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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.16 Coimbra mar. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV17076 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Tornar-se especialista: expectativas dos enfermeiros portugueses após a realização do curso de especialização

Becoming a specialist: Portuguese nurses' expectations after completing the specialization program

Convertirse en especialista: expectativas de los enfermeros portugueses tras la realización de los estudios de especialización

 

Rosana Maria de Oliveira Silva*; Maria Deolinda Antunes da Luz**; Josicélia Dumêt Fernandes***; Lázaro Souza da Silva****; Ana Lúcia Arcanjo Oliveira Cordeiro*****; Luize da Silva Rezende da Mota******

* Ph.D., Enfermeira, Universidade Federal da Bahia, 40110-907, Salvador, Brasil [rosanaosilva@hotmail.com]. Contribuição no artigo: conceção do projeto e artigo, colheita, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final a ser publicada. Morada para correspondência: Rua Aristides, nº 2, Pernambués, 40210-340, Salvador, Brasil.

** Ph.D., Enfermeira, Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, 1700-063, Lisboa, Portugal [dluz@esel.pt]. Contribuição no artigo: conceção do projeto e artigo, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final a ser publicada.

*** Ph.D., Enfermeira, Universidade Federal da Bahia, 40110-907, Salvador, Brasil [jodumet@hotmail.com]. Contribuição no artigo: conceção do projeto e artigo, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e aprovação da versão final a ser publicada.

**** Ph.D., Enfermeiro, Universidade Federal da Bahia, 40110907, Salvador, Brasil [lazolss@gmail.com]. Contribuição no artigo: redação do artigo, adequação às normas da revista e aprovação da versão final a ser publicada.

***** Ph.D., Enfermeira, Universidade Federal da Bahia, 40110-907, Salvador, Brasil [anaarcanjo@hotmail.com]. Contribuição no artigo: redação do artigo, adequação às normas da revista e aprovação da versão final a ser publicada.

****** Bacharelato, Estudante de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, 40110-907, Salvador, Brasil [luize.rezende@hotmail.com]. Contribuição no artigo: redação do artigo, adequação às normas da revista e aprovação da versão final a ser publicada.

 

RESUMO

Enquadramento: O curso de Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica é uma pós-licenciatura que confere o título de especialista, reconhecido pela Ordem dos Enfermeiros Portugueses.

Objetivo: Analisar as expectativas profissionais dos enfermeiros especialistas que frequentaram um Curso de Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica em Portugal.

Metodologia: Estudo qualitativo para o qual se recorreu à entrevista semiestruturada. Amostra não probabilística de conveniência, constituída por 10 enfermeiros especialistas. As entrevistas foram transcritas e analisadas conforme a técnica de análise de conteúdo de Laurence Bardin.

Resultados: Não houve mudança na carreira profissional após a conclusão do curso; a contribuição do curso para o desenvolvimento do conhecimento, da prestação de cuidados aos utentes e, consequentemente, maior competência profissional.

Conclusão: Apesar da ausência de mudança na carreira profissional, os enfermeiros consideram que a frequência do curso lhes proporcionou maior competência para a prestação de cuidados de saúde na área da especialidade.

Palavras-chave: internato não médico; especialização; enfermagem

 

ABSTRACT

Background: The Specialization Program in Medical-Surgical Nursing is a postgraduate program that confers the title of specialist, which is recognized by the Portuguese Order of Nurses.

Objective: To analyze specialist nurses' professional expectations after completing the Specialization Program in Medical-Surgical Nursing in Portugal.

Methodology: A qualitative study was conducted using semi-structured interviews. The nonprobability convenience sample consisted of 10 specialist nurses. The interviews were transcribed and analyzed according to Laurence Bardin's content analysis technique.

Results: No changes were found in the professional career after the program. The program improved nurses' knowledge and practice and, consequently, their professional competence.

Conclusion: Despite the lack of change in their careers, nurses considered that the program improved their competence in delivering care in their area of specialization.

Keywords: internship, nonmedical; specialization; nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: Los estudios de especialización en Enfermería Médico-Quirúrgica es un posgrado que confiere el título de especialista, reconocido por el Colegio de Enfermería de Portugal.

Objetivo: Analizar las expectativas profesionales de los enfermeros especialistas que realizan los estudios de especialización en Enfermería Médico-Quirúrgica en Portugal.

Metodología: Estudio cualitativo para el cual se recurrió a la entrevista no estructurada. La muestra fue no probabilística de conveniencia y estuvo constituida por 10 enfermeros especialistas. Las entrevistas se transcribieron y analizaron según la técnica de análisis de contenido de Laurence Bardin.

Resultados: Después de finalizar los estudios, no hubo cambios en la carrera profesional. Los estudios contribuyeron al desarrollo del conocimiento, la prestación de cuidados a los usuarios y, consecuentemente, a una mayor competencia profesional.

Conclusión: A pesar de la ausencia de cambio en la carrera profesional, los enfermeros consideran que los estudios les proporcionaron mayor competencia para prestar atención sanitaria en el área de especialidad.

Palabras clave: internado no médico; especializacíon; enfermería

 

Introdução

Os cursos de especialização têm como objetivo desenvolver competências direcionadas para uma área específica de intervenção ao nível de cuidados de saúde primários e/ou diferenciados. A aquisição de habilidades profissionais específicas tem como finalidade dar resposta às necessidades de cuidados de saúde das populações e direcionada para a inserção no mercado de trabalho. Abarca questões do dia-a-dia laboral, capacitando o enfermeiro para uma intervenção fundamentada na evidência científica e direcionada para um contexto situacional de saúde no cuidado à pessoa/família (Paz & Dagmar, 2011).

A formação de enfermeiros especialistas, além de ser uma necessidade da sociedade portuguesa, permite que muitos profissionais se possam qualificar, tornando-os mais aptos para prática dos cuidados especializados e, ainda, uma mais-valia para o desenvolvimento do ensino da enfermagem.

Este estudo possibilita verificar a coerência entre a capacitação recebida pelos enfermeiros especialistas e a qualidade do cuidado da enfermagem, possibilitando a redefinição curricular de acordo com o resultado do exercício profissional. Neste sentido, o estudo conduz, também, a uma reflexão sobre a contribuição do Curso de Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica (CEEMC), frequentado numa escola superior de enfermagem portuguesa, para a prática profissional de enfermagem.

Assim, definimos como objetivo deste estudo analisar as expectativas profissionais dos enfermeiros especialistas que frequentaram um CEEMC em Portugal.

 

Enquadramento

Em 1981 é publicada, em Diário da República, a carreira da profissão de enfermagem pelo Decreto-Lei n.º 305/81 de 12 de novembro que, pela primeira vez em Portugal, consagra uma única carreira para a profissão, independentemente, da área ou local do exercício profissional. Com a integração do ensino de enfermagem no sistema educativo nacional, o referido Decreto-Lei foi retificado pelo Decreto-Lei n.º 437/91 de 8 de novembro continuando este a contemplar a avaliação dos enfermeiros por enfermeiros, a definir as competências para as diferentes categorias, donde se destaca como condição sine qua non para ascender à categoria de enfermeiro-chefe ter a categoria enfermeiro-especialista.

Conforme o Decreto-Lei n.º 437/91 de 8 de novembro, o curso de especialização em enfermagem continuou a ser pré-requisito para quem quisesse ingressar no Curso de Administração de Serviços, imprescindível para os que almejavam os cargos da administração (Carmo, 1994).

Conforme o referido no diploma, manteve-se a necessidade de desenvolver, em Portugal, a formação pós-básica em enfermagem.

Neste contexto, as três escolas de enfermagem em Lisboa, Coimbra e Porto oferecem educação pós-básica desde 1983, nomeadamente programas de enfermagem de especialização (Amendoeira, 2009). É de salientar o diploma publicado em 1985 que cria, nesse ano, o CEEMC (Nunes, 2007).

Até então não havia em Portugal enfermeiros especialistas em enfermagem médico-cirúrgica. Foram, então, solicitados, às organizações de saúde, enfermeiros habilitados para constituírem o corpo docente até que as escolas de enfermagem pós-básica formassem uma equipa qualificada (Pacheco, Oliva, & Lopes, 2005).

Os mesmos autores referem que CEEMC tinha como finalidade a formação de enfermeiros especialistas em enfermagem médico-cirúrgica com foco nos doentes em situação crítica, na gestão de serviços de saúde, no ensino e na participação em trabalhos investigação.

A integração do ensino de enfermagem no sistema educativo nacional acontece em 1988. Com as consequentes alterações nos cursos de enfermagem, entre as quais se salienta a criação dos cursos de estudos especializados em enfermagem, preconizava-se, desta forma, o desenvolvimento de enfermagem como uma disciplina com autonomia científica e pedagógica contribuindo, assim, para o reconhecimento social da profissão (Pedrosa, 2001).

Constata-se ser em 1994 que são criados e regulamentados os cursos de estudos superiores especializados em enfermagem pela Portaria 239/94 de 16 de abril (Michel, Vieira, & Gutiérrez, 1992).

Também, em 1996 é publicado o Regulamento do Exercício Profissional para Enfermeiros (REPE) clarificando conceitos, funções autónomas e interdependentes, bem como os direitos dos profissionais (Carrijo, 2006; Carvalho, 2010).

A Ordem dos Enfermeiros Portugueses (OE) é criada em 1998 e, concomitantemente, são estabelecidas as condições para a consolidação da autonomia da profissão de enfermagem de onde se destacam atribuições como: promoção da qualidade dos cuidados de enfermagem; regulamentação e controlo da profissão de enfermagem; respeito pelas regras da ética e deontologia profissional (Carvalho, 2010).

Face às constantes mudanças da sociedade em que vivemos, reflexo da evolução da ciência, construção de conhecimento e desenvolvimento de técnicas inovadoras nas diferentes áreas profissionais, especificamente na área da saúde, é imprescindível a capacitação profissional dos enfermeiros. Para dar resposta a esta nova realidade são criados os cursos de especialização em enfermagem.

O CEEMC é uma pós-licenciatura que atribui o título de especialista, conferido pela Ordem dos Enfermeiros, àqueles com reconhecida competência técnica e humana para prestar cuidados gerais e específicos na sua área de especialidade (Ministério da Saúde, 1998).

A OE (2011) define as competências comuns de enfermeiro especialista nos domínios do desenvolvimento de capacidades da responsabilidade profissional, ético, legal, da melhoria da qualidade, na gestão de cuidados e de desenvolvimento de aprendizagens profissionais.

De acordo com o Regulamento n.º 122/2011 de 18 de fevereiro:

Seja qual for a área de especialidade, todos os enfermeiros especialistas partilham de um grupo de domínios, consideradas competências comuns - a atuação do enfermeiro especialista inclui competências aplicáveis em ambientes de cuidados de saúde primários, secundários e terciários, em todos os contextos de prestação de cuidados de saúde. Também envolve as dimensões da educação dos clientes e dos pares, de orientação, aconselhamento, liderança e inclui a responsabilidade de descodificar, disseminar e levar a cabo investigação relevante, que permita avançar e melhorar a prática da enfermagem. (OE, 2011, p. 8648)

 

Questão de investigação

Qual a expectativa dos enfermeiros especialistas após a realização do curso de especialização em enfermagem?

 

Metodologia

É um estudo qualitativo do tipo exploratório, proveniente do doutoramento sanduíche desenvolvido em Portugal. Foram participantes deste estudo, 10 enfermeiros, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: terem realizado o CEEMC, trabalharem num hospital de ensino de grande porte, no período de janeiro e fevereiro de 2012 e aceitarem participar no estudo, confirmando a sua concordância mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Amostra não probabilística de conveniência, constituída por 10 enfermeiros especialistas.

Para a colheita de informações utilizámos a técnica da entrevista semiestruturada, com questões norteadoras: “Fale-me sobre a sua trajetória de vida, pessoal, social e profissional a partir da realização do CEEMC, até ao momento atual?”; “Refira os motivos que o levaram a realizar o curso?”; Como é que o curso contribuiu, efetivamente, para o exercício profissional?”.

A colheita das informações foi iniciada após o desenvolvimento das seguintes etapas: autorização da Organização de Ensino e de Saúde para o desenvolvimento da pesquisa e identificação e localização dos sujeitos.

Para identificar os enfermeiros especialistas, adotámos os critérios de inclusão atrás referidos. Foram excluídos os enfermeiros que se negaram ou estavam afastados do serviço no período da colheita. Nesse sentido, obtivemos informação no serviço de enfermagem sobre os enfermeiros que possuíam especialização, que nos cedeu o nome e as unidades onde exerciam funções no hospital. Deste modo identificámos e localizámos 15 enfermeiros especialistas, dos quais, por diferentes fatores, cinco não puderam participar no estudo, sendo entrevistados 10 enfermeiros especialistas durante os meses de janeiro e fevereiro de 2012.

Após a identificação e localização dos sujeitos, fizemos contacto pessoal, a fim de explicar a intenção da pesquisa, objetivos e a importância da sua participação no estudo. Nesse momento alguns sujeitos disponibilizaram-se, imediatamente, a serem entrevistados e outros agendaram hora e local para um momento posterior.

Antes de iniciarmos a entrevista, explicámos os objetivos, a natureza e as possíveis repercussões do estudo, garantimos aos participantes o anonimato, pedimos autorização para a gravação digital das entrevistas e solicitámos a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A entrevista ocorreu nas dependências do hospital, em local escolhido pelos entrevistados, próximo da unidade onde o enfermeiro exercia as suas funções, evitando-se a possibilidade de interrupção por terceiros.

Nesta pesquisa o processo de análise foi dinâmico, contínuo, metódico, compreensível, reflexivo e flexível, visando ao melhor aproveitamento das entrevistas. Foram concluídas 42 horas e 30 minutos de transcrição, na qual utilizámos o software profissional, Express Scribe 5.20, para controlo do áudio. A fim de salvaguardar a sua identidade, os participantes receberam a letra P de participante e a numeração de 1 a 10.

Posteriormente, submetemos as narrativas à técnica de análise de conteúdo do tipo temática, seguindo as três etapas assim determinadas: pré-análise; exploração do material e tratamento dos dados com a sua interpretação e inferências (Bardin, 2009). Desse modo, fizemos a leitura flutuante do conteúdo das 10 entrevistas para o conhecer, com a finalidade de constituir o corpus direcionado para o objeto da pesquisa. Posteriormente, na segunda fase ou de exploração do material, fizemos leituras exaustivas do conteúdo das entrevistas com recurso à semântica. Em seguida realizámos a decomposição, recortes, codificação, e a categorização para análise e interpretação.

 

Resultados

Com o tratamento das informações, foram construídas, neste estudo, duas categorias de análise: Ausência de mudanças na carreira profissional após a realização do curso e Contribuições do curso no percurso pessoal e profissional, que descrevem seguidamente:

Ausência de mudanças na carreira profissional após a realização do curso

Nesta categoria os participantes relataram que não houve mudanças na sua trajetória profissional após o términus do curso pois a carreira de enfermagem está estagnada, não havendo mudanças de funções, nem abertura de concursos para enfermeiros especialistas, o que foi manifestado da seguinte forma: “Depois da especialidade, não houve muita mudança, porque é uma coisa recente . . . perspetivas, neste momento, não há muitas, porque o mercado de trabalho está complicado. A situação económica não há perspetivas de abrir quadro para especialidade” (P.1; janeiro, 2012);

Eu não sinto grandes alterações. Também a carreira de enfermeira, em Portugal, tá um bocado parada, . . . a carreira estagnou um pouco, dada também a todas as condições económicas e políticas do país. Está tudo parado em termos de progressões na carreira. Porque há uns anos atrás, após ter terminado a especialidade, havia um concurso para enfermeira especialista e a gente tinha como remuneração no estatuto passar a uma categoria diferente. E atualmente tudo está parado. (P.2; janeiro, 2012)

Em relação à parte profissional, não mudou nada desde que eu estou a fazer exatamente a mesma coisa que fazia antes, tenho exatamente as mesmas funções . . . exatamente, porque estou exatamente no mesmo escalão, exatamente com o mesmo ordenado, portanto igualzinha a mim própria. (P.7; fevereiro, 2012)

Antes do curso, eu fazia uma coordenação de uma equipa de enfermagem, já desde 2007 e basicamente continuei a desempenhar as mesmas funções. Em termos de carreira, não houve, não abriram concursos, não é? Neste momento, estamos todos do quadro parados neste sentido. (P.9; fevereiro, 2012)

Neste momento, tá tudo fechado e, com os cortes que tem estado a fazer, reflete, também, em alguns cuidados que se tenta rever ao máximo aos doentes, não é? É . . . e a nós também . . . Também nos fecham um bocado de portas, não é? Não vão fechar para uns e abrir para outros. São para toda gente. (P.4; janeiro, 2012)

Face ao exposto, em consonância com as unidades de registo, podemos concluir que os participantes foram pragmáticos em relação ao facto de o curso não proporcionar mudanças na sua carreira profissional concomitantemente com a crise económica instalada em Portugal desde 2008. Desta forma, a falta de progressão profissional após o curso justifica a evidência desta categoria.

Contribuições do curso no percurso pessoal e profissional

Nesta categoria, a maioria dos participantes afirmou que o curso contribuiu para ampliar o conhecimento, alterar a forma de olhar os utentes e por consequência, a competência profissional. O que pode ser exemplificado nos recortes das falas abaixo:

“Passei a olhar para as pessoas com mais atenção, com mais necessidade de explicar algumas coisas mesmo que não me perguntassem. Na vida social, não. Continua tudo igual, com meus pais, meus amigos, meus colegas de trabalho” (P.4; janeiro, 2012);

“A especialidade abriu portas numa maneira de ver coisas e na maneira de encarar os desafios. Como encará-los e como ultrapassá-los; como aproveitar cada oportunidade para ser encarada como desafio e como ultrapassar e não apenas como obstáculo” (P.8; fevereiro, 2012);

“Agora, durante a minha prestação de cuidado, eventualmente, claro que a especialidade me forneceu mais conhecimentos teóricos, fez-me refletir sobre nossos conhecimentos práticos” (P.9, fevereiro, 2012);

“Porque me sinto mais desperta para situações que anteriormente não me sentia. E acho que é preciso ter maior sensibilidade, mais desperta para certas realidades que anteriormente, se calhar eu não me sentia mais desperta” (P.10; fevereiro, 2012);

. . . E isto basicamente foi um belo contributo que a especialidade trouxe. . . . uma noção mais alargada em termos daquilo que é necessário para organizar um conjunto de atividades, ou seja, o que é que eu quero dizer: não é sobre o cuidado sobre doente, mas aprender no fundo a gerir toda a complexidade de doentes que a gente tem de forma eficaz. (P.5; janeiro, 2012)

Os participantes afirmaram também que a realização do CEEMC contribuiu para uma visão mais crítica em relação à sua prática e conferiu-lhes background para encarar os desafios com que se deparam na prática do cuidado de enfermagem. Contudo, afirmaram não observarem mudanças na vida pessoal e profissional após curso.

 

Discussão

Em relação à primeira categoria percebemos que o enfermeiro que fez o curso de especialização constata não haver ascensão profissional após tornar-se especialista, em virtude da crise, instalada na Europa desde 2008, o que provocou dentre outras consequências a estagnação da carreira do enfermeiro, inviabilizando a progressão na carreira dos especialistas.

As profissões da saúde encontram-se diretamente interligadas com a lógica capitalista e, por isso, ligadas ao seu movimento histórico, sofrendo oscilações em determinados períodos relacionados com a redução da produção do capital (Produto Interno Bruto), consequente, redução de postos de trabalho e estagnação do mercado (Lanza, Campanucci, & Baldow, 2009).

Neste entendimento, percebemos que o curso de especialização em enfermagem não se constitui, pois, numa esfera marginal e autónoma, mas está em estreita relação com o contexto socioeconómico no qual a sociedade está organizada e inserida e se articula com o setor saúde.

É importante ressaltar que no sistema português no Decreto-Lei n.º 305/81 de 12 de novembro, que reestruturou a carreira de enfermagem instituiu o enfermeiro especialista e a exigência deste título para a ascender ao cargo de chefia. No entanto, essa ascensão está na dependência de abertura pelo governo de concurso para o cargo (Decreto-Lei n.º 305/81, de 12 de novembro).

Do exposto, podemos considerar que, no términus do curso, o enfermeiro tem consciência da interferência do Estado no processo de estagnação da sua carreira.

Em relação à segunda categoria, os participantes demonstraram consciencialização das mudanças que ocorreram no seu modo de entender e de exercer as suas funções como enfermeiro por meio de aquisição de novos conhecimentos e competências, adquirindo mais segurança na tomada de decisão e na capacidade visão holística e individualização das necessidades do paciente.

Deste modo, os enfermeiros especialistas consideram uma mais-valia terem realizado o curso pois permitiu-lhes estabelecer, de facto, uma relação terapêutica e desenvolver um cuidado mais humanizado no sentido da individualização do paciente e familia (Anderson, Linden, Allen, & Gibbs, 2009).

Acredita-se que profissionais mais qualificados e conscientes da sua prática profissional, com capacidade crítica e de resolução problemas, são fulcrais para a melhoria do nível da qualidade da assistência em saúde (Carbogim, Santos, Alves, & Silva, 2010).

A construção do conhecimento é essencial ao exercício da profissão de enfermagem para, de forma eficaz, solucionar problemas de saúde inerentes ao cuidado de saúde, à análise crítica sobre a prática profissional, e ao agir com segurança tendo como base a tomada de decisão responsável (Silva, Cordeiro, Fernandes, Silva, & Teixeira, 2014).

A realização do curso de especialização proporcionou também atualização, o aprofundamento do conhecimento que se repercutiu de forma positiva na prática profissional através dum olhar mais amplo, reflexão sobre a sua prática e do pressuposto que o ser humano não é fragmentado.

De forma a reforçar esta ideia, os cursos de especialização para enfermeiros aumentam o capital intelectual humano, promovem uma melhoria na qualidade do cuidado, maior aprendizagem e mudança em todas as organizações de saúde (Anderson, Hair, & Todero, 2012).

Contudo, é necessário que o enfermeiro tenha domínio do conhecimento inerente à sua área de atuação profissional não só prática, mas também científica para que o cuidado de saúde prestado seja seguro, eficaz e que atenda às expectativas de uma assistência de qualidade (Carbogim et al., 2010).

No entanto, as implicações decorrentes das mudanças, que foram proporcionadas pelo curso de especialização em enfermagem, culminaram num mercado cada vez mais competitivo, e com a presença de utentes conscientes e exigentes face aos seus direitos. Esta realidade passou a direcionar a necessidade de um novo perfil de profissionais capazes de assumirem responsabilidades e tomarem decisões relativamente resolução das situações mais complexas.

Nesse sentido a formação de especialistas deve ir ao encontro das necessidades do mercado de trabalho, pelo que o perfil profissional exige ideias inovadoras e atuais, capacidade de compreender a filosofia da prestação de cuidados de saúde e de instituir estratégias mais eficazes na resolução dos problemas de saúde das populações (Paz & Dagmar, 2011; Maxwell, 2011).

Enfim, a enfermagem, como prática social, foi igualmente englobada nas reformulações gerenciais e tecnológicas do setor saúde, que implicam alterações na natureza e no processo de trabalho dos enfermeiros e, consequentemente, na necessidade de qualificação para o exercício da sua prática e aquisição de novas competências.

As limitações do estudo relacionam-se com o método adotado, pelo fato do estudo ter sido desenvolvido apenas com 10 enfermeiros.

 

Conclusão

O curso de especialização em enfermagem contribuiu para o desenvolvimento profissional do enfermeiro especialista, ampliando o seu conhecimento, a sua competência, o raciocínio crítico, a melhoria na resolução de problemas e na tomada de decisão.

Contudo, o cenário político-económico mundial tem vindo a transformar o mercado de trabalho principalmente na área de saúde tornando-o mais diversificado, complexo e dinâmico, exigindo dos profissionais competências específicas, maior eficiência e eficácia na prestação de cuidados de saúde e adaptação às constantes mudanças físicas, biológicas, psíquicas, espirituais, culturais e ambientais. Entretanto a instabilidade deste cenário tem vindo a interferir no mercado de trabalho do enfermeiro tornando-o escasso e precário, causando a estagnação no percurso profissional de enfermagem.

Face ao referido contexto sugerimos que sejam realizados outros estudos com população mais alargada e de diferentes áreas de especialização para uma melhor e fidedigna resposta à problemática em questão.

 

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Recebido para publicação em: 27.09.17

Aceite para publicação em: 28.12.17

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