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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.20 Coimbra mar. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV18084 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Dependência funcional na alta dos cuidados intensivos: relevância para a enfermagem de reabilitação

Functional dependence at discharge from the intensive care unit: relevance for rehabilitation nursing

Dependencia funcional del alta de cuidados intensivos: relevancia para la enfermería de rehabilitación

 

Paulo Manuel Dias da Silva Azevedo*
https://orcid.org/0000-0003-4099-3329

Bárbara Pereira Gomes**
https://orcid.org/0000-0001-9312-8051

José Alberto Teixeira Pires Pereira***
https://orcid.org/0000-0003-2635-4766

Flávia Miranda Nascimento Carvalho****
https://orcid.org/0000-0002-1322-1510

Soraia Patrícia Camelo Ferreira*****
https://orcid.org/0000-0002-7047-3220

Ana Isabel Pires******
https://orcid.org/0000-0002-9662-6360

José Macedo*******
https://orcid.org/0000-0002-6123-5773

 

* MSc., Categoria Profissional, Enfermeiro Especialista, Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, 4050-313, Porto, Portugal [paulo.m.azevedo@gmail.com]. Contribuição no artigo: coordenação do estudo, análise de dados e escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua das corgas, 22, 4520-825, Santa Maria da Feira

** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [bgomes@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados, revisão do artigo, orientação cientifica e metodológica.

*** MSc., Enfermeiro Especialista, Serviço Neurocríticos, Centro Hospitalar São João, 4200-319, Porto, Portugal [jalbertopereira@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados.

**** Lic., Enfermeira Especialista, UCIP, Hospital Pedro Hispano, 4464-513, Matosinhos, Portugal [flaviamcarvalho@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados.

***** Lic., Enfermeira Especialista, Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente da Urgência, Centro Hospitalar São João, 4200-319, Porto, Portugal [soraia.ferreira13@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados.

****** Lic., Enfermeira Especialista, Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente Geral, Centro Hospitalar São João, 4200-319, Porto, Portugal [ana.isabelpires@sapo.pt]. Contribuição no artigo: recolha de dados.

******* Lic., Enfermeiro Especialista, Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente Geral, Centro Hospitalar São João, 4200-319, Porto, Portugal [enfjosemacedo@gmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados.

 

RESUMO

Enquadramento: O internamento em cuidados intensivos pode provocar efeitos adversos que originam situações de incapacidade funcional, que persistem por tempo prolongado. A reabilitação precoce pode impedir ou limitar essas situações.

Objetivos: Caracterizar o nível funcional e dependências na alta dos cuidados intensivos e verificar o momento de início das intervenções de enfermagem de reabilitação.

Metodologia: Estudo descritivo/exploratório, método quantitativo, numa amostra de 30 doentes.

Resultados: Valor médio do Medical Research Council de 27 (primeira avaliação) e de 38 (alta). O valor médio da Medida de Independência Funcional, nos autocuidados, mobilidade/transferências foi de 2. A primeira intervenção de enfermagem de reabilitação ocorreu, em média, ao 10º dia, e o primeiro levante após 13 dias.

Conclusão: No momento da alta verificaram-se elevados níveis de dependência funcional no autocuidado básico e mobilidade/transferências, sendo necessário melhorar a sua caraterização para a continuidade de cuidados de reabilitação. A mobilização dos doentes críticos deve acontecer precocemente.

Palavras-chave: reabilitação; autocuidado; fraqueza muscular; recuperação funcional

 

ABSTRACT

Background: Stays in the intensive care unit can cause adverse effects that lead to situations of functional disability, which persist for a long time. Early rehabilitation can prevent or limit such situations.

Objectives: To characterize the functional level and dependencies at discharge from intensive care. To assay the timing for initiating rehabilitation nursing interventions.

Methodology: Descriptive/exploratory study, quantitative method, in a sample of 30 patients.

Results: Average of Medical Research Council value was 27 (first evaluation) and 38 (at discharge). The mean value of the Functional Independence Measure, in the area of self-care, mobility / transfers was 2. The first intervention of rehabilitation nursing occurred, on average, on the 10th day and the patient got out of bed after 13 days.

Conclusion: At discharge, there were high levels of functional dependence at the level of basic self-care and mobility/transfers, and their characterization should be improved for the continuity of rehabilitation care. Early mobilization of critical patients is necessary.

Keywords: rehabilitation; self-care; muscle weakness; functional recovery

 

RESUMEN

Marco contextual: El ingreso en cuidados intensivos puede causar efectos adversos que conducen a situaciones de incapacidad funcional, que persisten durante mucho tiempo. La rehabilitación temprana puede prevenir o poner límite a estas situaciones.

Objetivos: Caracterizar el nivel funcional y las dependencias en el alta de cuidados intensivos y verificar el momento de inicio de las intervenciones de enfermería de rehabilitación.

Metodología: Estudio descriptivo/exploratorio, método cuantitativo, en una muestra de 30 pacientes.

Resultados: Puntuación media del Medical Research Council de 27 (primera evaluación) y 38 (alta). El valor medio de la Medida de Independencia Funcional en autocuidado, movilidad/transferencia fue 2. La primera intervención de enfermería de rehabilitación ocurrió, de media, en el 10º día, y la primera vez que se levanta después de 13 días.

Conclusión: En el momento del alta se observaron niveles altos de dependencia funcional en el autocuidado básico, así como la movilidad/transferencia, por lo que fue necesario mejorar su caracterización para la continuidad de los cuidados de rehabilitación. La movilización de los pacientes en estado crítico debe tener lugar en una fase temprana.

Palabras clave: rehabilitación; autocuidado; debilidad muscular; recuperación funcional

 

Introdução

Devido à evolução científica na área dos cuidados de saúde, é hoje possível a sobrevivência a doenças ou traumatismos que anteriormente eram sinónimos de fatalidade, alargando-se também o leque de indicações e da faixa etária para admissão em unidades de cuidados intensivos (UCI). Em consequência, tem-se assistido ao aumento da procura deste recurso e do número de pessoas que sobrevivem à fase aguda da doença/traumatismo, que acabam por ter alta da UCI e, mais tarde, do hospital. Para uma parte significativa dos doentes com alta, quer da UCI, quer do hospital, as trajetórias de recuperação não são lineares. Por cada 100 doentes com alta da UCI, entre quatro a seis, em média, serão readmitidos e entre três a sete, em média, irão morrer antes da alta hospitalar (Hosein et al., 2014).

Este período de transição significa, para um grande número de doentes, o início de um longo percurso, com persistência de efeitos adversos resultantes não apenas da doença ou traumatismo, mas também do seu tratamento. Doentes submetidos a ventilação mecânica invasiva (VMI), enfrentam múltiplas transições de cuidados que resultam em elevados custos económicos (Unroe et al., 2010), incapacidades persistentes, limitações ao nível físico, neuropsiquiátrico e diminuição da qualidade de vida (Desai, Law, & Needham, 2011), que se mantêm a longo prazo (Herridge et al., 2011). Após a alta hospitalar, estes doentes consomem grande quantidade de recursos de saúde, com elevado número de readmissões e mortalidade aos 5 anos após a alta (Hill et al., 2016).

Este estudo tem como objetivos a caracterização da funcionalidade e dependências de doentes críticos, no momento da alta da UCI, assim como verificar qual o momento de início das intervenções de enfermagem de reabilitação.

 

Enquadramento

As limitações que os doentes com alta da UCI apresentam ao nível físico, resultam em larga medida do desenvolvimento de fraqueza muscular adquirida durante o internamento, termo que pretende designar a condição muscular do doente crítico, que se desenvolve durante o internamento na UCI e para a qual não se encontram outras causas, para além da doença grave e aguda, ou o tratamento. A perda de massa muscular ocorre rapidamente durante a primeira semana, e é mais severa nos doentes com falência multiorgânica, em comparação com a falência de apenas um órgão, existindo correlação direta entre a perda de massa muscular, inflamação e lesão pulmonar aguda (Puthucheary et al., 2013), situações clínicas muito frequentes em doentes críticos. A recuperação pode variar entre semanas ou meses e mesmo persistir até 2 anos após a alta da UCI (Hermans & Van den Berghe, 2015). Simultaneamente, o desenvolvimento de fraqueza muscular durante a VMI (mesmo que apenas por 48 horas), associa-se de forma independente ao aumento da mortalidade e diminuição significativa das capacidades físicas, 6 meses após a alta da UCI (Wieske et al., 2015).

Procurando mitigar alguns dos efeitos nocivos do internamento no domínio físico e o desenvolvimento de fraqueza muscular, a reabilitação tem vindo a ser referida como uma arma terapêutica, considerando-se a mobilização progressiva com início precoce, uma mais-valia para o processo de recuperação do doente (Hermans & Van den Berghe, 2015).

Os défices físicos durante o internamento na UCI motivam situações de limitação das capacidades para o desempenho das atividades básicas de vida diária (ABVD), em particular das atividades inerentes ao autocuidado, originando condições de elevada dependência, principalmente devido à incapacidade para aspetos básicos como o alimentar-se, higiene pessoal, uso de sanitário, virar-se, transferir-se, vestir-se e andar.

Enquanto conceito com elevada importância para a enfermagem, o autocuidado representa um foco de atenção muito significativo para a prática clínica, pois a capacidade, ou incapacidade, para a sua realização tem um grande impacto na saúde e bem-estar do ser humano.

Como elemento da equipa de saúde, o enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação tem um papel fundamental na avaliação da funcionalidade, das limitações e incapacidades da pessoa e na elaboração de planos de intervenção que promovam o autocuidado durante a transição saúde/doença. Para tal, o conhecimento da incidência do défice de autocuidado e das capacidades para a sua realização, nos contextos específicos da intervenção profissional, é essencial para a implementação de estratégias favorecedoras dos processos de reabilitação, de readaptação funcional e evolução para o máximo de independência possível.

 

Questões de investigação

Qual o nível funcional de doentes críticos no momento da alta da UCI?

Que dependências apresentam os doentes críticos no momento da alta da UCI?

Qual o momento de início das intervenções de enfermagem de reabilitação?

 

Metodologia

Realizou-se um estudo descritivo/exploratório, envolvendo cinco unidades de cuidados intensivos em três hospitais do norte de Portugal. Recorrendo a uma amostragem não probabilística, foram incluídos consecutivamente doentes com internamento igual ou superior a 5 dias, com necessidade de VMI, maiores de 18 anos, com capacidade de compreensão da língua portuguesa escrita e falada, que possuíssem condições para início de cuidados de enfermagem de reabilitação, com capacidade para cumprir ordens simples e sem contraindicações para a realização de levante.

Para além dos dados de caracterização da amostra, foram recolhidos dados de resultados clínicos, que permitissem compreender a influência da duração da sedação e VMI no estado funcional e grau de força muscular, utilizando o score do Medical Research Council (De Jonghe et al., 2002) no momento em que os doentes despertaram da sedação e se encontravam em condições de colaborar no teste (MRC 1). A avaliação da força muscular pelo mesmo método foi repetida no momento da alta da UCI (MRC 2). Para garantir a concordância entre os diferentes utilizadores do teste, foram aferidas previamente as condições de realização e interpretação de resultados.

Recolheram-se, ainda, dados de variáveis dos cuidados de reabilitação, nomeadamente o momento da primeira intervenção de enfermagem de reabilitação e da realização do primeiro levante.

Na avaliação das capacidades funcionais, no momento da alta da UCI, utilizou-se a medida de independência funcional (MIF), avaliando-se mais detalhadamente a subescala dos autocuidados (alimentação, higiene pessoal e banho) e da subescala mobilidade/transferências (leito, cadeira). Embora a MIF seja uma ferramenta bastante usada para avaliação da funcionalidade em contexto de reabilitação, não foi desenvolvida especificamente para a população de doentes em cuidados intensivos, pelo que alguns itens não podem ser avaliados neste ambiente (por exemplo, escadas). Para diminuir erros de interpretação, foram aferidos previamente com todos os utilizadores os critérios de avaliação e pontuação de cada item. As subescalas dos autocuidados e mobilidade/transferências mereceram uma análise mais detalhada, uma vez que a sua avaliação em contexto de cuidados intensivos, embora específica, é exequível.

Foram obtidas autorizações das instituições abrangidas, nomeadamente dos Conselhos de Administração e Comissões de Ética e o consentimento informado do doente, ou do seu representante legal.

 

Resultados

Nos serviços onde foi realizado o estudo, existem enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação. No entanto, não estão implementados protocolos quanto a critérios de início e progressão. São prestados cuidados de reabilitação funcional motora, inicialmente mobilização passiva, progredindo para resistida, até ao levante. Exercícios de marcha só são realizados em doentes extubados. Simultaneamente, são prestados cuidados de reabilitação funcional respiratória, com a finalidade de facilitar o “desmame ventilatório”.

Foram incluídos no estudo 33 doentes. Contudo, três acabaram por falecer, ficando assim a amostra final composta por 30 doentes (Tabela 1). Neste grupo de doentes, a média de idades foi de 58,5 anos, sendo a idade mais frequente (moda), de 63 anos. Quanto à gravidade clínica, o valor médio do Simplified Acute Physiology Score (SAPS II) foi de 42 pontos (probabilidade de morte de 28,5%), sendo o valor mais frequente (moda), de 32 pontos (probabilidade de morte de 12,8%).

O tempo de internamento na UCI foi em média de 20 dias (originando 614 dias de internamento) e o tempo de internamento hospitalar teve a duração média de 43 dias (originando 1298 dias de internamento). Em média, estes doentes foram sedados durante nove dias e sujeitos a 15 dias de VMI (Tabela 2).

A avaliação das capacidades funcionais dos doentes estudados (26 devido a perda de dados), permitiu constatar que apresentavam elevadas necessidades de assistência. O valor do MRC 1 foi baixo, apresentando como valor médio 27 pontos, sendo o valor mais alto de 48 pontos. O MRC 2 apresentou um discreto aumento, com um valor médio de 38 pontos, sendo o valor mais elevado de 60 pontos (pontuação máxima do teste).

O valor médio da MIF foi de 50 pontos, refletindo elevados níveis de incapacidade funcional, tendo sido o valor mais elevado de 92 pontos (o valor máximo que pode ser obtido na MIF é de 126 pontos, refletindo independência total em todas as áreas).

Ao nível dos autocuidados e da mobilidade/transferências, este estudo confirmou que no momento da alta da UCI, estes doentes apresentavam elevada dependência ao nível do autocuidado básico e da mobilidade (Tabela 3). De realçar, que se o valor médio foi de dois pontos, a moda foi de um, ou seja, na sua maioria apresentavam dependência total.

Quanto aos cuidados de enfermagem de reabilitação (Tabela 4), verificou-se que, em média, decorreram 10 dias até que ocorresse a primeira intervenção, enquanto que o primeiro levante aconteceu, em média, após 13 dias de internamento.

Os resultados indicam também que estes doentes, embora não tenham apresentado um índice de gravidade muito alto, tiveram um elevado tempo de internamento na UCI e no hospital. A fraqueza muscular estava presente em todos os doentes no momento em que despertaram da sedação e conseguiram colaborar no teste, e apesar de terem iniciado cuidados de enfermagem de reabilitação no momento da alta da UCI, apresentavam um elevado nível de dependência ao nível dos autocuidados e da mobilidade/transferências, com necessidade de assistência máxima para a realização dessas atividades.

Quanto aos cuidados de reabilitação, tiveram início tardiamente quando comparados com as indicações atuais, sendo o tempo decorrido até ao primeiro levante indicativo de um elevado número de dias de restrição ao leito.

 

Discussão

Estudaram-se doentes em diferentes unidades de cuidados intensivos, sujeitos a VMI, com tempo médio de internamento na UCI prolongado. São conhecidas as associações negativas entre o internamento maior do que 72 horas e o aumento da mortalidade, das complicações, diminuição da qualidade de vida (Steenbergen et al., 2015) e a elevada utilização de recursos em sobreviventes ao internamento da UCI com alta hospitalar (Hill et al., 2016). Estes doentes tiveram também um tempo médio de internamento hospitalar elevado (43 dias), representando um subgrupo onde seriam expectáveis elevadas necessidades em cuidados de saúde e de reabilitação em particular, quer durante o internamento, quer após a alta hospitalar.

A utilização de VMI por um longo período de tempo foi também necessária na maioria dos doentes, verificando-se, à semelhança de outros estudos (Chlan, Tracy, Guttormson, & Savik, 2015), uma associação entre a utilização da VMI e a diminuição acentuada da força muscular periférica. Neste estudo, o grau de força muscular foi avaliado através do score do MRC, segundo o qual a pontuação varia entre 0 (quadriplegia) e 60 (força muscular normal), considerando-se conforme De Jonghe et al. (2002) que um score = 48 pontos é indicativo de fraqueza muscular adquirida na UCI. O valor médio obtido na primeira avaliação (MRC 1) foi de 27 pontos e nos doentes com score mais elevado foi menor ou igual a 48 pontos, indicando que em todos os casos se desenvolveu fraqueza muscular. Já no segundo momento (MRC 2), o valor médio foi de 38 pontos, sendo que em apenas dois casos o valor mais elevado foi maior que 48 pontos (58 e 60 pontos). Porém, devido a perda de dados na primeira avaliação (n = 28) e na segunda avaliação (n = 21), não foi possível comparar em todos os doentes a evolução do grau de força muscular ao longo do internamento. Essa comparação foi possível em 21 doentes, verificando-se uma evolução, discreta, em todos os casos. No entanto, em apenas dois casos aconteceu uma evolução favorável.

O desenvolvimento desta condição encontra-se independentemente associado com o aumento da mortalidade e a diminuição da funcionalidade clinicamente relevante 6 meses após a alta da UCI (Wieske et al., 2015). A incidência reportada varia em função da população de doentes estudados e do momento da sua avaliação. Uma revisão sistemática recente (Appleton, Kinsella, & Quasim, 2015), reporta uma incidência de 40%, abrangendo populações heterogéneas de doentes internados em UCI. Nesse estudo, refere-se ainda que a incidência varia também em função da técnica de diagnóstico, sendo inferior quando avaliada clinicamente em comparação com técnicas eletrofisiológicas. Em doentes com lesão pulmonar aguda, a incidência no momento da alta hospitalar tem sido reportada em 36% (Fan et al., 2014).

Neste estudo, com doentes oriundos de diferentes unidades, representando uma população com características heterogéneas, dos 21 doentes, 19 (90%) tiveram alta da UCI com diagnóstico de fraqueza muscular adquirida. Claramente, esta é uma área com necessidade de mais investigação, o que é corroborado por uma revisão recente (Mehrholz et al., 2015), que refere a necessidade de estudos de robustez metodológica que permitam perceber se a reabilitação ao nível físico tem impacto positivo na melhoria do desempenho das ABVD em doentes que desenvolvem esta condição.

A elevada prevalência de fraqueza muscular terá condicionado a evolução da recuperação funcional, dado o valor relativamente baixo obtido pela MIF no momento da alta da UCI (50 pontos). Uma análise mais exaustiva revelou ainda que o valor mais frequente (moda) foi de 18 pontos, ou seja, o valor mínimo que pode ser obtido na escala e que se verificou em cinco doentes (19% da amostra), significando necessidade de assistência total em todas as áreas avaliadas.

Foi também efetuada uma caraterização das capacidades de doentes críticos, nas áreas do autocuidado básico, da mobilidade e transferências, cruciais para a realização das ABVD. Os resultados indicam um elevado nível de dependência no momento da alta da UCI, correspondendo o valor médio obtido à necessidade de ajuda máxima para o desempenho destas atividades. Porém, o valor mais frequentemente obtido foi de um, indicativo de necessidade de ajuda total, o que significa que estes doentes possuíam uma capacidade para a realização destas atividades menor do que 25%.

Estes dados indicam que o elevado grau de fraqueza muscular condiciona uma limitação muito significativa nas capacidades para realização das atividades inerentes ao desempenho do autocuidado básico, da mobilidade e transferências, motivando importante limitação da autonomia e elevada dependência.

Sabe-se que doentes sobreviventes a um episódio de doença grave aguda, com necessidade de internamento em cuidados intensivos, padecem de elevados níveis de dependência. Este estudo caracteriza essa dependência, não só ao nível funcional, mas mais especificamente ao nível das capacidades para o desempenho do autocuidado básico, foco de atenção primordial para os cuidados de enfermagem de reabilitação.

As incapacidades encontradas, condicionadas pelo desenvolvimento da fraqueza muscular, motivam a necessidade de adequação do esforço exigido nas intervenções de reabilitação às reais capacidades do doente e a introdução de estratégias de poupança de energia, que permitam ao doente maior participação nas intervenções propostas, num ambiente tecnologicamente complexo como são as unidades de cuidados intensivos.

Este estudo demonstrou também que, apesar de terem ocorrido intervenções de enfermagem de reabilitação, as incapacidades e dependência no domínio do autocuidado se mantinham elevadas no momento da alta, o que significa que foram transferidos com elevados níveis de dependência. Assim, na transição para serviços onde o rácio enfermeiro/doente é menor, pode esperar-se maior participação do doente no processo de reabilitação, levando à fixação de objetivos desadequados às suas reais capacidades, pelo que a caraterização não só da funcionalidade, mas também das capacidades para o desempenho das atividades inerentes ao autocuidado básico e das suas condicionantes, como a fraqueza muscular e a tolerância ao esforço, são fundamentais para a garantir a melhor continuidade do processo de reabilitação.

O tempo decorrido até que tenha ocorrido a primeira intervenção de enfermagem de reabilitação e a realização do primeiro levante revela que os cuidados de reabilitação tiveram um início tardio e que estes doentes estiveram sujeitos a um tempo prolongado de alectuamento e imobilidade, o que por si só são considerados fatores que contribuem para o agravamento das condições de recuperação. Longos períodos de imobilidade e repouso no leito são um importante fator de risco para a perda de massa muscular e desenvolvimento de fraqueza. Em doentes internados em cuidados intensivos, a perda de massa muscular acontece rapidamente durante a primeira semana de internamento, com perda de área músculo-esquelética até cerca de 12,5% (Puthucheary et al., 2013). Simultaneamente, a duração do tempo de restrição no leito tem sido associada com fraqueza muscular de longa duração (Fan et al., 2014), pelo que este é um importante fator de risco potencialmente reversível.

A mobilização precoce tem sido referida como uma intervenção que pode ser efetiva na mitigação deste problema, existindo recomendações para a sua implementação na UCI (Hodgson et al., 2014). Porém, apesar das recomendações, na prática a mobilização precoce de doentes críticos não é comum, especialmente quando sujeitos a VMI (Hodgson et al., 2015). Em estudo randomizado recente, Winkelman et al. (2018), implementaram um protocolo de mobilidade para doentes críticos, liderado pela enfermagem, envolvendo 54 doentes internados em quatro UCIs em dois centros académicos, concluindo que a mobilização precoce apresenta efeitos benéficos, mas que a dose é também um fator importante. Nesse estudo, os doentes sujeitos a mobilização duas vezes por dia tiveram menor tempo de internamento na UCI e os doentes sujeitos a mobilização de intensidade moderada, com atividades realizadas fora da cama, apresentavam maior força muscular.

Assim, a mobilização precoce, a sua intensidade e frequência, deverão ser introduzidas nos cuidados de enfermagem de reabilitação e quantificadas, para se poder verificar a sua influência nos resultados obtidos.

Este estudo apresenta alguns pontos relevantes, mas também algumas limitações. Representa uma amostra de doentes com proveniência de diferentes unidades de cuidados intensivos, onde existem enfermeiros de reabilitação, caraterizando aspetos de necessidades em cuidados de enfermagem nesta especialidade que são comuns entre as unidades participantes e demonstram ser essencial a referenciação formal subsequente. Porém, trata-se de uma amostra de conveniência, não probabilística e de número limitado, pelo que uma caraterização mais precisa dos resultados e das necessidades carece de uma amostra mais robusta, pelo que deve ser encarada com parcimónia a generalização dos resultados para populações com características semelhantes. Por outro lado, em alguns casos houve perda de dados, nomeadamente no momento da alta da UCI, o que não permitiu verificar na totalidade dos doentes se teriam ocorrido melhorias ao nível da recuperação funcional. Contudo, estes resultados não diferem muito daqueles que podem ser encontrados na literatura (Appleton et al., 2015), apesar de escassearem resultados de avaliações no momento da alta, ou imediatamente após a alta da UCI.

Realça-se, ainda, a caraterização das capacidades para realização das atividades do autocuidado básico, da mobilidade e transferências, uma área de grande importância no âmbito da enfermagem de reabilitação, no domínio da recuperação da funcionalidade e independência.

 

Conclusão

Sendo escassos os estudos de avaliação da funcionalidade no momento da alta da UCI, estes resultados indicam que existem doentes que são transferidos com um grau de força muscular muito baixo e elevado nível de dependência funcional, o que condiciona fortemente as capacidades de desempenho para o autocuidado básico, mobilidade e transferências e, consequentemente, o desempenho das ABVD. A caraterização das capacidades para a realização das atividades inerentes ao autocuidado básico, quer durante o internamento na UCI, quer no momento da alta destes serviços, é um elemento importante para a planificação e continuidade dos cuidados de enfermagem de reabilitação, implicando alterações substantivas na forma de referenciação destes doentes entre os diferentes níveis de cuidados e fixação de objetivos a curto, médio e longo prazo.

Os casos incluídos nesta amostra constituem um subgrupo de doentes, que apresenta características preditivas de desenvolvimento de morbilidades ao nível funcional, pelo que é necessária a sua identificação precoce, dos riscos potenciais e necessidades em cuidados de enfermagem de reabilitação. Evidencia-se a necessidade de desenvolvimento de ferramentas de avaliação de maior sensibilidade para o autocuidado em doentes internados em cuidados intensivos, uma vez que as ferramentas existentes, nomeadamente a MIF, apesar de amplamente utilizada, não abrange a totalidade das atividades necessárias para o desempenho do autocuidado, com relevância para a enfermagem de reabilitação.

Para além de um período prolongado de imobilidade, as intervenções de enfermagem de reabilitação, nomeadamente a mobilização precoce e o primeiro levante, ocorreram tardiamente em comparação com as recomendações atuais. A mobilização de doentes acamados é uma atividade de enfermagem fundamental, que requer conhecimentos e aptidões que permitam a sua execução com eficiência e segurança em doentes críticos, com instabilidade hemodinâmica e/ou ventilatória, pelo que é necessário o conhecimento aprofundado dos motivos que estão na origem do tempo decorrido até ao início das intervenções, especialmente em serviços onde existem em permanência enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação.

A introdução de protocolos de reabilitação do doente crítico, com ênfase na mobilização precoce, pode contribuir para otimizar o tempo de início e progressão das intervenções.

 

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Recebido para publicação em: 23.11.18

Aceite para publicação em: 13.02.19

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