner, para a produção de atribuições causais para explicar os resultados em contextos escolares e suas consequências, parece adequar-se melhor aos sujeitos mais velhos, já que as crianças se apresentam como menos racionais, menos capazes de avaliar os resultados da sua realização e, globalmente, mais optimistas nessa avaliação. Analisaremos neste estudo a evolução das atribuições causais com a idade (enquanto factor de «apreciação» das mudanças desenvolvimentais), bem como a evolução das dimensões causais (locus de causalidade, estabilidade e controlabilidade) .

O modelo atribucional foi largamente usado para explicar as diferenças de sexo no comportamento de realização, tendo sido avançada a ideia de que homens e mulheres fazem atribuições diferentes para os sucessos e fracassos, sendo esta a razão para as diferenças de realização entre si em diversos contextos, como o do trabalho, da política ou doutros directamente ligados ao sucesso na nossa sociedade (Frieze, Whitley, Hanusa & McHugh, 1982). Os vários modelos propostos para explicar as diferenças de sexo e os resultados controversos no domínio sugerem a importância de prosseguir a investigação neste domínio, que constitui assim um dos nossos objectivos.

Abordaremos também os estudos relacionados com outros dois factores de diferenciação dos contextos de existência, o NSE de pertença dos sujeitos e a zona de residência, analisando as eventuais diferenças desenvolvimentais evidenciadas por sujeitos de diferentes estratos sociais e zonas rurais vs urbanas, nas dimensões causais.

Neste estudo pretende-se identificar de forma directa a presença eventual de mudança intra-individual das dimensões atribucionais, observando os mesmos sujeitos repetidamente no tempo, bem como observar de forma directa o grau de semelhança entre os membros de um mesmo grupo social na mudança intraindividual e o que os distingue dos membros de outro grupo social, ou seja, identificar as eventuais diferenças inter-individuais nos padrões de mudança intra-individual, em função do ano de escolaridade inicial, definido a partir do sexo, NSE e zona de residência. Serão analisadas algumas das causas possíveis, quer da mudança intra-individual das dimensões atribucionais, quer das diferenças inter-individuais, na mudança intra-individual.

Neste estudo utilizou-se uma metodologia longitudinal sequencial, com dois momentos de observação distintos, separados por dois anos de intervalo.

Para a análise das mudanças intra-individuais e para a identificação de padrões de mudança específicos a certos grupos sociais, serão utilizadas análises de variância multivariadas (MANOVAS) para medidas repetidas. Resultados inesperados conduzirão a uma análise pormenorizada das características diferenciais dos sujeitos «perdidos» da primeira para a segunda fase do estudo e dos sujeitos que se mantiveram nas duas fases, no que se refere às variáveis motivacionais, de modo a clarificar as razões do tipo de evolução (ou constância) ocorrido com o tempo.

Análise da mudança intra-individual das dimensões atribucionais e das diferenças inter individuais na mudança intra-individual

Hipóteses relativas ao desenvolvimento intra-individual

Desenvolvimento das dimensões atribucionais com o tempo

Locus de causalidade.

As conclusões dos estudos empíricos, acerca do desenvolvimento da dimensão de locus com a idade/ano de escolaridade, apresentam-se algo controversas. O desenvolvimento desta dimensão, com o ano de escolaridade, pode espelhar, quer diferenças desenvolvimentais com a idade, quer a influência do contexto escolar.

Os resultados dos estudos transversais no contexto Português (Faria, 1995) apoiam os resultados de Crandall, Katkovsky e Crandall (1965), ou seja, os sujeitos dos anos de escolaridade inferiores percebem as causas como mais internas do que os sujeitos dos anos de escolaridade superiores. Deste modo, no contexto Português, observa-se uma redução da internalidade com o aumento da escolaridade, que poderá ser explicada pela maior capacidade dos sujeitos mais velhos para analisarem a realidade de forma complexa, que se traduziria pelo aumento do leque de causas possíveis para explicar os sucessos e fracassos escolares, para além das causas provenientes exclusivamente do próprio sujeito. Assim, prevemos uma redução da internalidade das causas entre a primeira e a segunda fases do estudo longitudinal.

Estabilidade

Os resultados dos estudo empíricos, sobre o desenvolvimento da dimensão de estabilidade, apontam para um aumento no uso de causas instáveis com o ano de escolaridade (Frieze & Snyder, 1980). Todavia, os resultados obtidos no contexto Português são inconsistentes, pois enquanto no estudo da primeira fase do longitudinal não se observaram diferenças significativas em função do ano de escolaridade, na segunda fase estas foram observadas, com os sujeitos do 7.o ano a perceberem as causas como mais instáveis do que os do 9.o e 11.o anos (Faria, 1995). Apesar deste resultado poder ser interpretado fazendo apelo à influência da escola no desenvolvimento de explicações causais, progressivamente mais estáveis e imutáveis, o facto dele ter ocorrido apenas no estudo da segunda fase do longitudinal leva-nos a apoiar a hipótese contrária, a do aumento progressivo com o ano de escolaridade do uso de causas instáveis, por estar melhor fundamentada empiricamente. Refira-se que o uso progressivo de causas instáveis com a idade, para explicar o fracasso, é observado por autores como Frieze e Snyder (1980), que o justificam devido à aquisição do conceito de acaso, que parece ser dos últimos a ser adquirido.

Controlabilidade

Estudos de Frieze e Snyder (1980) e de Weiner e Peter (1973) apoiam a hipótese do uso progressivo de causas controláveis e intencionais com a idade. Contudo, em dois estudos transversais (duas fases do longitudinal) no contexto Português, observa-se que os sujeitos mais novos percebem as causas como mais controláveis do que os mais velhos, apresentando-se este resultado relativamente estável (Faria, 1995). Assim, prevemos uma diminuição das percepções de controlabilidade com o ano de escolaridade, devido à influência da escola que, ao reenviar sistematicamente a responsabilidade dos resultados para o aluno, influencia o desenvolvimento de percepções de incontrolabilidade das causas desses resultados, como forma de protecção contra a responsabilização do aluno pelo fracasso, frequente, em termos subjectivos, num contexto escolar competitivo.

Influencia

A percepção de influência das causas no sucesso e fracasso escolares não constitui uma dimensão causal, mas permite-nos avaliar a relevância diferencial das causas atribucionais seleccionadas para os sujeitos do nosso estudo.

Por um lado, estudos de Bar-Tal, Goldberg e Knaani (1984) não encontraram quaisquer diferenças na percepção de influência das causas entre vários grupos. Por outro lado, no contexto Português, foram encontradas diferenças significativas na percepção de influência em função do ano, apenas no estudo da segunda fase do longitudinal, com os sujeitos do 7o ano a perceberem as causas como mais influentes no seu conjunto do que os do 952 e 11o anos (Faria, 1995). Perante a falta de estabilidade dos resultados, no contexto Português, e a ausência de diferenças noutros contextos, optámos por não esperar qualquer tipo de evolução na percepção de influência com o ano de escolaridade.

Hipóteses relativas às diferenças inter-individuais na mudança intra-individual das dimensões atribucionais

Papel do ano de escolaridade na mudança intra-individual

O estudo longitudinal permitirá distinguir o efeito da idade do efeito de coorte, pela distinção que faz entre as mudanças temporais e as diferenças em função do nível de escolaridade. Partimos do pressuposto de que as diferenças entre anos de escolaridade, observadas nos estudos transversais já realizados, eram manifestações do desenvolvimento das dimensões atribucionais com a idade.

Locus de causalidade.

A diminuição da percepção de internalidade das causas com o ano de escolaridade, observada no contexto Português, por um lado, evidencia a semelhança nesta percepção entre os sujeitos do 5Q e 7Q anos, e, por outro lado, entre os do 9o e 11o anos. Assim, prevemos a ocorrência de uma diminuição da internalidade das causas com o tempo, mais acentuada entre o 7o e o 9.o anos do que entre o 5.oe o 7o ou o 9o e o 11o anos.

Estabilidade

Devido ao carácter pouco conclusivo dos estudos no contexto Português, apoiamos a hipótese de que a mudança intra-individual da dimensão de estabilidade ocorrerá de forma igual para todos os anos de escolaridade.

Controlabilidade

A existência de uma diminuição progressiva das percepções de controlabilidade com o ano de escolaridade, no contexto Português, com a manifestação de diferenças significativas entre todos os grupos, leva-nos a prever que o desenvolvimento com o tempo ocorrerá de forma igual e no mesmo sentido para todos os anos de escolaridade.

Influência

Perante os resultados inconclusivos no contexto Português e a ausência de diferenças noutros contextos, prevemos a ausência de mudança da «influência» com o tempo para qualquer ano de escolaridade.

Papel do sexo na mudança intra individual

Locus de causalidade

A ausência de diferenças de sexo na percepção da dimensão de locus em dois estudos, no contexto Português, e a falta de consenso nos resultados dos estudos realizados noutros contextos, no domínio das diferenças de sexo nas atribuições, leva-nos a não esperar encontrar qualquer diferença significativa em função do sexo na mudança intra-individual da percepção de locus.

Estabilidade

Apesar de alguns estudos empíricos terem encontrado diferenças de sexo na percepção de estabilidade das causas, com as raparigas a fazerem atribuições instáveis para o sucesso e estáveis para o fracasso, de forma mais incidente do que os rapazes (Crandall, Katkovsky & Preston, 1962; Stipek & Hoffman, 1980; Vollmer, 1986), estudos de Deaux (1984) demonstraram que as diferenças de sexo dependem sobretudo de factores situacionais, ligados ao tipo de tarefas utilizadas (tarefas masculinas). No contexto Português não foram encontradas diferenças de sexo na percepção de estabilidade das causas, em dois estudos, o que leva a pensar que o sucesso escolar não tem conotação masculina. Assim, não esperamos encontrar qualquer efeito significativo do sexo sobre a mudança intra-individual da dimensão de estabilidade.

Controlabilidade

Embora se possam fazer algumas previsões, a partir dos modelos explicativos das diferenças de sexo no domínio das atribuições, a ausência de resultados empíricos sobre as diferenças de sexo na dimensão de controlabilidade, nos estudos até aqui realizados, a par da observação da ausência de diferenças de sexo na percepção de controlabilidade no contexto Português, autoriza-nos a não esperar encontrar qualquer efeito significativo do sexo na mudança intra-individual da dimensão de controlabilidade.

Influencia

Apesar de terem sido encontradas diferenças estáveis de sexo na percepção de influência das causas, em dois estudos no contexto Português, com as raparigas a perceberem as causas como mais influentes nos seus resultados escolares do que os rapazes, o facto dos sujeitos do nosso estudo perceberem globalmente as causas como influentes nos seus resultados escolares, bem como a ausência de diferenças noutros contextos, leva-nos a não esperar qualquer efeito significativo do sexo na «influência», que permanecerá estável com o tempo para os dois sexos.

Papel do NSE e da zona de residência na mudança intra-individual Locus de causalidade

Os resultados observados na primeira fase do estudo longitudinal, no contexto Português, indicam que os sujeitos de NSE alto percebem as causas como mais internas do que os de NSE baixo, corroborando assim os resultados de Raviv e Bar-Tal (1980). A existência de uma diminuição da internalidade com o ano de escolaridade, interpretada não apenas como uma manifestação do aumento da complexidade na percepção da realidade, mas também como mecanismo protector da auto-estima, leva-nos a hipotetizar a maior estabilidade na evolução da percepção da internalidade para os sujeitos do NSE alto do que para os do NSE baixo, já que os primeiros necessitam menos de mecanismos protectores da auto-estima, pois obtêm resultados escolares mais elevados e fazem apelo com maior frequência a causas ligadas ao esforço para explicar os seus fracassos. Pelo contrário, hipotetizamos uma evolução mais acentuada com o tempo na utilização de causas mais externas, pelo sujeitos de NSE baixo, como forma de proteger a sua auto-estima contra os efeitos nefastos do fracasso, mais frequente neste grupo.

A falta de resultados empíricos noutros contextos que apoiem as diferenças de zona de residência para o locus, observadas no contexto Português, levam-nos a não formular qualquer hipótese para esta variável. Os resultados terão, neste caso, um carácter exploratório.

Estabilidade

A ausência de diferenças significativas em função do NSE para a dimensão de estabilidade, no contexto Português, levam-nos a hipotetizar a ausência de efeitos significativos do NSE sobre a mudança intra-individual da estabilidade.

No que se refere à zona de residência, o facto de se terem observado diferenças apenas na primeira fase do estudo longitudinal, aliado à falta de evidências empíricas que apoiem este resultado, leva-nos a não formular qualquer previsão para esta variável, atribuindo aos resultados um carácter meramente exploratório.

Controlabilidade

A ausência de diferenças significativas de NSE e de zona de residência na dimensão de controlabilidade, no contexto Português, e a falta de estudos empíricos no domínio, levam-nos a formular a hipótese da ausência de influência destas variáveis na mudança intra-individual da controlabilidade.

Influencia

A ocorrência de diferenças significativas na percepção de influência em função do NSE, observada na primeira fase do estudo longitudinal, não é contudo corroborada pelos resultados do estudo da segunda fase, nem pelos resultados de outros estudos no domínio. Assim, a ausência de mudanças da «influência» com o tempo não será alterada pelo NSE.

A ausência de diferenças significativas em função da zona de residência, no contexto Português, e a falta de estudos empíricos que utilizem esta variável, leva-nos a não formular qualquer hipótese, assumindo os resultados um carácter exploratório

Método

Instrumento, Amostra e Procedimento

A escala para avaliar as dimensões atribucionais é constituída por quatro subescalas com 17 itens cada uma, correspondendo a 17 causas atribucionais que se repetem em cada subescala (exemplos de causas: «capacidade intelectual», «concentração», «memória», «saúde», etc.), variando apenas as instruções em função do objectivo: grau de influência/importância nos resultados escolares (sucesso e fracasso); locus de causalidade; estabilidade e controlabilidade. Para cada subescala, os itens são avaliados numa escala de Likert de 4 pontos. As qualidades psicométricas desta escala revelaram-se satisfatórias, apresentando as várias subescalas valores de alpha entre .77 e .87 (Faria Sc Fontaine, 1993).

A escala, que designaremos por Q.A. (Questionário de Atribuições), foi administrada, num primeiro momento, que decorreu no ano lectivo de 1990/91, em conjunto com outros instrumentos, a uma amostra de 1529 alunos do ensino secundário, do 5.o ao 11.o anos de escolaridade, rapazes e raparigas de três NSE (alto, médio e baixo), residentes em zonas rurais e urbanas, frequentando, na sua maioria, estabelecimentos de ensino público da zona Norte do país, de modo a ter grupos relativamente equilibrados nas diversas modalidades dos três factores de selecção (sexo, NSE e zona de residência).

A amostra estudada no primeiro momento de avaliação foi de novo observada, dois anos mais tarde, no ano lectivo de 1992/93. A amostra da segunda fase compreende 577 alunos, aproximadamente 50% da amostra inicial, se desta excluirmos os alunos do 11o ano, que já teriam concluído na sua maioria o ensino secundário. Dos 50% de alunos «perdidos», 14.3% constituem perdas por abandono escolar.

 

 

O Q.A. foi administrado colectivamente no contexto escolar, a turmas inteiras, durante o horário escolar normal, respeitando sempre a mesma ordem. A uniformização das condições de administração deste instrumento foi conseguida graças à leitura em voz alta das instruções para cada subescala, seguidas em silêncio pelos alunos no lugar. Os experimentadores apresentavam as instruções para cada subescala sucessivamente e esperavam que todos os alunos acabassem, para passar às instruções da subescala seguinte. Eram apresentados sinónimos para: «influência» (importância), «interno» vs «externo» (dentro vs fora de mim), «estável» vs «instável» (não muda com o tempo vs muda com o tempo) e «controlável» vs «não controlável» (depende de mim vs não depende de mim), que eram escritos no quadro negro à medida que eram apresentados. Os exemplos apresentados nas instruções eram lidos pausadamente, suscitando-se a reacção dos alunos quanto à sua compreensão. Este procedimento foi usado para os alunos de todos os anos de escolaridade. O Q.A. demorava, em média, 20 a 2 minutos a ser realizado (incluindo a leitura das instruções), sendo as respostas anotadas directamente nas folhas onde se encontravam as instruções e os itens. Os alunos mais novos apresentaram maiores dificuldades na compreensão do instrumento, exigindo leitura pausada das instruções e explicações repetidas. De um modo geral, os alunos queixaram-se do carácter repetitivo do instrumento, devido à apresentação das mesmas causas para todas as subescalas, embora percebessem que os objectivos de cada escala eram diferentes. O conjunto das administrações em cada um dos momentos de avaliação do estudo decorreu durante o primeiro período de aulas (2 a 3 meses).

Resultados

Evolução das dimensões atribucionais com o tempo

Com o objectivo de observar a evolução das dimensões atribucionais com o tempo, foram realizadas análises de variância multivariadas com medidas repetidas (MANOVAS). Os factores de diferenciação foram o tempo (factor intra—sujeito) e o sexo, o NSE, o ano de escolaridade e a zona de residência (factores inter-sujeitos). As análises foram realizadas para as quatro escalas do Q.A.: «influência», «locus», «estabilidade» e «controlabilidade». A homogeneidade das variâncias e a normalidade das distribuições foi confirmada para todas as escalas. Só serão considerados os resultados significativos para P < .01.

Os resultados das MANOVAS para a escala de «influência» (Quadro 2), de «locus» (Quadro 3), de «estabilidade» (Quadro 4) e de «controlabilidade», evidenciam uma ausência de diferenças com o tempo, assim como a ausência de quaisquer efeitos de interacção significativos. Podemos assim afirmar que não ocorreu qualquer tipo de evolução nas dimensões atribucionais com o tempo, nem qualquer influência significativa dos factores inter—individuais nesta constância intra-individual. Só foi confirmada a hipótese relativa à «influência» (constância com o tempo), sendo infirmadas as hipóteses relativas ao «locus», à «estabilidade» e à «controlabilidade». Os contextos de existência não alteram este padrão de resultados. A per da de sujeitos, no decorrer do estudo longitudinal, poderia eventualmente explicar este fenómeno. Com efeito, a selecção progressiva de alunos com locus mais externo, atribuindo os seus resultados a causas mais estáveis e menos controláveis, verificada entre o primeiro e o segundo momentos do estudo longitudinal, justificaria a estabilidade intra-individual das dimensões atribucionais, assim como a diferença entre anos de escolaridade observada no estudo transversal. A comparação entre sujeitos que permaneceram no estudo e sujeitos «perdidos» impõe-se.

 

 

 

 

 

 

Análise comparativa das dimensões atribucionais entre os alunos «perdidos» e os alunos que permaneceram no estudo longitudinal

Com o intuito de clarificar a razão para a ausência de qualquer tipo de evolução com o tempo nas dimensões atribucionais e, tendo em conta as perdas selectivas observadas entre as duas fases do estudo longitudinal, realizámos uma análise comparativa das diferenças nas quatro escalas do Q.A., entre os alunos «perdidos» da primeira para a segunda fase do estudo e os alunos que permaneceram nele. Desta comparação foram excluídos os alunos do 11.o ano na primeira fase, pela sua perda ser previsível na segunda fase.

Os resultados desta análise comparativa, evidenciaram diferenças significativas, entre os alunos «perdidos» e os alunos que permaneceram no estudo, apenas para duas escalas do Q.A., a de «locus» e a de «controlabilidade» (Quadro 6). Assim, para ambas as escalas, observa-se que o grupo de alunos «perdidos» apresenta valores médios significativamente inferiores aos do grupo que permaneceu no estudo (Quadro 7). Isto significa que o grupo de alunos «perdidos» percebe as causas como menos internas e menos controláveis do que o grupo de alunos que permaneceram no estudo. Não se observaram quaisquer efeitos de interacção significativos entre a «permanência no estudo» («perdidos» vs «não perdidos») e os factores de diferenciação da amostra (ano, sexo, NSE e zona de residência).

 

 

 

 

Estes resultados indicam que a perda selectiva de sujeitos poderá ajudar, eventualmente, a compreender a aparente contradição da estabilidade com o tempo das escalas de «locus» e de «controlabilidade», bem como as suas diferenças em função do ano de escolaridade, observadas nos estudos transversais realizados anteriormente (Faria, 1995). Todavia, este não é o caso para a dimensão de «estabilidade», que parece não variar em função da selecção dos sujeitos: assim, a nossa hipótese da evolução da interpretação das causas no sentido de percepções de maior instabilidade com o tempo não se confirmou.

Discussão

A ausência de qualquer tipo de evolução dos resultados das escalas do Q.A. com o tempo e a ocorrência de perdas selectivas de sujeitos da primeira para a segunda fase do estudo, exigiu a realização de análises comparativas entre os alunos «perdidos» e os alunos que permaneceram no estudo longitudinal. Estas análises revelaram que os sujeitos «perdidos» percebem as causas como menos internas e menos controláveis do que os sujeitos que permaneceram no estudo, contribuindo assim para a estabilidade destas dimensões com o tempo.

As hipóteses relativas à mudança intra-individual das dimensões de «locus» e de «controlabilidade» com o tempo, baseadas sobre resultados de estudos transversais, previam uma redução de ambas com o avanço da escolaridade. O facto dos sujeitos «perdidos» no estudo apresentarem valores médios inferiores em ambas as dimensões, permite-nos afastar a hipótese avançada para justificar as diferenças observadas em função do nível de escolaridade, sem referência à evolução desenvolvimental, que diz respeito ao facto da escola seleccionar sistematicamente os sujeitos com determinado padrão atribucional (eliminando os sujeitos que atribuem os resultados a factores mais internos e mais controláveis), justificando assim as diferenças observadas em função do nível de escolaridade. Pelo contrário, os sujeitos «perdidos» são precisamente aqueles cujo padrão atribucional se torna mais marcado nos últimos anos de escolaridade. Porém, é de salientar que nem todos os sujeitos «perdidos» do nosso estudo abandonaram a escola, pois uma parte deles não foi recuperada apenas por razões de mudança de estabelecimento de ensino. Esses alunos, que se mantiveram nas redes de ensino, poderiam influenciar as diferenças de grupo, sobretudo no primeiro estudo transversal. Esta hipótese parece compatível com o processo de desenvolvimento das atribuições em situação de fracasso. Com efeito, as percepções de internalidade e de controlabilidade das causas funcionariam, provavelmente, como mecanismos protectores da auto-estima dos sujeitos: a atribuição dos fracassos a factores externos (menos internos) e incontroláveis (menos controláveis) desresponsabiliza os sujeitos e atenua os efeitos nefastos do fracasso no sentimento de competência própria. Por outro lado, a escola ao reenviar a responsabilidade pelos fracassos para o aluno, reforça as percepções de incontrolabilidade das causas destes. Ora, as causas incontroláveis são frequentemente percebidas como mais externas do que as causas controláveis, devido à forte associação entre as dimensões de locus e de controlabilidade, também observada neste estudo. A escola parece assim reforçar as estratégias debilitantes dos sujeitos e as explicações protectoras do conceito de competência própria, que porém não são suficientes para garantir o sucesso. Os sujeitos com maior taxa de insucesso necessitam de recorrer mais frequentemente a tais mecanismos de protecção. São provavelmente esses alunos que abandonarão mais a escolaridade, por um lado, mas também eventualmente aqueles que terão mais tendência a mudar de escola, esperando implicitamente que um novo contexto escolar lhes abra novas possibilidades de sucesso e permita reconstruir a sua auto-estima, face a um novo grupo de pares e professores, que ignoram os seus fracassos anteriores. A mudança de escola seria também aqui utilizada como mecanismo de protecção da auto-estima. Esta explicação, puramente hipotética, deveria ser testada em estudos posteriores.

As diferenças entre anos de escolaridade observadas nos estudos transversais, cujos resultados apoiaram a formulação de hipóteses para o estudo longitudinal, com ausência de diferenças individuais no estudo longitudinal, só pode ser compreendida como consequência de diferenças entre coortes: as gerações mais novas de alunos fazem atribuições dos seus sucessos e fracassos a factores mais internos e controláveis do que os mais velhos, e esta tendência mantém-se com o tempo. O mesmo tipo de argumento poderia ser desenvolvido relativamente à dimensão de estabilidade; esta, contudo, não está significativamente associada ao fenómeno do abandono escolar. As dimensões de «estabilidade» e de «influência» não evidenciaram qualquer evolução com o tempo, nem se diferenciaram em função da «permanência no estudo» dos sujeitos («perdidos» vs «não perdidos»). No que diz respeito à estabilidade, a evolução intra-individual confirma os resultados da primeira fase do estudo longitudinal, que não evidenciaram mudanças em função do ano de escolaridade. Podemos pensar que as diferenças na segunda fase do longitudinal não podem ser explicadas por factores de selecção da amostra, nem por factores de desenvolvimento com a idade. Sendo ainda de salientar que os contextos de existência não parecem ter tido uma influência notável no desenvolvimento das dimensões atribucionais, consideradas isoladamente.

Conclusões

Sintetizando, os sujeitos «perdidos» no decurso do estudo longitudinal interpretam as causas atribucionais para o sucesso e fracasso escolares como mais externas e mais incontroláveis: estes resultados evidenciam o papel penalizador da escola, enquanto local de aprendizagem de normas sociais, e, consequentemente, capaz de recompensar e/ou punir os comportamentos em função da sua maior ou menor adaptação às exigências imediatas. Tais conclusões reforçam a importância da implantação de uma intervenção psicológica deliberada, no sentido de promover o desenvolvimento de estratégias mais adequadas para lidar com as situações de fracasso e com a pressão avaliativa do contexto escolar.

 

Referências

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*Autor para correspondência:

A correspondência referente a este artigo deverá ser enviada para a FCPE - UP, Rua do Campo Alegre, n.o 1055, 4150 Porto.

 

Notas

1Este trabalho baseia-se na tese de doutoramento da autora, apresentada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

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