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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.16 Coimbra Mar. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV17086 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

A pessoa submetida a transplante de fígado: terapêuticas de enfermagem no follow-up

Liver transplant recipients: nursing therapeutics during follow-up

La persona sometida a un trasplante de hígado: terapias de enfermería en el seguimiento

 

Liliana Mota*; Fernanda Santos Bastos**; Maria Alice Correia Brito***

* Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal [saxoenfermeira@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e análise estatística dos dados, discussão dos resultados e redação do artigo.

** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [fernandabastos@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise estatística dos dados, discussão dos resultados, revisão global do artigo.

*** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [alice@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise estatística dos dados, discussão dos resultados, revisão global do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A implementação de terapêuticas de enfermagem adequadas às reais necessidades da pessoa submetida a transplante de fígado pode ter impacto significativo nos resultados da transplantação pelo facto de, após transplante, a pessoa ser convidada a reformular a forma como é capaz de gerir o seu regime terapêutico em prol do sucesso.

Objetivo: Identificar os focos e intervenções implementados pelos enfermeiros em resposta às necessidades de cuidados identificadas na pessoa submetida a transplante de fígado.

Metodologia: Estudo qualitativo, retrospetivo, realizado num centro de transplantação, com recurso à análise estatística descritiva da documentação de enfermagem no período de julho de 2010 a setembro de 2014.

Resultados: O foco de enfermagem mais frequentemente identificado é a suscetibilidade à infeção (67,30%), com a implementação de intervenções essencialmente no âmbito do ensinar. A maioria das intervenções implementadas (57,07%) é do âmbito do observar.

Conclusão: O acompanhamento da pessoa submetida a transplante de fígado centra-se essencialmente nos processos corporais e na vigilância de sinais e sintomas de complicação da doença.

Palavras-chave: autocuidado; transplante de fígado; cuidados de enfermagem; sistemas de informação

 

ABSTRACT

Background: The implementation of nursing therapeutics adjusted to the actual needs of liver transplant recipients can have a significant impact on transplantation outcomes since, after transplantation, patients are encouraged to change the way in which they manage their therapeutic regimen towards success.

Objective: To identify the nursing foci and the interventions implemented to address the healthcare needs of liver transplant recipients.

Methodology: Qualitative, retrospective study conducted at a transplant center, using descriptive statistics to analyze nursing records between July 2010 and September 2014.

Results: The most common nursing focus was susceptibility to infection (67.30%) with the implementation of interventions related primarily to the teaching action type. Most of the interventions (57.07%) were related to the observing action type.

Conclusion: The follow-up of liver transplant recipients focuses essentially on bodily processes and the monitoring of signs and symptoms of disease complications.

Keywords: self care; liver transplantation; nursing care; information systems

 

RESUMEN

Marco contextual: La implementación de terapias de enfermería adecuadas a las necesidades reales de la persona sometida a un trasplante de hígado puede tener un impacto significativo en los resultados del trasplante por el hecho de que, después de este, se invita a la persona a reformular la forma en que es capaz de gestionar su régimen terapéutico para que tenga éxito.

Objetivo: Identificar los focos e intervenciones implementados por los enfermeros en respuesta a las necesidades de cuidados identificados en la persona sometida a trasplante de hígado.

Metodología: Estudio cualitativo, retrospectivo, realizado en un centro de trasplante, en el que se utilizó el análisis estadístico descriptivo de la documentación de enfermería en el período de julio de 2010 a septiembre de 2014.

Resultados: El foco de enfermería identificado con más frecuencia es la susceptibilidad a la infección (67,30%), con la implementación de intervenciones esencialmente en el ámbito de la enseñanza. La mayoría de las intervenciones implementadas (57,07%) es del ámbito de la observación.

Conclusión: El seguimiento de la persona sometida a un trasplante de hígado se centra esencialmente en los procesos corporales y en el control de los signos y síntomas de complicación de la enfermedad.

Palabras clave: autocuidado; trasplante de hígado; atención de enfermería; sistemas de información

 

Introdução

A transplantação emerge na vida dos clientes com doenças do fígado avançadas como a única terapêutica que lhes permite aumentar a sua esperança média de vida. Inicialmente, o transplante hepático era um procedimento de elevado risco, mas com os avanços na técnica cirúrgica e com a terapia imunossupressora houve uma melhoria significativa da sobrevivência após transplante (Yang, Shan, Saxena, & Morris, 2014). Mediante o desafio da transplantação estas pessoas são convidadas a reformular a forma como gerem a sua vida/doença em prol da garantia da sua qualidade de vida e sucesso da transplantação. As causas mais frequentes de doença hepática devem-se a comportamentos desviantes, 34% por álcool e 30% por hepatite (Mota, 2011), o que evidencia a necessidade de reformulação da forma como a pessoa gere a sua saúde/doença após o transplante.

A forma como a pessoa vivencia a sua transição saúde/doença terá impacto significativo no comportamento futuro e, consequentemente, no sucesso ou insucesso do transplante. Os enfermeiros acompanham a pessoa ao longo deste processo e, além das intervenções dirigidas à manutenção dos processos corporais, é desejável que sejam, também, facilitadores do desenvolvimento de mestria. O maior desafio que é colocado a estas pessoas centra-se na forma como é capaz de incorporar as exigências de autocuidado, nomeadamente, no âmbito da gestão do regime terapêutico.

Neste sentido, importa identificar os focos e intervenções que são implementados pelos enfermeiros e, a partir destes, inferir sobre a sua intencionalidade. Entendemos como desejável que na documentação se evidenciem intervenções que promovam uma adaptação saudável da pessoa submetida a transplante à sua nova condição (Mota, Cruz, & Costa, 2016). Neste estudo será efetuada uma análise retrospetiva à informação recolhida, processada e documentada pelos enfermeiros no sistema de informação em uso, no sentido de identificar os focos e intervenções implementados pelos enfermeiros em resposta às necessidades de cuidados identificadas na pessoa submetida a transplante de fígado.

A melhoria contínua da assistência aos clientes depende do desenvolvimento de uma análise crítico-reflexiva dos cuidados implementados, confrontando-os com a melhor evidência, de forma a construir uma prática diária que melhor responda às reais necessidades dos clientes. É da interação produtiva entre os profissionais de saúde e os clientes, que a qualidade da saúde das pessoas pode ser melhorada (Brion, 2014; Noël et al., 2014).

 

Enquadramento

O sucesso nas práticas clínicas na transplantação de fígado depende da experiência dos profissionais de saúde e da participação ativa dos clientes e famílias no plano terapêutico (Baldoni et al., 2008). Dada a complexidade do procedimento cirúrgico do transplante de fígado, o seu sucesso depende de uma complexa infraestrutura hospitalar e de uma equipa multiprofissional treinada no procedimento e no acompanhamento dos clientes gravemente debilitados, já imunossuprimidos pela doença (Nogara, Wiederkher, Benghir, Zalli, & Helena, 2009).

Baldoni et al. (2008) desenvolveram, em Itália, um programa de acompanhamento do cliente transplantado, desde o pré ao pós transplante de fígado. Este programa tem como objetivo fornecer uma eficiente educação aos clientes, colmatar as necessidades de aprendizagem dos profissionais de saúde no que se refere ao que ensinar e como ensinar os clientes, adquirir meios de comunicação eficazes e monitorizar o processo de educação. Este estudo reporta-nos para a relevância de implementação de terapêuticas de enfermagem centradas na capacitação da pessoa para o autocuidado.

Na condução do processo de transição saúde/doença das pessoas “os enfermeiros são os profissionais que melhor podem desempenhar o papel de facilitadores do processo de transição, pela sua maior proximidade e conhecimento da realidade e necessidades da pessoa” (Mota, Rodrigues, & Pereira, 2011, p. 25).

A área das terapêuticas de enfermagem permite que o enfermeiro identifique a melhor ação para a manutenção e promoção da saúde, em resposta aos aspetos de saúde relevantes para a prática de enfermagem (foco; Conselho Internacional de Enfermeiros, 2016). Assim, as terapêuticas de enfermagem podem ser situadas no âmbito preventivo, promocional ou interventivo. Na área da transplantação, a gestão do regime terapêutico emerge como um aspeto de saúde relevante para a prática de enfermagem pelo seu forte impacto no sucesso (Mota et al., 2016). A gestão do regime terapêutico é um conceito multidimensional e complexo que surge como um dos principais desafios que se colocam às pessoas sujeitas a transplante hepático.

Na perspetiva de Ryan e Sawin (2009) o conceito gestão do regime terapêutico (self management) encerra em si três aspetos diferentes: processo, programa ou intervenção e resultado. O processo refere-se ao uso das competências de autorregulação para gerir as condições crónicas, incluindo atividades como o estabelecimento de objetivos, monitorização e interpretação de sinais/sintomas, a tomada de decisão, o planeamento e envolvimento em comportamentos específicos, autoavaliação e gestão das respostas físicas, emocionais e cognitivas associadas às mudanças de comportamentos de saúde. As terapêuticas devem ser desenhadas pelos profissionais de saúde de forma a preparar as pessoas para assumirem a responsabilidade de gerir a sua doença crónica e se envolverem nas atividades de promoção da saúde.

A educação do cliente é utilizada frequentemente como uma terapêutica dirigida a otimizar o processo de gestão do regime terapêutico. É um método de transmissão de informação que tem por objetivo aumentar o conhecimento, a satisfação e promover a mudança no envolvimento em comportamentos de saúde. Os programas de gestão do regime terapêutico devem facilitar o desenvolvimento de competências e atividades desenhadas para melhorar os comportamentos, diminuir os custos em saúde, aumentar a qualidade de vida e o bem-estar (Ryan & Sawin, 2009).

O processo de enfermagem inclui a avaliação, diagnóstico e intervenção e resulta da constante interação das pessoas com o meio ambiente. As terapêuticas de enfermagem incluem as intervenções e os objetivos das intervenções (Meleis, 2007). Assim, as terapêuticas de enfermagem refletem também a intencionalidade das intervenções de enfermagem. “Uma mesma intervenção pode incluir várias intencionalidades, muito relacionada com o modo como é realizada, e contribuir para o desenvolvimento de várias competências; várias intervenções, e em diferentes temas, contribuem para uma mesma intencionalidade” (Bastos, 2012, p. 330).

Em resultado, é fundamental o reconhecimento das terapêuticas de enfermagem implementadas pelos enfermeiros tendo em vista analisar a forma como são acompanhadas as pessoas submetidas a transplante de fígado, em prol da melhoria contínua da assistência e da qualidade dos cuidados.

 

Questões de Investigação

Quais os focos e intervenções de enfermagem mais frequentemente identificados pelos enfermeiros da consulta pós transplante de fígado?

 

Metodologia

O estudo desenvolveu-se no Centro Hospitalar do Porto (CHP). Na consulta externa a documentação efetuada pelos enfermeiros era suportada eletronicamente no Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE), com recurso à linguagem classificada (Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem - CIPE) na sua versão beta.

Este estudo teve caráter exploratório, ancorado numa perspetiva qualitativa. Foi efetuada uma análise retrospetiva à documentação de enfermagem documentada no SAPE pelos enfermeiros da consulta externa pós transplante de fígado. Os dados recolhidos reportam-se ao período de julho de 2010 (primeiros registos informatizados no CHP) a setembro de 2014 (data de início de um estudo mais abrangente para o qual o presente estudo foi contributo). Foi analisada toda a informação recolhida, processada e documentada pelos enfermeiros em todos os contactos de enfermagem (designação do sistema de informação em uso para se reportar à consulta de enfermagem) com a pessoa submetida a transplante de fígado no período em análise. A análise dos dados teve por base os princípios conceptuais da CIPE no que se refere à definição de focos de enfermagem e respetivos juízos para a construção diagnóstica, assim como, a definição das ações de enfermagem e áreas de atuação consideradas na construção das intervenções, que respondem diretamente aos diagnósticos de enfermagem identificados na produção de ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem (integridade referencial). Os dados foram exportados do sistema de informação eletrónico para uma base de dados e dada a sua natureza foram sujeitos a estatística descritiva com recurso ao IBM SPSS Software, versão 22.0.

Foi garantido o anonimato, não identificando o número do processo clínico e identificação pessoal dos clientes, assim como, não foi efetuada qualquer identificação do enfermeiro que efetuou a documentação. O estudo foi autorizado pelo Conselho de Administração do CHP.

 

Resultados

A documentação efetuada pelos enfermeiros da consulta externa resulta essencialmente de agendamentos efetuados a partir da agenda médica, pelo que, o cliente tem um contacto de enfermagem porque se deslocou ao hospital para uma consulta médica. Nos 1460 contactos analisados (totalidade de contactos documentados no sistema em uso durante o período em análise), verificámos que cada cliente tem em média cinco contactos de enfermagem (DP = 4, variando entre 1 e 42 contactos).

Ao analisarmos os focos de enfermagem identificados pelos enfermeiros verificamos que a suscetibilidade à infeção (67,30%) é o foco mais frequentemente identificado, seguindo-se a gestão do regime terapêutico com 16,40% dos focos identificados (Tabela 1).

Na posse do foco de enfermagem mais frequentemente identificado fomos verificar quais as intervenções de enfermagem implementadas com integridade referencial para o mesmo (Tabela 2). Verificamos que a maioria das intervenções se centram no âmbito do ensinar sobre prevenção de complicações, sinais de infeção, (autocontrolo: infeção; autovigilância: infeção).

Pela relevância do foco de enfermagem gestão do regime terapêutico na transplantação de fígado tentámos perceber nos 156 registos como é que os enfermeiros identificavam os diagnósticos de enfermagem relacionados com este foco (Tabela 3).

Os enfermeiros centram-se nas dimensões que influenciam a gestão do regime terapêutico trabalhando questões centradas na autoadministração de medicamentos, executar tratamentos, prevenção de complicações, dieta, hábitos de exercício, regime medicamentoso e resposta/reações aos medicamentos.

Analisámos ainda todas as intervenções (7858) implementadas pelos enfermeiros e verificámos como se distribuíam por tipo de ação (Tabela 4). Das intervenções implementadas no âmbito do observar, 34,0% são do tipo monitorizar que visam “escrutinar em ocasiões repetidas ou regulares, alguém ou alguma coisa” (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2016, p. 67) tais como sinais vitais, peso, eliminação de líquido através de dreno, perímetro abdominal e a eliminação intestinal.

No âmbito do vigiar os enfermeiros centram-se mais frequentemente na vigilância do penso das feridas, das próprias feridas, dor, eliminação urinária, alimentação, sinais de hipo/hiperglicemia, eliminação intestinal e eliminação de líquido através de dreno.

Analisámos, ainda, as áreas de atuação dos enfermeiros nas intervenções do tipo ensinar (Tabela 5). O conteúdo abordado na intervenção ensinar mais implementado pelos enfermeiros da consulta externa pós transplante hepático centra-se no regime medicamentoso, hábitos de exercício/repouso, a gestão do regime terapêutico em geral, a infeção, a dieta, a prevenção de complicações, tratamentos e atividade sexual.

 

Discussão

No período em análise foram 1460 os contactos que originaram registos de enfermagem, o que significa que os enfermeiros podem ter tido mais contactos com os clientes, mas como não geraram documentação não nos é possível contabilizar/analisar. Assim, este dado deve ser analisado com a devida cautela, não se vislumbrando em primeira análise um número reduzido de consultas por ano. No tempo de consulta, para além da implementação do plano de cuidados, os enfermeiros têm que fazer a documentação da informação recolhida, processada e documentada no SAPE. É fundamental que os enfermeiros demonstrem disponibilidade e implementem um plano de intervenção adequado às reais necessidades destes casos especialmente vulneráveis, com vivências particulares de transições saúde/doença. “O “dar tempo”, neste processo, é uma dimensão terapêutica fundamental, pois vai permitir a consciencialização da pessoa em relação ao que mudou e ao que vai ficar diferente” (Brito, 2012, p. 149). É de salientar, que a Ordem dos Enfermeiros (2014) na norma para o cálculo de dotações seguras preconiza um tempo médio de consulta de enfermagem de 30 minutos e de visita domiciliária de 75 minutos (inclui a deslocação). Neste contexto, a questão do tempo merece especial atenção tomando por foco as necessidades do cliente (o seu tempo na transição saúde/doença) e a disponibilidade dos profissionais de saúde (o tempo que o sistema lhe permite ter).

O aspeto de saúde mais frequentemente identificado pelos enfermeiros da consulta externa pós transplante de fígado é a suscetibilidade à infeção. Na identificação deste aspeto de saúde os enfermeiros centram-se na condição de ser transplantado, com necessidade diária da toma da terapia imunossupressora em prol do sucesso do transplante hepático (Rodrigue, Nelson, Hanto, Reed, & Curry, 2013). A terapia imunossupressora torna a pessoa submetida a transplante hepático, mais suscetível a novas infeções por bactérias, vírus e fungos assim como pode haver reativação de doença latente preexistente (Pedersen & Seetharam, 2014). Os enfermeiros da consulta externa identificam muito frequentemente este aspeto de saúde relevante para a prática de enfermagem uma vez que as infeções oportunistas são a causa líder de morbilidade e mortalidade após transplante hepático (Pedersen & Seetharam, 2014). A probabilidade de infeção nos clientes submetidos a transplante hepático depende da intensidade de exposição a agentes infeciosos e do nível de imunossupressão (Fishman & Issa, 2010).

De acordo com Carvalho, Salviano, Carneiro, e Santos (2007, p. 685) “toda a equipa de saúde deve enfatizar a prevenção e o controle de infeção em pacientes imunossuprimidos”, o que se coaduna com as intervenções de enfermagem implementadas pelos enfermeiros no domínio da infeção. A maioria das intervenções é no âmbito do ensinar pelo facto das estratégias profiláticas se basearem nos conhecimentos do cliente ou na probabilidade de exposição, de acordo com os resultados dos testes serológicos e da história epidemiológica (Fishman, 2007).

Da análise da totalidade das intervenções implementadas pelos enfermeiros, durante o período em análise, verificámos que 57,07% das intervenções implementadas estão centradas no âmbito do observar, tendo em vista “prestar atenção e olhar cuidadosamente alguém ou alguma coisa” (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2016, p. 70), pelo que este tipo de intervenção não se traduz em ganhos diretos em saúde, sensíveis aos cuidados de enfermagem. É de salientar que estes parâmetros observados pelos enfermeiros radicam também “na utilidade percebida pelos médicos daqueles dados na deteção precoce de complicações intercorrentes” (Mota, 2010, p. 69). A relevância atribuída à informação não se centraliza no processo de tomada de decisão, pelo que “a relevância da informação está intimamente associada à própria natureza dos dados e não a lógicas corporativas de olhar para o recurso – informação” (Mota, 2010, p. 104).

Ao âmbito informar correspondem 21,12% das intervenções implementadas das quais 16,94% são do âmbito do ensinar que visam “dar informação sistematizada a alguém sobre temas relacionados com a saúde” (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2016, p. 40), das quais podem resultar ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem. Quando nos centramos na tríade ensinar/instruir/treinar e pensamos no ensinar enquanto o fornecimento sistematizado de informação, instruir enquanto acréscimo da componente técnica e no treinar como a repetição de habilidades técnicas pelo cliente, verificamos que no modelo em uso é mais frequente a implementação da intervenção do âmbito do ensinar. Esta situação poder-se-á relacionar com as áreas que os enfermeiros da consulta externa consideram mais relevantes para os clientes transplantados, que, geralmente, não têm componente instrumental e, por conseguinte, o desenvolvimento de uma habilidade.

No âmbito do ensinar a área que mais é trabalhada pelos enfermeiros é o regime medicamentoso, que se deve ao facto dos clientes submetidos a transplante de fígado necessitarem de manter um ótimo cumprimento do regime medicamentoso imunossupressor (Rodrigue et al., 2013), tendo em vista o sucesso da transplantação.

 

Conclusão

Quanto aos aspetos de saúde relevantes para a prática de enfermagem, os enfermeiros documentam aspetos muito centrados na condição de ser transplantado (cliente que toma imunossupressores) e, portanto, a suscetibilidade à infeção é identificada em mais de 60% dos contactos de enfermagem com estes clientes, implementando essencialmente intervenções do âmbito do ensinar sobre prevenção de complicações e controlo da infeção. A infeção é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade após transplante hepático. Segue-se a identificação do foco gestão do regime terapêutico, sendo a dimensão associada que mais concorre para o diagnóstico o Conhecimento. Quanto às intervenções implementadas pelos enfermeiros em resposta às necessidades em saúde identificadas são implementadas intervenções essencialmente no âmbito do observar. No âmbito do Informar os enfermeiros implementam intervenções centradas em especificações do regime, como regime medicamentoso, a dieta, os hábitos de exercício, a gestão do regime terapêutico, prevenção de complicações, tratamentos, hábitos de exercício/repouso, os sinais de infeção e atividade sexual. As terapêuticas de enfermagem implementadas têm integridade referencial para os aspetos de saúde identificados pelos enfermeiros. Verifica-se uma grande preocupação por parte dos enfermeiros com a vigilância e a capacitação do próprio, para identificar precocemente alterações das respostas corporais que indiciem a presença de complicações.

A análise dos focos e intervenções de enfermagem documentados pelos enfermeiros permite uma reflexão acerca da necessidade de melhorar os processos de documentação da prática clínica no sentido da maior visibilidade dos cuidados prestados pelos enfermeiros, com impacte significativo na melhoria contínua da qualidade da assistência. Em desenvolvimentos futuros era fundamental analisar o tempo que os enfermeiros necessitam/gastam na implementação dos seus planos de cuidados, tendo em vista compreender as dotações e a sua relação com as necessidades de cuidados evidenciados pelas pessoas submetidas a transplante de fígado no follow-up.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 13.10.17

Aceite para publicação em: 11.01.18

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