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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.22 Coimbra set. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV19017 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA

HISTORICAL RESEARCH ARTICLE

 

Enfermagem nos diários das sessões das câmaras do reino de Portugal, entre 1900 e 1910

Nursing in the logbooks of sessions of the Houses of the Portuguese monarchy, between 1900 and 1910

Enfermería en los diarios de las sesiones de las cámaras del Reino de Portugal entre 1900 y 1910

 

Paulo Joaquim Pina Queirós*
https://orcid.org/0000-0003-1817-612X

António José de Almeida Filho**
https://orcid.org/0000-0002-2547-9906

Aliete Cunha-Oliveira***
https://orcid.org/0000-0001-8399-8619

Sagrario Goméz Cantarino****
https://orcid.org/0000-0002-9640-0409

Fábio André Bastos Almeida*****
https://orcid.org/0000-0002-2943-8319

Joana Rita Moreira Pascoal******
https://orcid.org/0000-0002-9348-028X

 

* Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. 3046-851, Coimbra, Portugal. Investigador, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E) [pauloqueiros@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: desenho da investigação, revisão da literatura, metodologia, recolha e análise da informação, conclusões e redação final. Morada para correspondência: Avenida Dias da Silva, nº 115, 3000-137, Coimbra, Portugal.

** Ph.D., Professor, Escola de Enfermagem Anna Nery, 20211-130, Rio de Janeiro, Brasil [ajafilhos@gmail.com]. Contribuição no artigo: desenho de investigação, discussão das conclusões e revisão final do artigo.

*** Ph.D., Professora Adjunta Convidada, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal. Investigadora, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E) [alietecunha@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: desenho da investigação, revisão da literatura, metodologia, recolha e análise da informação e conclusões e redação final.

**** Ph.D., Professora, Universidad de Castilla - La Mancha, Escuela Universitaria de Enfermería y Fisioterapia de Toledo, 45071, Toledo, Espanha [Sagrario.Gomez@uclm.es]. Contribuição no artigo: resumos, discussão das conclusões e revisão final do artigo.

***** Estudante de Licenciatura em Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [fabioabaalmeida.live@gmail.com]. Contribuição no artigo: revisão da literatura, recolha e análise da informação.

****** Estudante de Licenciatura em Enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [joanampascoal@hotmail.com]. Contribuição no artigo: revisão da literatura, recolha e análise da informação, conclusões, resumos e revisão final.

 

RESUMO

Enquadramento: Os primeiros 10 anos do século XX, em Portugal, corresponderam à última da década da monarquia. Um período política e socialmente conturbado, num grande espaço continental e ultramarino, em que após a criação das primeiras escolas de enfermagem, na década de 80 do século XIX, é expetável encontrarem-se sinais do lento processo de profissionalização da enfermagem.

Objetivo: Analisar as referências a enfermeiros e enfermagem na Câmara dos Pares e dos Senhores Deputados, de 1900 a 1910.

Metodologia: Pesquisa histórica nos diários das sessões, com levantamento, análise e interpretação de fontes.

Resultados: Identificados quatro blocos temáticos: A enfermagem na marinha, no exército, serviços de saúde colonial e a escola prática de enfermeiros navais; A questão religiosa na assistência; controlo de epidemias; o fundo dos alienados, alienados criminosos, o incisivo discurso de José de Almeida.

Conclusão: Profissionalização da enfermagem mais avançada no setor militar que no civil. A assistência a alienados, o controlo das epidemias e a questão religiosa motivam referências a enfermeiros em ambas as câmaras.

Palavras-chave: Portugal; enfermeiras e enfermeiros; história da enfermagem

 

ABSTRACT

Background: The first 10 years of the 20th century in Portugal corresponded to the last decade of the monarchy. A period of political and social turmoil, across a great continental and overseas space, where after the creation of the first nursing schools, in the 1880s, signs of the slow process of professionalization of nursing are expectedly found.

Objective: To analyze the references to nurses and nursing in the House of Lords and House of Commons, from 1900 to 1910.

Methodology: Historical research in the logbooks of sessions, with the survey, analysis, and interpretation of sources.

Results: Four thematic blocks were identified: naval nursing, military nursing, colonial health services, and naval nurses practice school; religion in healthcare; control of epidemics; the fund for the alienated, alienated criminals, the incisive speech by José de Almeida.

Conclusion: Professionalized nursing was more advanced in the military sector than in the civil sector. Healthcare delivery to the alienated, control of epidemics, and religious inspire references to nurses in both Houses.

Keywords: Portugal; nurses; history of nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: Los primeros 10 años del siglo XX en Portugal correspondieron a la última década de la monarquía. Se trata de un período política y socialmente problemático, en un gran espacio continental y de ultramar, en el que, tras la creación de las primeras escuelas de enfermería en los años 80, cabe esperar signos del lento proceso de profesionalización de la enfermería.

Objetivo: Analizar las referencias a los enfermeros y a la enfermería en la Cámara de los Diputados, de 1900 a 1910.

Metodología: Investigación histórica en los diarios de las sesiones, con recopilación de información, análisis e interpretación de las fuentes.

Resultados: Se identificaron cuatro bloques temáticos: La enfermería en la marina, el ejército, los servicios coloniales de salud y la escuela práctica de enfermería naval; el tema religioso en la asistencia; el control de epidemias; el trasfondo de los enajenados y criminales enajenados, el discurso incisivo de José de Almeida.

Conclusión: Profesionalización de la enfermería más avanzada en el sector militar que en el civil. La asistencia a los enajenados, el control de las epidemias y el tema religioso son el motivo de las referencias a los enfermeros en ambas cámaras.

Palabras clave: Portugal; enfermeras y enfermeros; historia de la enfermería

 

Introdução

A presente investigação insere-se num projeto mais vasto de estudo da enfermagem e dos enfermeiros nas sucessivas câmaras de representantes da nação no período da Monarquia Constitucional Portuguesa 1820-1910.

Em Portugal, falar-se de 1900 a 1910, é referir os últimos anos da Monarquia Constitucional como um período de transição. O Ultimatum britânico de 1890 a que sucedeu a revolta republicana do Porto de 31 de janeiro de 1891, marcam o percurso que, a prazo, poria termo ao primeiro liberalismo português (Rosas & Rollo, 2009). Estes autores afirmam que: “A crise era global. A par da instante crise política, o generalizado mal-estar social, a crise económica e, com grande fragor, a derrocada financeira, compunham o cenário de catástrofe” (Rosas & Rollo, 2009, p. 27). Para Sardica (2001), “a viragem do séc. XIX para o séc. XX inaugurou tempos confusos e difíceis em todos os quadrantes da vida portuguesa, semeando uma omnipresente sensação de «crise» e de «decadência»” (p. 488). Acrescenta este historiador que “a instabilidade político-partidária aniquilou o rotativismo, desprestigiou o parlamento monárquico e expôs D. Carlos, primeiro, e D. Manuel II, por último, a um desgaste que seria fatal” (Sardica, 2001, p. 491). Como refere Rosas (2010, p. 47): “o impasse global da monarquia após a crise do Ultimatum de 1890 suscitou um vivo e prolongado debate na sociedade portuguesa acerca das soluções alternativas à fatal marcha para o abismo”. Sob o estrito ponto de vista político refira-se que “D. Carlos e o príncipe real morreram assassinados na tarde do dia 1 de fevereiro de 1908. O caso causou consternação, mas não serviu para redespertar sentimentos de adesão monárquica”, afirma Bonifácio (2010, p. 172), acrescentando “o regime caiu com a facilidade que sabemos porque não havia ninguém disposto a defendê-lo” (Bonifácio, 2010, p. 174).

Neste período, em sistema bicamarário, funcionaram duas câmaras de representantes da nação: a Câmara dos Pares do Reino (CPR); e a Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa (CSDNP). A CPR, iniciou o seu funcionamento em 10 de julho de 1842 e findou a 25 de junho de 1910, composta de pares por direito próprio (príncipe real, infantes e pariato eclesiástico), e por pares eleitos, baseava-se num sistema misto de nomeação régia de 2/3 dos membros e 1/3 de membros eleitos. Para além das suas funções legislativas, reunia-se também em Tribunal de Justiça. A CSDNP, funcionou de 15 de novembro de 1822 a 25 de junho de 1910, e tinha como competências a iniciativa de lei, através de projetos de lei. As propostas do Governo, depois de examinadas por uma comissão, poderiam ser convertidas em projetos de lei (Assembleia da República, 2019a; Assembleia da República, 2019b).

A enfermagem na transição do século XIX para o século XX poder-se-á caracterizar por viver os primeiros momentos de profissionalização, num movimento de ténue e paulatina afirmação na sociedade. Por estes anos, iniciava-se em Portugal a formação escolarizada de enfermeiros. Segundo Silva (2008), surgem: a escola de enfermagem dos Hospitais da Universidade de Coimbra (1881); a escola de enfermagem do Hospital Real de S. José, Lisboa (1887); o curso de enfermeiros do Hospital da Marinha, Lisboa (1888); a escola de enfermeiros do Hospital Geral de S. António, da Misericórdia do Porto (1897); a escola de enfermeiros do Hospital Militar do Porto (1909); a escola de enfermeiros do hospital de S. Marcos da Misericórdia de Braga (1912). Em relação à enfermagem militar, exército e marinha, Ferreira (2012), reporta-nos a presença em 1842, de enfermeiros no regulamento do serviço de saúde do exército, com autonomia diminuída no novo regulamento de 1853, sendo ainda notada a sua presença no regulamento geral de saúde do exército de 1909. Quanto à marinha, a presença de enfermeiros regista-se nos regulamentos de 1860, 1871, 1886, 1896 e 1908. Por outro lado, a enfermagem civil e a enfermagem religiosa, nos anos 1900-1910, estão em franco processo de organização profissional nos espaços hospitalares, quer dependentes de Misericórdias, quer nos hospitais civis de Lisboa e Coimbra (Santos, 2012). Um movimento de profissionalização que se espelha na nascente formação de escolas e na proliferação de regulamentos hospitalares.

O conhecimento objetivo da história de enfermagem, livre de construções ideológicas e de mitos profissionais, contribuirá para a perceção dos processos de construção da identidade profissional, dos passos da profissionalização da enfermagem em Portugal, e do desenvolvimento do seu saber específico enquanto ciência de enfermagem.

Os constrangimentos societais que atualmente afetam a profissão da enfermagem, ficarão mais esclarecidos com a leitura da sua evolução histórica, demonstrando que a profissionalização da enfermagem em Portugal é um longo caminho iniciado nos finais do século XIX (existência formal das primeiras escolas) e só finalizado no final do século XX (constituição de órgão regulador autónomo – Ordem dos Enfermeiros). Além disso, em paralelo, mas diferenciado no tempo, o processo de autonomização e afirmação disciplinar – saber autónomo, com estatuto de ciência de enfermagem -, tem início nos finais do século XX e está em desenvolvimento na atualidade.

O presente estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto estruturante: História e epistemologia da saúde e da enfermagem, da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E). Pretende-se responder à questão de saber, em Portugal, nesse período, nas suas diversas Câmaras, o que discutiam os representantes da nação relacionado com os enfermeiros e com a enfermagem.

Um projeto de um horizonte temporal tão amplo, obrigou ao seu desdobrar em segmentos cronológicos de menor amplitude, dando origem a sínteses parcelares, que aos poucos, se vão fundindo para uma visão de conjunto. Este artigo, relatório de investigação parcelar, trata do estudo no segmento de 1900 a 1910. Tem como objetivo: analisar as referências a enfermeiros e enfermagem na Câmara dos Pares e dos Senhores Deputados de 1900 a 1910.

 

Metodologia

A presente pesquisa desenvolve-se com metodologia histórica, partindo de análise documental específica: os diários das sessões das câmaras no final da monarquia.

Identifica num primeiro momento o material empírico, fontes, que se mostram relevantes, prosseguindo na sua análise crítica, sistematização e interpretação.

As fontes são materiais de que o historiador se serve, para o exercício do seu ofício (Mendes, 1989), considerando-se que as fontes, de natureza variada, ainda não se podem considerar história, mas apenas material de trabalho a utilizar pelo historiador no exercício do seu labor (Mendes, 1989). Com base nas fontes, o historiador procede ao exame do passado através das suas marcas, e elabora o discurso histórico, construindo a representação mental que desse exame resulta e, por fim, a produção de um texto escrito ou oral que permite comunicar as suas conclusões (Mattoso,1997).

O discurso histórico construído com objetividade, tem em conta que “a cientificidade da ciência moderna da história se situaria não mais no que ela narre, mas sim descreva, analise, explique” (Rüsen, 2001, p. 119), entendendo a História como “um saber complexo, lato e definido, explicativo e problematizador” (Torgal, 2015, p. 50). Neste sentido, beneficia de métodos de análise próprios e de teorização específica, não se detendo na visão “positivista”, de apenas deixar as fontes falar.

Este estudo parte do levantamento e análise de fontes documentais, especificamente os Diários das Sessões da CPR e da CSDNP, acessíveis no sítio da Assembleia da República. Através do motor de busca disponibilizado, caminhou-se ao encontro das páginas dos diários, utilizando os descritores: enfermeiro(a); enfermeiros(as); enfermaria(as); enfermagem. Segue-se o trabalho que comporta a etapa de seleção e classificação das fontes documentais, após o que se procede à determinação da qualidade e relevância contida nas fontes (Filho et al., 2015). Sendo assim, analisaram-se os assuntos, fez-se o enquadramento e explicitação em função dos objetivos traçados, como sejam: o levantamento dos assuntos que se relacionam com a enfermagem e enfermeiros; análise do material e interpretação temática e de conjunto para a série temporal dos 11 anos do estudo; perceção dos temas e assuntos que suscitaram o interesse das elites legislativas; construção de um de texto escrito analítico e interpretativo, ilustrado com citações das fontes. Este estudo, identificando o conteúdo das discussões sobre enfermeiros e enfermagem, bem como o estudo das ausências num determinado período histórico, traz oportunidades de percecionar o posicionamento da enfermagem na sociedade portuguesa à época (Queirós, Filho, Monteiro, Santos, & Peres, 2017), e de assim, neste aspeto particular das referências nos diários das sessões, contribuir para a construção narrativa histórica da enfermagem portuguesa, nos finais da monarquia constitucional.

 

Resultados e Discussão

A pesquisa realizada permitiu identificar nos diários das sessões das duas câmaras, nestes 11 anos do final da Monarquia, um conjunto de 245 entradas (palavras captadas por cada descritor), com uma distribuição de 53 entradas para a CPR e 192 para a CSDNP. A dispersão do número de entradas ao longo da série permite observar uma expressão quantitativa mais alta nos anos 1902 e 1903 (47 e 38 entradas respetivamente), seguindo-se 1909 com 34 e 1907 com 25. De menor expressão são os anos 1905 e 1906 com duas e três entradas. No ano 1905, efetivamente as câmaras funcionaram num período mais reduzido, existindo para as duas câmaras apenas um somatório de 58 diários das sessões, em contraste com os outros anos da série, com valores entre 69 diários para 1910 e 198 para 1903. Analisando em cada câmara, verifica-se que na CPR não há entradas para os anos 1905 e 1907, e na CSDNP não se verificam entradas no ano 1906. De forma geral, é maior o número de entradas na CSDNP. No entanto, excetua-se 1904 e 1906, com valores mais elevados na CPR em relação à CSDNP (Figura 1).

Cruzando para esta série o número de entradas sensíveis aos descritores com o número de diários publicados por ano, com dados conjuntos para as duas câmaras, verifica-se que a tendência das curvas lineares se correlaciona, à exceção do ano 1902 com um pico de entradas e uma descida do número de diários, colocando-se a hipótese de se estar na presença de um ano particularmente expressivo para os nossos descritores (Figura 2).

Os descritores enfermeiro e enfermeiros somam o valor de 96 entradas, o que contrasta com os descritores femininos, enfermeira(as), que somam apenas 16 entradas. Importa ainda considerar o número de entradas para o descritor enfermagem, apenas 13. Estes dados estão em linha com outras investigações no âmbito deste projeto de análise das referências a enfermeiros nas Câmaras da Monarquia Constitucional, por quanto que os descritores pessoalizados são em valor numérico muito expressivo quando comparados com os valores dos descritores que podiam traduzir a profissionalização, no caso, o descritor enfermagem, que regista apenas 13 entradas nesta série temporal de 11 anos. A este propósito, confronte-se os achados para o ano 1821 e 1822, em que com o descritor enfermagem, nada se encontrou (Queirós et al., 2018). A diferença entre os descritores masculinos e femininos estará em linha com a consideração da designação masculina abrangendo os dois sexos, e não tanto pela tradução do maior número de enfermeiros masculinos em presença. No entanto, muitas referências são relativas aos enfermeiros do exército e da marinha, e também, nesses anos, nos hospitais civis, o número de enfermeiros masculinos era expressivo, contrariando a tendência da supremacia feminina, nas décadas vindouras até à atualidade. Registe-se ainda que observando-se o número de entradas por descritor, são numericamente superiores as referentes à dupla de descritores enfermaria(as), no total de 120, o que denota sobretudo a presença de aspetos institucionais, relacionados com os espaços e a sua organização (Tabela 1).

 

 

A leitura dos diários das sessões, seguindo os descritores, permitiu identificar quatro blocos temáticos: um primeiro, com referências à enfermagem na marinha, no exército, serviços de saúde colonial, e escola prática de enfermeiros navais; um segundo, relacionado com a questão religiosa e os seus reflexos na assistência na saúde/doença; um terceiro bloco temático, relacionado com o controlo das epidemias e condições hospitalares; e por último, um quarto bloco, relativo ao fundo dos alienados, aos alienados criminosos e a um incisivo discurso de José de Almeida.

A enfermagem militar

Em 1902 surge o tema Hospital Colonial, em Lisboa, “para tratamento dos officiaes militares e praças de pret que regressem do ultramar” (CPR, diário nº 31, de 3 de abril de 1902; Assembleia da República, 2019a; p. 295), bem como o pessoal civil e eclesiásticos da mesma proveniência. Nesse hospital será feito “o ensino da medicina especial dos climas tropicaes” (CPR, diário nº 31, de 3 de abril de 1902; Assembleia da República, 2019a, p. 295), o pessoal de enfermagem será destacado das companhias de saúde ultramarinas, e “será designado em regulamento, conforme as exigências do serviço” (CSDNP, diário nº 24, de 26 de fevereiro de 1902; Assembleia da República, 2019b, p. 14). O “tirocínio dos praticantes de enfermeiros” (CPR, diário nº 31, de 3 de abril de 1902; Assembleia da República, 2019a, p. 295), previsto em legislação anterior, passa a ser feito nesse hospital, “ficando as prelecções … a cargo de um facultativo ali em serviço, que perceberá a gratificação correspondente”. (CSDNP, diário nº 24, de 26 de fevereiro de 1902; Assembleia da República, 2019b, p. 14). A força naval portuguesa, conta em 1907-8 com um pontão enfermaria, e em 1909-10 um navio depósito enfermaria, com 60 praças. Os efetivos do exército, com referência à saúde, são em 1902, descritos como os mínimos indispensáveis: na Direção Superior de Serviços de Saúde, 57 efetivos dos quais 46 praças; e no exército ativo, 6 hospitais móveis com 108 efetivos dos quais 78 praças, no regimento de cavalaria 17 praças, e no batalhão de caçadores 20 praças como enfermeiros e condutores.

A CSDNP preocupou-se, em 1900, com a apreciação dos requerimentos de reformados da armada, com primeiros e segundos enfermeiros, requerendo que lhe seja concedido para além do pret, quartel, pão e subsídio para rancho. Nesse ano, estabeleceram-se as bases para a organização da escola prática de artilharia naval. Em 1902 é apresentada uma “Organização Militar do Ultramar” que aborda os serviços de saúde, estabelecendo que “em todas as localidades onde não haja hopitaes, organizar-se-hão enfermarias regimentaes” (CSDNP, diário nº 6, de 17 de janeiro de 1902; Assembleia da República, 2019b, p. 77). Em 1903, refere-se a obrigação de residência do enfermeiro na Escola Naval. Nesse ano, um primeiro-cabo da companhia de saúde reivindica vencimento igual aos enfermeiros com graduação de segundos sargentos da armada, e defende-se que os vencimentos dos enfermeiros sejam equiparados aos dos contramestres e mestres da 3ª brigada do corpo de marinheiros. Em 1905, dá-se conta de estar em construção uma enfermaria em Gambos, Angola. Em 1906, fica-se a saber da existência no ultramar de velhos navios a fazerem de enfermarias flutuantes. E em 1910, é dada informação sobre a Escola Prática de Enfermeiros Navais, a sua regulação, condições de admissão e funcionamento, informando que: “Os cabos enfermeiros com bom comportamento, boas informações e com um anno pelo menos de hospital e um ano de embarque poderão ir frequentar o curso de sargentos enfermeiros no Hospital da Marinha” (CSDNP, diário nº 28, de 8 de junho de 1910; Assembleia da República, 2019b, p. 57). Trata-se de um curso que abrange, no primeiro ano, noções de anatomia e fisiologia, pensos e ligaduras, instrumentos cirúrgicos, socorros urgentes, transporte de feridos, assepsia, antissepsia e desinfetante de uso frequente e desinfeções. Num segundo ano, medicamentos, doses, modos de aplicação, tóxicos, envenenamentos, sintomas e antídotos, sintomatologia das doenças mais frequentes, balneoterapia, termoterapia, massagens, análises e manipulações farmacêuticas. “Este curso será acompanhado de pratica hospitalar em enfermarias de cirurgia, medicina e especiaes” (CSDNP, diário nº 28, de 8 de junho de 1910; Assembleia da República, 2019b, p. 57). Nesse ano, a brigada da marinha tem praças graduados na especialidade de enfermeiros, num total de dois sargentos-ajudantes, 20 primeiro-sargentos, 30 segundo-sargentos e 12 cabos. É referido, em 1910, a penosidade do trabalho dos enfermeiros navais.

A questão religiosa na assistência

No Hospital Maria Pia, em Luanda, em 1904, atuavam as irmãs hospitaleiras, o padre capelão, médicos e enfermeiros. A polémica instalou-se pela acusação ao padre capelão José Reyman, de impor a confissão aos doentes, e a suposta extorsão de dinheiro em benefício de uma missão religiosa no Huíla. Imputava-se-lhe, também, a disponibilização de pastilhas sem controlo médico. A polémica envolve o bispo de Luanda, D. António, já que este se dispôs a visitar um doente, Manuel Pereira, e deparou-se com um sentinela à porta do quarto, que o não deixou entrar. Ora, importa referir que o sentinela está lá colocado porque o doente se queixa da intrusão do padre Reyman, que o incomoda com as advertências de confissão. Mandou-se fazer uma sindicância à atuação do padre. Foi nomeado um síndico, o coronel Manuel Purificação Ferreira, que dos três quesitos acusatórios (imposição da confissão, extorsão de dinheiro e fornecimento de medicamentos) nada prova, pois faltaram as testemunhas necessárias ao cabal esclarecimento, o enfermeiro que podia servir de testemunha foi, entretanto, transferido para local menos acessível. Averiguou-se também que, fruto da pressão do padre, as irmãs hospitaleiras, atuam em consonância persuasiva junto dos doentes, e que os padres da congregação do Espírito Santo fogem ao controlo civil e diocesano, o que constitui um problema, aludindo-se também a presumíveis culpas no apoio aos rebeldes do Bailundo.

O segundo tema tem origem no requerimento, do Par do Reino, Sebastião Baracho, dirigido ao Ministério do Reino, solicitando uma cópia de qualquer concessão atribuída aos irmãos de S. Filipe de Nery para entrarem no Hospital de S. José, dado que estes têm exercido a sua ação sobre os doentes ali internados, perturbando a liberdade de consciência dos mesmos. O mesmo Par do Reino, quatro anos depois, em 1910, constata que não teve resposta ao requerido e dá conhecimento de uma publicação divulgada em Lisboa, em 1909, com o título Congregantes de S. Filipe de Nery com sede no Hospital de S. José. Informa que ocorreu uma reunião dos referidos congregantes no hospital. Indigna-se e solicita ao Ministério todo o expediente autorizando a ação destes congregantes, a relação nominal com a indicação da idade, naturalidade e nacionalidade dos congregantes, informação de se prestam serviço gratuito ou gratificado, e indicação sobre de quem partiu este abuso que se está cometendo à face da legislação vigente. Todo este movimento tem de ser lido e entendido à luz da questão religiosa, com antecedentes próximos na assinatura da concordata e a vinda para Portugal das irmãs francesas em 1857, sendo que “até 1910, vários momentos altos da propaganda e mobilização republicanas aconteceram direta ou indiretamente relacionados com a agitação de temas explícita ou implicitamente anticlericais” (Bonifácio, 2010, p.165-166).

Em 1908, o deputado Miguel Bombarda propõe uma homenagem a Joaquim António de Aguiar, realçando o seu papel na expulsão das ordens religiosas, enfatizando a necessidade de o povo relembrar a importância da liberdade e declarando que “a história das ordens religiosas é uma história pavorosa de sangue, torturas e martyrios” (CSDNP, diário nº78, de 25 de agosto de 1908; Assembleia da República, 2019b, p. 10), sendo “a congregação o cancro das sociedades” e o “frade ainda peor do que o cancro” (CSDNP, diário nº78, de 25 de agosto de 1908; Assembleia da República, 2019b, p. 10). Por fim, declara “com efeito, a caridade congreganista não é somente uma taboleta, é ainda uma falsidade. A enfermagem religiosa é uma enfermagem falsa que importa perigos ao doente.” (CSDNP, diário nº78, de 25 de agosto de 1908; Assembleia da República, 2019b, p. 10). A questão da enfermagem religiosa e enfermagem laica nos hospitais públicos, está presente nestes anos.

O controlo de epidemias

Em 25 de janeiro de 1900, na CPR, de acordo com o Diário das Sessões, o Conde do Casal Ribeiro tecia considerações sobre o estado sanitário da cidade de Coimbra, referindo uma epidemia de varíola que começara a manifestar-se em agosto de 1899, grassando por assim dizer exclusivamente entre gente do povo, em poucas condições higiénicas.

Assim que surgiu a epidemia, as autoridades adotaram as providências necessárias, estabelecendo dois postos de vacinação gratuita, um na cidade alta, outro na baixa, ordenando à polícia que vigiasse a manifestação de qualquer caso, intimando os chefes de família a levar os seus à vacinação ou revacinação, organizando esses serviços em quatro áreas geográficas, em cada uma das quais funcionava o respetivo médico municipal, e mandando visitar os domicílios, porque, “como em geral sucede, o povo apresenta relutância à vacinação e mesmo à assistência médica”. Finalmente, “prescreveu-se o isolamento das casas onde houvesse varioloses e a sua desinfeção rigorosa, o que se tem feito com formol, aplicado por máquinas Trillate, fornecidas pela Câmara Municipal” (CPR, diário nº5, de 25 janeiro de 1900; Assembleia da República, 2019a, p. 33).

Mais adiante, diz que Coimbra é onde está o primeiro estabelecimento científico do país e onde, por isso mesmo, naquela altura do ano (janeiro) se juntam à população, já de si numerosa, estudantes de diversas procedências do país, “que tantos cuidados merecem às suas famílias pela sua saúde e bem-estar ali, além dos seus estudos” (CPR, diário nº7, de 3 de fevereiro de 1900; Assembleia da República, 2019a, p. 44).

Esses mesmos estudantes, voltando em férias às suas terras, podiam disseminar a epidemia, benigna que fosse, pelo que a cidade requeria cuidado especial no tocante à higiene, uma vez que “Coimbra em matéria de saneamento, tem estado quase ao abandono, reclamando-se do governo providências higiénicas” (CPR, diário nº7, de 3 de fevereiro de 1900; Assembleia da República, 2019a, p. 44).

Tendo em conta a epidemia de peste bubónica no Porto, na ata de 8 de março de 1900, na Câmara dos Deputados fala-se do relatório de Ricardo Jorge de 28 de julho de 1899, sobre a epidemia de peste bubónica que ocorria no Porto e da comunicação do governador civil de Aveiro de 19 de julho, de alguns casos de doença na povoação de Argoncilhe, no concelho da Feira, e de dois casos de peste bubónica em filhos de um enfermeiro que exercia no Porto junto de alguns doentes que sofriam de peste bubónica. Diz-se também que perante o relatório, o governo nada fez. Até 5 de agosto, o governo em matéria de higiene e profilaxia da peste para a cidade do Porto, apenas tinha mandado aprontar o chamado hospital de Goelas de Pau, dois meses depois de instalada a epidemia de peste naquela cidade. A 6 de agosto de 1899, Ricardo Jorge, em ofício ao governo, afirmava estar feito o diagnóstico de peste, aconselhando a que se dirigisse uma circular aos médicos, prevenindo-os de que a peste reinava na cidade. O governo responderia a 8 de agosto, ordenando, não o isolamento dos doentes, mas sim “que não se fizesse aviso aos médicos” (CSDNP, diário nº30, de 8 de março de 1900; Assembleia da República, 2019b, p. 11).

Em 7 de março de 1900, de acordo com o Diário das Sessões, na Câmara dos Deputados aborda-se o decreto-lei que suprimia, até nova resolução, todos os comboios de recreio, feiras, romarias e outros ajuntamentos, que em razão da proximidade ou das relações sociais, sejam um pretexto para a multidão entrar na cidade do Porto, ou sair dela; que à saída dos comboios da cidade do Porto que não tivessem sido suprimidos, seria feita a inspeção médica dos passageiros e empregados dos mesmos comboios, e não se deixaria seguir viagem a ninguém que apresentasse qualquer sintoma, ainda que só suspeito de peste bubónica, que todos os indivíduos procedentes do Porto fossem inspecionados à chegada ao destino e obrigados a apresentar-se à inspeção médica durante nove dias consecutivos. O serviço de inspeção à chegada às estações das capitais de distrito era organizado nas mesmas estações ou parte delas, as inspeções subsequentes, a que ficavam obrigados a apresentar-se os indivíduos procedentes do Porto, seriam feitas nos lugares indicados pelos governadores civis, nas capitais de distrito, e pelos administradores do concelho, nas outras localidades. A todos os indivíduos procedentes do Porto, por via férrea, era dada uma guia, que eram obrigados a apresentar, quer na inspeção à chegada ao destino, quer nas inspeções subsequentes, e um duplicado da mesma guia era enviado ao competente governo civil ou administração do concelho. Logo que os comboios do Porto chegassem às estações onde estavam organizados serviços de inspeção sanitária, os passageiros procedentes daquela cidade eram encaminhados para o local de inspeção, onde se procederia ao respetivo exame, sendo o resultado transcrito para as referidas guias. Se algum passageiro apresentasse qualquer sintoma suspeito, seria de imediato enviado, com as devidas precauções e segurança, ao hospital ou posto de isolamento e observação dos indivíduos suspeitos. Enquanto se não organizassem as inspeções à chegada dos comboios, nem por isso ficavam os passageiros desobrigados de se apresentar, sem outro aviso, no prazo de 12 horas e durante nove dias consecutivos, no governo civil ou administração do concelho respetivos para serem examinados. Enquanto não estivessem em funcionamento os hospitais especiais, os indivíduos atacados ou suspeitos de peste bubónica eram levados para o Lazareto de Lisboa, e nas outras terras do reino para enfermarias privativas ou lugares provisoriamente destinados, nas devidas condições, para esse efeito (CSDNP, diário nº29, de 7 de março de 1900; Assembleia da República, 2019b, p. 13).

O fundo dos alienados e o incisivo discurso de António José de Almeida

O projeto de lei nº 4 de 1903 sobre alterações ao regime penitenciário, é referido por António de Cabral como “inútil, contraditório e defeituoso” (CSDNP, diário nº17, de 4 de fevereiro de 1903; Assembleia da República, 2019b, p. 6-7), realça-se que seria muito mais proveitoso a construção de uma enfermaria para alienados criminosos. Acredita-se que a loucura se desenvolve e manifesta, em grande parte, pelo facto dos indivíduos estarem sujeitos a um regime penitenciário. No entanto, não é a prisão celular a determinante exclusiva dessa loucura, mas sim a predisposição mórbida dos presos. O hospital anexo à penitenciária ainda não começou a funcionar por uma mesquinharia, como é a falta de pára-raios, de iluminação e de campainhas elétricas, afirmando-se ser deplorável a falta deste estabelecimento numa Penitenciária como a de Lisboa. A lei de 1889, de António Senna previa a construção de 4 hospitais (Lisboa, Coimbra, Porto e Ponta Delgada), duas enfermarias anexas ao Hospital de Lisboa e enfermarias anexas a hospitais centrais onde se recolhiam os criminosos alienados. Para suprir as despesas, criou-se o fundo de beneficência pública dos alienados. Os hospitais apresentavam capacidade inferior para o acolhimento e tratamento de tantos alienados, quando chega a vez de serem acolhidos estão mortos, ou o estado de doença é tão adiantado que torna inútil o tratamento.

No discurso incisivo de António José de Almeida destaca-se o humanitarismo e a defesa social. “É uma cousa indigna deixar andar os doidos pelas ruas, . . . , é uma cousa deshumana deixá-los sofrer no fundo das prisões, espancados e algemados. Mas também é uma cousa perigosa deixá-los ao abandono” (CSDNP, diário nº74, de 21 de agosto de 1908; Assembleia da República, 2019b, p. 25-26). Acusa o Governo de permitir a procriação de alienados. Afirma que a conceção teórica é um sentimento estéril, porque, na prática “somos uns desleixados cruéis” (CSDNP, diário nº74, de 21 de agosto de 1908, p.25-26). Acusa do gasto do fundo da beneficência para alienados por parte do estado, fazendo com que a criação destes Hospitais se torne difícil. “O que se tem praticado em Portugal, neste capítulo da beneficência pública, é um crime repugnante de cuja nódoa jamais poderão limpar-se os seus malévolos causadores” (CSDNP, diário nº74, de 21 de agosto de 1908; Assembleia da República, 2019b, p. 25-26). José de Almeida crê que a especialização dos enfermeiros permite “atacar directamente as causas da loucura e travar a acção do mal, destruindo-o na sua origem” (CSDNP, diário nº74, de 21 de agosto de 1908; Assembleia da República, 2019b, p. 25-26), e refere a importância da criação de um instituto internacional com “o fim de estudar e combater as causas das doenças mentaes” (CSDNP, diário nº74, de 21 de agosto de 1908; Assembleia da República, 2019b, p. 25-26). Contrariamente à lei de 1889, todos os hospitais anexos foram pagos pelas obras públicas, e não pelo fundo de alienados. Refere-se ainda que “não basta ter hospitais e asilos. É preciso possuí-los em boas condições” (CSDNP, diário nº74, de 21 de agosto de 1908; Assembleia da República, 2019b, p. 25-26). A lei de Senna, nunca foi cumprida senão para a arrecadação das receitas. A população hospitalar tem aumentando e o número de profissionais de saúde é o mesmo. Não é permitido, também empregar enfermeiros homens nas enfermarias das alienadas. Em 1909 chega-se à conclusão que o Hospital de Rilhafoles não lucrou nada com o fundo dos alienados. O Hospital chega a ter enfermarias em que é preciso fazer camas no chão. Por causa da deficiência da enfermagem naquele Hospital dá-se grande número de evasões. Crítica à falta de especialização dos hospitais nos diferentes serviços e a afirmação que os enfermeiros deviam-se especializar no tratamento de alienados. Discute-se quem paga ou não nos hospitais, tendo sempre a consciência de que quanto maior for o número de doentes pagantes que se admitirem, menos lugares ficam disponíveis para os pobres. Chega-se à conclusão de que se o serviço de alienados precisa de uma grande reforma, a assistência aos outros doentes não precisa menos e mais uma vez o orçamento de beneficência é pequeno.

 

Conclusão

Com este levantamento fica-se a saber o que discutiam as elites acerca dos enfermeiros e da enfermagem neste período, nestas câmaras, contribuindo para a construção objetiva da história da enfermagem em Portugal.

É expressivo o número de referências à enfermagem militar, com especial realce, quando se estabelece uma analogia com a enfermagem civil. O tema forte é o das reformas e dos vencimentos, mas surge informação relevante sobre a Escola Prática de Enfermeiros Navais e as condições de tirocínio dos enfermeiros no Hospital Colonial, uma enfermagem militar, à época, com níveis de estruturação superiores à enfermagem civil. Os aspetos dos serviços saúde colonial ganham expressão na criação do Hospital Colonial, mas também na constatação da precaridade na cobertura sanitária do espaço ultramarino, com velhos navios a fazerem de enfermarias.

A querela religiosa, assistência civil ou confessional nas instituições de saúde, chega aos espaços ultramarinos. Os pares do reino discutiram a questão religiosa na saúde, em torno das polémicas suscitadas pela ação do Padre Reyman, e com os irmãos de S. Filipe de Nery, instalados nos Hospitais Civis de Lisboa. Os senhores deputados da nação abordam a questão religiosa a propósito da homenagem a Joaquim António de Aguiar, sendo expressivo o discurso de Miguel Bombarda acerca dos malefícios da ação das congregações religiosas. Foi possível identificar a posição de especialistas e políticos quanto à identificação das doenças e respetivas medidas profiláticas, tratamentos e o modo de encarar as doenças por parte do poder instituído. As duas Câmaras preocuparam-se com o controlo de epidemias em Coimbra (varíola) e no Porto (peste bubónica). O desenvolvimento de políticas sanitárias foi fundamental e resultou na criação de novos conceitos de higiene e saúde pública, com novas políticas sanitárias. Estas novas práticas de higiene e saúde pública, nem sempre pacíficas, levaram por vezes a revoltas contra o biopoder. Uma das facetas era a renitência das populações relativamente à vacinação. Referência à vantagem da especialização de enfermeiros na área dos alienados, ao impedimento dos enfermeiros homens atuarem junto das alienadas, e das evasões dos estabelecimentos por falta de enfermeiros. Crítica incisiva ao facto do previsto na legislação de António Senna não estar a ser cumprido, no aproveitamento do fundo de beneficência para a construção de enfermarias anexas às penitenciárias e aos hospitais, registando-se a assistência aos alienados como um sinal de civilização e o seu abandono como de atraso social.

 

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Recebido para publicação em: 31.03.19

Aceite para publicação em: 14.06.19

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