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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.17 Coimbra jun. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV17080 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Validação da Resilience Scale de Wagnild e Young em contexto de acolhimento residencial de adolescentes

Validation of the Wagnild and Young's Resilience Scale in adolescents in residential care

Validación de la Resilience Scale de Wagnild y Young en el contexto de la acogida residencial de adolescentes

 

Ana Maria Pacheco Mendes Perdigão Costa Gonçalves*; Ana Paula Camarneiro**

* MSc., Professora-adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal[aperdigao@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: desenho do estudo, recrutamento de sujeitos constituintes da amostra, recolha de dados, pesquisa bibliográfica, produção de texto de revisão bibliográfica e de discussão de resultados, redação final para publicação. Morada para correspondência: Avenida Urbano Duarte, nº 84, 3º Esquerdo, 3030-215, Coimbra, Portugal.

** Ph.D., Professora-Adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [pcamarneiro@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: orientação do desenho do estudo, pesquisa bibliográfica e análise estatística, revisão intelectual crítica do manuscrito, redação final para publicação.

 

RESUMO

Enquadramento: O acolhimento residencial pode constituir proteção para os adolescentes, promovendo o desenvolvimento e manutenção da sua resiliência.

Objetivo: Validar, numa amostra de adolescentes em acolhimento residencial, a Resilience Scale (RS) de Wagnild e Young (1993), adaptada para português por Felgueiras, Festas, e Vieira (2010).

Metodologia: Estudo metodológico, de validação da RS, a partir de adaptação portuguesa prévia, numa amostra de 384 adolescentes em acolhimento residencial.

Resultados: A RS, de 25 itens, apresentou elevada consistência interna (α = 0,925). A análise fatorial exploratória revelou uma solução bifatorial (competência pessoal e aceitação de si e da vida) de acordo com a proposta original. Algumas diferenças foram encontradas na alocação de itens. Nos adolescentes, a competência pessoal foi positiva e significativamente correlacionada com a idade. Os rapazes são significativamente mais resilientes (total e dimensões) do que as raparigas, diferença que foi tomada como validade discriminante.

Conclusão: Esta versão portuguesa da escala tem muitas semelhanças com a versão original, distinguindo-se das versões portuguesas já publicadas. Permite a investigação sobre a resiliência em adolescentes em acolhimento residencial.

Palavras-chave: resiliência psicológica; estudos de validação; adolescente; institucionalização; enfermagem

 

ABSTRACT

Background: Residential care can protect adolescents by developing and maintaining their resilience.

Objective: To validate the Resilience Scale (RS), developed by Wagnild and Young (1993) and adapted to the Portuguese population by Felgueiras, Festas, and Vieira (2010), in a sample of adolescents in residential care.

Methodology: Methodological study on the validation of the RS, following a previous Portuguese adaptation, in a sample of 384 adolescents in residential care.

Results: The 25-item RS had a high internal consistency (α = 0.925). The exploratory factor analysis revealed a two-factor solution (personal competence and acceptance of self and life), which is in line with the original proposal. Some differences were found in item allocation. In adolescents, personal competence was positively and significantly correlated with age. Boys were significantly more resilient (total and dimensions) than girls. This difference was taken as discriminant validity.

Conclusion: This Portuguese version of the scale has many similarities with the original version but is different from the previously published Portuguese versions. It allows for the development of research on resilience in adolescents in residential care.

Keywords: resilience, psychological; validation studies; adolescent; institutionalization; nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: La acogida residencial puede constituir protección para los adolescentes, lo que promueve el desarrollo y mantenimiento de su resiliencia.

Objetivo: Validar, en una muestra de adolescentes en acogida residencial, la Resilience Scale (RS) de Wagnild y Young (1993), adaptada al portugués por Felgueiras, Festas, y Vieira (2010).

Metodología: Estudio metodológico de validación de la RS a partir de la adaptación portuguesa previa en 384 adolescentes en acogida residencial.

Resultados: La RS, de 25 ítems, presenta elevada consistencia interna (α = 0,925). El análisis factorial exploratorio sugirió una solución bifactorial (competencia personal y aceptación de sí mismo y de la vida), de acuerdo con la propuesta original, y muestra algunas diferencias en la asignación de los ítems. En los adolescentes, la competencia personal se correlaciona positiva y significativamente con la edad. Los chicos son significativamente más resilientes (total y dimensiones) que las chicas, diferencia que fue tomada como validez discriminante.

Conclusión: Esta versión portuguesa de la escala tiene muchas similitudes con la versión original aunque se distingue de las versiones en portugués anteriormente publicadas. Permite la investigación sobre la resiliencia en adolescentes en acogida residencial.

Palabras clave: resiliencia psicológica; estudios de validación; adolescente; institucionalización; enfermería

 

Introdução

Tendo por base a literatura publicada, define-se resiliência como uma característica positiva que promove a adaptação individual e modera os efeitos negativos do stress (Wagnild & Young, 1993), possibilitando o desenvolvimento favorável dos indivíduos expostos a situações de adversidade. Autores como Masten (2009) consideram que a resiliência aumenta na interação de um indivíduo com o meio ambiente e promove o bem-estar, ou protege o indivíduo de ser subjugado pelos fatores de risco.

A investigação em resiliência conta com mais de duas décadas e tem sido desenvolvida em diversos contextos e faixas etárias. No entanto, Cordovil, Crujo, Vilariça, e Caldeira da Silva (2011) referem que “esta apenas tem interesse quando aplicada a contextos que pressuponham a existência de uma população considerada de risco mas que apresente, também, características adaptativas como é o caso das instituições de acolhimento de crianças e adolescentes” (p. 413). O acolhimento residencial com adolescentes é uma transição significativa para a vida, que geralmente resulta de situações traumáticas, envolvendo risco pessoal, social e familiar e/ou da incapacidade de a família assegurar um desenvolvimento saudável.

Embora o acolhimento residencial possa ser percebido pelos adolescentes como uma transição indesejável, causando um sentimento de perda (Cordovil et al., 2011) e condicionando o desenvolvimento emocional, pode também, apesar de estrutura não-familiar, constituir uma situação de proteção face às dificuldades encontradas na família (Poletto & Koller, 2008) e promover o desenvolvimento da resiliência.

Os estudos em resiliência representam uma abordagem acerca do desenvolvimento de crianças e adolescentes, quando confrontadas com circunstâncias adversas. Neste sentido, a investigação em resiliência, particularmente a sua avaliação com instrumentos adequados e validados para populações específicas, como é o caso dos jovens em acolhimento residencial, é de importância fundamental, dada a sua inexistência. Este estudo tem como objetivo validar a Resilience Scale (RS), na sua forma longa de 25 itens, desenvolvida por Wagnild e Young (1993), adaptada por Felgueiras, Festas, e Vieira (2010), numa amostra de adolescentes em acolhimento residencial.

 

Enquadramento

A resiliência continua a ser objeto de estudo relativamente à potencial influência que pode ter na saúde, bem-estar e qualidade de vida dos indivíduos. Apesar dos estudos realizados na última década, o conceito de resiliência não apresenta uma definição consensual e a sua avaliação na adolescência, quando comparada com a sua avaliação em adultos, é uma área ainda pouco estudada e com resultados pouco consistentes (Pinheiro & Matos, 2013). Segundo Rutter (1993), a resiliência envolve processos sociais e intrapsíquicos que estão constantemente em transformação e que promovem, por exemplo, o desenvolvimento de uma vida saudável, mesmo vivendo num ambiente não sadio. Ainda segundo Rutter (2006), a resiliência resulta da combinação entre os atributos da criança/adolescente e o seu ambiente familiar, social e cultural e, não sendo um atributo que nasce com o indivíduo, decorre da interação entre este e o seu meio ambiente. Em síntese, refere-se aos processos dinâmicos entre fatores de risco e fatores de proteção, que promovem resultados positivos no desenvolvimento a longo prazo.

Do ponto de vista da adolescência, a resiliência é geralmente entendida como a demonstração de competência perante um ambiente adverso, uma resposta ao risco, que pode ser afetada por condições de pobreza, ruturas na família, vivência de algum tipo de violência, experiências de doença (no adolescente ou na família) e, também, por perdas importantes (Pesce, Assis, Santos, & Oliveira, 2004).

Segundo Koller, Cerqueira-Santos, Morais, Ribeiro, e Martiniano (2004), quando o acolhimento residencial de adolescentes é resultado de situações traumáticas envolvendo risco pessoal, social e familiar, a retirada da família pode ser percebida como uma rejeição, nem sempre aceite pelo adolescente num período de grandes mudanças interiores e exteriores, de construção da identidade e de aquisição da capacidade de fazer face às adversidades. No entanto, para Yunes e Szymanski (2001), as experiências de vida negativas são percecionadas e interpretadas de maneira diferente pelos diferentes indivíduos e, nesta perspetiva, percebe-se que em alguns casos, os jovens são capazes de estabelecer ligações afetivas duradouras com figuras alternativas em novos contextos, embora o processo de acolhimento residencial represente um impacto emocional importante no desenvolvimento. Nos adolescentes em acolhimento residencial, a resiliência implica uma interação entre fatores de risco, fatores protetores e o tipo de intervenção que é oferecida ao adolescente (Guilera, Pereda, Paños, & Abad, 2015).

O acolhimento institucional, hoje designado acolhimento residencial (Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro, p. 7204),

consiste na colocação da criança ou jovem aos cuidados de uma entidade que disponha de instalações, equipamento de acolhimento e recursos humanos permanentes, devidamente dimensionados e habilitados, que lhes garantam os cuidados adequados.

O acolhimento residencial tem como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral.

Este acolhimento, enquanto intervenção oferecida ao adolescente, não significa, por si só, um fator de risco, pois a organização e estrutura dessas instalações, embora possam ser consideradas ambientes de risco, promovem o desenvolvimento humano, podendo ser, no momento, a única fonte de apoio social e afetivo organizada para lidar com as adversidades (Siqueira & Dell'Aglio, 2006). No contexto do acolhimento residencial, é possível que os adolescentes estabeleçam ligações afetivas significativas, alternativas no novo contexto, atenuando os fatores de risco associados a esta transição. Mota e Matos (2010) consideram que o desenvolvimento destes jovens pode ser pautado pela vivência com outras figuras significativas que podem dar respostas pessoais, afetivas e sociais de qualidade, potenciando um desenvolvimento adaptativo.

Além disso, segundo Poletto e Koller (2008), a rede de apoio social e afetiva, como estrutura protetora, desencadeia processos de resiliência que promovem uma atitude positiva em adolescentes, mostrando-lhes a possibilidade de construir novos caminhos, retomando o seu desenvolvimento a partir da ruptura e encontrando-se novamente (Siqueira & Dell'Aglio, 2006).

A resiliência pode ser a chave para a explicação da resistência ao risco e de como as pessoas ultrapassam e lidam com os desafios ao longo da sua vida (Windle, Bennett, & Noyes, 2011).

RS - versão original

Embora a pesquisa sobre resiliência tenha pouco mais de duas décadas e a sua aplicação prática seja ainda mais recente, é um fator importante para a saúde, bem-estar, qualidade de vida e resposta aos desafios ao longo do ciclo de vida (Pinheiro & Matos, 2013).

Wagnild e Young (1993) desenvolveram a RS e avaliaram as suas propriedades psicométricas com o objetivo de identificar o grau de resiliência individual, o que é considerado pelas autoras como uma característica positiva da personalidade que promove a adaptação individual. Estas autoras realizaram um estudo qualitativo no qual entrevistaram 24 mulheres adultas que se adaptaram com sucesso a situações de vulnerabilidade. Cinco temas emergiram dessas entrevistas: serenidade; perseverança; autoconfiança; sentido de vida; e autossuficiência, o que influenciou o desenvolvimento dos itens da escala.

A escala foi disponibilizada e pré-testada em 1988 e publicada em 1990. Posteriormente, foi testada em amostras alargadas (N = 880) e diversificadas, indo ao encontro do construto teórico descrito na literatura relacionada com a filosofia e a psicologia (Wagnild & Young, 1993). A escala é composta por 25 itens, avaliados por uma escala de likert de sete pontos de 1, discordo totalmente, a 7, concordo totalmente. Os scores possíveis variam de 25 a 175, com os mais elevados a indicarem alto grau de resiliência.

O score médio para a RS foi de 147,91 (DP = 16,85). Os scores entre 145 e 175 foram considerados elevados, estando os valores encontrados na fronteira entre o elevado e o médio. As autoras afirmam não ter encontrado correlações significativas entre a RS e a idade, educação, rendimentos e género.

A fiabilidade da escala evidenciou-se elevada, com um alfa de Cronbach de 0,91, e as correlações item-total corrigidas variaram de 0,37 a 0,75, com a maioria a pontuar entre 0,50 e 0,70.

O estudo da validade, através da análise de componentes principais (ACP) com rotação varimax, evidenciou cinco componentes. Contudo, o scree plot mostrou o ponto de corte entre os fatores 1 e 2 e os restantes, e a solução fatorial indicou dois fatores substanciais. Perante estes resultados, Wagnild e Young (1993) optaram pela solução a dois fatores, com pesos acima de 0,40 para cada item, considerando que refletem a definição teórica de resiliência e suportam a validade de constructo da RS. O fator 1, constituído por 17 itens (1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 23 e 24), corresponde às competências pessoais e o fator 2, constituído por oito itens (7, 8, 11, 12, 16, 21, 22 e 25), corresponde à aceitação de si e da vida. De acordo com as autoras, o fator 1 mede a autoconfiança, independência, determinação, invencibilidade, mestria, engenho e perseverança. O fator 2 mede a adaptabilidade, equilíbrio, flexibilidade e perspetiva equilibrada de vida. Os dois fatores explicam 44% do total da variância.

Este instrumento tem sido aplicado numa variedade enorme de grupos, em diferentes faixas etárias e contextos, e está traduzido em várias línguas, entre as quais a língua portuguesa, quer na versão para Portugal quer numa versão anterior utilizada no Brasil (Pinheiro & Matos, 2013).

Portugal conta atualmente com duas versões, uma longa, de 25 itens e uma breve, de 14 itens, ambas estudadas para a população de adolescentes, no primeiro caso por Felgueiras et al. (2010) e no segundo por Oliveira, Matos, Pinheiro, e Oliveira (2015). Todavia, o instrumento não está isento de críticas, nomeadamente no que diz respeito à sua aplicação em adolescentes. Essas críticas recomendam maior rigor na validade de conteúdo. Apesar disso, este instrumento é o que obtém scores mais elevados no que respeita à qualidade total, foi a primeira ferramenta desenvolvida para estudar a resiliência e continua a ser uma das ferramentas mais utilizadas na investigação (Pinheiro & Matos, 2013). Também Ahern, Kiehl, Sole, e Byers (2006) concluíram que esta escala, devido às suas características e propriedades psicométricas, é o instrumento mais adequado para estudar a resiliência na população adolescente.

RS - versões portuguesas

A versão portuguesa, de Felgueiras et al. (2010), mostrou-se um instrumento fiável, válido e sensível que, segundo as autoras, pode ser utilizado por enfermeiros ou outros profissionais para aferir níveis de resiliência, nomeadamente na abordagem de crianças e adolescentes. As autoras procuraram conservar os 25 itens, mantendo o sentido e significado originais, no entanto, ao estudarem a homogeneidade, retiraram o item 5 por apresentar uma correlação baixa (< 0,20) associado ao aumento do alfa de Cronbach com a sua remoção. A consistência interna dos 24 itens restantes foi de α = 0,82. Na análise fatorial de componentes principais emergiram cinco componentes principais, explicando 46,04% da variância total. As autoras referiram que os itens 6, 11, 15 e 17 demonstraram afinidade com mais de um fator, gerando ambiguidade na interpretação, e optaram por associar o item ao fator em que apresentava maior carga fatorial (itens 6 e 15). No caso dos itens 11 e 17, consideraram associá-los ao fator que apresentou carga fatorial elevada e onde seriam mais interpretáveis. O estudo de validação mostrou que a escala tinha validade discriminante, boa estabilidade temporal e boa equivalência conceptual de itens.

Em 2013, numa amostra de 180 adolescentes, Pinheiro e Matos exploraram a validade de construto da versão traduzida para português por Felgueiras et al. (2010), com adequação dos itens à gramática portuguesa. Na ACP, com a medida Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,927), teste de esfericidade de Bartlett, com p ≤ 0,001 e comunalidades > 0,495, as autoras encontraram uma solução de cinco fatores, explicando 64,2% da variância e autovalores iniciais superiores a 1. Todos os itens (exceto os itens 13 e 20) apresentavam pesos fatoriais elevados no primeiro fator (de 0,520 a 0,756) e este fator explicava 43% da variância total. Todavia, com base no scree plot, as autoras decidiram manter um único fator. Uma segunda ACP, com 23 itens (excluídos os itens 13 e 20) e com estrutura unifatorial, evidenciou 46% da variância total explicada. O peso fatorial dos itens variou de 0,518 (item 19) a 0,804 (item 1) e o alfa de Cronbach da escala total foi de 0,945. Estes resultados não são consistentes nem com a primeira validação para português, nem com a versão original, corroborando algumas das críticas publicadas à utilização da escala em adolescentes, apontando a necessidade de novos estudos de validação.

 

Questão de investigação

A RS desenvolvida por Wagnild e Young (1993), adaptada para português por Felgueiras et al. (2010), apresenta boas características psicométricas em adolescentes em acolhimento residencial?

 

Metodologia

Um estudo quantitativo, descritivo, metodológico foi conduzido para validar a versão longa de 25 itens da RS desenvolvida por Wagnild e Young (1993), numa amostra não probabilística de 384 adolescentes residentes em lares de infância e juventude nas diferentes regiões norte, centro e sul de Portugal. Esta validação fez-se com base na adaptação para a língua portuguesa de Felgueiras et al. (2010), tendo sido pedida autorização prévia às autoras para a utilização da escala. A aplicação da escala, juntamente com um questionário de caracterização sociodemográfica, foi feita nos lares de infância e juventude. Foram cumpridos todos os pressupostos éticos. Após aprovação pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, realizou-se um pedido ao diretor de cada uma das instituições selecionadas, nas zonas norte, centro e sul de Portugal, tendo sido este a responsabilizar-se pelas autorizações relacionadas com os menores. Os dados foram tratados no software IBM SPSS Statistics, versão 22.

No estudo psicométrico, analisou-se a fiabilidade e a validade de constructo. Nesta última, recorreu-se à análise fatorial exploratória através da ACP seguida de rotação ortogonal varimax dos fatores, tornando interpretáveis as soluções emergidas na análise. Previamente, calculou-se a medida Kaiser-Meyer-Olkin e o teste de esfericidade de Bartlett.

A decisão sobre o número de fatores a reter na análise baseou-se nos valores próprios (eigenvalue), superiores a 1. A escolha das soluções fatoriais respeitou o critério da validade convergente do item-fator, em que cada item a alocar ao fator deve ter peso fatorial superior a 0,40, e respeitou também o critério da validade discriminante do item com o fator, uma vez que itens com peso inferior a 0,40 não deverão ser fixados ao fator. Por último, foi respeitado o princípio de que a solução final deve ser superior a 40% da variância total explicada e deve haver consonância entre a estrutura teórica e a estrutura fatorial encontrada.

Para o estudo da fiabilidade, procedeu-se à análise da homogeneidade e da consistência interna dos itens para a escala total e para as dimensões evidenciadas. Foi calculado o coeficiente de consistência interna, alfa de Cronbach, e o coeficiente de correlação corrigida entre o item e o total da dimensão. A terminar, foram calculadas estatísticas resumidas, descritivas da escala e de resultados inferenciais de diferenças de médias para o sexo, e correlações para a idade, escolaridade e tempo de residência.

 

Resultados

Os adolescentes que constituíram a amostra tinham idades compreendidas entre 10 e 19 anos (M = 14,77; DP = 2,07). Residiam em lares de infância-juventude entre 1 e 229 meses (M = 39,71; DP = 38,14). Raparigas eram 64,1% e rapazes 35,9%. A escolaridade variou entre 3 e 12 anos (M = 7,77; DP = 1,95). A maior parte frequentava o 9º ano de escolaridade (25,4%; n = 96), valor expectável tendo em conta a média de idades observada.

O estudo psicométrico, ao nível da consistência interna, revelou um alfa de Cronbach elevado, de 0,925 para os 25 itens, cotados numa escala de likert de 1 a 7. A correlação de item-total corrigida variou de 0,405 a 0,707, à exceção do item 11, “Raramente me questiono se a vida tem sentido”, cuja correlação foi de 0,386 e do item 20, “Às vezes obrigo-me a fazer coisas quer queira quer não”, cuja correlação foi de 0,267. O alfa de Cronbach não se elevaria com a retirada de qualquer dos itens (Tabela 1). Além disso, o conteúdo dos itens da escala foi considerado adequado.

 

 

No estudo da validade de constructo, a medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,931) e o teste de esfericidade de Bartlett (X2 = 3857,383; p < 0,001), foram previamente calculados, seguida da análise fatorial exploratória pelo método dos componentes principais com rotação ortogonal varimax dos fatores e normalização de Kaiser. As comunalidades foram inferiores a 1. Foi encontrada uma solução a 5 fatores, com autovalores superiores a 1, e que explicou 56% da variância. Contudo, analisando a percentagem de variância dos autovalores iniciais para cada um dos fatores e o scree plot, observou-se que o ponto de corte se fez no fator 2, o que é consistente com os resultados da escala original de Wagnild e Young de 1990 (Wagnild & Young, 1993). Além disso, a distribuição dos itens pelos fatores resultou num número restrito de itens, 2 e 3 itens, respetivamente para os fatores 3 e 4.

De acordo com a proposta das autoras da escala original, assumindo que a percentagem de variância seria superior a 5% para cada componente, o estudo foi realizado com a utilização de 4 e 3 fatores, resultando na tomada de decisão de assumir a extração a dois fatores tendo em conta o que acima foi apresentado. O gráfico do scree plot evidenciou os dois fatores como a solução fatorial mais adequada (Figura 1).

 

 

Face aos resultados obtidos, e a análise do scree plot na Figura 1 e indo ao encontro da proposta original, optou-se por uma solução a dois fatores, obtida através da análise fatorial de componentes principais com rotação varimax dos fatores e normalização de Kaiser. A variância total explicada é de 42,3% (22,7% no fator 1 e 19,6% no fator 2). Os autovalores iniciais explicaram 36,6% da variância no fator 1 e 5,7% no fator 2. Abaixo destes, todos os valores foram inferiores a 5%.

A distribuição dos itens pelos componentes baseou-se nos pesos fatoriais. Foram aceites pesos acima de 0,40 e que não saturassem nos dois componentes. O fator 1, designado por competência pessoal (COMP), foi composto por 11 itens (1, 3, 5, 9, 10, 13, 14, 18, 19, 20, 25), com variação de pesos de 0,433 (item 25) a 0,738 (item 3). Este fator teve uma boa consistência interna (α = 0,851).

O fator 2 - aceitação de si e da vida (ACEITSV) - foi composto por 14 itens.

A correlação de item-total corrigida variou entre pesos de 0,453 (item 22) e 0,772 (item 21). Este fator também revelou uma consistência interna elevada (α = 0,890; Tabela 2).

De facto, a distribuição destes itens evidenciou algumas diferenças relativas à proposta original de distribuição de itens, mas estiveram de acordo com a análise fatorial realizada e com a análise de conteúdo.

A análise dos dados descritivos da resiliência total (RT) e suas dimensões (Tabela 3), mostrou que os jovens têm níveis de resiliência, em média, de 129,42 (DP = 24,77), com amplitudes de 39 a 175. A média de cada item foi de 5,18 e variou entre 4,38 (DP = 1,895) e 5,79 (DP = 1,651).

 

 

No que se refere à idade, observou-se uma correlação positiva e significativa entre esta e a dimensão COMP. Não se observaram outras correlações significativas entre a resiliência e os anos de escolaridade e entre a resiliência e o tempo de residência (Tabela 4).

Ao analisar a distribuição segundo o sexo, pôde-se observar que os rapazes apresentaram valores médios mais elevados do que as raparigas na RT (M = 140,80; DP = 20,55 e M = 123,11; DP = 24,69, respetivamente) e nos fatores, COMP (M = 60,77; DP = 10,24 e M = 53,93; DP = 11,83, respetivamente) e ACEITSV (M = 80,04; DP = 11,78 e M = 69,06; DP = 14,89, respetivamente). Com a realização do teste t de student para amostras independentes, confirmou-se que essas diferenças foram significativas, quer na RT (t = - 7,128; p < 0,001) quer nas dimensões COMP (t = - 5,694; p < 0,001) e ACEITSV (t = - 7,959; p < 0,001; Tabela 5).

 

Discussão

No presente estudo, com uma amostra específica de adolescentes em acolhimento residencial, os resultados encontrados mostraram que os níveis de resiliência (M = 129,42; DP = 24,77) foram superiores aos encontrados por Felgueiras et al. (2010; M = 126,66), e inferiores aos encontrados por Wagnild e Young (1993) no estudo original (M = 147,91; DP = 16,85). Estas autoras consideraram elevados os scores acima de 145 e afirmaram que abaixo destes, como é o caso das amostras portuguesas, pode haver alguma influência do contexto cultural. Na amostra em análise, o acolhimento residencial pode dificultar a resiliência devido à transição indesejada ou à potencial sensação de perda (Cordovil et al., 2011). Numa amostra clínica, Pinheiro e Matos (2013) encontraram uma média de 119,81 com a aplicação da versão longa da escala, utilizando, contudo, 23 itens. Apesar disto, estes valores continuam inferiores aos encontrados neste estudo com adolescentes em acolhimento residencial.

No que se refere às características psicométricas, neste estudo, a fiabilidade da escala foi elevada, com alfa de Cronbach de 0,925 e correlações item-total corrigidas com pesos de 0,405 a 0,707, com a maioria entre 0,50 e 0,70, muito próximos dos valores obtidos por Wagnild e Young (1993; α = 0,91), e por Pinheiro e Matos (2013; α = 0,945). O estudo de Felgueiras et al. (2010) apresentou menor consistência interna, numa versão de 24 itens (α = 0,82).

A validade de constructo da amostra apresentada revelou semelhança com a versão original, bifatorial, proposta por Wagnild e Young (1993). Os estudos portugueses publicados propõem outro tipo de fatorização. Por exemplo, Felgueiras et al. (2010) propõem cinco dimensões, e Pinheiro e Matos (2013) propuseram uma solução a um fator.

Apesar da semelhança com a solução a dois fatores, os itens que constituem cada fator não correspondem inteiramente nos dois estudos. No original, o fator 1 é constituído por 17 itens (1, 2, 3, 4, 5, 6, 9, 10, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 23 e 24), que correspondem às competências pessoais e, no presente estudo, o mesmo fator é constituído por 11 itens (1, 3, 5, 9, 10, 13, 14, 18, 19, 20 e 25).

O fator 2, no estudo original, é constituído por oito itens (7, 8, 11, 12, 16, 21, 22 e 25), correspondentes à aceitação de si e da vida e, no estudo que se apresenta, contém 13 itens (2, 4, 6, 7, 8, 11, 12, 15, 16, 17, 21 e 22) correspondentes igualmente à aceitação de si e da vida. Estas diferenças podem dever-se a questões culturais ou à especificidade da amostra, pois fazem todo o sentido em termos de validade de construto e de conteúdo.

Neste estudo, os resultados evidenciaram correlação entre a idade e as competências pessoais, estando os mais velhos mais aptos para enfrentar situações de adversidade e diferenças na resiliência conforme o sexo, em que os rapazes se mostraram mais resilientes do que as raparigas. Wagnild e Young (1993) afirmam não ter encontrado correlações significativas entre a RS e a idade, educação, rendimentos e género, ao contrário dos resultados obtidos.

Segundo Pesce et al. (2004), o apoio social e afetivo que o acolhimento residencial promove pode atuar como facilitador no processo individual do adolescente, de perceber e enfrentar o risco, tornando-o resiliente, contudo, a resiliência não se mostra diferente consoante o tempo de acolhimento, reforçando a ideia, por exemplo, de que o seu desenvolvimento é imediato face à institucionalização.

 

Conclusão

Este estudo em adolescentes em acolhimento residencial mostrou boas características psicométricas e uma solução a dois fatores, da RS de Wagnild e Young (1993), tal como proposto pelas autoras no estudo original. Apesar desta aproximação, observaram-se algumas incongruências na distribuição dos itens por fator, o que vem reforçar inconsistências em estudos anteriormente realizados em populações de adolescentes. Razões de natureza cultural, mais do que a especificidade da amostra, podem explicar estes resultados, pois o acolhimento residencial, por si só, não significa risco para o desenvolvimento.

Nos jovens em estudo, a resiliência pareceu ser uma característica presente, pois embora os valores médios se situassem abaixo dos encontrados por Wagnild e Young (1993), foram idênticos aos apresentados por Felgueiras et al. (2010) e superiores aos encontrados numa amostra clínica, por Pinheiro e Matos (2013). Ainda, a COMP aumentou com a idade, os rapazes apresentaram-se mais resilientes do que as raparigas na RT, na COMP e na ACEITSV, e a resiliência não foi diferente conforme a escolaridade ou o tempo de acolhimento residencial.

Este estudo trouxe novos contributos à validação da escala, confirmando a possibilidade da sua utilização em adolescentes em acolhimento residencial. Dadas as diferenças encontradas nos vários estudos de validação em Portugal, novas adaptações e novos estudos de validação serão contributos úteis para uma análise mais aprofundada da escala original e das suas dimensões.

 

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Recebido para publicação em: 02.10.17

Aceite para publicação em: 08.03.18

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