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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.17 Coimbra jun. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV17079 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Perfil laboral e exposição ocupacional de cantoneiros de recolha de resíduos sólidos de um município do Brasil

Occupational profile and exposure of solid waste collectors from a Brazilian municipality

Perfil laboral y exposición ocupacional de los recolectores de residuos sólidos de un municipio de Brasil

 

Renata Cristina da Penha Silveira*; Flávia Mendes da Silva**; Isabely Karoline da Silva Ribeiro***

* Agregação, Professora Associada, Universidade Federal de São João Del-Rei, 35501-296, Divinópolis, Brasil [renatacps@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise de dados e discussão, escrita do artigo. Morada de correspondência: Rua Sebastião Gonçalves Coelho, 400 - Chanadour, Divinópolis - MG, 35501-296, Brasil.

** MSc., Enfermeira, Universidade Federal de São João Del-Rei, 35501-296, Divinópolis-MG, Brasil [flavia.mendes25@yahoo.com.br]. Contribuição no artigo: recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão, escrita do artigo, pesquisa bibliográfica.

*** Estudante de graduação em enfermagem, Universidade Federal de São João Del-Rei, 35501-296, Divinópolis, Brasil [isabelykaroline@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, escrita do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: As condições de trabalho dos cantoneiros de recolha de resíduos sólidos (CRRS) expõem estes trabalhadores a constantes riscos ocupacionais.

Objetivos: Descrever o perfil laboral e a exposição ocupacional dos CRRS de um município de Minas Gerais, Brasil.

Metodologia: Estudo quantitativo, transversal, descritivo, realizado com 43 CRRS de um município do interior do Estado de Minas Gerais, Brasil, no ano de 2015.

Resultados: Verifica-se que este grupo de trabalhadores é constituído, essencialmente, por homens jovens, em união estável, de baixa escolaridade, que declaram estar satisfeitos com o seu trabalho, apesar de alegarem sofrer frequentemente de exposição a riscos ocupacionais.

Conclusão: Conclui-se que são necessárias intervenções do ponto de vista da saúde do trabalhador, que compreendam ações de promoção da saúde e prevenção de riscos e danos destes trabalhadores.

Palavras-chave: coleta de resíduos sólidos; catadores; lixo; trabalho; saúde do trabalhador

 

ABSTRACT

Background: The working conditions of solid waste collectors (SWC) expose them constantly to occupational risks.

Objectives: To describe the occupational profile and exposure of SWC from a municipality of Minas Gerais, Brazil.

Methodology: A quantitative, cross-sectional, descriptive study was conducted with 43 SWC from a municipality of Minas Gerais, Brazil, in 2015.

Results: This group of workers is mostly composed of young men in a stable union, with a low level of education, who reported being satisfied with their work, despite claiming to be often exposed to occupational risks.

Conclusion: There is a need for interventions focused on the workers' health, which include actions to promote health and prevent risks and injuries among these workers.

Keywords: solid waste collection; solid waste segregators; garbage; work; occupational health

 

RESUMEN

Marco contextual: Las condiciones de trabajo de los recolectores de residuos sólidos (RRS) exponen a estos trabajadores a constantes riesgos ocupacionales.

Objetivos: Describir el perfil laboral y la exposición ocupacional de los RRS de un municipio de Minas Gerais, Brasil.

Metodología: Estudio cuantitativo, transversal, descriptivo, realizado con 43 RRS en un municipio del interior del Estado de Minas Gerais, Brasil, en el año 2015.

Resultados: Se verifica que este grupo de trabajadores está conformado especialmente por varones jóvenes, con una unión estable, de baja escolaridad, que, a pesar de que alegan que sufren exposición a riesgos ocupacionales con frecuencia, indican que están satisfechos con su trabajo.

Conclusión: Se concluye que se necesitan, desde el punto de vista de la salud del trabajador, intervenciones que comprendan acciones de promoción de la salud, así como prevención de riesgos y agravios de estos trabajadores.

Palabras clave: recolección de residuos sólidos; segregadores de residuos sólidos; basuras; trabajo; salud laboral

 

Introdução

O aumento do consumo e o descarte inadequado dos resíduos decorrentes desse consumismo implicam danos para a saúde pública e degradação ambiental (Lopes, Maciel, Carrieri, Dias, & Murta, 2012).

Para atender a esta condição torna-se necessária a contratação de trabalhadores para a limpeza urbana, conhecidos popularmente no Brasil como gari ou lixeiro (cantoneiro de recolha de resíduos sólidos [CRRS]; Barbosa, Melo, Medeiros, & Vasconcelos, 2010; Lopes et al., 2012). Há um grande número de pessoas que trabalham na recolha de resíduos e estão expostas aos vários fatores que podem interferir, direta ou indiretamente na saúde, entre eles, os riscos físicos, químicos e biológicos, considerados como potenciadores de problemas de saúde ocupacional (Freire, Costa, Alves, Santos, & Santos, 2016).

O objetivo da recolha do lixo é proporcionar o bem-estar a todos os habitantes. A função dos trabalhadores responsáveis pela limpeza pública contempla o varrimento das ruas, capinagem e recolha de lixo. Porém, apesar da importância da profissão, o fato de lidar no quotidiano com o lixo pode ser considerado uma fonte de exclusão social, para além da instabilidade no processo de trabalho, pois grande parte dos CRRS goza de empregos sujeitos a mudanças organizacionais e empregatícias consideráveis, as quais conduzem a desconfortos e tensões quotidianas ao executarem as suas funções (Smilee, Dhanyakumar, Samuel, & Suresh, 2013).

 

Enquadramento

As transformações ocorridas no mundo, o padrão de consumo e o intenso volume de lixo tornaram-se um sério problema que ameaça a sustentabilidade urbana, a saúde e a qualidade de vida das pessoas (Barbosa et al., 2010).

A recolha do lixo é um processo dinâmico e abrange vários aspetos dignos de análise e intervenção, visto que, durante a jornada de trabalho, os trabalhadores andam, correm, sobem e descem ruas, levantam diferentes pesos, e encontram-se sujeitos ao sol, à chuva, ao frio e a variações bruscas de temperatura. Face a este panorama, observa-se que a saúde ocupacional, ou seja, as relações entre o processo de trabalho e o processo saúde/doença desta classe profissional apresentam aspetos para estudo e intervenção em saúde pública (Lazzari & Reis, 2011).

Devido aos aspetos ergonómicos da profissão, uma parte destes profissionais desenvolvem doenças osteomusculares que, consequentemente, se refletem num baixo desempenho e produtividade (Araújo et al., 2016).

Neste contexto, é permitido afirmar que estes trabalhadores estão sujeitos a todo o tipo de riscos anteriormente mencionados, sendo que os principais fatores de exposição estão relacionados com o manuseamento de objetos corto-perfurantes e com a ausência dos equipamentos de proteção individual (EPI; Alencar, Cardoso, & Antunes, 2009).

Perante o exposto, o presente estudo justifica-se devido às condições de trabalho pelas quais os CRRS estão expostos quotidianamente. Aliado a isto, os CRRS possuem uma jornada de trabalho desgastante, nociva e perigosa, com a possibilidade de surgirem doenças e consequências para a saúde. Desta forma, realizar uma investigação junto destes trabalhadores, muitas vezes discriminados, pode contribuir para melhor compreensão do importante papel que esses profissionais desempenham na sociedade.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi descrever o perfil laboral e a exposição ocupacional dos CRRS de um município de Minas Gerais, Brasil.

 

Questão de investigação

Os CRRS estão expostos a riscos ocupacionais?

 

Metodologia

Estudo quantitativo, transversal, descritivo, realizado com os CRRS de uma empresa destinada a recolha de lixo urbano e rural de um município do interior de Minas Gerais, Brasil. A população juntamente com o comércio da cidade onde foi realizado o estudo produz cerca de 150 toneladas de resíduos/dia e 4500 toneladas por mês, entre resíduos comerciais e urbanos. A empresa de recolha na qual se realizou o presente estudo é a única responsável por recolher todos os resíduos domésticos da zona rural e urbana, comerciais e dos serviços de saúde, bem como pelo tratamento dos resíduos de serviços de saúde e ser responsável pela implantação e operação de aterros sanitários e da recolha seletiva.

O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética e Pesquisas com Seres Humanos, sob o Parecer n.º 846.156, de acordo com a Resolução Brasileira n.º 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. Como critério de inclusão, definiu-se que o participante não poderia estar afastado do trabalho ou de licença no dia da colheita de dados, que ocorreu no período de fevereiro a julho de 2015.

No período da colheita de dados, os trabalhadores da empresa eram 47: 43 estavam em atividade, dois não puderam participar por não estarem em situação ativa e dois encontravam-se de férias. Assim, a amostra foi constituída por 43 coletores. Para caracterizar o perfil destes trabalhadores foi utilizado um questionário divido em três categorias: Socioeconómica, Demográfica e Laboral, com um total de 62 questões relacionadas com a escolaridade, idade, situação conjugal, características de moradia, renda, características do trabalho e exposição ocupacional.

O questionário utilizado na pesquisa foi elaborado pelos próprios autores deste estudo, o conteúdo interno foi avaliado por três enfermeiros doutorados, especialistas em saúde do trabalhador, que propuseram importantes sugestões para que se pudesse atingir o propósito da pesquisa. Após realizar as adequações sugeridas, o questionário foi novamente avaliado por esses profissionais, e após aprovação final, foi realizada a colheita de dados.

Os questionários foram aplicados por uma das investigadoras, na residência de cada CRRS, após comunicação prévia e agendamento telefónico. Durante a aplicação dos questionários, a investigadora realizou a leitura prévia de cada uma das questões para que o trabalhador entendesse claramente o que estava a ser perguntado.

No questionário, as perguntas relacionadas com a exposição ocupacional durante a jornada de trabalho dos CRRS foram colocadas em forma de quadro. O quadro incluía os principais riscos ocupacionais aos quais estes trabalhadores poderiam estar expostos, como exposição ao tempo, ruídos/barulho, exposição ao monóxido de carbono, movimentos repetitivos, esforços físicos, contacto com materiais orgânicos e cortoperfurantes, iluminação inadequada e cheiros desagradáveis. Estes riscos foram levantados de acordo com a literatura científica atual. Os trabalhadores classificaram o seu grau de exposição durante o horário de trabalho, escolhendo uma das seguintes opções: sempre, metade do tempo, raramente e nunca.

Os dados foram inseridos eletronicamente numa folha de cálculo do programa Microsoft Excel, versão 2013, com técnica de dupla digitação. Posteriormente, os dados foram transportados para o software IBM SPSS Statistics, versão 20.0. Foi realizada análise descritiva para apresentação dos resultados em tabelas de distribuição das frequências para as variáveis categóricas, e medidas de tendência central, posição e variabilidade na análise das variáveis numéricas.

 

Resultados

Os dados da Tabela 1 mostram a realidade social e demográfica do CRRS, sendo todos (100%) do sexo masculino, a maioria casados ou em união estável, com baixa escolaridade. Destes, apenas 34,9% possuem casa própria.

Os dados relacionados com o trabalho mostram que os CRRS iniciaram as suas atividades no trabalho, em média, aos 13,7 anos (DP = 3,1); a jornada de trabalho era de 44 horas semanais divididas em 6 dias por semana, em dois turnos fixos de trabalho. Porém, 93,1% faziam uma carga horária igual ou superior a 46 horas semanais, estas somadas às horas extra, 37,2% já sofreram algum acidente de trabalho e/ou de percurso, e 93% recebiam entre um salário a um salário e meio mínimo por mês. Um dado relevante foi que 97,7% dos entrevistados afirmaram estar satisfeitos com o trabalho. A Tabela 2, apresenta os dados relacionados com o perfil laboral dos trabalhadores.

A seguir, a Tabela 3 apresenta as variáveis relacionadas com as exposições ocupacionais dos CRRS no seu quotidiano de trabalho.

Os profissionais da recolha de resíduos são homens jovens que cumprem uma jornada de trabalho constituída por uma carga horária extensa, somada às horas extra com a finalidade de cumprir as rotas de trabalho previamente estabelecidas pela empresa. Dentre os riscos ocupacionais a que estão expostos destacam-se os físicos, químicos, ergonómicos e biológicos e os acidentes de trabalho (AT).

 

Discussão

Os resultados do presente estudo, relacionados com o perfil socioeconómico e demográfico destes profissionais, são consistentes com um estudo realizado com 96 CRRS de um município de Minas Gerais que teve como objetivo avaliar a perceção da qualidade de vida destes trabalhadores, onde se identificou que a maioria dos CRRS entrevistados, 71,9%, era do sexo masculino; 66,7% tinha idade acima de 40 anos; 79,2% morava sozinho ou com a família; 75% eram analfabetos ou possuíam o ensino fundamental incompleto e 49% possuíam até três filhos (Jesus et al., 2012).

Um estudo realizado com 21 CRRS de Jataí, no Estado de Goiás, Brasil, identificou que os CRRS entrevistados eram exclusivamente do sexo masculino (100%), com idade entre 18 e 24 anos (41,18%) e a maioria (35,30%) possuía baixo nível de escolaridade (Carvalho et al., 2016).

Já num estudo realizado no Japão, os CRRS possuíam idade entre 24 e 60 anos, trabalhavam 8 horas diárias e tinham 1 hora de intervalo para descanso (Hara, Hanaoka, Yamano, & Itani, 1997).

Um estudo realizado no Brasil, cujo objetivo foi descrever os elementos promotores de satisfação e insatisfação no trabalho de catadores de materiais recicláveis, identificou que quatro dos 11 trabalhadores referiram possuir ensino fundamental incompleto; quatro, ensino médio incompleto; uma, ensino fundamental completo; um, ensino médio completo; e um, ensino superior incompleto. No que diz respeito ao tempo de atuação na cooperativa e na reciclagem em geral, o tempo mínimo foi de 8 meses e o máximo de 20 anos, e estavam satisfeitos com o trabalho pois conseguiam comprar produtos para família e produtos de uso pessoal (Coelho et al., 2017).

O presente estudo corrobora um estudo realizado com o objetivo de identificar o perfil e condições de trabalho de catadores de material reciclável no município de Ipameri.

Quanto ao salário mensal, no presente estudo observou-se que 62,8% dos entrevistados referiram receber um salário mínimo e meio. Uma investigação realizada também com CRRS identificou que o salário mensal em média era de dois salários mínimos (Pinho & Neves, 2010).

Outro resultado relevante da presente investigação diz respeito aos movimentos repetitivos, 95,3% dos CRRS executam movimentos repetidos durante todo o tempo de trabalho. Conhecendo-se as condições ergonómicas precárias do trabalho dos CRRS de resíduos sólidos, um estudo com o objetivo de verificar a prevalência de distúrbios osteomusculares e fatores associados em coletores de lixo de duas cidades de dimensão média do sul do Brasil identificou distúrbios osteomusculares nos últimos 12 meses em 88,2% da amostra, sendo que as regiões do corpo mais acometidas foram as pernas, joelhos e coluna lombar (Cardoso, Rombaldi, & Silva, 2013).

Em relação ao esforço físico, um estudo realizado no Irã com CRRS identificou que cerca de 39% e 36,5% dos trabalhadores relataram cargas de trabalho físicas e psicológicas muito elevadas, respetivamente. Os CRRS (92,5%) relataram sintomas de distúrbios músculo-esqueléticos em pelo menos uma região do corpo durante os últimos 12 meses de trabalho. As lesões nas costas e no joelho foram mais prevalentes e mais graves. Alguns fatores individuais como a idade, peso corporal e duração da recolha de resíduos, tal como as exigências físicas (elevar saco do lixo/balde, empurrar recipiente de resíduos, caminhar enquanto transporta sacos e subir para o camião do lixo) e o clima organizacional (poucas férias e alta decisão) foram os fatores de risco mais importantes para desenvolver os distúrbios músculo-esqueléticos (Ziaei, Choobineh, Abdoli-Eramaki, & Ghaem, 2018).

Dos entrevistados, 25,6% já sofreram AT e 11,6% acidentes de trajeto. Desta forma, destaca-se que nesta profissão são altos os números relacionados com os AT. Um outro estudo mostra que 82,4% dos entrevistados referiram ter sofrido algum tipo de acidente durante a realização da recolha de lixo doméstico (Carvalho et al., 2016).

Quanto à subcategoria dos materiais cortoperfurantes, os coletores de lixo mencionaram o perigo e acidentes que já sofreram pelo manuseio destes, os quais são descartados indevidamente no lixo doméstico (Carvalho et al., 2016).

Um dos fatores que mais incomoda os CRRS é a falta de consciencialização da população em relação aos perigos do descarte de materiais cortoperfurantes. Este facto é caracterizado pelo pouco conhecimento da população sobre este assunto e ocasiona o descarte indevido, fazendo com que o trabalho dos CRRS seja representado como uma atividade que oferece maior risco de acidentes (Pinho & Neves, 2010).

A maioria dos acidentes com esta classe trabalhadora constituiu-se em cortes, contusões, fraturas e lesões articulares. As principais causas dos acidentes identificados estavam relacionadas com a falta de atenção ao trabalho, inobservância das normas e dos procedimentos de segurança, ausência de EPI e falta de manutenção em máquinas e equipamentos utilizados no trabalho (Pinho & Neves, 2010).

Um estudo realizado na Etiópia em 2015, com 379 trabalhadores municipais da recolha de resíduos sólidos identificou que 130 (34,3%) sofreram um acidente pelo menos vez uma vez no último ano, no ambiente de trabalho. Destes, 54 (41,5%) trabalhadores acidentaram-se uma vez e os demais 76 (58,5%) acidentaram-se duas ou mais vezes. Cerca de 45 (34,6%) relataram ferimentos nas mãos e o tipo de lesão mais comum foi o corte (52,3%), seguida de abrasão (20; 15,40%) e deslocamento (12; 9,23%); 73,8% perderam mais de 10 dias úteis de trabalho devido a lesão e 66 (50,7%) foram tratados numa unidade de saúde, enquanto que 13 (10%) foram admitidos num hospital (Eskezia, Aderaw, Ahmed, & Tadese, 2016).

Um estudo alemão sobre os CRRS em vários países do mundo mostrou que essas pessoas apresentam maiores frequências de diarreia, hepatite viral, bem como, significativamente, maior incidência de doenças respiratórias obstrutivas e restritivas, aumento potencial de transmissão de tuberculose, níveis elevados de chumbo no sangue, além de sofrerem doenças de pele, icterícia, mordeduras de cães e ratos. Também foi identificado elevado risco para os distúrbios músculo-esqueléticos, dor lombar, cotovelo e pulso, devido à manipulação pesada de cargas. Além disso, a repetição de movimentos semelhantes em mãos e braços causa problemas nas articulações, dores de cabeça e náuseas (Bleck & Wettberg, 2012).

Uma pesquisa realizada no Distrito Federal, Brasil, teve como objetivo estimar a prevalência de AT no depósito de lixo aberto e os fatores associados. A maioria dos segregadores apresentou AT (55,5%), e 51,7% relatou não ter recebido equipamentos de proteção pessoal. Dentre outras descobertas, 55,8% ingeriam alimentos encontrados no lixo, 50,0% apresentavam desconforto alimentar em casa e 44,8% recebiam abono de família. Houve uma relação estatisticamente significativa entre AT e perceção de ambiente de trabalho perigoso, desconforto alimentar e presença de fadiga, stresse ou tristeza (p < 0,05).

Os autores também concluíram que a maioria dos CRRS apresentava acidentes de trabalho (55,5%), 95% dos trabalhadores referiram ter conhecimento de que trabalhavam em ambiente de trabalho perigoso e 51,7% dos trabalhadores afirmaram não ter recebido EPI (Hoefel et al., 2013).

A grande ocorrência dos acidentes pelo trabalho no camião, principalmente as quedas e a prensagem dos membros inferiores que os CRRS podem sofrer, acidentalmente, pelo compactador de lixo, localizado na traseira do veículo, foi evidenciada também em outros estudos, sinalizando assim a necessidade de uma atenção à saúde destes trabalhadores (Santos, Lima, Murta, & Motta, 2009).

As atividades desenvolvidas pelos CRRS expõem estes trabalhadores a vários riscos ocupacionais, conforme os já mencionados, porém, cabe ressaltar que no serviço de recolha, a incidência de acidentes torna-se maior pela presença de material cortoperfurante separado de forma incorreta e pela presença de microrganismos, vírus e bactérias presentes nos resíduos sólidos dispostos (Pinho & Neves, 2010).

Sendo o lixo o objeto de trabalho dos CRRS sólidos, sabe-se que este não deve ser acomodado apenas em sacos plásticos e é necessário realizar a recolha seletiva. No entanto, no município onde foi realizado o estudo não há recolha seletiva e os resíduos acabam por ser todos dispensados como lixo comum. Os participantes do presente estudo relataram encontrar pedaços de madeira, seringas e agulhas dentro de sacolas plásticas e fora de recipientes rígidos. Além disso, constantemente, são encontrados objetos fora dos sacos do lixo que são deixados por pedestres, como móveis velhos, entulhos e podas de jardins. Assim, é comum aos CRRS tentar acomodar o material recolhido dentro do camião com as suas próprias mãos e, ao forçar encontrar diferentes formas de acondicionar o lixo dentro do camião, os CRRS ficam expostos ao risco e acabam por ser feridos por materiais cortoperfurantes.

Importa destacar que outras fontes de acidentes podem contribuir para estes danos, como: mordidas de cães, atropelamentos e exposição ao sol. Os EPI nem sempre conseguem proteger integralmente os trabalhadores de todos os riscos aos quais estão expostos no seu quotidiano, visto que protegem determinadas vulnerabilidades, sem contar que o próprio uniforme traz desconforto, como irritação na pele provocada pelo material refletor das camisas (Silva & Junior, 2013).

A presença dos CRRS e do camião de lixo nas ruas provoca, devido ao odor, uma repulsa por parte de algumas pessoas em bairros e, muitas vezes, é expressa por gestos (Silva & Junior, 2013).

Associando-se aos resultados referentes à autoperceção da exposição no trabalho dos CRRS, um estudo qualitativo objetivou trazer uma discussão sobre os significados do lixo a partir da visão de um grupo de CRRS e catadores de resíduos sólidos residentes em Fortaleza, Ceará, Brasil. Os resultados demonstraram que o lixo é compreendido pelos participantes como algo perigoso para a saúde devido aos danos provocados, porém ele também é tido como meio de sobrevivência, devido às dificuldades de inserção no mercado de trabalho por falta de estudo e/ou oportunidades (Santos & Silva, 2011).

Assim, perante esta variedade de questões relacionadas com a exposição ocupacional, Um estudo realizado com o objetivo de investigar o planeamento para a aposentadoria e os aspetos priorizados para o bem-estar dos CRRS que trabalhavam numa empresa de limpeza urbana num município do Rio de Janeiro, Brasil, constatou que a qualidade de vida não foi bem avaliada pelos trabalhadores, especialmente em decorrência do ambiente físico de trabalho considerado insalubre.

O processo de adoecimento não advém estritamente da exposição física dos trabalhadores a objetos nocivos à sua saúde, ou aos mais de 15 km diários recorrentemente percorridos por estes, alternando entre corrida e caminhada, mas também à pressão psíquica e mental a que muitas vezes são submetidos, pela atenção redobrada que despendem: 1) ao tipo de lixo; 2) ao movimento de veículos para evitar atropelamentos, inclusive alertando os companheiros de equipa; e 3) aos movimentos de subir e descer do camião em movimento (Silva & Junior, 2013).

Sabe-se que o trabalho só se torna interessante para o ser humano quando este se possa expressar e, é justamente esta dimensão que fica ameaçada quando as condições e a organização do trabalho negam ao trabalhador motivações para as suas atividades, visto que o trabalho dos CRRS se mostra acompanhado de preconceitos e estereótipos, sobretudo por lidarem com o lixo, que é considerado repugnante pela sociedade (Santos et al., 2009).

Perante todos os resultados e discussão, observa-se que são necessárias medidas preventivas. É primordial enfatizar a consciencialização de toda a população, proporcionar orientações sobre como armazenar e descartar os resíduos sólidos corretamente, para preservar o meio ambiente, a sua própria saúde e a saúde dos trabalhadores da recolha de resíduos. Cabe ressaltar a importância das empresas responsáveis pela recolha em orientar os seus trabalhadores em relação à segurança no ambiente de trabalho e ao fornecimento dos EPI necessários, além da educação continuada junto aos trabalhadores da limpeza urbana.

 

Conclusão

O presente estudo evidenciou que os CRRS, ao exercerem sua atividade profissional, estão expostos a riscos causados por agentes físicos, biológicos, ergonómicos e risco de AT durante a jornada de trabalho e durante o trajeto para o trabalho. A realidade encontrada é preocupante, pois o risco de acidentes e lesões é iminente, o que se configura numa questão séria de saúde pública.

Nessa perspetiva, recomenda-se que seja efetuada a educação continuada destes trabalhadores e que seja oferecido e exigido o uso adequado dos EPI. Para tal, sugere-se que as empresas procurem parcerias com os profissionais da área de saúde do Sistema Único de Saúde e das universidades, para que possam orientá-los sobre as formas de promoção da saúde.

Além disso, um dos grandes desafios para diminuir os riscos ocupacionais é a colaboração da população. Atitudes e comportamentos inadequados da população em relação ao acondicionamento do lixo doméstico constituem um dos principais fatores que favorecem a ocorrência de acidentes entre os CRRS. Por conseguinte, os gestores necessitam de orientar corretamente toda a população em relação à maneira adequada de descarte dos resíduos e a importância do acondicionamento correto dos mesmos, com a finalidade de evitar acidentes entre os CRRS, já que são eles que realizam a recolha de resíduos dos lares, empresas e instituições de saúde.

Como fatores limitadores do estudo destaca-se o número de CRRS pesquisados, o que dificulta a generalização. No entanto, é necessário que outros estudos sejam realizados em diferentes localidades para traçar o perfil dos CRRS e para que ações relacionadas ao bem-estar, segurança e saúde possam ser traçadas junto destes trabalhadores.

 

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Recebido para publicação em: 04.10.17

Aceite para publicação em: 04.05.18

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