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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.11 no.2-3 Lisboa jun. 1996

https://doi.org/10.17575/rpsicol.v11i2/3.605 

Estereótipos sociais: Definição e abordagens

 

Joana Miranda*

*Universidade Aberta

 


RESUMO

É apresentada uma definição de estereótipo social. São analisadas as suas principais características e funções e estabelecida a relação entre as funções sociais e as psicológicas. São enunciadas as principais abordagens teóricas do conceito. No âmbito das abordagens metodológicas, especial atenção é conferida ao estudo descritivo de Katz e Braly, pioneiro de uma série de outros estudos descritivos dos estereótipos sociais.


ABSTRACT

A definition of social stereotype is presented. We analyse its major features and functions and establish the relation between social and psychological functions. The major theoretical views of the concept are also presented. Among the methodological views, special attention is given to the descriptive study of Katz and Braly, which was pionner of a serial of other descriptive studies of social stereotypes.


 

1. Definição.

«Estereótipo» tem origem nas palavras gregas stereos (sólido) e tupos (marca, cunho). Referir-se-ia, portanto, a uma placa de impressão que produziria uma mesma imagem em cada impressão.

A primeira vista, pode parecer desnecessário definir estereótipo. A palavra é correntemente utilizada na linguagem quotidiana e o seu significado parece simples e evidente. No entanto, a palavra é definida de formas bem diversas no domínio das Ciências Sociais.

Surge neste domínio com o desenvolvimento da teoria das opiniões. Lippmann utiliza-a, em 1922, no seu livro Public Opinion, para expressar o carácter condensado, esquemático e simplificado das opiniões. O autor perspectiva o estereótipo como factualmente incorrecto, rígido, resultante de um processo ilógico de pensamento e resistente à educação.

Tajfel adopta a definição de estereótipo de Stallybrass (1977, citado por Tajfel, 1982a: 160), incluída no Fontana Dictionary of Modern Thought, segundo a qual, o estereótipo seria «uma imagem mental hipersimplificada de uma determinada categoria […] de indivíduo, instituição ou acontecimento, compartilhada, em aspectos essenciais, por grande número de pessoas.».

O autor considera ser a definição que melhor salienta a dimensão social dos estereótipos1 («compartilhada […] por grande número de pessoas.»).

2. Características e funções.

Os estereótipos transformam diferenças menos claras entre os grupos (categorias) em diferenças mais nítidas e criam diferenças onde, antes, elas não existiam.

A questão coloca-se em termos da relação entre um conjunto de atributos (por exemplo inteligência) que variam em termos de uma dimensão contínua e categorias de indivíduos2.

As categorias podem ser mais amplas - raças (amarelos, judeus, negros, …), nacionalidades (alemães, chineses, …) ou mais restritas - profissões, classes e grupos (professores, capitalistas, imigrantes, ….).

Os atributos são, através da experiência, associados às categorias. Quando o conhecimento do indivíduo avaliado é reduzido, são-lhe atribuídas as características consideradas típicas da categoria.

Tajfel considera que os estereótipos cumprem funções sociais e psicológicas.

Funções sociais

Evidências oriundas da Psicologia Social, da História Social, da Antropologia Social e do senso comum, demonstram que os estereótipos tendem a ser criados e difundidos em condições associadas a:

- Procura de compreensão de fenómenos sociais complexos (função causalidade social). Face, por exemplo, à necessidade de explicar a peste no século xvn, acusam-se, na altura, os escoceses de terem envenenado os poços de Newcastle em 1639 (Thomas, 1971, citado por Tajfel, 1984 : 161).

-Justificação de comportamentos cometidos ou planeados contra outgroups (função justificação). Esta função é bem documentada pelo trabalho de Kiernan (1972: ibidem):

«The idea of Europe’s «mission» dawned early, but was taken up seriously in the nineteenth century. Turkey, China, and the rest would some day be prosperous, wrote Winwood Reade, one of the most sympathetic Westerners. But those people will never begin to advance … until they enjoy the rights of men; and these tdiey will never obtain except by means of European conquest.»

- Diferenciação positiva do ingroup relativamente a dados outgroups, num momento em que essa diferenciação é perspectivada como insegura ou em que, não sendo positiva, existem condições sociais que fazem considerar a possibilidade de alteração da situação (função diferenciação).

Funções psicológicas

Nas funções psicológicas incluem-se a estruturação cognitiva e a manutenção de valores individuais. Analisemos, cada uma, em separado.

Estruturação cognitiva

Os estereótipos são, frequentemente, analisados na literatura em relação com um processo cognitivo designado por categorização. Mais concretamente, a categorização é perspectivada como um componente fundamental da formação dos estereótipos (ver, por exemplo, Allport, 1954; Ehrlich, 1973, citados por Hamilton, 1979: 55).

Na década de 50, mais precisamente em 1954, Allport analisa o processo de categorização na sua obra clássica sobre o preconceito - The Nature of Prejudice. E nessa mesma obra que atribui 5 características à categorização: constitui categorias amplas, assimila tudo a essas mesmas categorias, possibilita a identificação rápida de um dado elemento, satura tudo o que está incluído na categoria de um mesmo significado emocional, pode ser mais ou menos racional.

Para Allport, a categorização e os estereótipos são entidades distintas. O estereótipo é uma crença exagerada associada a uma categoria cuja função é justificar (racionalizar) o nosso comportamento relativamente a essa mesma categoria.

Apesar da sua definição de estereótipo incluir funções cognitivas e de valor, o estereótipo não é, propriamente, uma categoria, mas antes, uma imagem que existe, frequentemente, como uma marca fixa de uma categoria.

As relações entre estereótipos e categorias são, hoje, perspectivadas de uma forma bem mais dinâmica do que a perspectivada por Allport.

A principal função cognitiva dos estereótipos é a de sistematizar e simplificar informação social de forma a dar sentido a um mundo que, de outra forma, seria demasiado complexo e caótico.

Manutenção de valores individuais

A categorização social pode ter uma conotação de valor (positiva ou negativa) ou ser neutra. Exemplifiquemos: um adjectivo (por exemplo alto) pode ser atribuído a um dado grupo social (por exemplo suecos) sem que isso se revista de qualquer conotação de valor (apesar do adjectivo alto não ser necessariamente neutro, o grupo «suecos» pode não ter qualquer conotação de valor).

Se se encontrarem muitos suecos baixos, o estereótipo pode, inclusivamente, ser reformulado.

No entanto, se a categoria em causa tem uma dada conotação de valor, a instância que infirma o estereótipo vai requerer uma nova interpretação dos atributos tidos como característicos da categoria, ameaça todo o sistema de valores do indivíduo, sistema esse no qual assenta toda a diferenciação intergrupal.

Como Tajfel (1982a: 170) refere «[…] a aceitação de tais exemplos desconfirmatórios ameaça, ou põe em perigo, o sistema de valores que está na base da diferenciação entre os grupos.»3

De facto, de forma a evitar situações deste tipo, os indivíduos preferem cometer erros de sobreinclusão (isto é, incluírem numa categoria um item que não pertence a essa categoria) a erros de sobrexclusão (isto é, excluírem de uma categoria um item que pertence a essa categoria). Preferem, portanto, incluir uma «boa»4 pessoa numa «má» categoria do que uma «má» pessoa numa boa categoria.

E precisamente a esta conclusão que chegam os estudos de identificação, em condições ambíguas, de membros de categorias sociais de que não se gosta.

Em 1950, num estudo deste tipo desenvolvido nos Estados Unidos, verifica-se que os sujeitos anti-semitas são mais precisos na identificação de judeus do que os sujeitos não anti-semitas. Sendo a categorização judeus/não-judeus relevante para estes sujeitos, preferem identificar indivíduos não-judeus como judeus do que «deixar passar» alguns judeus (Secord & Backman, 1964, citados por Brigham, 1971: 26).

Em todos os estudos neste domínio, com apenas uma excepção (Himmelfarb, 1960, citado por Brigham, 1971: 26), os sujeitos anti-semitas consideram mais rostos como sendo de judeus do que sujeitos não anti-semitas.

Para Allport (1954, citado por Tajfel, 1982a: 170) «[…] o processo cognitivo do preconceito consistia em «seleccionar, acentuar e interpretar» a informação recolhida do meio […] desta forma […] o processo preenche a sua função de proteger o sistema de valores subjacente à divisão do mundo social envolvente em trigo e joio.».

Relações entre as funções sociais e psicológicas dos estereótipos

No passado, as teorias dos estereótipos não estão especialmente preocupadas em estabelecer relações entre as funções sociais (explicativa, justificativa e de diferenciação) e psicológicas (estruturação cognitiva e manutenção de valores individuais).

Actualmente, compreende-se que as relações competitivas e de poder entre os grupos delimitam, em larga escala, as funções psicológicas dos estereótipos.

Duas linhas recentes de investigação relacionam os dois tipos de funções. Uma dessas linhas, relaciona o auto-conceito (ou identidade social) dos indivíduos com a posição que o grupo a que pertencem ocupa num sistema social multigrupal. A outra linha, relaciona-se, fundamentalmente, com a função social de explicação mas tem, igualmente, implicações nas funções justificação e diferenciação. Consiste no chamar a atenção para o facto da teoria atribucional ser muito individualizada e negligenciar determinantes e funções sociais.

Hewstone e Jaspars (1982, citados por Tajfel, 1984: 165) dão exemplos empíricos recentes do fenómeno de atribuição social.

O primeiro exemplo da lista é o estudo do rumor de Allport e Postman (1947, citados por Tajfel, 1984: 166) que conclui que as relações intergrupais determinam a percepção das causas e das razões5 dos comportamentos do outgroup e do ingroup e que esta percepção determina, por seu lado, o desenvolvimento das relações intergrupais.

3. Abordagens teóricas.

Um exame de literatura sobre o domínio revela, segundo Dorai (1988: 48),6 a existência de duas abordagens da temática:

Uma abordagem sociológica que remonta ao século XIX e cuja teorização parece estar na continuidade da utilização médica do termo («estereotipia»).

Nesta corrente, o estereótipo encerra algo de patológico: patologia do grupo que partilha o estereótipo e, por vezes, patologia dos indivíduos estereotipados e tem por função satisfazer as motivações do indivíduo.

No seio desta abordagem é possível incluir as abordagens psicodinâmica e sócio-cultural.

A abordagem psicodinâmica, de que os psicanalistas são exemplo, encara os estereótipos como mecanismos de defesa que actuam enquanto redutores da ansiedade.

A abordagem sócio-cultural, por seu lado, perspectiva os estereótipos como produtos da sociedade, legados por aprendizagem, imagens sócio-culturais, totalmente independentes das experiências pessoais com os membros dos grupos estereotipados.

A abordagem cognitivista, de feição mais experimentalista, considera que os estereótipos decorrem da forma como os indivíduos processam a informação, não lhes sendo, assim, associada qualquer conotação patológica.

A grande diferença entre as duas abordagens reside, provavelmente, no facto da primeira encarar os estereótipos como um processo deficiente de pensamento e da segunda não o fazer.

Analisemos em detalhe cada uma das duas abordagens:

3.1..Abordagem sociológica- estereótipos enquanto processo deficiente de pensamento.

A defesa do carácter deficiente do estereótipo está já presente em 1950 em Bogardus. (citado por Dorai, 1988: 49) e é retomada por Sanford (1956: ibidem) e por Fishman (1956: ibidem). Baseia-se em 4 argumentos7:

-Os estereótipos são incorrectamente aprendido.

A observação de Klineberg (1951, citado por Brigham, 1971: 18) enquadra-se neste argumento:

Unlike other generalizations … stereotypes are based not on an inductive collection of data, but on hearsay, rumor, and anecdotes - in short, on evidence which is insufficient to justify the generalization.

Este argumento baseia-se, nomeadamente, em estudos relativos à forma como as crianças adquirem os estereótipos. E o caso dos estudos de DelBoca e Ashmore (1980, citado por Dorai, 1988: 49) sobre os estereótipos sexuais e dos estudos de Cauthen et al. (1971: ibidem) e, posteriormente, de Brigham (1971: ibidem) sobre os estereótipos étnicos. Para este conjunto de autores a aprendizagem dos estereótipos baseia-se nos media.

Actualmente, dispomos de conhecimentos sobre as aprendizagens sociais (Bandura, 1980: ibidem), sobre os processos vicariantes (Robert, 1970: ibidem), sobre a forma como a rádio, a banda desenhada e o cinema afectam a aquisição de estereótipos nas crianças (Munoz, 1973: ibidem) …. Persistem, no entanto, entre outras, dúvidas relativamente ao porquê das diferenças individuais e grupais na aprendizagem dos estereótipos com base nos media.

-Os estereótipos são sobre generalizações (overgeneralized)

Allport (1958, citado por Dorai, 1988: 50) é, provavelmente, quem melhor define esta posição: «un stéréotype est une croyance exagérée associée à une categorie».

A teorização de Katz e Braly (1935, citados por Brigham, 1971: 17) também se enquadra nesta perspectiva: «A stereotype is a fixed impression, which conforms very little to the facts it tends to represent, and results from our defining first and observing second».

A sobregeneralização pode ter duas fontes de erro:

-Direccionalidade-considerar que a maioria dos membros (digamos 95%) do grupo X possui o atributo Y, quando, de facto, a maioria dos membros do grupo X não o possui.

-Magnitude-considerar que quase todos («almost all») os membros do grupo X possuem o atributo Y, quando, de facto, apenas a maioria («most»), digamos 65%, o possui.

-Os estereótipos não coincidem com os factos que descreve.

As afirmações de Katz e Braly (1935, citados por Dorai, 1988: 50): «un stéreótype est une impression fixe qui est très peu conforme au fait qu’elle prétend représenter et résulte d’abord d’une définition et en second lieu d’une observation» e de Doise (ibidem): «Le groupe crée dans Timaginaire la situation qu’il veut atteindre» são exemplificativas de uma posição, segundo a qual, os estereótipos são o resultado de representações que o sujeito constroi com base em acontecimentos, objectos e indivíduos. São, portanto, deformações da realidade pelo imaginário.

Determinados autores vão mais longe. Consideram que os estereótipos não só não coincidem com os factos que descrevem, como também não possuem qualquer base de verdade. E esta a posição de LaPiere (1936, citado por BrigKam, 1971: 25). No estudo que desenvolve (e que é, de resto, de uma enorme superficialidade), o autor tece algumas considerações relativamente à décalage existente entre o estereótipo dos arménios nos anos 20 na Califórnia (desonestos, mentirosos e causadores de perturbações) e a realidade com que o grupo se vê confrontado no seu dia a dia e que não envolve qualquer discriminação real por parte da comunidade local: reduzido envolvimento em processos judiciais, acesso a condições de crédito idênticas às dos demais grupos, ….

Em 1942, Schoenfeld (ibidem) procura abordar a questão de uma forma mais directa. Num estudo sobre os nomes próprios, selecciona, após uma série de pré-testes, 8 nomes masculinos e 8 nomes femininos relativamente aos quais parece existir acordo quanto aos traços de personalidade que lhes são atribuídos.

É solicitado aos sujeitos que associem traços de personalidade aos diversos nomes que lhes são apresentados.

É curioso notar que existe considerável acordo nos traços referidos pelos sujeitos. Apenas 7 dos 218 sujeitos envolvidos no estudo se queixam da dificuldade da tarefa ou da falta de sentido da mesma. De tudo isto, conclui o autor poderem os estereótipos desenvolver-se sem qualquer fundo de verdade.

Na mesma linha, Hartley (1946, citado por Dorai, 1988: 52) pede a estudantes americanos que avaliem 3 5 grupos étnicos. Apesar de 3 dos grupos incluídos na lista apresentada (Danériens, Pireniens e Walloniens8) serem fictícios, os estudantes avaliam-nos de forma negativa.

Wells, Goi e Seader (1958, citados por Brigham, 1971: 25) analisam as características que estudantes universitários atribuem a indivíduos que compram diferentes marcas de automóveis. Em 1956, os indivíduos que compram Plymouths são perspectivados como sendo calmos, cuidados, lentos, silenciosos, moralistas, gordos, gentis, introspectivos, pacientes, honestos,… Em 1957, a Plymouth inicia uma campanha publicitária que parece explicar o facto de os compradores de Plymouths passarem a ser perspectivados de uma forma completamente diferente: ricos, importantes, diferentes, femininos, exóticos

Os estudos referidos salientam a possibilidade de os estereótipos existirem sem qualquer base de verdade. E, no entanto, difícil compreender que os estereótipos existam sem qualquer base de verdade, quando experimentalmente se verifica a existência de coincidência entre hetero-estereótipos-imagem que os membros dos grupos sociais têm de outros grupos, (Dorai, 1991:12) e auto-estereótipos-imagem que os membros dos grupos sociais têm dos seus próprios grupos (Dorai: ibidem)9.

Será que os próprios auto-estereótipos são incorrectos? Será que apenas alguns estereótipos têm uma base de verdade? E, por outro lado, se assim for, quais são os estereótipos que têm uma base de verdade? Serão os elicitados por indivíduos que têm já um conhecimento satisfatório do grupo a que os seus estereótipos se referem? São questões que permanecem.

-Os estereótipos são rígidos

A questão da rigidez dos estereótipos pode assumir um de dois significados:

-Rigidez associada à persistência dos estereótipos, à sua manutenção ao longo do tempo. Alguns autores analisam a estabilidade dos estereótipos ao longo de 3 gerações sucessivas de estudantes da Universidade de Princeton (ver Dorai, 1991: 14). Neste caso, a rigidez tem um significado mais sociológico (nível grupai) do que propriamente psicológico (nível individual).

Mais recentemente, questiona-se a estabilidade temporal dos estereótipos. Assim, por exemplo, Sinha e Upadhyaya (1960, citados por Billig, 1976: 364) avaliam as atitudes de estudantes indianos face aos chineses em Fevereiro de 1969. Os estudantes consideram os chineses amigáveis, honestos, corajosos e cultos. Em Dezembro do mesmo ano, em resultado da alteração da conjuntura internacional e, nomeadamente, da «border dispute», consideram-nos agressivos, cruéis, estúpidos e desonestos.

Também a comparação dos resultados dos estudos de Katz e Braly (1933, citados por Billig, 1976: 364) com os de Gilbert (1951: ibidem) e com os de Karlins et al. (1969: ibidem) constituem um bom exemplo de alteração dos estereótipos de estudantes universitários americanos.

Com base em estudos do tipo dos referidos, passa a considerar-se que os estereótipos não só se desenvolvem de acordo com a evolução das relações intergrupais (Avidgor, 1953; Scherif, 1962, citados por Dorai, 1988: 51), como também as justificam (Clarke & Campbell, 1955: ibidem) e as antecipam (Doise, 1969: ibidem).

A partir do momento em que se considera que os estereótipos evoluem, que se modificam, há que reformular o conceito de rigidez. Em 1971, Brigham define-a em termos de persistência dos estereótipos face a alterações na natureza da interacção entre os grupos.

- Rigidez inscrita no quadro de certos estudos psicanalíticos. A rigidez é uma variável de personalidade, uma variável individual; tem por consequência uma percepção indiferenciada dos grupos sociais, uma dificuldade de integração de toda a nova informação. Incluem-se nesta posição os estudos sobre a relação entre o estilo de pensamento e o preconceito (Ehrlich, 1973, citado por Dorai, 1988: 51).

Já em 1943, Kerr (citado por Brigham, 1971: 19) considera que os estereótipos não evoluem, mantendo-se esclerosados.

Mas o autor mais representativo desta posição é, sem dúvida, Adorno (1950, citado por Dorai, 1988: 51) para quem a estereotipia é a tendência para pensar em termos de categorias rígidas.

Fishman (1956: ibidem) assume uma posição bem menos generalista: nem todos os estereótipos são caracterizados por rigidez; apenas aqueles que não sofrem qualquer modificação face ao confronto com nova informação, à alteração a nível da esfera motivacional ou à evolução das interacções desenvolvidas pelo indivíduo.

Em síntese, a corrente sociológica referida considera que os estereótipos constituem processos incorrectos de pensamento por serem incorrectamente aprendidos e/ou por serem sobregeneralizações e/ou por estarem em contradição com os factos que representam e/ou por serem rígidos.

3.2 Abordagem cognitivista-estereótipos enquanto processo normal de pensamento10

Hamilton (1981, citado por Dorai, 1988: 51) questiona que os estereótipos sejam perspectivados enquanto um processo deficiente de pensamento. Segundo o autor, considerar que os estereótipos constituem um processo deficiente de pensamento, implica admitir que os mesmos se geram de estruturas e processos cognitivos desviantes ou patológicos. Os estereótipos têm limitações. As suas limitações decorrem do facto de constituirem um processo cognitivo e de todos os processos cognitivos encerrarem limitações.

A consideração de que os estereótipos não constituem processos deficientes de pensamento baseia-se em três argumentos:

-Os estereótipos representam categorias, conceitos

Para Secord (1959, citado por Brigham, 1971: 18) estereótipos e categorias são precisamente a mesma coisa: «A stereotype is commonly thought of as involving a categorical response; i.e., membership in a category is sufficient to evoke the judgment that the stimulus person possess all the attributes belonging to that category».

Orientações similares são expressas por autores como Simpson e Yinger (1965, citados por Dorai, 1988: 51).

Paralelamente, para Vinacke (1957, op.cit: 50-51), os estereótipos constituem sistemas conceptuais; têm propriedades idênticas às dos outros conceitos e permitem, tal como os outros conceitos, organizar as experiências. Nesta perspectiva, estereotipar é um processo conceptual, no qual os traços de personalidade (morais, afectivos e intelectuais) e as características físicas estão englobadas no conceito.

-Os estereótipos são generalizações.

Os estereótipos são generalizações, independentemente da validade das mesmas. A questão da validade ou é perspectivada como irrelevante ou como subjectiva. Mais concretamente, ou se considera que os estereótipos podem ser quer generalizações correctas, quer generalizações incorrectas ou se considera que é extremamente subjectivo rotular uma generalização de correcta ou de incorrecta. Tal rotulagem implicaria a posse de critérios de validade das generalizações, o que envolve, evidentemente, uma grande subjectividade.

- Os estereótipos são teorias implícitas de personalidade.

Leyens (1983, citado por Dorai, 1988: 52-53) perspectiva os estereótipos enquanto teorias implícitas de personalidade (t.i.p.) partilhadas pela maioria dos membros de um grupo relativamente ao conjunto dos membros de um outro grupo ou do seu próprio grupo.

As t.i.p. são crenças gerais sobre a espécie humana e, nomeadamente, sobre a frequência e variabilidade de um dado traço de personalidade na população. Implícitas ou naifs, porque os indivíduos que as possuem não estão, necessariamente, delas conscientes e não sabem, provavelmente, como exprimi-las de forma formal. Os indivíduos recorrem a elas para se julgarem a si e aos outros, para explicar ou predizer o seu comportamento, o dos outros indivíduos e o de grupos de indivíduos.

4. Abordagens metodológicas.

4.1.Estudos descritivo.

O estudo de Katz e Braly

No plano metodológico, o estudo de Katz e Braly de 1933 constitui o primeiro estudo empírico sobre os estereótipos étnicos11. E, de facto, este estudo que inspira todo um conjunto de estudos posteriores.

O estudo é constituído por duas grandes fases:

I- Um grupo de 25 juízes constroi uma lista de adjectivos bipolares (lista A) que, no seu entender, podem caracterizar os grupos raciais. Como exemplo de um adjectivo temos limpo/sujo.

II - Os experimentadores escolhem 10 grupos raciais ou nacionais: alemães, americanos, chineses, ingleses, irlandeses, italianos, japoneses, judeus, negros e turcos (lista B). Esta fase inclui 3 condições experimentais.

Na condição 1, a lista A é apresentada aos sujeitos e estes devem escolher 5 adjectivos que consideram adequados a cada um dos grupos da lista B.

Na condição 2, a lista A é apresentada aos sujeitos e estes devem escolher 5 adjectivos que gostariam que os seus amigos possuissem.

Na condição 3, a lista B é apresentada aos sujeitos e estes devem avaliar os diferentes grupos nela incluídos em termos de simpatia (utilizando a escala de distância social de Bogardus).

Com base na condição 1, os autores calculam um índice de estereotipia, representado pelo menor número de adjectivos a agrupar de forma a obter 50% das escolhas, sendo os estereótipos tanto mais fortes quanto menos forem os adjectivos necessários para atingir esses mesmos 50 %. Constrem uma escala de variação entre os 2.5 traços (valor que traduz um acordo total) e os 42 traços (valor que traduz um estereótipo minimamente significativo) e encontram uma variação entre os 4.6 traços (negros) e os 15.9 (turcos) .

Com base na condição 2, obtem-se uma escala de desejabilidade dos adjectivos, escala essa independente do contexto nacional ou racial. Da comparação das condições 1 e 2, determina-se a desejabilidade teórica dos grupos.

Com base na condição 3, obtem-se uma escala de desejabilidade dos grupos (preconceito).

Em termos gerais, encontra-se um grande consenso nos adjectivos seleccionados. Assim, mais de 75% dos sujeitos considera que os negros são supersticiosos e astuciosos e que os alemães têm espírito científico. Mais de 50% considera os americanos inteligentes, os italianos supersticiosos, os irlandeses trabalhadores e os turcos cruéis.

Não se encontra significativa correlação entre a desejabilidade dos traços (condição 2) e a dos grupos (condição 3).

Não se encontra, ainda, correlação entre a intensidade do estereótipo (condição 1) e a desejabilidade dos grupos (condição 3). Como exemplo, podemos referir o facto de apesar de existir um estereótipo forte relativamente aos alemães, o preconceito relativamente aos mesmos não o ser (na condição 3 os sujeitos não situam o grupo nos extremos da escala).

A análise dos resultados realizada pelos autores contempla as 4 dimensões que, 7 anos mais tarde, em 1940, Edwards (1940, citado por Brigham, 1971: 23) considera deverem ser privilegiadas em estudos sobre estereótipos: uniformidade (avaliada no estudo de Katz e Braly com base na condição l)12, direccionalidade, grau de favorabilidade e conteúdo.

Diversos estudos parecem indiciar que existe pouca ou nenhuma relação entre a uniformidade dos estereótipos e a preferência pelos diferentes grupos étnicos (ver, por exemplo, Taft, 1959; Prothro & Melikian, 1954; 1955 ou, ainda, Vinacke, 1956, citados por Brigham, 1971: 23).

O estudo de Katz e Braly inspira inúmeros outros estudos. E o caso do desenvolvido por Prothro (1954a) na década de 50 com estudantes arménios.

Os sujeitos recebem uma lista de 99 adjectivos e é-lhes solicitado que utilizem esses adjectivos para caracterizar os seguintes grupos: alemães, americanos, chineses, franceses, ingleses, irlandeses, italianos, japoneses, judeus, libaneses, negros, russos e turcos. Devem, depois, indicar quais, os 5, de entre os que escolheram, que melhor caracterizam cada um dos grupos13.

O autor conclui que os estereótipos que os sujeitos têm de alguns dos grupos são muito semelhantes aos encontrados em sujeitos de outras nacionalidades. Algumas das diferenças encontradas podem ser justificadas com base nos contactos sociais existentes entre os grupos que detêm os estereótipos e os grupos estereotipados. Assim, por exemplo, os estereótipos extremamente negativos que os arménios têm dos turcos e dos ingleses estão, largamente, relacionados com a perseguição que sofreram no fim da Primeira Grande Guerra.

A investigação de Katz e Braly é, ainda, reproduzida no final dos anos 60 por Karlins, Coffinan e Walters (1969, citados por Brigham, 1971: 22) e os estudantes apresentam as mesmas reacções estereotipadas. Em termos gerais, no entanto, são utilizados menos atributos negativos.

Os estereótipos dos negros encontrados com base no paradigma de Katz e Braly, tendem a ser bem definidos e significativamente negativos. Adjectivos como supersticiosos, preguiçosos, sujos e ignorantes são, em geral, os mais atribuídos. Em 1971, Brigham (20) refere que apesar da perspectivação dos negros nos Estados Unidos se ter tornado menos negativa, continua a ser radicalmente diferente da perspectivação dos americanos. Este aspecto não é específico do contexto americano. Sujeitos da índia, Líbano, Grã-Bretanha e outros países têm estereótipos similares.

Outras investigações demonstram que os próprios negros concordam com essa perspectivação. Assim, em 1941, Bayton (citado por Brigham, 1971: 20) adopta o paradigma de Katz e Braly e observa que os negros da Universidade de Virginia atribuem ao seu próprio grupo adjectivos como musicais, supersticiosos, religiosos, preguiçosos e sortudos. Quando solicitados a caracterizar o estudante típico da Universidade de Virginia, escolhem adjectivos como conversadores, inteligentes, sortudos, joviais, sofisticados e outros adjectivos favoráveis.

Críticas a Katz & Braly

Estudos que, como o de Katz e Braly, inspiram a conceptualização e a investigação nas décadas que se lhes seguem são, naturalmente, alvo de críticas mais ou menos aprofundadas. Sistematizando-as, teríamos as seguintes categorias:

- Ehrlich e Rinehart (1965, citados por Brigham, 1971: 25) chamam a atenção para a possibilidade dos resultados encontrados em investigações do tipo das do presente estudo (check-list, tarefa fechada, isto é, os sujeitos apenas podem referir os adjectivos que constam de uma lista que lhes é, a priori, entregue) poderem ser completamente diferentes dos obtidos em investigações que recorrem a uma metologia de tarefa aberta.

Os autores comparam as respostas dadas pelos sujeitos nas duas condições referidas e verificam que, enquanto que na tarefa fechada os sujeitos referem entre 8 e 19 adjectivos por grupo, na tarefa aberta apenas referem cerca de 5 adjectivos. E, ainda, curioso notar que apesar de ser dito aos sujeitos da tarefa fechada que podem acrescentar adjectivos à lista que lhes é dada, apenas 14 adjectivos são, de facto, acrescentados para a totalidade dos sujeitos.

Pressupondo que não existem dúvidas de que o fornecimento de adjectivos actua como facilitador da tarefa, parece lícito concluir que os adjectivos referidos pelos sujeitos (não apenas em termos de número mas também em termos de conteúdo) dependem, em larga escala, do tipo de tarefa em causa.

-O sujeitos são forçados a tecer escolhas de adjectivos de entre uma lista que lhes é apresentada, sendo, portanto, forçados a pensar em termos de generalizações e de categorias.

Num estudo de estereótipos nacionais com base no paradigma descrito, Eysenck e Crown (1948, citados por Brigham, 1971:24) verificam que 19 % dos seus sujeitos recusam responder por considerarem que o que lhes é pedido ou não tem sentido ou é impossível. Mais de metade dos restantes sujeitos reconhecem ter sido forçados a utilizar respostas estereotipadas.

-O número e o tipo de grupos étnicos incluídos na lista tem um efeito significativo na caracterização que os sujeitos fazem de um dado grupo.

Diab (1963, citado por Brigham, 1971: 25) observa que a caracterização de um grupo não popular (russos no caso do estudo) é menos favorável quando o grupo é apresentado junto a um grupo favorável (americanos no caso do estudo). Investigações posteriores (ibidem) indicam que quando os grupos étnicos perspectivados como mais favoráveis são retirados do estudo, as perspectivações dos restantes grupos inicialmente perspectivados de uma forma ambígua, se tornam mais favoráveis.

-Não se tem em consideração a contribuição que cada adjectivo tem para o estereótipo do grupo. Todos os adjectivos são igualmente considerados. De forma a superar esta limitação, alguns autores defendem que os adjectivos sejam atribuídos aos grupos em termos de percentagens, o que, segundo eles, constituiria uma melhor operacionalização da questão.

-Não é especificada a natureza dos processos psicológicos envolvidos na assimilação dos estereótipos (Ashmore & DelBoca, 1981, citados por Marques, 1986: 57).

Todas estas limitações têm que ser, necessariamente, consideradas na elaboração e análise de estudos deste tipo. Se assim não for, corremos o risco de que os resultados sejam enviezados em virtude da metodologia utilizada.

4.2.Completamento de frases.

Um outro método utilizado na avaliação dos estereótipos é o do completamento de frases. Klineberg (citado por Prothro, 1954b: 39) descreve um estudo não publicado de Jahoda em que a autora pede a jovens ingleses, alemães e franceses que completem a frase «A América é um país em que …». Os resultados do seu estudo, para além de fornecerem informação sobre o que os outros pensam da América, revelam algumas características dos sujeitos, podendo, assim, o método ser perspectivado enquanto técnica projectiva.

O método é adoptado, entre outros autores, por Protho (1954b) que pede a raparigas libanesas que completem a frase citada de 5 formas diferentes.

4.3.Estudos diacrónicos.

Os estudos diacrónicos dos estereótipos têm por objectivo analisar o grau de persistência dos julgamentos obtidos num período anterior.

Muitos destes estudos são iniciados por Schrieke (1936, citado por Dorai, 1991: 15) com o estudo da evolução da percepção dos chineses residentes na Califórnia entre 1850 e 1890.

O autor demonstra que a percepção varia consoante a conjuntura económica da época.

4.4.Estudos genéticos.

Os estudos genéticos centram-se na forma como as crianças adquirem os estereótipos e as atitudes étnicas.

Os primeiros estudos sobre atitudes14 étnicas em crianças centram-se na análise da sua capacidade cognitiva, nomeadamente, da sua capacidade em compreender conceitos complexos como os de nação, país, … e de estabelecer relações lógicas entre as entidades designadas por esses mesmos conceitos.

Segundo Piaget e Weil (1951, citados por Milner, 1984: 90-91), o desenvolvimento da noção de nacionalidade é anterior ao desenvolvimento das atitudes face às diferentes nações, envolvendo ambos um processo cognitivo e afectivo.

Estudos como os de Piaget e Weil, 1951; Jahoda, 1962 (citados por Tajfel, 1983: 214) demonstram que, por volta dos 6, 7 anos, o conceito de nação é ainda rudimentar e muito confuso para a maioria das crianças. No espaço de poucos anos, verifica-se um grande salto intelectual no que diz respeito ao conceito de nacionalidade.

Investigações posteriores demonstram que as crianças começam a preferir o seu país a outros, muito antes de serem capazes de formar, compreender e utilizar apropriadamente os conceitos relevantes de países ou nações (ibidem). Assim sendo, o desenvolvimento atitudinal seria possível a partir de um nível de desenvolvimento cognitivo significativamente mais baixo do que o pressuposto pelos estudos anteriores.

Existe décalage entre o desenvolvimento dos conceitos e das avaliações, quer em relação a países e nações, quer em relação a grupos raciais, étnicos, religiosos e sociais (Proshansky, 1966: ibidem).

A nível metodológico, ainda hoje, os estudos sobre atitudes étnicas em crianças, recorrem fundamentalmente aos mesmos métodos introduzidos por Clark e Clark (1947, citados por Milner, 1984: 93), métodos que Teplin (1974: ibidem) designa de «projectively-based methods». Nestes métodos, as crianças escolhem, de entre um conjunto de figuras (bonecos ou imagens) que lhes são apresentadas, aquelas com que se identificam/ que preferem, …de acordo com o tipo de pedido que lhes é feito.

Atitudes das crianças de grupos maioritários face ao ingroup

Num estudo de Tajfel et al. (1970, citado por Milner, 1984: 91) é pedido a crianças inglesas que distribuam fotografias por dois tipos de caixas: caixas com o rótulo «English» e caixas com o rótulo «not English». Num outro momento, é-lhes pedido que distribuam as mesmas fotografias por diferentes caixas, consoante o seu grau de preferência por cada fotografia. As crianças denotam preferência pelas fotografias anteriormente incluídas na caixa «English». A tendência das crianças para avaliar favoravelmente o seu grupo nacional (e, implicitamente, para avaliar desfavoravelmente os outros) é também encontrada em crianças de outras nacionalidades.

De entre as diferentes nacionalidades analisadas neste estudo, apenas as crianças escocesas nem sempre preferem as fotografias que identificam como sendo escocesas. Este resultado é compreensível, atendendo a que o referido estudo é realizado antes do desenvolvimento do nacionalismo escocês do início da década de setenta.

Atitudes das crianças de grupos maioritários face ao outgroup

Pushkin (1967, op. cit.: 94) conduz o primeiro estudo deste tipo na Inglaterra. Verifica que 22% das crianças de 3 anos entrevistadas se revelam, de uma forma consistente, desfavoráveis a figuras negras. A referida percentagem aumenta para 65% nas crianças de 6 anos, idade que, aparentemente, se revela o pico da hostilidade.

Atendendo a que a aplicação do referido método não se revela adequada para idades superiores aos 9, 10 anos, poucos estudos têm sido realizados, neste âmbito, com crianças de idades superiores às referidas. Os que têm sido desenvolvidos, requerem a adaptação do material disponível. E esse o caso do estudo de Pushkin e Norburn (1973, op.cit.: 97) com o objectivo de, numa perspectiva longitudinal (8 anos mais tarde), analisar a evolução das atitudes dos sujeitos analisados por Pushkin no estudo referido.

Os autores verificam que as atitudes dos sujeitos se concentram em torno de uma atitude moderadamente desfavorável. Assim, constata-se a diminuição da percentagem de crianças que Pushkin tinha, no estudo de 1967, incluido nas categorias «extremely unfavourable», «very unfavourable», «extremely favourable» e «very favourable» e o aumento (da ordem dos 67%) dos incluídos na categoria «moderately unfavourable».

Num estudo com adolescentes mais velhos, Dove (1974: ibidem) encontra um nível relativamente baixo de hostilidade para com os negros: 25% de adolescentes tecem comentários hostis, 25% comentários positivos e a maioria revela-se neutral. No entanto, Dove,L.A. salienta que o clima de tolerância da escola em que o estudo é realizado, pode ter contribuido para atitudes falsamente favoráveis. Esta observação revela-se pertinente, salientando a dependência que os resultados encontrados em investigações deste tipo têm do contexto em que são desenvolvidas.

A influência do contexto nos resultados encontrados é, provavelmente, maior em idades mais elevadas, uma vez que, com a idade, os sujeitos se vão tornando, progressivamente, mais conscientes e mais dependentes das pressões normativas dos grupos de autoridade, políticos ou de companheiros.

Atitudes das crianças de grupos minoritários face ao ingroup e ao outgroup

Nas primeiras investigações realizadas neste âmbito, é verificado, de uma forma relativamente consistente, que as crianças negras se identificam com figuras brancas. Goodman (1946, op. cit.: 98) explica-o da seguinte forma:

«The relative inaccuracy of (their) identification reflects not simple ignorance of self, but unwillingness or psychological inability to identify with the brown doll because the child wants to look like a white doll […]»

Em alguns estudos recentes, não se verifica que as crianças pertencentes a grupos minoritários prefiram o outgroup. Katz (1976, citado por Tajfel, 1982b: 10) comenta este resultado da seguinte forma:

«it is tempting to attribute such changes … to societal changes that have occurred over the past few years. The importance of black people’s developing pride in their blackness is certainly a factor […]»

As principais conclusões dos estudos sobre desenvolvimento das atitudes étnicas podem ser, assim, sumarizadas:

-As atitudes das crianças reflectem as atitudes do meio social15.

-As atitudes das crianças dos grupos maioritários são, geralmente, favoráveis face ao ingroup e desfavoráveis face ao outgroup.

-As atitudes das crianças dos grupos minoritários são, geralmente, (atendendo às excepções referidas) desfavoráveis face ao ingroup, tendendo as crianças a identificar-se com o outgroup. No entanto, como referido, estudos mais recentes questionam esta conclusão.

-As crianças de grupos minoritários podem desenvolver self-hate ou self-depreciation (em resultado da comparação com o mundo exterior). A self-depreciation pode originar conflitos internos (Weinreich, 1979, citado por Tajfel, 1982b: 12).

Nota final

Apesar da diversidade de abordagens teóricas e metodológicas dos estereótipos, o seu estudo parece ter-se desenvolvido muito lentamente ao longo do tempo.

Apesar das certezas que hoje pensamos possuir acerca dos estereótipos, da sua origem, das suas características, das suas funções, do seu funcionamento,… uma infinidade de incertezas persiste.

Continuamos sem saber como se desenvolvem, quais as condições em que se revelam, quantos indivíduos os partilham, a sua magnitude (ao atribuirem um adjectivo a um dado grupo, quantos indivíduos desse grupo, consideram os sujeitos que o partilham) e, em última instância, o que é que são, de facto.

Que entidades são essas que fazem parte do nosso dia a dia, a que recorremos indiscriminada e automaticamente, que condicionam as nossas posturas, as nossas atitudes, os nossos comportamentos e, em última instância, o nosso olhar sobre os Outros.

Estaremos condenados a partilhá-los, a mantê-los, a deixá-los gerir as nossas vidas? Ou, pelo contrário, poderemos algum dia revoltarmo-nos, questioná-los, reformulá-los ?

Por outro lado, como poderíamos viver sem eles, sem a ajuda que nos dão na estruturação de um mundo que, de outra forma, se revelaria um imenso universo de estímulos dispersos? Como poderíamos, sem eles, funcionar de uma forma parcimoniosa e adaptativa?

Acreditamos que o desenvolvimento da abordagem cognitivista poderá contribuir para encontrar as respostas a estas e a outras questões.

O desenvolvimento da cognição social como área de investigação tem-se centrado na análise dos erros que nos caracterizam enquanto processadores de informação. Um dos principais desafios que neste momento se coloca é o de perceber como é que esses mesmos erros podem ser alterados de forma a tornarmo-nos seres humanos não só mais efectivos, mas também, mais compreensivos.

 

Referências

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Notas

1O nosso estudo refere-se, apenas, aos estereótipos sociais, i.e., aos estereótipos partilhados por um grande número de indivíduos.

2Categorias de indivíduos ou indivíduos enquanto símbolos de uma dada ideologia (Mao Tsé-Toung, Fidel Castro, Che Guevara, Adolf Hitler, …).

3Sobre estes aspectos ver Tajfel, H. (1969) - Social and Cultural Factors in Perception, in G. LINDZEY e E. ARONSON (Eds.), The Handbook of Social Psychology, 2a ed., vol.3, Massachusetts: Addison-Wesley.

4«Boa»/»Má», consoante o sistema de valores do indivíduo.

5Causa seria o que acarreta uma mudança e razão o que tende a ser utilizado para explicar o comportamento.

6Num artigo posterior de 1991, Dorai denomina as duas abordagens de tradicional e actual.

Preferimos, no entanto, adoptar a distinção de 1988.

7Que não são conjuntamente conceptualizados por nenhum dos autores.

8Sendo os grupos referidos fictícios, não faz sentido proceder à tradução dos seus nomes.

9Campbell (1967, citado por Brigham, 1971: 22 ) e LeVine (1965: ibidem) examinam os estereótipos de 50 sujeitos de cada uma de 30 regiões tribais ou linguísticas da África Oriental. Em muitos casos, existe considerável acordo entre os grupos vizinhos e o grupo avaliado. Os traços considerados típicos do grupo a que se pertence são, normalmente, sobrevalorizados, i.é., perspectivados como mais favoráveis pelo grupo em questão do que por grupos que não consideram o traço como sendo seu (Vinacke, 1956: ibidem ).

Para além deste resultado, é curioso notar que existe uma significativa consistência nos estereótipos que diferentes grupos étnicos têm de um dado grupo étnico. Esta consistência é, p.ex., verificada no Hawai (Vinacke, 1949: ibidem), na Europa (Buchanan, 1951: ibidem ) e no Paquistão (Schuman, 1966: ibidem ).

10Para uma mais completa compreensão desta abordagem recomenda-se a leitura da Tese de Doutoramento de Garcia Marques,L. (1993)-The importance ofbeing incongruent: how memorable would an uncultured librarian be, Lisboa, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.

11Rice em 1926 (citado por Brigham, 1971: 16) e Litterer em 1933 (ibidem) tinham desenvolvido um estudo metodologicamente semelhante relativo a estereótipos profissionais.

12A variável uniformidade é alvo de avaliação na maioria dos estudos. Refere-se ao grau em que as respostas dos sujeitos estão de acordo umas com as outras.

13Apenas esses 5 adjectivos são alvo de análise.

14Atitude é um conceito psicológico que inclui três componentes: afectivo, cognitivo e psicomotor.

15Para além da influência do meio social, é admitida a influência de outros dois factores: as externalising personality variables (Pettigrew, 1958, citado por Milner, 1984: 89-90) que seriam responsáveis pelas diferenças individuais a nível atitudinal e pelas manifestações extremas de racismo e as circunstâncias sócio-políticas, incluindo diversas formas de «frustação social», as últimas das quais passíveis de desencadear agressão e/ou preconceito face aos grupos minoritários.

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