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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.22 Coimbra Sept. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV19042 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Complicações do pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca eletiva: estudo transversal à luz de Roy

Complications in immediate postoperative recovery from elective cardiac surgery: a cross-sectional study based on Roy’s theory

Complicaciones del período posoperatorio inmediato de la cirugía cardíaca electiva: un estudio transversal según Roy

 

Rafael Oliveira Pitta Lopes*
https://orcid.org/0000-0002-9178-8280

Jéssica de Castro**
https://orcid.org/0000-0002-8336-156X

Cristiane Soares Carius Nogueira***
https://orcid.org/0000-0003-0084-9779

Damaris Vieira Braga****
https://orcid.org/0000-0002-4471-0456

Juliana Ramos Gomes*****
https://orcid.org/0000-0002-8979-6097

Rafael Celestino da Silva******
http://orcid.org/0000-0002-5211-9586

Marcos Antônio Gomes Brandão*******
https://orcid.org/0000-0001-9829-4235

 

* MSc., Professor, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 27930-560, Rio de Janeiro, Brasil [pitta_rafael@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, tratamento e avaliação estatística, análise de dados, discussão e escrita do artigo.

Morada para correspondência: Avenida São Félix, 27930-560, Rio de Janeiro, Brasil.

** MSc., Enfermeira, Escola de Enfermagem Anna Nery, 20270-230, Rio de Janeiro, Brasil [jessicacastroenf@gmail.com]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística, análise de dados, discussão e escrita do artigo.

*** MSc., Enfermeira, Escola de Enfermagem Anna Nery, 20270-230, Rio de Janeiro, Brasil [cristianekarius@hotmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados, discussão e escrita do artigo.

**** MSc., Enfermeira, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 27930-560, Rio de Janeiro, Brasil [braga.damaris@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica e recolha de dados.

***** B.el., Estudante de Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery, 20270-230, Rio de Janeiro, Brasil [jrg07contatos@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica e revisão.

****** Ph.D., Professor, Escola de Enfermagem Anna Nery, 20270-230, Rio de Janeiro, Brasil [raafaenfr@yahoo.com.br]. Contribuição no artigo: escrita do artigo, revisão final.

******* Professor, Escola de Enfermagem Anna Nery, 20270-230, Rio de Janeiro, Brasil [marcosbrandao@ufrj.br]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, tratamento e avaliação estatística, análise de dados, discussão e escrita do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: Complicações verificadas no pós-operatório podem ser compreendidas como respostas ineficazes do modelo de adaptação de Roy frente à estratégia de coping gerada pela cirurgia cardíaca eletiva.

Objetivos: Identificar as complicações do pós-operatório imediato de adultos e idosos submetidos a cirurgias cardíacas eletivas com uso de circulação extracorpórea; Categorizar as complicações do pós-operatório imediato identificadas como respostas ineficazes do modo fisiológico do sistema adaptativo humano.

Metodologia: Estudo do tipo observacional retrospetivo, transversal, de objetivo exploratório e descritivo. Foram analisados os registos do período pós-operatório imediato de 230 pessoas submetidas à cirurgia cardíaca eletiva com uso de circulação extracorpórea no período de janeiro de 2013 a dezembro de 2015.

Resultados: Foram identificadas 423 complicações no pós-operatório imediato, estando relacionadas, na sua maioria, com o equilíbrio de fluidos, eletrólitos e ácido-base e função endócrina.

Conclusão: A leitura das complicações pós-operatórias como respostas ineficazes amplia a participação avaliativa e de intervenção da equipa de enfermagem durante o período pós-operatório, garantindo uma direção disciplinar singular.

Palavra-chave: cirurgia torácica; procedimentos cirúrgicos cardiovasculares; complicações pós-operatórias; teoria de enfermagem; enfermagem

 

ABSTRACT

Background: Postoperative complications can be understood as an ineffective response of the Roy adaptation model to the coping process generated by elective cardiac surgery.

Objectives: To identify the complications in the immediate postoperative period of adults and elderly patients submitted to elective cardiac surgery with extracorporeal circulation; To categorize immediate postoperative complications as ineffective responses of the physiological mode of the human adaptive system.

Methodology: Retrospective, cross-sectional, exploratory, and descriptive observational study. The immediate postoperative records of 230 patients who underwent surgery with extracorporeal circulation performed between January and December 2013, 2014, and 2015 were analyzed.

Results: In the immediate postoperative period, 423 complications were identified, mostly related to fluid, electrolyte, and acid-base balance and endocrinal function.

Conclusion: The reading of postoperative complications as ineffective adaptive responses extends the need for evaluation and intervention of the nursing team during the postoperative period, ensuring unique disciplinary management.

Keywords: thoracic surgery; cardiovascular surgical procedures; postoperative complications; nursing theory; nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: Las complicaciones postoperatorias pueden entenderse como respuestas ineficaces del modelo de adaptación de Roy al proceso de afrontamiento generado por la cirugía cardíaca electiva.

Objetivos: Identificar las complicaciones del postoperatorio inmediato de adultos y años sometidos a cirugías electivas con circulación extracorpórea; Categorizar las complicaciones postoperatorias inmediatas identificadas como respuestas ineficaces del modo fisiológico del sistema adaptativo humano.

Metodología: Estudio observacional retrospectivo, transversal, exploratorio y descriptivo.

Resultados: Analizamos los registos del postoperatorio inmediato de 230 personas que se sometieron a cirugía cardíaca electiva con derivación cardiopulmonar realizada entre enero y diciembre de 2013, 2014 y 2015. Se identificaron 423 complicaciones en el postoperatorio inmediato, la mayoría de las afiliaciones, el equilibrio de líquidos, electrolitos y ácido-base y la función de endoscopia.

Conclusión: la lectura de las complicaciones postoperatorias como respuestas adaptativas ineficaces amplifica la evaluación y la intervención del equipo de enfermería durante el período postoperatorio, garantizando una dirección disciplinaria singular.

Palabras clave: cirugía torácica; procedimientos quirúrgicos cardiovasculares; complicaciones posoperatorias; teoría de enfermería; enfermería

 

Introdução

Segundo as estimativas da Organização Mundial da Saúde, 17,9 milhões de pessoas morreram de doenças cardiovasculares em 2016, representando 31% de todas as mortes globais (World Health Organization, 2017). Significativa parte destas doenças exigem tratamentos cirúrgicos, sendo as cirurgias de revascularização do miocárdio, correção de doenças valvares, seguidas das cirurgias de correção de doenças da aorta e de cardiopatias congénitas, as mais comuns em adultos e idosos (Jesus et al., 2016). Estes pacientes, usualmente, são encaminhados para centro cirúrgico com maior número de comorbidades, sujeitos a mais complicações no período intra e pós-operatório, o que acarreta um aumento do tempo de internamento hospitalar e custos monetários e tecnológicos investidos no seu tratamento e recuperação (Jesus et al., 2016).

Apesar dos avanços na cirurgia cardíaca e nos cuidados peri-operatórios, as complicações pós-operatórias permanecem frequentes, levando a um aumento substancial na mortalidade de pacientes submetidos a esses procedimentos cirúrgicos (Zheng et al., 2016). Um estudo que analisou os desfechos clínicos de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca evidenciou as principais complicações no período pós-operatório como: hipotensão, sangramento, hiperglicemia, insuficiência renal aguda, reoperação, tamponamento cardíaco, taquicardia ventricular, hipopotassemia, sepsis, acidente vascular cerebral e paragem cardiorrespiratória (Santos, Silveira, Moraes, & Souza, 2016).

A despeito destes resultados, a equipa de saúde e, em especial a de enfermagem, têm como atribuição profissional a vigilância, identificação e intervenção imediatas sobre essas complicações, para que não ocorram danos irreversíveis à saúde. Acredita-se que a descrição e caracterização destas complicações por meio de estudos favorecem a construção de guias de avaliação e intervenção neste período crítico de recuperação cirúrgica. Desta forma, este estudo tem como objetivos: identificar as complicações do pós-operatório imediato de adultos e idosos submetidos a cirurgias cardíacas eletivas com uso de circulação extracorpórea; categorizar as complicações do pós-operatório imediato identificadas como respostas ineficazes do modo fisiológico do sistema adaptativo humano.

 

Enquadramento

O período pós-operatório imediato é o momento de recuperação crítica que implica a necessidade de cuidados intensivos a fim de se estabelecer uma boa recuperação dos pacientes (Soares, Ferreira, & Gonçalves, 2011). Neste período, as repercussões orgânicas do procedimento e os mecanismos fisiológicos devem ser verificados, assim como potenciais e reais complicações destes processos. A verificação de complicações pós-operatórias, sob a ótica da enfermagem, dependerá do uso de uma teoria de enfermagem ou modelo conceptual que permita a descrição e explicação na perspetiva disciplinar. Especialmente no Modelo de Adaptação de Roy (MAR), um modelo conceptual disciplinar, as pessoas são consideradas como sistemas abertos mantendo interação contínua com o ambiente, estando expostas a diversos estímulos que geram um processo de coping capaz de resultar em respostas adaptativas ou ineficazes (Roy, 2009). Assim, com base nestas definições, é possível compreender as complicações verificadas no pós-operatório como respostas ineficazes face à estratégia de coping gerada pelo estímulo da cirurgia cardíaca.

Este modelo conceptual permite que os profissionais de enfermagem tenham acesso ao sistema adaptativo humano através de quatro modos: modo fisiológico, modo de autoconceito, modo de interdependência e modo de desempenho de papel (Roy, 2009). Adotando um paralelo entre as complicações pós-operatórias de cirurgias cardíacas e as respostas ineficazes do MAR, é possível presumir que as mesmas estão maioritariamente alocadas ao modo adaptativo fisiológico, considerando o grande porte e o elevado grau de complexidade destas cirurgias, que alteram mecanismos fisiológicos (Beccaria et al., 2015). O modo adaptativo fisiológico de Roy está associado à forma como a pessoa responde, como um ser físico, aos estímulos ambientais e o comportamento é descrito através da manifestação das atividades fisiológicas do organismo (Roy, 2009).

Aproximações conceptuais e a ligação teoria-prática são complexas e, apesar da notoriedade das pesquisas baseadas no MAR (Roy, 2011), não foram recuperados estudos na temática desta pesquisa, o que motiva a investigação de complicações na perspetiva de respostas ineficazes às estratégias de coping.

 

Questão de Investigação

Quais as complicações, compreendidas como respostas ineficazes, presentes no pós-operatório imediato de adultos e idosos submetidos à cirurgia cardíaca eletiva com uso de circulação extracorpórea (CEC)?

 

Metodologia

Estudo do tipo observacional retrospetivo, transversal, de objetivo exploratório e descritivo, com abordagem quantitativa realizado num Hospital Federal Militar, de nível terciário, do município do Rio de Janeiro, Brasil. Pacientes submetidos a cirurgias cardíacas eletivas, com uso de circulação extracorpórea, operados entre janeiro de 2013 a dezembro de 2015 compuseram a amostra. Para a sua inclusão deveriam atender aos seguintes critérios: maiores de 18 anos, de ambos os sexos, submetidos à cirurgia cardíaca eletiva, com uso de CEC, de qualquer natureza. Os critérios de exclusão dos participantes foram: diagnósticos prévios que comprovassem alterações neurológicas prévias (tumores cerebrais, hipertensão intracraniana e déficits cognitivos comportamentais), e infeções adquiridas antes do processo cirúrgico.

Os dados de complicações pós-operatórias e de caracterização dos pacientes foram obtidos de 230 prontuários, o total de pacientes elegíveis pelos critérios de inclusão e exclusão. O período de recolha foi definido para compreender 3 anos, em função da capacidade de processamento dos dados pela equipa de enfermagem. Foi selecionado o perído a partir da implementação dos prontuários eletrónicos até ao ano anterior à recolha dos dados.

Para a determinação das variáveis do estudo, realizou-se uma aproximação das possíveis complicações pós-operatórias descritas conforme o estudo de Soares et al. (2011) com as respetivas necessidades básicas e processos complexos do modo fisiológico, apresentados na base conceptual do MAR. A aproximação deu suporte para a elaboração do instrumento de colheita de dados que procurava caracterizar os participantes, a sua situação clínica, os procedimentos cirúrgicos e identificar as possíveis complicações segundo as cinco necessidades básicas e quatro processos complexos do modo adaptativo fisiológico, sendo: oxigenação; nutrição; eliminação; atividade e repouso; proteção; sentidos; equilíbrio de fluidos, eletrólitos e ácido-base; função neurológica e função endócrina. Não foram avaliadas as complicações referentes aos modos adaptativos psicossociais, por se verificar que tais informações não estavam completas na sua plenitude nos prontuários do serviço.

A colheita de dados foi realizada por um investigador, com uma única verificação, usando um instrumento de colheita de dados com variáveis do paciente, da cirurgia e complicações pós-operatórias. O instrumento foi aplicado aos registos médicos e de enfermagem das primeiras 24 horas após a cirurgia (pós-operatório imediato), período presumivelmente crítico para o sistema de adaptação humana destes pacientes. Para minimizar os erros relacionados com a captação dos dados em prontuários, a colheita foi realizada pelo investigador que tinha maior experiência na manipulação dos registos clínicos da instituição e no atendimento de pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca. Os dados que pareciam incongruentes eram revistos.

As condições específicas de complicações pós-operatórias foram categorizadas de acordo com o MAR, apresentadas na Tabela 1.

Para a caracterização da amostra foram avaliadas as variáveis: sexo, idade, altura e índice de massa corporal. Também foram descritos os tipos de cirurgias e o tempo médio de circulação extracorpórea. Identificaram-se as complicações documentadas de acordo com a correlação estabelecida previamente na Tabela 1. Para a análise foi usada a estatística descritiva com caracterização dos valores absolutos, percentuais, médias e desvio padrão. Também foram avaliadas a distribuição das complicações de acordo com a necessidade básica ou processo complexo do modo adaptativo fisiológico. Destaca-se que não foram incluídos os dados referentes aos níveis séricos de sódio, potássio, magnésio, cálcio, cloro e fosfato devido à não disposição em plenitude desses dados clínicos nos registos.

O estudo respeitou os princípios éticos de proteção do participante, garantindo o sigilo e anonimato das fontes documentais, da divulgação de dados e a fidedignidade. O projeto de pesquisa obteve parecer de aprovação de Comissão de Ética em Pesquisa sob o nº 5217516.2.0000.5238.

 

Resultados

A caracterização sociodemográfica da amostra indicou um perfil de predominância do sexo masculino correspondendo a 153 participantes (66,5%), com média de idade superior a 65 anos e com índice de massa corporal indicando o sobrepeso, conforme observado na Tabela 2.

O perfil clínico dos pacientes também foi caracterizado de acordo com a Tabela 2 e a caracterização dos procedimentos cirúrgicos realizados aponta para uma predominância de cirurgias de revascularização do miocárdio, com 158 (69%) e o tempo médio de circulação extracorpórea foi de 95 minutos.

Foi identificado um total de 423 complicações no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca com utilização de CEC. A Tabela 3 apresenta estas complicações e classifica-as conforme a sua natureza a partir das necessidades básicas e processos complexos do modo fisiológico de Roy. A média de complicações por paciente foi de 26 com desvio padrão de 47,865, sendo apresentados de acordo com as complicações de maior incidência.

A pesquisa procurou identificar onde se concentravam as complicações do pós-operatório imediato segundo as necessidades básicas ou processos complexos do modo fisiológico. Desta forma, apresenta-se a magnitude destas respostas ineficazes em relação às estratégias de coping. As evidências são demonstradas no gráfico radar da distribuição das complicações em função de necessidades básicas/processos complexos do modo fisiológico de adaptação (Figura 1).

 

Discussão

Este estudo foi orientado para avaliar as complicações presentes em indivíduos adultos e idosos no pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca com a utilização de expressão por CEC, entretanto, há que destacar que a conformação do perfil obtido dos resultados é predominantemente de idosos do sexo masculino. Estudos indicam ainda que os pacientes com idade média de 60,97 anos possuem um risco aumentado para a mortalidade cardiovascular quando atingem a faixa etária dos 70 anos (Koerich, Lanzoni, & Erdmann, 2016). O envelhecimento populacional e aumento da expectativa de vida também se reflete no grupo pesquisado, trazendo, como consequência, um aumento na incidência de doenças crónico-degenerativas, dentre elas a doença cardiovascular (Gao et al., 2016).

A cirurgia cardíaca pode expressar uma dicotomia nas condições de saúde dos indivíduos a ela submetidos, pois, potencialmente é capaz de melhorar a qualidade de vida, porém também traz possibilidades de complicações clínicas em todo o processo cirúrgico. A evolução pós-operatória imediata representa o período crítico de coping do sistema adaptativo humano frente ao procedimento cirúrgico, pois as estratégias de coping dispensadas pelo corpo iniciam ainda no período intraoperatório e dão continuidade maioritariamente após o fim do estímulo do procedimento cirúrgico. Sendo assim, tal período exige da equipa de enfermagem a vigilância permanente, avaliação e controle das respostas adaptativas e ineficazes, bem como os possíveis estímulos contextuais e residuais destes comportamentos fisiológicos.

Neste estudo, a complicação pós-operatória mais prevalente foi a hiperglicemia. Apesar da função endócrina não ter sido o processo complexo com maior número de respostas adaptativas ineficazes, a complicação hiperglicemia foi de grande magnitude considerando o total de participantes da pesquisa. Um estudo semelhante evidenciou um percentual significativo desta alteração glicémica em pacientes no pós-operatório de cirurgia cardiovascular com CEC (Oliveira et al., 2015). Estas alterações são desencadeadas pelo stresse cirúrgico associado às respostas neuroendócrinas das hormonas contra reguladores de insulina, como glucagon, cortisol e adrenalina, que acarretam estado de catabolismo, aumentando os níveis de glicemia. Também relacionadas com esta resposta ineficaz as variações hormonais determinadas pelo stresse, o que desencadeia um estado de resistência tecidual ao efeito da insulina com gliconeogênese e catabolismo da massa magra (Akhtar, Barash, & Inzucchi, 2010).

Por conseguinte, destacam-se as complicações relacionadas com o processo complexo de equilíbrio de fluidos, eletrólitos e ácido-base, a saber: as alterações do equilíbrio de ácido-base, sangramento excessivo, hipoperfusão excessiva, síndrome de baixo débito cardíaco e hematócrito baixo. Em relação aos casos equilíbrio de ácido-base identificados, defende-se que tais resultados tenham associação direta com a seleção de participantes desta pesquisa. Todos os participantes foram submetidos à circulação extracorpórea e a sua utilização é reconhecida pela literatura como percursora de distúrbios de alcalose respiratória e acidose metabólica (Liskaser et al., 2009).

Assim, evidencia-se uma continuidade das estratégias de coping e da resposta ineficaz iniciada durante o período intraoperatório, gerada principalmente pela deficiência da oxigenação dos tecidos e pelo stresse sofrido pelo organismo durante o procedimento cirúrgico. A circulação extracorpórea provoca uma redução da oxigenação dos tecidos pela libertação de catecolaminas e compostos vasopressores procedentes do contacto das células sanguíneas com a superfície não-endotelial do circuito da CEC, provocando alterações de ácido-base como principais complicações do pós-operatório de cirurgia cardíaca com uso de CEC (Liskaser et al., 2009).

A identificação do sangramento excessivo como a terceira maior complicação do pós-operatório imediato corrobora para a asserção de que o sangramento continua a ser uma das principais morbidades em cirurgia cardíaca, especialmente com a utilização de procedimentos mais complexos que favorecem o prolongamento de períodos de circulação extracorpórea (Liskaser et al., 2009). Este resultado aponta o sangramento no pós-operatório como uma das complicações mais comuns da cirurgia cardíaca, sendo de aproximadamente 20% os pacientes que apresentam sangramento de forma significativa após cirurgia e 5% precisam de reexploração cirúrgica devido ao sangramento excessivo (Fröjd & Jeppson, 2016). Associam-se como estímulos para esta resposta ineficaz o trauma cirúrgico extenso, o contacto prolongado com a superfície artificial da CEC por um período prolongado, a anticoagulação sistémica induzida pela heparina e redução da temperatura corporal ao nível de hipotermia como estímulos e fatores contribuintes para a disfunção dos fatores da cascata de coagulação e os sistemas inflamatórios que levam à coagulopatia pós-operatória (Beccaria et al., 2015).

A complicação de hipoperfusão excessiva pode ser considerada uma resposta ineficaz que geralmente está associada à hipotensão severa e à síndrome de insuficiência cardiaca. Esta associação caracteriza duas complicações de impacto em percentual no estudo, sendo, respetivamente, a quarta e quinta complicações mais prevalentes, tornando-se necessário, em ambas as situações, a administração de drogas inotrópicas e vasoconstritoras para a sua reversão. A verificação destas complicações também está em consonância com a literatura que as caracteriza como fenómenos comuns em pós-operatório de cirurgia cardíaca, aumentando a sua incidência nos casos em que houve necessidade do uso de CEC prolongado, podendo em 20% dos casos ocorrer o desenvolvimento de uma síndrome vasoplégica, com necessidade de suporte hemodinâmico (Ferraris et al., 2007).

Observou-se a presença da complicação hematócrito baixo, sendo também a quinta complicação em prevalência considerada como uma resposta ineficaz no estudo. Taxas de hematócrito baixas estão relacionadas com o aumento da mortalidade, sangramento e falência renal no pós-operatório de cirurgia cardíaca (Choi et al., 2017).

Também se verificaram complicações relacionadas com a necessidade básica de atividade e repouso, por meio da complicação pós-cirúrgica de arritmia, seguida da necessidade básica de eliminação com a complicação da redução do débito urinário (< 0,5 ml/kg/h por mais de 6 horas). A arritmia como resposta ineficaz está associada à presença de comorbidades prévias do indivíduo, podendo aumentar os dias de internamento, repercutindo em custos e na recuperação pós-operatória do indivíduo (Koerich et al., 2016).

É necessário ressaltar que a relação da aritmia com o tempo prolongado de CEC aumenta a suscetibilidade de acidose metabólica, causando uma depressão no aporte de oxigénio para o miocárdio, favorecendo o aparecimento desta complicação (Aneman et al., 2018). A arritmia mais comum presente no pós-operatório de cirurgia cardíaca é a fibrilação atrial que está relacionada com fatores presentes no pré, intra-hospitalar e pós (Aneman et al., 2018; Koerich et al., 2016).

A redução do débito urinário no período pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca pode estar relacionado com a insuficiência renal aguda (IRA). Esta complicação, descrita na literatura como frequente em pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca é a segunda causa de internamentos em unidades de terapia intensiva. A interrupção dos batimentos cardíacos está relacionada com a utilização da CEC, o que implica a necessidade de utilização da ventilação mecânica invasiva, que por sua vez acarreta uma mudança na estabilidade hemodinâmica do paciente, prejudicando a filtração glomerular pela diminuição do fluxo sanguíneo (O’Neal, Shaw, & Billings, 2016).

Com menor prevalência, verificam-se complicações no processo complexo da função neurológica e na necessidade básica de oxigenação. As complicações neurológicas após cirurgias cardíacas podem ser divididas em acidente vascular cerebral, alterações neuropsiquiátricas e neuropatias periféricas (Torres, Duarte, & Magro, 2017). As complicações neurológicas associadas à cirurgia cardíaca apresentadas no presente estudo que se caracterizaram como respostas ineficazes neuropsiquiátricas foram a agitação e a convulsão. Um estudo recente de revisão compreensiva da literatura apresenta o delírio como uma alteração prevalente de 3% a 32% dos casos, podendo a sua ocorrência ser atribuída ao próprio procedimento ou ao uso de medicamentos. Já as convulsões ocorrem em 0,5% a 3,5% dos indivíduos, podendo estar relacionadas com a hipoxemia, distúrbios metabólicos, toxicidade medicamentosa e lesão cerebral estrutural (Torres et al., 2017).

A complicação da necessidade básica de oxigenação foi caracterizada no estudo com a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo e apresentou baixa prevalência. Este resultado é esperado, uma vez que esta síndrome, definida pela inflamação da membrana alveolar, comumente causa insuficiência respiratória após uma semana da injúria (Nascimento, Aguiar, Silva, Duarte, & Magro, 2015). Considerando que os dados se referem ao pós-operatório imediato, não é comum, neste período de tempo, o estabelecimento desta síndrome respiratória, o que demonstra que, embora em pequena porcentagem, alguns pacientes podem apresentar uma resposta ineficaz.

O gráfico radar representa este fluxo de distribuição das complicações em função de necessidades básicas/processos complexos do modo fisiológico de adaptação, que partindo das complicações no equilíbrio de fluidos, eletrólitos e ácido-base avança em sentido horário, especialmente até a atividade e repouso. Entende-se que este resultado representa um novo conhecimento que emerge desta investigação, concebendo uma estrutura útil não apenas para a categorização de problemas, mas também, para dirigir o julgamento clínico e a tomada de decisão em enfermagem. A concentração das complicações em três necessidades básicas/processos complexos modificam o modo de lidar com problemas como entidades separadas e não relacionais e impulsionam o raciocínio para uma perspetiva mais sistémica orientada para reunir e relacionar as evidências a partir de uma perspectiva de enfermagem. Também se destaca que estes resultados estão de acordo com outros estudos de investigações semelhantes, no entanto, apresentam-se como invovadores a partir da leitura de uma teoria de enfermagem. Compreende-se como limitações do estudo o desenho retrospetivo documental, dependendo maioritariamente da qualidade dos registos efetuados e a impossibilidade de investigação dos outros modos adaptativos.

 

Conclusão

Este estudo identificou como principais complicações do período pós-operatório imediato de cirurgia cardíaca eletiva com uso de circulação extracorpórea a hiperglicemia, alterações do equilíbrio de ácido-base e o sangramento excessivo. Verificou-se que a estratégia de coping durante o pós-operatório imediato apresenta maior magnitude de respostas ineficazes no processo complexo de equilíbrio de fluidos, eletrólitos e ácido-base, seguido da função endócrina.

A concentração das complicações nas necessidades básicas/processos complexos de equilíbrio de fluidos, eletrólitos e ácido-base, função endócrina, atividade e repouso, eliminação, função neurológica e oxigenação revelam-se como áreas que exigem vigilância por parte da equipa de enfermagem e saúde.

Assim, tais achados podem ter implicação na determinação de caminhos para a construção e normatização de protocolos de avaliação e de intervenção na prática de enfermagem durante a recuperação cirúrgica do pós-operatório imediato.

A reorientação do olhar das complicações pós-operatórias para as respostas ineficazes do processo de enfrentamento modifica a abordagem da relação fenómeno-conceito e a integração teoria de enfermagem-prática. De certo modo, o uso de categorização para o conhecimento em enfermagem validam na clínica os elementos conceituais da disciplina, podendo impactar positivamente na interpretação dos dados e na tomada de decisão pelo enfermeiro.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 11.07.19

Aceite para publicação em: 26.08.19

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