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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.18 Coimbra set. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV18028 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

A pessoa idosa hospitalizada: trajetória funcional em hospital português

Hospitalized older adults: functional trajectory in Portuguese hospital

El anciano hospitalizado: trayectoria funcional en un hospital portugués

 

João Paulo de Almeida Tavares*
https://orcid.org/0000-0003-3027-7978

Joana Grácio**

Lisa Nunes***

 

* Ph.D., MSc., Enfermeiro, UCSP - Soure, Unidade de Alfarelos, 3130-001, Alfarelos, Portugal [enfjoaotavares@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, conceção e desenho do estudo, recolha, análise e interpretação dos dados, análise estatística e redação do manuscrito. . Morada para correspondência: Rua António José de Almeida, Lote 12, 6º Esq., 3000-046, Coimbra, Portugal.

** MSc., Enfermeira, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Coimbra, Portugal [joana.c.gracio@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, conceção e desenho do estudo, recolha, análise e interpretação dos dados, análise estatística e redação do manuscrito.

*** MSc., Enfermeira, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Coimbra, Portugal [lisa.veiga@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, conceção e desenho do estudo, recolha, análise e interpretação dos dados, análise estatística e redação do manuscrito.

 

RESUMO

Enquadramento: A trajetória funcional (TF) das pessoas idosas hospitalizadas (PIH) é um conceito de prognóstico importante e subestimado.

Objetivo: Analisar a TF das PIH entre a baseline e o follow-up de 3 meses.

Metodologia: Estudo de coorte prospetivo com 101 PIH nos serviços de medicina interna. A funcionalidade foi avaliada através do Índice de Katz em 3 momentos: na baseline, na alta e no follow-up. O declínio funcional (DF) foi definido como a redução em pelo menos um ponto na pontuação do Katz, em comparação com a baseline.

Resultados: Identificou-se um DF de 54,5% entre a baseline e a alta. No follow-up, 41,6% das PIH não recuperaram o status funcional da baseline. Identificaram-se 4 trajetórias principais: melhoria (7,53%), estabilidade (30,11%), recuperação (25,81%) e declínio (36,55%).

Conclusão: O DF é muito significativo. A recuperação funcional ocorre essencialmente após a alta hospitalar. Os hospitais e os profissionais devem adotar intervenções ou modelos de cuidado focados na manutenção ou recuperação da funcionalidade durante a hospitalização e intensificar a reabilitação pós-alta.

Palavras-chave: idoso; declínio funcional; hospitalização

 

ABSTRACT

Background: The functional trajectory (FT) of hospitalized older adults (HOA) is an important and underestimated prognostic concept.

Objective: To analyze the FT of HOA between baseline and 3-month follow-up.

Methodology: Prospective cohort study with 101 HOA admitted to departments of internal medicine. Functionality was assessed using the Katz Index at 3 moments: baseline, discharge, and follow-up. Functional decline (FD) was defined as the loss of at least one point on the Katz Index, compared to baseline score.

Results: A FD of 54.5% occurred between baseline and hospital discharge. In the follow-up, 41.6% of the older adults did not recover baseline functional status. Four main trajectories were identified: improvement (7.53%), stability (30.11%), recovery (25.81%), and decline (36.55%).

Conclusion: FD is very significant. Functional recovery occurs mainly after hospital discharge. Hospitals and practitioners should adopt care interventions or models focused on maintaining or restoring functionality during hospitalization and enhancing post-discharge rehabilitation.

Keywords: aged; functional decline; hospitalization

 

RESUMEN

Marco contextual: La trayectoria funcional (TF) de las personas ancianas hospitalizadas (PAH) es un concepto de pronóstico importante y subestimado.

Objetivo: Analizar la TF de las PAH entre el punto de referencia y el seguimiento de 3 meses.

Metodología: Estudio de cohorte prospectivo con 101 PAH en los servicios de medicina interna. La funcionalidad se evaluó a través del Índice de Katz en 3 momentos: en el punto de referencia, en el alta y el seguimiento. El declive funcional (DF) se definió como la reducción en al menos un punto en la puntuación de Katz, en comparación con el punto de referencia.

Resultados: Se identificó un DF del 54,5 % entre el punto de referencia y el alta. En el seguimiento, el 41,6 % de las PAH no recuperaron el estatus funcional del punto de referencia. Se identificaron 4 trayectorias principales: mejora (7,53 %), estabilidad (30,11 %), recuperación (25,81%) y declive (36,55 %).

Conclusión: El DF es muy significativo. La recuperación funcional ocurre esencialmente después del alta hospitalaria. Los hospitales y los profesionales deben adoptar intervenciones o modelos de cuidado enfocados en el mantenimiento o la recuperación de la funcionalidad durante la hospitalización, así como intensificar la rehabilitación después del alta.

Palabras clave: anciano; declive funcional; hospitalización

 

Introdução

O envelhecimento demográfico em Portugal tem-se acentuado nas últimas décadas, colocando Portugal como o quinto país mais envelhecido do mundo (United Nations, 2015). Esta situação terá um reflexo importante na procura de cuidados de saúde, em especial nos internamentos hospitalares, que têm aumentado de uma forma constante (Conroy, Stevens, Parker, & Gladman, 2011). A preocupação com a hospitalização das pessoas idosas (PI) decorre: das elevadas taxas; dos períodos de internamentos prolongados; dos custos associados e da vulnerabilidade deste grupo etário a eventos adversos. Destes eventos, sublinham-se as alterações do estado mental (ex.: delirium, declínio cognitivo, depressão), a desnutrição e desidratação, a incontinência, as alterações na integridade cutânea, a privação sensorial e o declínio funcional (DF; Admi, Shadmi, Baruch, & Zisberg, 2015). O DF é umas das principais consequências da hospitalização, encontra-se associado a uma diminuição da qualidade de vida e maior mortalidade durante e após a mesma (Palese et al., 2016). O DF pode ocorrer antes, durante e após a hospitalização, contribuindo para este declínio fatores intrínsecos e extrínsecos (Tavares, Grácio, & Nunes, 2017a). Em Portugal, um estudo identificou que 76,2% das pessoas idosas hospitalizadas tinham risco de DF durante e após a hospitalização (Tavares et al., 2017a). Apesar do elevado risco e taxas de declínio significativas, que seja do conhecimento dos autores, não são conhecidos estudos sobre a trajetória funcional (TF) das pessoas idosas hospitalizadas entre a baseline (2 semanas antes do internamento) e 3 meses após a alta. A TF é um conceito de prognóstico importante e subestimado pelas organizações de saúde e/ou profissionais. Deste modo, o objetivo deste estudo foi analisar a TF das pessoas idosas hospitalizadas entre a baseline, a alta e o follow-up de 3 meses após a alta.

 

Enquadramento

Estudos de revisão sistemática demonstram que o DF é o resultado de saúde desfavorável mais comum decorrente do internamento hospitalar com consequências a longo prazo para as PI, os cuidadores informais e o sistema de saúde (Covinsky, Pierluissi, & Story, 2011). Uma revisão sistemática da literatura demonstra que 30% a 60% das PI hospitalizadas apresentam DF (Hoogerduijn, Schuurmans, Duijnstee, De Rooij, & Grypdonck, 2007). Covinsky e colaboradores (2011) referem que aproximadamente 30% das PI com 70 ou mais anos e 50% das pessoas idosas com 85 ou mais anos terão alta hospitalar com uma nova incapacidade. Estudos mais recentes reforçam estes resultados, demonstrando que as PI sofrem frequentemente de DF durante e após a hospitalização (Boltz, Lee, Chippendale, & Trotta, 2018; D’Onofrio, Bula, Rubli, Butrogno, & Morin, 2018; Palese et al., 2016).

Existem vários fatores associados ao risco de DF, nomeadamente: pessoais (ex.: idade, status funcional e cognitivo prévios à hospitalização; Covinsky et al., 2011); psicológicos (ex.: depressão); sociais (ex.: rede de suporte informal); relacionados com o internamento (ex.: baixa mobilidade e repouso no leito, delirium, polimedicação, uso de psicofármacos, contenção direta e indireta, desnutrição e uso de dispositivos médicos, como os cateterismos vesicais; Hoogerduijn et al., 2007; Palese et al., 2016) e fatores ambientais e políticos não promotores da independência (Tavares, Grácio, & Nunes, 2017b).

Vários estudos têm sido conduzidos para explorar o efeito do DF em diferentes cortes de tempo após a alta hospitalar, nomeadamente, 3, 6, 9 e 12 meses (Covinsky et al., 2011; D’Onofrio et al., 2018; Palese et al., 2016; Zisberg, Shadmi, Gur-Yaish, Tonkikh, & Sinoff, 2015). Após a alta hospitalar os utentes podem apresentar diferentes trajetórias funcionais. Alguns continuam a cascata de declínio, outros recuperam a baseline (1 a 3 meses após a alta) e outros mantêm o mesmo status funcional (Huang, Chang, Liu, Lin, & Chen, 2013; Medina-Mirapeix et al., 2016; Wakefield & Holman, 2007). O DF após a alta hospitalar pode manter-se até um ano e a não recuperação do status funcional da baseline encontra-se associado ao risco de institucionalização, incapacidade prolongada e morte (até 3 anos; Boyd et al., 2008). Foi demonstrado que o DF na pré-admissão e o DF na hospitalização afetavam o resultado funcional dos utentes 3 meses após a alta (Covinsky et al., 2011).

 

Questão de investigação

Qual é a TF das pessoas idosas hospitalizadas entre a baseline, a alta e 3 meses após a alta (follow-up)?

 

Metodologia

Tipo de estudo

Realizou-se um estudo de coorte prospetivo em quatro serviços de medicina interna (dois serviços de internamento de homens e dois de mulheres), num hospital central universitário, da região centro de Portugal. O DF foi definido como a perda de pelo menos um ponto no Índice de Katz, entre avaliações do status funcional, durante o período de recolha de dados. Este foi dicotomizado em: sem declínio (manutenção da pontuação total entre avaliações) e com declínio (perda de pelo menos um ponto entre avaliações). O momento t0 corresponde à subtração das pontuações da baseline e da alta (que indica o impacto da doença e da hospitalização nas mudanças dos pontuações das atividades básica de vida diária - ABVD); t1 corresponde à subtração das pontuações da alta e do follow-up e t2 corresponde à subtração das pontuações da baseline e do follow-up.

População e amostra

A população alvo é constituída pelas pessoas idosas com idade = 70 anos, hospitalizadas em serviços de medicina interna. Para o cálculo da amostra recorreu-se ao software G-power (effect size - 0,5 e potência (ß) de 0,8), sendo o tamanho da amostra obtido de 101 participantes. A amostra obtida é do tipo não probabilístico, acidental, especificamente, por amostragem consecutiva. Os critérios de inclusão para o estudo foram os seguintes: capacidade para compreender e interpretar as questões do questionário (na sua impossibilidade solicitou-se ao cuidador informal) e que aceitassem participar no estudo. Como critérios de exclusão definiram-se: utentes transferidos de unidades de cuidados intensivos, com doença terminal ou neurodegenerativa, totalmente dependentes na baseline (pontuação máxima no Índice de Katz) e internamentos inferiores a 48 horas. Foram incluídos 117 utentes, dos quais foram excluídos 16 pelos seguintes motivos: óbito (n = 4), transferências para outra unidade (n = 4), ausência de baseline (n = 1) e internamento superior a 48 horas na unidade de internamento de curta duração (n = 1). A amostra, no final, foi constituída por 101 utentes.

Variáveis e instrumentos

Este estudo inclui a avaliação de um conjunto de variáveis nos diferentes momentos (t0, t1 e t2). Na admissão, foram incluídas variáveis demográficas (ex. idade, género, escolaridade, estado civil, residência), clínicas (ex. diagnóstico de admissão, antecedentes clínicos, Índice de Comorbilidade de Charlson), condições geriátricas (ex. delirium, status cognitivo, perda de peso, risco de queda, risco de úlcera de pressão, humor) e funcionalidade. Na alta, foi avaliada a duração do internamento, queda durante o internamento, funcionalidade, destino após a alta e apoio no domicílio. No follow-up, as variáveis foram a funcionalidade, o local de residência, o apoio no domicílio, a ida ao serviço de urgência, o reinternamento e o óbito.

Na avaliação da funcionalidade utilizou-se o Índice de Katz, que inclui 6 itens: banho, vestir, transferência, utilização da sanita, continência e alimentação (Duque, Gruner, Clara, Ermida, & Veríssimo, n.d.). Cada atividade pontua com 0 (dependente) ou 1 (independente). A pontuação final resulta da soma da pontuação dos 6 itens, o que corresponde a 5 níveis: independência (6 pontos); dependência ligeira (5 pontos); dependência moderada (4 a 3 pontos); dependência grave (2 a 1 pontos); e dependência total (0 pontos).

 

Recolha de dados

Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do hospital, com parecer n.º CHUC-065-14. O processo de recolha de dados decorreu de 1 de maio a 7 de outubro de 2016: a baseline, o internamento e a alta, de 1 de maio a 30 de junho, e o follow-up, de 5 de agosto a 7 de outubro. Através do processo informático, eram identificados os utentes que tinham sido internados nas últimas 48 horas. Quando os utentes tinham os critérios de elegibilidade para participar no estudo, os investigadores convidavam-nos a colaborar. Nas primeiras 48 horas, após o consentimento informado estar assinado, iniciava-se a recolha dos dados.

Esta foi realizada pelos investigadores através hetero-preenchimento do questionário em três momentos: na baseline obteve-se a caracterização demográfica, clínica e funcional, na alta e no follow-up o status funcional.

Utilizou-se o contacto telefónico para obtenção das pontuações do Índice de Katz na alta (quando não foi possível avaliar no internamento) e no follow-up. Para obtenção da informação da funcionalidade, recorreu-se preferencialmente ao utente (quer durante a entrevista, quer pelo contacto telefónico) ou, na sua impossibilidade, solicitou-se informação junto dos cuidadores formais ou informais.

Análise dos dados

No tratamento estatístico dos dados foi utilizado o programa estatístico IBM SPSS Statistics, versão 23. Os dados das pessoas que faleceram durante o internamento ou dentro do período de follow-up foram excluídos da análise. Na estatística descritiva utilizaram-se, nas variáveis contínuas, medidas de tendência central como a média, a mediana e medidas de dispersão como o desvio padrão; nas variáveis nominais utilizaram-se as frequências relativas (percentagens). Nas análises comparativas entre pontuações do Índice de Katz utilizou-se o teste t de Student (quando a normalidade da distribuição não se verificou; usou-se o teste U de Mann-Whitney). O valor de p de <0,05 foi considerado como estatisticamente significativo.

 

Resultados

Descrição da amostra

Metade da amostra é constituída por utentes do sexo feminino (53,3%), com uma média de idades de 82,47 ± 6,57 anos, maioritariamente viúvas (49%) e casadas (46%). Mais de metade apresenta uma escolaridade baixa (0-2 anos; 57,4%). Residem no domicílio (42,4% com o cônjuge) ou em casa de familiares (83,2%). Quase metade dos diagnósticos foram infeções (42,6%), seguidos de patologias cardiovasculares (17,8%) e desequilíbrios hidroeletrolíticos (12.9%). A maioria dos utentes era polimedicada (75,2%; média de 7,42 ± 3,89 fármacos), o Índice de Comorbilidade de Charlson (0-8) com mediana de 6 (4 - 7) e o Risco Relativo Estimado de Morte (0 - 19,37) de 9,23 (4,4 - 13,4).

Mais de dois terços (71,3%) reportou perda ponderal, 48% tinha risco elevado de queda e 32,3% apresentou risco de úlcera de pressão elevado. Mais de metade (58%) das pessoas idosas hospitalizadas não apresenta compromisso cognitivo, mas referiu sentir-se triste ou deprimido frequentemente (68%).

Trajetória funcional

Verificou-se que 55,4% da amostra era independente na baseline, tendo ocorrido um decréscimo na população independente, aquando da alta (24,7%). Desta forma, mais de metade dos utentes (54,5%) apresentou DF em t0 (declinaram uma, duas ou três, ABVD: 23,8%, 12,9% e 9,9%, respetivamente). As ABVD com maior declínio foram: o banho (39,9% vs 66,9%) e o vestir (21,8% vs 50,5%). A alimentação foi a atividade em que as pessoas mantiveram mais a independência. No follow-up verificou-se uma trajetória de melhoria do status funcional, ainda que não reflita a baseline (Tabela 1).

As pessoas que apresentaram maior potencial funcional (independentes, dependentes ligeiros e dependentes moderados) são as que mais apresentaram declínio nas ABVD entre a baseline e a alta. Apenas os utentes com dependência moderada na baseline melhoraram o valor médio do Katz (1,67 para 1,75), embora de forma pouco significativa. Verificou-se que os utentes com dependência total na alta apresentaram na baseline pontuações médias de Katz de 2,8. Os utentes com mais ganhos funcionais verificados entre e alta e o follow-up foram os independentes e com dependência moderada. Apesar destes ganhos funcionais, em nenhuma categoria foram retomadas as pontuações médias de Katz da baseline (Figura 1).

 

 

Dividindo a amostra entre os utentes com declínio e aqueles que não apresentaram declínio, durante os três momentos, na baseline os utentes que declinaram apresentaram uma média do Índice de Katz de 4,28, inferior aos utentes que não declinaram. Na alta, os utentes que declinaram apresentaram médias inferiores à média dos utentes que não declinaram (2,8 versus 5,3). No momento do follow-up, a média dos utentes que declinaram foi superior aos valores do momento da alta. Contudo, foi inferior à média de Katz do grupo sem declínio (3,29 versus 5,1).

A Figura 2 representa as trajetórias em função dos resultados obtidos no follow-up. Identificaram-se 4 trajetórias principais em relação à baseline: uma de melhoria (n = 7), uma de estabilidade (n = 28), uma de recuperação (n = 24) e uma de declínio (n = 34).

 

 

Em t0 observou-se um declínio funcional estatisticamente significativo para os valores de Katz na baseline (4,96) e alta (3,94); t(100) = 6,76; p < 0,01. Neste momento, 6,9% dos utentes melhoraram em relação à baseline. Na análise de t1 observou-se que não existem diferenças estatisticamente significativas entre o Katz da alta (4,12) e do follow-up (4,43); t(92) = -1,84; p = 0,07. Da baseline (5,01) para a follow-up (4,42), observou-se um declínio funcional estatisticamente significativo (t(92) = 3,39; p < 0,01).

Por um lado, constatou-se que um grupo muito significativo recupera a funcionalidade após a alta, apesar do declínio que ocorreu no período de hospitalização. Ainda assim, para estes a baseline nunca é recuperada. Por outro lado, um grupo de PI com trajetórias de declínio funcional em t0 mantém essa trajetória em t1. Do grupo de utentes que melhorou em t0, verifica-se uma associação positiva com o grupo que declinou em t1 (2,5; n = 4). Estes dados sugerem que os ganhos funcionais durante o internamento podem não ter continuidade no período posterior. Também foi nos utentes com dependência grave que se observaram estes ganhos.

Das variáveis analisadas, destaca-se que as pessoas com défice cognitivo apresentaram-se mais dependentes (pontuações do Índice de Katz mais baixas) na baseline, alta e follow-up (p = 0,01). As pessoas que afirmaram sentirem-se tristes ou deprimidas também apresentaram valores mais elevados de dependência (p = 0,01).

 

Discussão

Os resultados demonstram que mais de metade das pessoas idosas internadas nos serviços de medicina apresentaram DF durante a hospitalização. Estes dados são próximos dos reportados nos mesmos serviços em Espanha (53,5%; Astiz et al., 2008), embora sejam mais elevados do que noutros estudos (Covinsky et al., 2011; Huang et al., 2013; Palese et al., 2016; Zisberg et al., 2015). Salienta-se que as pessoas idosas internadas nos serviços de medicina são tendencialmente mais vulneráveis, com maior fragilidade, mais velhas (critério de inclusão superior a 70 anos) e apresentam multimorbilidades (51,5%). Ainda que a maioria das patologias que conduziram à hospitalização tenham demonstrado melhoria significativa no momento da alta, a trajetória funcional seguiu uma espiral decrescente (Covinsky et al., 2011). Estes resultados reforçam o que Covinsky et al. (2011) denominaram de incapacidade associada à hospitalização. Estes autores referem que 50% das PI, com 85 ou mais anos, irão ter pelo menos uma nova incapacidade nas ABVD no momento da alta.

A discordância entre a melhoria da trajetória clínica e a funcional (Zisberg et al., 2015) reforça a ideia de que, para as pessoas idosas, é tão importante a recuperação das ABVD perdidas durante o processo de doença, como o próprio tratamento desta. Durante e após a hospitalização, os utentes podem apresentar diferentes alterações nas trajetórias funcionais, mantendo, melhorando gradualmente ou declinando progressivamente (Huang et al., 2013; Palese et al., 2016; Sleiman et al., 2009; Wakefield & Holman, 2007) tal como se verificou neste estudo. Os dados revelaram que no momento do follow-up, 58,4% dos utentes tinham mantido ou melhorado a sua trajetória funcional e 41,6% evidenciaram pior status funcional relativamente à baseline. No entanto, no momento da alta, 54,5% tinham declinado durante a hospitalização, o que evidencia que a recuperação do status funcional ocorre, essencialmente, após a alta hospitalar.

Os estudos referem que existe uma interação entre os diferentes períodos de avaliação e os obtidos pelos utentes com ou sem DF (Zisberg et al., 2015). Verificou-se neste estudo que os utentes com DF foram aqueles com pontuações mais elevadas no Índice de Katz, indo ao encontro de outros estudos (D’Onofrio et al., 2018; Huang et al., 2013). Neste grupo, as pontuações médias do Katz aumentaram da alta para o follow-up; ainda assim não alcançando os níveis funcionais da baseline. Este dado sublinha a importância de repensar o cuidado às PI hospitalizadas mais independentes, no sentido de promover uma maior funcionalidade e dedicar um cuidado de reabilitação o mais precoce possível.

Observou-se neste estudo que, dos 8 utentes que faleceram após a alta, 7 apresentaram declínio durante o internamento, sendo estes mais propensos a morrer nos 3 meses seguintes após a alta (Wakefield & Holman, 2007). Contudo, o número de casos limita a análise estatística.

Estudos prévios reportam que os utentes que declinaram após a alta, apenas mantiveram o status funcional durante o internamento e pioraram 3 meses depois. (Sleiman et al., 2009). Neste estudo, verificou-se que 9,9% dos utentes se mantiveram estáveis durante o internamento, mas declinaram nos 3 meses seguintes. Os utentes sem DF, aquando da alta (34,6%), apresentaram melhorias ou mantiveram o status funcional durante o período do estudo, dados similares ao reportado em outros estudos (Covinsky et al., 2011; Huang et al., 2013). Verificou-se que 23,8% dos utentes que declinaram no internamento recuperaram a funcionalidade da baseline. Os fatores que facilitaram a recuperação do seu estado funcional basal após a alta hospitalar devem ser investigados em futuros estudos.

Pela análise das trajetórias funcionais, nesta investigação, pode constatar-se que a maioria das pessoas idosas apresentaram uma necessidade de cuidado crescente depois da hospitalização, comparativamente à baseline. Consequentemente, as exigências em relação aos cuidadores irão aumentar acentuadamente. Estes resultados têm implicações importantes para o sistema de saúde e social, não só durante, como após a hospitalização. Prevenir o declínio funcional nas pessoas idosas pode ser a chave para melhorar os resultados de saúde para os utentes, famílias, cuidadores e organizações. Deste modo, torna-se urgente repensar o ambiente físico e de trabalho dos profissionais, políticas e prática de cuidado, para que o hospital seja um espaço promotor da funcionalidade e não da dependência e declínio.

Limitações do estudo e perpectivas futuras

Este estudo apresenta algumas limitações. A primeira diz respeito à trajetória funcional, que compreendeu 3 momentos (baseline, alta e follow-up), não sendo contemplado o momento da admissão. Este fator pode representar uma limitação na compreensão da trajetória funcional. Futuros estudos devem considerar a avaliação da funcionalidade na admissão. Estes dados irão ajudar a clarificar o efeito da doença na trajetória funcional. Embora o impacto da doença aguda possa ser significativo, a trajetória funcional pode ser independente da mesma (Boyd et al., 2008), tendo a hospitalização um papel muito significativo (Covinsky et al., 2011). A segunda limitação é referente ao facto de, embora os utentes tenham sido avaliados em três momentos, é possível que outras mudanças na funcionalidade tenham ocorrido entre os momentos de observação, em especial, da alta para o follow-up. A terceira limitação compreende o instrumento utilizado. Optou-se pelo Índice de Katz com resposta dicotómica (dependente ou independente), por ser o mais utilizado nos estudos do declínio funcional, e ainda por ser o adotado no hospital onde decorreu o estudo. Todavia, considerar a versão modificada deste índice (estratifica o tipo de ajuda em 4 níveis) ou o Índice de Barthel, possibilitaria compreender de forma mais aprofundada o tipo de dependência das PI. Como quarta limitação, considera-se o período de follow-up de 3 meses, que pode ser considerado curto para avaliar o período de recuperação funcional. Desta forma, os presentes resultados são suscetíveis de subestimar taxas de recuperação. Considerando que a trajetória funcional melhora significativamente após a alta, pesquisas futuras deveriam considerar a avaliação da trajetória funcional 6 meses e 12 meses após a alta. Por último, este estudo decorreu num hospital central e universitário e em serviço de medicina interna, pelo que a generalização dos resultados é limitada. Estudos futuros semelhantes devem ser realizados em diferentes tipologias de hospitais e incluir outros serviços.

 

Conclusão

Mais de metade das pessoas idosas apresentaram DF durante a hospitalização, sendo este mais evidente nos utentes mais independentes na baseline. A recuperação funcional ocorre essencialmente no período pós-alta, embora um número significativo (n = 34) não recupere o seu status funcional prévio, com consequências significativas para os utentes e cuidadores. Estes dados podem refletir a escassa atenção dada pelos hospitais/profissionais de saúde à funcionalidade das pessoas idosas, sendo um modelo mais centrado no tratamento da doença aguda. Neste sentido, torna-se crucial e prioritário que as instituições e os profissionais de saúde desenvolvam novos conhecimentos, competências e abordagens inovadoras para promover um cuidado centrado na funcionalidade durante a hospitalização.

 

Referências bibliográficas

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Agradecimento

Agradecemos à Direção de Enfermagem do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, nas pessoas do Excelentíssimo Senhor Enfermeiro Diretor António Marques, à data, e da Excelentíssima Senhora Enfermeira Supervisora Eugénia Morais, pelo apoio no desenvolvimento deste estudo.

 

Recebido para publicação: 07.05.18

Aceite para publicação: 31.07.18

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