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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.16 Coimbra Mar. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV17078 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Fragilidade e fatores de risco associados em pessoas idosas independentes residentes em meio rural

Frailty and associated risk factors in independent older people living in rural areas

Fragilidad y factores de riesgo asociados en personas ancianas independientes residentes en el medio rural

 

Leonel São Romão Preto*; Maria do Carmo Dias da Conceição**; Simone Isabel Soeiro Amaral***; Telma Martins Figueiredo****; Pedro Miguel Barreira Preto*****

* Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Bragança, 5300-121, Bragança, Portugal [leonelpreto@ipb.pt]. Contribuição no artigo: Desenho do estudo, acompanhamento metodológico e escrita do artigo. Morada para correspondência: Vale Chorido. Rua Senhor dos Perdidos, Lote 101, 5300-121, Bragança, Portugal.

** MsC., Enfermeira, Unidade de Cuidados Continuados Integrados, Santa Casa da Misericórdia de Murça, 5090-138, Vila Real, Portugal [mcarmodc28@gmail.com]. Contribuição no artigo: Revisão do artigo.

*** MsC., Enfermeira, Cuidados Continuados, Liga dos Amigos do Centro de Saúde de Alfândega da Fé, 5350-009, Alfândega da Fé, Portugal [simone_amaral15@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Recolha de dados e pesquisa bibliográfica.

**** MsC., Enfermeira, Cuidados Continuados, Liga dos Amigos do Centro de Saúde de Alfândega da Fé, 5350-009, Alfândega da Fé, Portugal [TelmaFigueiredo24@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Recolha de dados e pesquisa bibliográfica.

***** MsC., Enfermeiro, Unidade Hospitalar de Bragança, Serviço de Traumatologia, Unidade Local de Saúde do Nordeste, EPE, 5301-852, Bragança, Portugal [pedrobarreirapreto@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Tratamento e avaliação estatística.

 

RESUMO

Enquadramento: O diagnóstico da síndrome de fragilidade é essencial ao planeamento de intervenções em saúde do idoso.

Objetivo: Avaliar a prevalência e os fatores associados à fragilidade em idosos que residem em comunidades rurais.

Metodologia: Estudo transversal que avaliou 435 idosos classificados segundo o fenótipo de fragilidade. Aplicámos ainda os seguintes instrumentos: Breve Questionário Portátil sobre o Estado Mental (BQPEM), Índice de Comorbidade de Charlson (ICC), Índice de Barthel (IB) e Escala Lawton e Brody (ELB). Utilizámos testes de associação, comparação de médias e análise de correlações (p < 0,05).

Resultados: Amostra (74,3 ± 7,1 anos) maioritariamente feminina (62,3%). Encontrámos prevalências de 33,3% para não-fragilidade, 46,2% para pré-fragilidade e 20,5% para fragilidade. A condição de fragilidade associou-se a saúde autopercebida, intensidade da dor, uso de meios auxiliares de marcha e problemas sensoriais. Os idosos frágeis apresentavam maior dependência nas atividades de vida diária.

Conclusão: O score do ICC, as pontuações obtidas na ELB, a idade e o número de medicamentos consumidos diariamente foram, por esta ordem, as variáveis que mais se correlacionaram com fragilidade.

Palavras-chave: envelhecimento; idoso fragilizado; nível de saúde; enfermagem; população rural

 

ABSTRACT

Background: The diagnosis of the frailty syndrome is essential in the planning of elderly health interventions.

Objective: To assess the prevalence of frailty among older people living in rural communities and its associated factors.

Methodology: A cross-sectional study was conducted with 435 elderly subjects who were classified according to the frailty phenotype. The following instruments were also applied: Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ), Charlson Comorbidity Index (CCI), Barthel Index (BI), and Lawton And Brody Instrumental Activities Of Daily Living (IADL) Scale. Association tests, mean comparison tests, and correlation analysis (p < 0.05) were used.

Results: The sample (74.3 ± 7.1 years) was predominantly female (62.3%) and showed prevalence rates of 33.3% for non-frailty, 46.2% for pre-frailty, and 20.5% for frailty. Frailty was associated with self-perceived health, pain intensity, use of walking aids, and sensory problems. Frail older people were more dependent on activities of daily living.

Conclusion: Stronger correlations were found between frailty and the CCI and ELB scores, age, and number of medications per day, in this order.

Keywords: aging; frail elderly; health status; nursing; rural population

 

RESUMEN

Marco contextual: El diagnóstico del síndrome de fragilidad es esencial para planificar intervenciones en torno a la salud del anciano.

Objetivo: Evaluar la prevalencia y los factores asociados a la fragilidad en ancianos que residen en comunidades rurales.

Metodología: Estudio transversal que evaluó a 435 ancianos clasificados según el fenotipo de fragilidad. Asimismo, se aplicaron los siguientes instrumentos: Breve Cuestionario Portátil sobre el Estado Mental, Índice de Comorbilidad de Charlson (ICC), Índice de Barthel (IB) y Escala de Lawton y Brody (ELB). Se utilizaron test de asociación, comparación de medias y análisis de correlaciones (p < 0,05).

Resultados: Muestra (74,3 ± 7,1 años) mayoritariamente femenina (62,3%). Se encontraron prevalencias del 33,3% para no fragilidad, del 46,2% para prefragilidad y del 20,5% para fragilidad. La fragilidad se asoció a la salud autopercibida, la intensidad del dolor, el uso de medios auxiliares de marcha y los problemas sensoriales. Los ancianos frágiles presentaban mayor dependencia en las actividades de la vida diaria.

Conclusión: La puntuación del ICC, las puntuaciones obtenidas en el ELB, la edad y el número de medicamentos consumidos diariamente fueron, por este orden, las variables que más se correlacionaron con la fragilidad.

Palabras clave: envejecimiento; anciano frágil; estado de salud; enfermería; población rural

 

Introdução

Em Portugal observa-se um aumento da longevidade associado a uma redução da população ativa e de jovens, o que se traduz num elevado índice de envelhecimento, e justifica a criação de redes sociais e de saúde que visem a promoção da autonomia e manutenção dos idosos na sua comunidade de origem o maior número de anos possível (Rodrigues et al., 2015). Neste quadro demográfico é relevante entendermos as condições relacionadas com o envelhecimento nas quais possamos intervir após correto diagnóstico, como por exemplo o declínio funcional e a fragilidade.

De acordo com a teoria fenotípica, a fragilidade pode ser definida como um estado clinicamente reconhecível de vulnerabilidade em múltiplos sistemas fisiológicos, os quais perderam a capacidade de enfrentar com sucesso os fatores de stress a que diariamente são sujeitos (Fried et al., 2001; Xue, 2011). Como síndrome clínico, a fragilidade pode identificar-se pela presença de alguns critérios de um fenótipo que, de acordo com Fried et al. (2001), incluem a perda de peso no último ano, a presença de fadiga, um baixo nível de atividade física, a diminuição da velocidade da marcha e a redução da força da mão. Por outro lado, e segundo este referencial teórico, a síndrome de fragilidade pode ser prevenida nas suas consequências mais adversas (incapacidade, institucionalização/hospitalização ou morte).

Diversos autores ressaltam que a incapacidade implica perda de função enquanto a fragilidade indicia risco de perda funcional, sendo que a incapacidade em idosos é geralmente um ponto de não retorno, sempre precedida por fragilidade, a qual por sua vez é precedida por um estado de pré-fragilidade (Campbell & Buchner, 1997; Fried et al., 2001; Strandberg, Pitkälä, & Tilvis, 2011).

A perspetiva de que tornar-se frágil não é uma condição inevitável do envelhecimento, e que a incapacidade apresenta condições antecessoras, abre um amplo caminho à investigação e à prevenção primária.

Apesar de a fragilidade ser alvo de muitos estudos internacionais, parece-nos que a temática não tem sido preponderante na agenda de pesquisa em enfermagem. Com efeito, uma revisão sistemática analisou o que tem vindo a ser produzido pela enfermagem sobre fragilidade e concluiu pela existência de apenas 16 artigos, 14 deles publicados em língua inglesa e dois em língua portuguesa (Linck & Crossetti, 2011). Do mesmo modo, e segundo Duarte e Paúl (2015), são muito escassos os trabalhos desenvolvidos neste domínio por investigadores portugueses.

Assim, face ao contexto de envelhecimento em Portugal, à relevância de conhecermos melhor o perfil de fragilidade em pessoas idosas e à escassa investigação existente no nosso país, desenvolvemos um trabalho que teve como objetivos determinar a prevalência da fragilidade em idosos independentes, a residir em comunidades rurais e caracterizar os fatores a ela associados.

 

Enquadramento

Embora ainda não exista um padrão de ouro universalmente aceite para identificá-la com precisão no idoso em processo de envelhecimento, os fundamentos teóricos da fragilidade estão bem descritos na literatura e a sua definição tende a considerar esta condição como uma síndrome geriátrica, distinta de incapacidade e enfermidade, que resulta da redução de energia e da capacidade de reserva, potenciando riscos e resultados adversos em saúde e passível de ser remediada ou prevenida (Apóstolo et al., 2017; Fried et al., 2001; Strandberg et al., 2011; Xue, 2011). O estado da arte sugere a existência de alguns fatores determinantes na instalação da síndrome, entre eles os genéticos, doença subclínica e sequelas de patologias agudas ou trauma, estilos de vida/meio ambiente e idade (Strandberg et al., 2011). Chen, Mao, e Leng (2014) hipotetizam que os fatores atrás referidos são potencializados (ou ativados) por mecanismos inflamatórios e imunológicos, causando alterações musculosqueléticas (dinapenia, sarcopenia, osteopenia), endócrinas (alterações hormonais) e cardiovasculares (fadiga, arteriosclerose). Segundo os mesmos autores, o processo desenvolve-se numa primeira fase pela instalação de sinais e sintomas típicos de fragilidade (fenótipo) e, finalmente, pelo surgimento de resultados adversos em saúde como quedas, incapacidade, dependência (Chen et al., 2014). Nesta trajetória existe maior potencial de reversibilidade em situações de pré-fragilidade, sendo que a síndrome atinge um ponto de difícil retorno após a instalação da incapacidade/ dependência (Strandberg et al., 2011).

A prevalência de fragilidade entre a população idosa tem sido objeto de vários estudos, os quais apresentam uma limitação em termos de comparação de resultados, devido à variabilidade de instrumentos utilizados bem como à natureza e composição das amostras estudadas (Apóstolo et al., 2017). Assim, a prevalência de fragilidade em idosos a residir na comunidade apresenta um grande intervalo de variação entre estudos (amplitude entre 4,0-59,1%; Collard, Boter, Schoevers, & Oude Voshaar, 2012). É consensualmente aceite o facto de a fragilidade aumentar com a idade, ser mais prevalente em mulheres e na presença de doenças crónicas (Collard et al., 2012). A prevalência tende a aumentar relacionada com o nível socioeconómico, comorbidades, déficits associados, presença de incapacidades e institucionalização (Strandberg et al., 2011).

Pegorari e Tavares (2014) encontraram uma prevalência de fragilidade de 12,8% em idosos brasileiros a residir em áreas urbanas, caracterizando-se os participantes frágeis por apresentarem idades superiores aos 80 anos, tomarem cinco ou mais medicamentos diários, apresentarem maior frequência de hospitalização recente, maior dependência para a realização de atividades de vida diária e maior sintomatologia depressiva. Já em idosos brasileiros rurais, foi encontrada uma prevalência de fragilidade de 23,8%, com um perfil caracterizado maioritariamente por mulheres, idade avançada e negativa perceção do estado de saúde (Júnior, Carneiro, Coqueiro, Santos, & Fernandes, 2014).

Uma outra investigação realizada na Europa concluiu que a prevalência de fragilidade era maior nos países do sul, provavelmente devido a fatores socioeconómicos, educacionais e sanitários (Santos-Eggimann, Cuénoud, Spagnoli, & Junod, 2009). Portugal não foi incluído neste estudo, mas analisando os resultados para Espanha (o país que obteve maiores taxas) a pré-fragilidade e a fragilidade eram prevalentes em 50,9% e 27,3% dos idosos a residir na comunidade (Santos-Eggimann et al., 2009).

Já em Portugal, um trabalho realizado com idosos do concelho de Guimarães relata taxas de fragilidade fenotípica de 50,9% de indivíduos pré-frágeis e 34,9% de indivíduos frágeis (Duarte & Paúl, 2015).

 

Hipóteses

O presente estudo tem por base as seguintes hipóteses de investigação: (i) A condição de fragilidade está associada às características sociodemográficas dos idosos residentes nos concelhos de Murça e Alfândega da Fé; (ii) A condição de fragilidade dos idosos está associada às variáveis clínicas (problemas sensoriais, intensidade da dor, quedas e internamentos anteriores e uso de meios auxiliares de marcha); (iii) A diferença de médias encontradas nas variáveis sociodemográficas, antropométricas e clínicas de natureza quantitativa, diferem significativamente, pelas categorias da variável condição de fragilidade; (iv) Existe correlação entre fragilidade, score do Índice de Comorbidade de Charlson, Índice de Barthel, intensidade da dor, idade e número de medicamentos diários.

 

Metodologia

Tendo em conta o objetivo da investigação, foi desenhado um estudo observacional, transversal de natureza quantitativa. O trabalho decorreu em dois concelhos da província de Trás-os-Montes e Alto Douro (Murça e Alfandega da Fé) escolhidos por conveniência e facilidade de acesso por parte da equipa de investigação. A população total de pessoas com mais de 65 anos de idade a residir nestes dois concelhos, eminentemente rurais, é de 3334 indivíduos. O tamanho da amostra foi calculado para um erro amostral de 5%, um nível de confiança de 95% e uma proporção esperada de 50%, acrescentando 20% para possíveis perdas e presença de critérios de exclusão. Por amostragem estratificada por zona geográfica os participantes foram selecionados aleatoriamente a partir de listas de moradores fornecidas pelas juntas de freguesia, recolhendo em cada local um número de participantes, proporcional ao seu tamanho na população total.

Foram critérios de exclusão: possuir incapacidade para a marcha e deficit cognitivo grave (após rastreio pelo Breve Questionário Portátil sobre o Estado Mental; Pfeiffer, 1975). Os dados foram obtidos pelos mesmos investigadores, seguindo protocolos uniformizados e treino prévio em equipa de investigação. A informação foi recolhida entre janeiro e junho de 2016 nas instalações das juntas de freguesia, com as quais trabalhámos em estreita colaboração. Para evitar vieses, todos os idosos foram avaliados durante a tarde, tendo decorrido pelo menos 1 hora após a última refeição.

Utilizámos questionário sociodemográfico e clínico. Na avaliação sensorial inquirimos a existência de problemas de visão, audição e deglutição através do autorrelato do idoso. Quanto às condições de saúde pesquisámos o número de medicamentos tomados diariamente, a história de quedas nos últimos 6 meses, o número de internamentos no último ano e o uso de meios auxiliares de marcha. Avaliámos ainda o estado de saúde autopercebido através de uma escala de 4 pontos, variando a perceção de excelente a . Nas variáveis clínicas e antropométricas avaliámos a dor percebida na última semana, peso, altura e Índice de Massa Corporal (IMC). Operacionalizámos estas questões de acordo com instrumentos usados em estudos similares, sobretudo os desenvolvidos pelo Grupo de Investigação em Gerontologia da Universidade da Corunha. Na pesquisa de doenças crónicas recorremos ao Índice de Comorbidade de Charlson (ICC), ajustado por idade. O ICC engloba 17 comorbidades, pontuadas com 1, 2, 3, ou 6 pontos, de acordo com o seu impacto no prognóstico. Ao score final é acrescentado um ponto por cada década de vida acima dos 50 anos (Charlson, Szatrowski, Peterson, & Gold, 1994). A capacidade funcional para a execução de atividades básicas e instrumentais de vida diária foi avaliada, respetivamente, através do Índice de Barthel (IB) e da Escala de Lawton e Brody (ELB).

Relativamente à variável dependente fragilidade ela foi operacionalizada de acordo com o fenótipo de fragilidade (Fried et al., 2001). Seguindo esta metodologia, os seguintes critérios foram mensurados: (i) Perda de peso não-intencional de 4,5Kg, ou mais de 5% da massa corporal no último ano; (ii) Fadiga autorrelatada; (iii) Baixo nível de atividade física, ajustado por sexo; (iv) Diminuição da velocidade da marcha, medida pelo tempo demorado a percorrer 4,57m e ajustada por sexo e altura; (v) Diminuição da força de preensão manual avaliada por dinamómetro e ajustada por sexo e IMC. A presença de três ou mais critérios classificou os idosos como frágeis, a presença de um ou dois critérios classificou-os como pré-frágeis, e a inexistência de qualquer critério classificou-os como não-frágeis (Fried et al., 2001).

O peso foi avaliado em balança digital, com participante descalço e usando roupas leves. Na avaliação da fadiga foram utilizadas duas afirmações da Escala de Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos (CES-D; Radloff, 1977). Através destas afirmações “Eu senti que tudo o que fiz foi um esforço” e “Eu não conseguiria ir” mensurou-se a sensação de aumento do esforço para realização de tarefas habituais, de acordo com o número de vezes que, na última semana, foi efetuado esforço acrescido, ou falta de vontade, para realizar as tarefas. O critério considerou-se positivo quando os participantes respondiam afirmativamente para frequências iguais ou superiores a 3 dias por semana.

A atividade física (AF) foi avaliada através do Questionário Minnesota de Atividades Físicas e de Lazer e a estimativa do equivalente metabólico (MET) foi calculado, para cada atividade, usando uma folha Excel disponibilizada online por Ruiz Comellas et al. (2012). Após os cálculos, os idosos foram classificados, em função do gasto energético, pelas categorias Sedentários, Moderadamente ativos, Ativos e Muito ativos. Quando categorizados como Sedentários ou Moderadamente ativos considerou-se apresentarem critério de fragilidade para a AF.

A avaliação da velocidade da marcha foi realizada em piso regular. O idoso foi instruído a caminhar 7 metros, cronometrando-se o tempo, em segundos, para percorrer os 4,57m intermédios assinalados por marcas no solo. Os participantes cujos tempos excedessem 6 ou 7 segundos (conforme ajuste por sexo e altura) eram incluídos neste critério de fragilidade (Fried et al., 2001).

A força de preensão manual foi medida com o participante sentado em cadeira sem braços, ombro em adução e antebraço fletido a 90º. Utilizámos dinamómetro universal Jamar®, efetuando três avaliações em mão dominante, intervaladas por 1 minuto de descanso, e registando o valor médio obtido em quilogramas-força (Kgf), ajustado por sexo e IMC, segundo os pontos de corte fornecidos pela literatura para identificar sujeitos com este critério de fragilidade (Fried et al., 2001).

A informação foi introduzida no programa IBM SPSS Software, Versão 20.0, onde se procedeu à sua análise descritiva e inferencial. Recorremos a testes de associação, comparação de valores médios amostrais e análise de correlações. Foi considerado estatisticamente significativo um valor bicaudal de p < 0,05. Utilizámos ainda o Microsoft Excel para efetuar os cálculos relativos à AF.

O protocolo do estudo foi submetido à Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, obtendo parecer favorável, com número de registo 318/12-2015.

 

Resultados

Participaram no estudo 435 idosos, a maioria mulheres (62,3%). A prevalência de pré-fragilidade e fragilidade foi, respetivamente, de 46,2% e 20,5%, e os restantes 33,3% dos idosos apresentavam situação de robustez ou não-fragilidade (Figura 1).

Como se denota pela Tabela 1, a condição ser frágil prevaleceu em 23,3% das mulheres e 15,9% dos homens da amostra, com associação estatisticamente significativa entre as variáveis (p = 0,001). Dos fatores sociodemográficos que se relacionaram com a condição de fragilidade destacamos ainda o estado civil (p < 0,001) e a situação de aposentadoria (p < 0,001).

A maioria dos idosos (n = 336) apresentava dificuldades de visão, associados à condição de fragilidade (p = 0,014). Problemas de audição e deglutição foram relatados por 194 e 159 idosos, respetivamente, com ambas as condições clínicas a revelar associação ao perfil de fragilidade (p < 0,001). Observando a distribuição de frequências resultante do cruzamento das variáveis saúde autopercebida e fragilidade (p < 0,001) destaca-se o facto de nenhum idoso percecionar a sua saúde como excelente (Tabela 2).

Um considerável número (n = 87) relatou ter caído nos últimos 6 meses. A presença de internamentos no último ano (p = 0,001) e o uso de auxiliares de marcha (p < 0,001) foram outros fatores que se relacionaram com fragilidade (Tabela 2).

A idade média dos idosos rondou os 74 anos, observando-se (Tabela 3) que os indivíduos frágeis (79,6 ± 6,6 anos) são mais velhos que os pré-frágeis (75,4 ± 6,6 anos), e estes por sua vez mais velhos que os não-frágeis (69,5 ± 4,9 anos); com diferenças estatisticamente significativas entre grupos (p < 0,001).

Relativamente à comparação dos valores médios obtidos nas variáveis antropométricas pelos três grupos, encontrámos diferenças significativas para o peso (p < 0,001) e altura (p < 0,001), mas não para o IMC (p = 0,115). Observámos ainda (Tabela 3) que os idosos frágeis tomam diariamente um maior número de medicamentos (p < 0,001), apresentam mais comorbidades (p < 0,001), e pior pontuação média nos instrumentos que avaliam a independência funcional para a realização de atividades básicas de vida diária (ABVD) e atividades instrumentais de vida diária (AIVD; p < 0,001).

A Tabela 4 apresenta os resultados da análise de correlações de Spearman obtida entre a fragilidade e outras variáveis. Considerando a natureza ordinal da variável fragilidade (1 = não frágil; 2 = pré-frágil e 3 = frágil), a análise realçou a existência de cinco variáveis com ela correlacionadas, observando-se ainda que essas variáveis também se relacionam entre si de forma estatisticamente significativa. O maior valor foi observado entre fragilidade e scores do ICC, seguindo-se a correlação entre fragilidade e as pontuações da ELB, e a correlação entre fragilidade e a idade.

 

Discussão

A prevalência de fragilidade em idosos apresenta grande variação entre estudos, reportando-se uma amplitude de 4,0% a 59,1%, e uma prevalência ponderada de 13,6% para a fragilidade fenotípica (Collard et al., 2012). A distribuição sobre a condição de fragilidade que encontrámos está em linha com investigações internacionais, mas é inferior à relatada num estudo realizado em Portugal, no qual foi observada uma taxa de 34,9% (Duarte & Paúl, 2015). Quase metade das pessoas idosas por nós avaliadas apresentava pré-fragilidade. Esta condição atingiu a maioria dos idosos rastreados na comunidade em investigações de natureza similar (Duarte & Paúl, 2015; Júnior et al., 2014; Lenardt et al., 2016; Pegorari & Tavares, 2014). Tais resultados colocam importantes desafios às políticas de saúde e envelhecimento ativo, já que com o avançar da idade aumenta a probabilidade destas pessoas transitarem para frágeis (Apóstolo et al., 2017; Xue, 2011). O nosso país, especificamente, apresenta um quadro de envelhecimento sociodemográfico preocupante, sobretudo nas suas comunidades rurais, muito marcadas pelo despovoamento e isolamento social. O aumento das respostas sociais e de saúde, interdisciplinares, colaborativas e em rede, constitui, na nossa opinião, a melhor abordagem para a prevenção da síndrome de fragilidade. Um estudo realizado em Espanha, num contexto sociodemográfico muito semelhante ao que nós estudámos, encontrou uma tendência de maior mortalidade nos idosos frágeis a viver em zonas rurais, quando comparados com os que viviam em zonas urbanas (Lorenzo-López et al., 2016).

No nosso estudo, os níveis de gravidade da fragilidade aumentaram significativamente com a idade. Embora o envelhecimento não conduza inevitavelmente à fragilidade, esta condição é geralmente incrementada com o avançar dos anos, evidência que vários autores constataram (Collard et al., 2012; Fried et al., 2001; Santos-Eggimann et al., 2009).

Na presente investigação as mulheres apresentavam percentagens de pré-fragilidade e fragilidade superiores aos homens, com relevância estatística. A maior prevalência de fragilidade em mulheres é um dado consistente da literatura (Collard et al., 2012; Xue, 2011). Esta diferença poderá ser explicada pela maior longevidade das mulheres, pelo facto de serem mais afetadas pela osteoporose e ainda por possuírem menor massa e força muscular que os homens (Collard et al., 2012; Strandberg et al., 2011).

Os problemas sensoriais constituem importantes marcadores de fragilidade e devem ser objeto de rastreio na avaliação multidimensional da pessoa idosa. No presente estudo observámos associação entre fragilidade e autorrelato de problemas de audição. Um estudo longitudinal recente avaliou por audiometria 2000 idosos, concluindo que os portadores de dificuldades auditivas apresentavam um risco 63% maior de desenvolver fragilidade (Kamil et al., 2015). Torna-se pois importante que as pessoas idosas corrijam os problemas auditivos através de adequada vigilância médica e uso de próteses; recomendação extensível aos problemas de visão e deglutição.

A perceção do estado de saúde associou-se à condição de fragilidade, corroborando investigações prévias (Júnior et al., 2014). A literatura enfatiza que os idosos fragilizados apresentam menor qualidade de vida relacionada com a saúde e alta prevalência de doenças crónicas (Lenardt et al., 2016; Strandberg et al., 2011). É pois compreensível que a perceção do estado de saúde possa estar comprometida, e que a variável apresente grande sensibilidade para fragilidade.

Como fatores de risco associados à fragilidade encontrámos ainda as comorbidades e a dependência para a realização de ABVD, corroborando um estudo que concluiu que a existência de comorbidades atinge 46% dos idosos frágeis, e a dependência nas ABVD incide em 6% (Fried et al., 2001).

O estudo apresenta as limitações decorrentes de uma pesquisa transversal realizada num contexto geográfico específico e incluindo apenas idosos com capacidade de marcha e sem défice cognitivo, pelo que a generalização dos resultados a outras populações deve ser prudente. Pensamos, contudo, que poderá contribuir para o melhor conhecimento dos fatores associados à fragilidade em idosos e à reflexão sobre as práticas em saúde nesta população. A abordagem aos cuidados, incorporando o objetivo de diminuir a incidência da fragilidade, poderá refletir-se em ganhos de saúde.

 

Conclusão

Encontrámos uma prevalência de fragilidade de 20,5%. Os idosos fragilizados apresentavam um perfil marcado pela deficiente autoperceção do estado de saúde, maior intensidade da dor autoreferida para a última semana, uso de auxiliares de marcha e problemas sensoriais. Além disso, os idosos frágeis eram mais velhos, mais magros, consumiam mais medicamentos, apresentavam maior comorbidade e maior dependência para a realização de ABVD e AIVD.

O score do ICC, as pontuações obtidas na ELB, a idade e o número de medicamentos consumidos diariamente foram, por esta ordem, as variáveis que mais se correlacionaram com fragilidade. Excetuando a idade, estas variáveis são tratáveis ou modificáveis. A prevenção e/ou gestão da fragilidade é pois um objetivo realista, e o seu diagnóstico é fundamental ao planeamento de intervenções em saúde. Como profissionais essenciais na intervenção precoce, o contributo dos enfermeiros no campo da fragilidade entronca com a prevenção da incapacidade e dos riscos de alteração da funcionalidade.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 02.10.17

Aceite para publicação em: 05.12.17

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