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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.19 Coimbra dez. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV18023 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Perceção dos profissionais de saúde das limitações à notificação do erro/evento adverso

Health professionals’ perception of the limitations to the notification of the error/adverse event

Percepción de los profesionales de la salud sobre las limitaciones a la notificación del error/evento adverso

 

Sónia Maria Silvestre de Lima*
https://orcid.org/0000-0002-4787-5539

Marcia Agostinho**
https://orcid.org/0000-0003-4773-2260

Liliana Mota***
https://orcid.org/0000-0003-3357-7984

Fernanda Príncipe****
https://orcid.org/0000-0002-1142-3258

 

* Lic., Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, 9700-049, Angra do Heroísmo, Portugal [soniasilvestrelima@sapo.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e análise estatística dos dados, discussão dos resultados e redação do artigo. Morada para correspondência: Terra Alta S. Mateus 39, 9700-049, Angra do Heroísmo, Portugal.

** Lic., Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, 9700-049, Angra do Heroísmo, Portugal [marciaago@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e análise estatística dos dados, discussão dos resultados e redação do artigo.

*** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal [lilianamota@esenfcvpoa.eu]. Contribuição no artigo: análise estatística dos dados, discussão dos resultados, revisão global do artigo.

**** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal [fernandaprincipe@esenfcvpoa.eu]. Contribuição no artigo: análise estatística dos dados, discussão dos resultados, revisão global do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: As organizações de saúde têm uma preocupação crescente na segurança do doente e na ocorrência de erros/eventos adversos, que se repercute num maior investimento em soluções inovadoras que permitam a melhoria contínua da prática clínica.

Objetivo: Identificar limitações sentidas pelos profissionais de saúde à notificação do erro/evento adverso.

Metodologia: Estudo exploratório, descritivo de abordagem quantitativa. A recolha de dados foi efetuada no período de fevereiro a março de 2017 com recurso a um questionário eletrónico. Participaram no estudo 225 profissionais de saúde a exercer funções em Portugal.

Resultados: As maiores limitações sentidas pelos participantes no estudo são de caráter organizacional (a falta de cultura de reporte; o conhecimento insuficiente sobre o sistema de notificação; a sobrecarga no trabalho, a pressão no trabalho e a ausência de feedback na resolução dos motivos que levaram à ocorrência do erro/evento adverso).

Conclusão: Dada a natureza das limitações percecionadas importa que as organizações promovam um maior envolvimento dos profissionais de saúde nas políticas de gestão do risco.

Palavras-chave: pessoal de saúde; erros médicos; near miss; notificação

 

ABSTRACT

Background: Health organizations have a growing concern in patient safety and in the occurrence of errors/adverse events, which means a greater investment in innovative solutions that allow the continuous improvement of the clinical practice.

Objective: To identify limitations encountered by health professionals to the notification of errors/adverse events.

Methodology: Descriptive, exploratory study of quantitative approach. The data collection was performed from February to March 2017, using an electronic questionnaire. Two hundred twenty five health professionals professionally active in Portugal participated in the study.

Results: The greatest limitations encountered by participants in the study are of organizational nature (lack of reporting culture; insufficient knowledge about the notification system; work overload, pressure at work, and absence of feedback in the resolution of the reasons which led to the occurrence of the error/adverse event).

Conclusion: Given the nature of the limitations encountered by the participants, it is crucial that organizations promote a greater involvement of health professionals in risk management policies.

Keywords: health personnel; medical errors; near miss; notification

 

RESUMEN

Marco contextual: Las organizaciones de salud tienen una preocupación creciente en la seguridad del paciente y en la ocurrencia de error/eventos adversos, que repercute en una mayor inversión en soluciones innovadoras que permitan la mejora continua de la práctica clínica.

Objetivo: Identificar las limitaciones sentidas por los profesionales de salud a la notificación del error/evento adverso.

Metodología: Estudio exploratorio, descriptivo de abordaje cuantitativo. La recogida de datos fue efectuada en el período de febrero a marzo de 2017 con recurso a un cuestionario electrónico. Participaron en los profesionales de la salud estudio 225 para realizar tareas en Portugal.

Resultados: Las mayores limitaciones sentidas por los participantes en el estudio son de carácter organizacional (la falta de cultura de reporte; el conocimiento insuficiente sobre el sistema de notificación; la sobrecarga en el trabajo, la presión en el trabajo y la ausencia de retroalimentación en la resolución de los motivos que llevaron a la ocurrencia del error/evento adverso).

Conclusión: Dada la naturaleza de las limitaciones percibidas, es importante que las organizaciones promuevan una mayor participación de los profesionales de la salud en las políticas de gestión del riesgo.

Palabras clave: personal de salud; errores médicos; near miss salud; notificación

 

Introdução

A insuficiente segurança dos doentes é atualmente considerada um grande problema de saúde pública e reconhecida como um grande encargo aos recursos de saúde (Conselho da União Europeia, 2009). O relatório técnico Improving Patient Safety in the EU, elaborado para a Comissão Europeia pela RAND Corporation em 2008, calculou que entre 8% e 12% dos pacientes internados em hospitais sejam afetados por eventos adversos ao receberem cuidados de saúde (Conselho da União Europeia, 2009).

Reconhecendo a necessidade de sensibilização dos profissionais de saúde à notificação do erro/evento adverso para uma cultura de aprendizagem, implementando ações de melhoria da qualidade dos cuidados prestados e consequente aumento da segurança para o doente, procedeu-se a um estudo de modo a identificar limitações sentidas pelos profissionais de saúde à notificação do erro/evento adverso.

 

Enquadramento

A preocupação com a qualidade dos cuidados de saúde atravessa toda a história da medicina, estando a segurança do doente diretamente associada ao conceito de qualidade em saúde (McGeary, 1990).

A qualidade em saúde não existirá se a segurança do doente não estiver assegurada e se esta não se assumir como uma preocupação fulcral durante a prestação de cuidados de saúde. A segurança do doente é considerada a componente-chave da qualidade dos cuidados (Sousa, Uva, & Serranheira, 2010).

Em 2004, a Organização Mundial de Saúde criou a World Alliance for Patient Safety reconhecendo a necessidade de tornar a segurança dos doentes como princípio fundamental em todos os sistemas de saúde (Machado, 2013).

Denota-se uma crescente preocupação das organizações de saúde sobre a segurança do doente e a ocorrência de eventos adversos no sentido de desenvolver, implementar e avaliar soluções inovadoras, com o objetivo de obter conhecimento que possibilite a diminuição do risco e a consequente potencialização da segurança (Sousa et al., 2010).

Como ferramenta de apoio a gestores e clínicos na aplicação de boas práticas de segurança surge o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2015-2020, apresentando como objetivos estratégicos: aumentar a cultura de segurança do ambiente interno; aumentar a segurança da comunicação; aumentar a segurança cirúrgica; aumentar a segurança na utilização da medicação; assegurar a identificação inequívoca dos doentes; prevenir a ocorrência de quedas; prevenir a ocorrência de úlceras de pressão; assegurar a prática sistemática de notificação, análise e prevenção de incidentes e prevenir e controlar as infeções e as resistências aos antimicrobianos (Despacho no 1400-A/2015 de 10 de fevereiro, p. 3882-3).

Torna-se imperativo que os erros/eventos adversos sejam identificados, analisados, avaliados e controlados através de medidas corretivas recorrendo a uma política de gestão de risco. Uma eficaz e consistente política de gestão de risco promove a segurança e qualidade dos cuidados, assim como uma maior eficácia na utilização dos recursos, revelando-se uma excelente oportunidade para aprender com os erros (Oliveira, 2007).

A gestão do risco, associado à melhoria da qualidade dos cuidados e da segurança do doente deve ser um dos principais objetivos de todos os grupos profissionais das organizações de saúde (Machado, 2013). O Plano Nacional de Saúde 2012-2016 acrescenta que “o acesso aos cuidados de saúde de qualidade, durante todo o tempo e em todos os níveis de prestação é um direito fundamental do cidadão, a quem é reconhecida toda a legitimidade de exigir qualidade nos cuidados que lhes são prestados, sendo que a segurança é um dado essencial para a confiança do cidadão no sistema nacional de saúde em particular” (Despacho n.º 1400-A/2015 de 10 de fevereiro, p. 3882-2).

Para conhecer o erro/evento adverso deve-se identificar e compreender a sua origem, monitorizando o que correu mal, como sucedeu e quais os fatores que o desencadearam (Lima, 2011).

Neste sentido, torna-se prioritário consciencializar e instigar à notificação do erro/evento adverso, por forma a otimizar a aprendizagem através da identificação e análise do erro, promovendo assim a melhoria contínua dos cuidados prestados (Fernandes & Queirós, 2011).

A posição da Direção Nacional de Saúde à estrutura conceptual da Classificação Internacional sobre a Segurança do Doente classifica erro como

a falha na execução de uma ação planeada de acordo com o desejado ou o desenvolvimento incorreto de um plano. Os erros podem manifestar-se por prática da ação errada (comissão) ou por não conseguir praticar a ação certa (omissão), quer seja na fase de planeamento ou na fase de execução. (Direção-Geral da Saúde, 2011, p. 15)

Evento adverso é classificado como “um incidente que resulta em danos para o doente” (Direção-Geral da Saúde, 2011, p.15).

Sabe-se que a ocorrência de erros/eventos adversos durante a prestação de cuidados de saúde está relacionada com o nível de cultura de segurança das instituições e com a sua organização, “havendo evidência que demonstra que o risco de ocorrerem aumenta 10 vezes nas instituições que negligenciam o investimento nas boas práticas de segurança dos cuidados de saúde” (Despacho no 1400-A/2015 de 10 de fevereiro, p. 3882-2).

A literatura revela que mesmo havendo notificação dos eventos adversos, muitas vezes existe subnotificação destes (Siqueira, Silva, Teles, & Feldman, 2015). A notificação consiste numa “atividade voluntária do profissional e/ou do cidadão com vista ao desenvolvimento de uma análise causal e à tomada de medidas corretoras sistémicas para evitar que situações geradoras de dano, real ou potencial, se venham a repetir” (Direção-Geral da Saúde, 2012, p. 53).

A notificação de incidentes de segurança possibilita a partilha de aprendizagens com o erro e é considerada como uma das ferramentas para identificar os riscos, perigos e vulnerabilidades de uma organização (Despacho n.º 1400-A/2015 de 10 de fevereiro).

Porém, há profissionais de saúde que se deparam com erros nos seus contextos e optam por não denunciá-los (Soydemir, Intepeler, & Mert, 2016). Neste sentido, estes autores referem que as barreiras à notificação do erro/evento adverso agrupam-se em fatores como medo, atitude das entidades administrativas, barreiras relacionadas com o sistema de reporte e a perceção de erro por parte dos profissionais de saúde.

Independentemente de trazer prejuízo ou não ao doente, os erros profissionais representam a vulnerabilidade do sistema, pelo que se torna relevante identificar as limitações à notificação do erro/evento adverso no nosso país dada a atualidade e pertinência do tema no âmbito da cultura de segurança e qualidade em saúde.

 

Questão de Investigação

Quais as limitações percecionadas pelos profissionais de saúde à notificação do erro/evento adverso?

 

Metodologia

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo de abordagem quantitativa. Para a recolha de dados utilizou-se um questionário de autopreenchimento. O questionário foi construído com base na melhor evidência e é composto por 22 itens que estão distribuídos por dois grupos (1 grupo com 10 itens – tipos de erros/eventos adversos notificados; outro grupo com 12 itens – limitações à notificação). O grupo de itens incluídos nos tipos de erros/eventos adversos notificados está operacionalizado de 0 a 3 (0 – não ocorreu; 1 – ocorreu e não notificou; 2 – ocorreu e notificou). O grupo de itens incluídos nas Limitações à notificação está operacionalizado de 1 a 3 (1 – não concordo nem discordo; 2 – discordo; 3 – concordo). O questionário foi sujeito a pré-teste com 17 peritos da área, de forma a avaliar o grau de compreensão, concordância, relevância e pertinência das questões. Do pré-teste não resultaram alterações ao questionário.

O questionário foi lançado via eletrónica a todos os profissionais de saúde dos contactos de correio eletrónico da Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa. A recolha de dados decorreu no período compreendido entre fevereiro e março de 2017 e foram incluídos no estudo para envio do correio eletrónico: ser profissional de saúde, desempenhar funções em Portugal e ter acesso virtual ao questionário. A amostra do estudo é não probabilística e participaram no estudo 225 profissionais de saúde que correspondem aos critérios de inclusão definidos.

Na análise de dados recorremos à estatística descritiva, correlacional e inferencial, adequada à natureza dos dados, com recurso ao IBM SPSS Statistics, versão 22.0.

Foi garantido o anonimato, não utilizando qualquer identificador pessoal dos participantes no questionário. Os dados foram agregados automaticamente numa base de dados Excel que não guardava qualquer relação entre o participante e o correio eletrónico de onde provinham as respostas, sendo os participantes codificados com um número por ordem de preenchimento do mesmo. A participação no estudo foi voluntária, sendo dada a possibilidade aos participantes de desistirem do estudo sem qualquer prejuízo, caso fosse essa a sua vontade, o que não se verificou. O estudo foi autorizado (parecer número 11), pelo Conselho de Direção e Comissão de Ética da Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa.

 

Resultados

Os participantes do estudo são na sua maioria do sexo feminino (77,8%). No que se refere à idade, a maioria dos participantes encontra-se na faixa etária dos 31-40 anos (53,8%), seguindo-se a faixa etária dos 22-30 anos com 21,1%.

Quanto à distribuição por grupo profissional, a maioria são enfermeiros (84,1%; 191), sendo a restante amostra muito diversificada, nomeadamente, médicos (5,3%), técnicos de laboratório (3,5%) e os restantes 7,1% dos participantes distribuem-se por áreas profissionais como nutricionista, fisioterapeuta, farmacêuticos, técnico de cardiopneumologia e imagiologia, com percentagens abaixo de 1%.

Relativamente ao tempo de exercício profissional, os participantes distribuem-se entre os 13-20 anos (32,4%), seguindo-se 8-12 anos (29,3%), 3-7 anos (19,1%), mais de 21 anos de experiência (14,7%), 1-2 anos (2,2%), 6-11 meses (1,3%) e inferior a 6 meses (0,9%).

Os participantes do estudo distribuem-se equilibradamente no que se refere ao conhecimento acerca do sistema de notificação de erro/evento adverso da sua instituição. Assim sendo, 56,4% dos participantes conhecem o sistema de notificação da instituição onde trabalham e 42,7% não conhece. Dos participantes que conhecem o sistema de notificação (128) 47,7% nos últimos 2 anos nunca notificou qualquer erro/evento adverso, 32% notificou um a dois erros/eventos adversos, 13,3% notificou três a cinco erros/eventos adversos e 7% notificou mais de 10 erros/eventos adversos.

Da análise do tipo de erros/eventos adversos verificou-se que os valores médios mais elevados reportam-se às falhas de comunicação interpessoal e quedas (Tabela 1). Os tipos de erros/eventos adversos que se aproximam de zero evidenciam a não ocorrência do mesmo.

Com recurso ao coeficiente de correlação de Pearson (r) verificou-se que existe uma associação positiva e significativa entre a idade dos participantes e a notificação do evento adverso morte do recém-nascido associado ao parto (r = 0,247; p < 0,001). Quanto mais elevada a faixa etária maior é a notificação de erros/eventos adversos associados à transfusão (r = 0,132; p = 0,049). Os participantes com faixas etárias mais elevadas tendem a notificar mais os erros/eventos adversos associados à identificação dos doentes (r = 0,136; p = 0,043).

O maior tempo de experiência profissional associa-se a uma maior notificação de erros/eventos adversos relacionados com a morte inesperada (r = 0,180; p = 0,007). Há uma associação significativa e positiva entre a experiência profissional dos participantes e a notificação do evento adverso morte do recém-nascido associado ao parto (r = 0,243; p < 0,001). Também os participantes com maior experiência profissional tendem a notificar mais erros/eventos adversos associados à transfusão (r = 0,250; p < 0,001). Quanto maior a experiência profissional, maior é a notificação de erros/eventos adversos associados à identificação do doente (r = 0,186; p = 0,005).

Na análise das limitações à notificação dos erros/eventos adversos verificou-se que a maior limitação identificada pelos participantes está relacionada com a falta de cultura de reporte, o conhecimento insuficiente sobre o sistema de notificação, a sobrecarga no trabalho e a ausência de feedback na resolução dos motivos que levaram à ocorrência do evento (Tabela 2).

As limitações à notificação do erro/evento adverso correlacionam-se significativa e negativamente com a idade (r = -0,140; p = 0,037) dos participantes e experiência profissional (r = -0,135; p = 0,043).

 

Discussão

Dos resultados apresentados neste estudo 84,1% dos participantes são enfermeiros. Já no Relatório de Segurança dos Doentes - Avaliação de Cultura nos Hospitais, os enfermeiros foram o grupo profissional mais representativo (Direção-Geral da Saúde, Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, 2015). Fernandes e Queirós (2011) justifica este facto por os enfermeiros serem o grupo profissional mais representativo nos hospitais portugueses e devido à natureza da sua atividade profissional, constituírem-se os únicos profissionais de saúde que mais tempo passam na prestação direta de cuidados junto ao doente.

Costa (2014) alega que os fatores que influenciam uma cultura de segurança são a profissão, a interação com os doentes, a certificação dos serviços e a formação efetuada em segurança do doente. Silva-Batalha e Melleiro (2015) acrescentam que os eventos adversos comprometem a segurança dos doentes, podendo conduzir a complicações indesejáveis, pelo que é fundamental um investimento na melhoria contínua da qualidade neste setor. Os autores acrescentam, ainda, que as propostas de melhoria da qualidade induzem a mudanças nos processos de trabalho com impacte na qualidade da assistência.

O Ministério da Saúde Português no Despacho no 1400-A/2015 de 10 de fevereiro (2015) orienta no sentido de se assegurarem as condições que garantam que a gestão clínica promove uma política de inclusão dos profissionais de saúde tendo em vista a sua adesão à avaliação da cultura de segurança dos doentes.

Apesar de todas as diretrizes para uma melhoria da cultura de segurança dos doentes, este estudo demonstra que apenas 56,4% da amostra estudada conhece o sistema de notificação da sua instituição indo ao encontro de uma das principais conclusões do Relatório de Segurança do Doente - Avaliação de Cultura nos Hospitais, apresentado pela Direção Geral de Saúde em agosto de 2015 no qual se verifica que a cultura de notificação nos hospitais é reduzida, acrescentando ainda que a “subnotificação de incidentes de segurança é uma realidade internacional, sendo, portanto, necessário melhorar, nas instituições prestadoras de cuidados, o nível da cultura de notificação e de aprendizagem com o erro” (Despacho no 1400-A/2015 de 10 de fevereiro, p. 3882-9).

Já Reason (1998) destaca a necessidade de uma cultura organizacional justa, direcionada para o relato e para aprendizagem com o erro para que exista uma cultura de segurança nas instituições.

Para combater a falta de cultura de reporte, o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes 2015-2020 determina, através do Objetivo Estratégico 8- “Assegurar a Prática Sistemática de Notificação, Análise e Prevenção de Incidentes”, a criação de “um sistema nacional de notificação de incidentes, não punitivo mas, antes, educativo na procura da aprendizagem com o erro” (Despacho no 1400-A/2015 de 10 de fevereiro, 2015, p. 3882-9).

Lima (2011) explica que se da prática diária do profissional de saúde resultou dano para o doente é evidente que o profissional altere a sua forma de atuação e a sua conduta profissional, porém alerta para a necessidade de alterar as condições de trabalho, promovendo assim a qualidade dos serviços prestados, que assegurem cuidados de excelência em defesa da segurança do doente. A autora acrescenta ainda que o erro deve proporcionar um momento de reflexão sobre a prática diária, sendo por isso um momento de aprendizagem que permite a melhoria das competências profissionais.

As falhas de comunicação interprofissionais e as quedas representam os erros/eventos adversos mais ocorridos e mais notificados. O Sistema Nacional de Notificação de Incidentes, no relatório do terceiro trimestre de 2016, apresenta, como eventos mais notificados pelos profissionais de saúde, incidentes relacionados com o doente e incidentes relacionados com recursos/gestão organizacional (Direção-Geral da Saúde, 2016).

Esta análise permite refletir sobre o facto de os profissionais de saúde do estudo estarem despertos para a importância em notificar os acontecimentos indesejáveis, como uma queda, que acarreta para o doente, cuidador e Sistema Nacional de Saúde elevados custos monetários e humanos. O Plano Nacional para a segurança dos doentes 2015-2020 no Despacho nº 1400-A/2015 de 10 de fevereiro refere as quedas como fator significativo de morbilidade e mortalidade, sendo uma das principais causas de internamento hospitalar. Podem ter um grande impacto e com consequências pessoais, familiares, sociais e financeiras para os serviços de saúde (Despacho no 1400-A/2015 de 10 de fevereiro, 2015).

A falha de comunicação interprofissional é referida pelos profissionais de saúde do estudo como o erro/evento adverso que ocorre mais vezes, sendo também o mais notificado. A comunicação é um pilar fundamental para a segurança do doente e uma falha de comunicação pode causar lacunas graves na continuidade de cuidados e no tratamento adequado, potenciando erros/eventos adversos (Despacho no 1400-A/2015 de 10 de fevreiro, 2015). A ideia é ainda reforçada por Santos, Grilo, Andrade, Guimarães, e Gomes (2010) alertando que os problemas de comunicação nas equipas de saúde podem propiciar a diminuição da qualidade dos cuidados com danos potenciais para os doentes.

Consta ainda que existe uma associação positiva e significativa entre a idade dos participantes e a notificação do evento adverso como: morte do recém-nascido associado ao parto, transfusão sanguínea e identificação dos doentes. Tal significa que quanto maior a faixa etária dos profissionais de saúde mais tendem a notificar estes erros/eventos adversos. Uma vez que a experiência profissional também se associa a uma maior notificação de erros/eventos adversos relacionados com a morte inesperada, morte do recém-nascido associado ao parto, à transfusão sanguínea e à identificação do doente, pode concluir-se que os profissionais de saúde deste estudo de maior faixa etária e maior experiência profissional estão mais conscientes da importância em notificar erros/eventos adversos que podem ser fatais para o doente, contribuindo de tal forma para o processo de aprendizagem com o erro.

Fernandes e Queirós (2011) afirmam que relativamente à cultura de segurança do doente

os enfermeiros mais novos são menos positivos na sua apreciação . . . e mais céticos quanto à eficácia das estratégias adotadas para transformar os erros em oportunidades de aprendizagem e mudança e em relação às atividades empreendidas para melhorar a segurança. (p. 47).

A maioria das limitações sentidas pelos profissionais de saúde é de caráter organizacional, nomeadamente, a falta de cultura de reporte; o conhecimento insuficiente sobre o sistema de notificação; a sobrecarga no trabalho, a pressão no trabalho e a ausência de feedback na resolução dos motivos que levaram à ocorrência do erro/evento adverso. Soydemir et al. (2016) referem que o maior obstáculo à notificação de erros/eventos adversos pelos enfermeiros é a falta de feedback relativamente à causa que levou a notificar.

Moumtzoglou (2010) acrescenta que não só os aspetos profissionais, culturais e organizacionais são impeditivos da notificação do erro/evento adverso, mas também questões estruturais da prática clínica como sistemas de segurança, regulamentos e procedimentos.

Soydemir et al. (2016) focam no seu estudo, o medo como uma das principais limitações à notificação de erros/eventos adversos, porém no presente estudo verifica-se que quanto maior a faixa etária, maior a experiência profissional e menor o medo de perda de dignidade profissional.

Como limitações ao estudo aponta-se a existência de poucos estudos em Portugal sobre a temática, e a fraca adesão de todos os grupos profissionais de saúde ao preenchimento do questionário.

 

Conclusão

Com este estudo foi possível conhecer as limitações sentidas à notificação dos erros/eventos adversos pelos profissionais de saúde portugueses. Conclui-se que há falta de conhecimento sobre os sistemas de notificação das instituições e falta de cultura de reporte dos participantes que conhecem o sistema. São apontadas como principais limitações ao reporte do erro/evento adverso a falta de cultura de reporte; o conhecimento insuficiente sobre o sistema de notificação; a sobrecarga no trabalho, pressão no trabalho e a ausência de feedback na resolução dos motivos que levaram à ocorrência do evento, sendo todas de caráter organizacional.

Evidencia-se neste estudo a necessidade de refletir sobre a falta de cultura de reporte nas organizações de saúde, identificando as vulnerabilidades à notificação do erro/evento adverso sentidas pelos profissionais de saúde. Todo este processo inclui uma política institucional de incentivo à notificação de erro/evento adverso com contributos para a melhoria contínua dos cuidados, na procura da aprendizagem com o erro, identificando áreas de melhoria, criando estratégias e metodologias que motivem e incentivem os profissionais a notificar o erro/evento adverso, contribuindo para a cultura de segurança e ganhos em saúde. Em desenvolvimentos futuros importa desenvolver estratégias de implementação das políticas de gestão do risco numa perspetiva bottom-up, que permitam um maior envolvimento dos profissionais de saúde nas mudanças a operar em prol da segurança e qualidade da assistência.

 

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Recebido para publicação em: 13.04.18

Aceite para publicação em: 01.10.18

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