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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.16 Coimbra mar. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV17070 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Ajustamento psicossocial e saúde em idosos: análise de clusters

Psychosocial adjustment and health in older people: cluster analysis

Ajuste psicosocial y salud en ancianos: análisis de clusters

 

Lígia Maria Monteiro Lima*; Célia Samarina Vilaça de Brito Santos**; Maria Celeste Bastos Martins de Almeida***; Maria Manuela Ferreira Pereira da Silva Martins****

* Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [ligia@esenf.pt]. Contribuição no artigo: conceção e desenho do estudo; análise estatística e interpretação dos dados; escrita e revisão do artigo. Morada para correspondência: Rua António Bernardino de Almeida, 4200-072, Porto, Portugal.

** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [celiasantos@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do artigo.

*** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [cbastos@esenf.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; escrita e revisão do artigo.

**** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [mmartins@esenf.pt]. Contribuição no artigo: conceção e desenho do estudo; recolha dos dados e revisão do manuscrito.

 

RESUMO

Enquadramento: O envelhecimento saudável tem uma dimensão física e psicossocial, o que justifica a necessidade de melhor compreender o ajuste psicossocial das pessoas idosas.

Objetivos: Estudar o processo de ajustamento psicossocial em idosos e explorar a sua associação com as variáveis sociodemográficas e clínicas.

Metodologia: Estudo exploratório, quantitativo e transversal. Participaram 922 idosos residentes na comunidade, com idades entre os 64 e 99 anos. Foram estudadas as variáveis sociodemográficas e clínicas, perceção de saúde, afeto positivo e negativo, suporte social percebido e adesão aos medicamentos.

Resultados: Identificou-se a existência de 3 perfis de ajustamento psicossocial. O perfil caracterizado pelos piores resultados em todos os indicadores, denominado de pior ajustamento, agrega os idosos com uma idade intermédia (M = 74,7; DP = 7,08) e que relatam mais sintomas e patologias.

Conclusão: Este estudo sugere a existência de um grupo mais vulnerável de idosos, apontando para a necessidade de se desenvolverem intervenções de enfermagem focadas em recursos adaptativos promotores de uma melhor saúde e capacitação psicossocial.

Palavras-chave: idoso; ajustamento social; saúde; análise por conglomerados

 

ABSTRACT

Background: Healthy aging has both a physical and a psychosocial dimension, which justifies the need to better understand older people's psychosocial adjustment.

Objectives: To study the psychosocial adjustment process in older people and explore its association with sociodemographic and clinical variables.

Methodology: A quantitative, cross-sectional, and exploratory study was conducted with 922 community-dwelling older people aged 64 to 99 years. The following sociodemographic and clinical variables were analyzed: perceived health; positive and negative affect; perceived social support; and medication adherence.

Results: Three psychosocial adjustment profiles were identified. The profile with the lowest scores in all indicators, called the worst adjustment, was composed of intermediate-age older people (M = 74.7; SD = 7.08), who also reported more symptoms and diseases.

Conclusion: This study suggests the existence of a group of particularly vulnerable older people and highlights the need to develop nursing interventions focused on adaptive resources that can improve their health and psychosocial adjustment.

Keywords: aged; social adjustment; health; cluster analysis

 

RESUMEN

Marco contextual: El envejecimiento sano, además de un componente físico, contiene también un componente psicosocial, lo que justifica la necesidad de conocer mejor el ajuste psicosocial de las personas mayores.

Objetivos: Estudiar el proceso de ajuste psicosocial en ancianos y explorar su asociación con las variables sociodemográficas y clínicas.

Metodología: Estudio exploratorio, cuantitativo y transversal en el que participaron 922 ancianos residentes en la comunidad, con edades comprendidas entre los 64 y 99 años. Se estudiaron las variables sociodemográficas y clínicas, la percepción de la salud, el afecto positivo y negativo, el soporte social percibido y la adhesión a los medicamentos.

Resultados: Se identificó la existencia de 3 perfiles de ajuste psicosocial. El perfil caracterizado por los peores resultados en todos los indicadores, denominado como de peor ajuste, incluye a los ancianos con una edad intermedia (M = 74,7, DP = 7,08) y que indican más síntomas y patologías.

Conclusión: Este estudio sugiere la existencia de un grupo más vulnerable de ancianos, y apunta a la necesidad de desarrollar intervenciones de enfermería enfocadas en recursos adaptativos que promuevan una mejor salud y capacitación psicosocial.

Palabras clave: anciano; ajuste social; salud; análisis por conglomerados

 

Introdução

Na Europa assiste-se, atualmente, a um gradual envelhecimento da população (Almeida & Apóstolo, 2014). Face ao aumento da longevidade que se tem verificado nos últimos anos e o facto do período da velhice se poder estender por 30 ou mais anos, impõe-se considerar a existência de diferentes fases ou etapas neste período do ciclo vital. Numa revisão sistemática sobre a adaptação ao envelhecimento foi proposto que se considerassem três períodos distintos: o dos idosos jovens, o dos idosos de meia-idade e o dos idosos mais idosos (von Humboldt & Leal, 2014). É por isso pertinente estudar mais aprofundadamente o processo de ajustamento psicossocial dos idosos e explorar a existência de mudanças ou transições que se reflitam na presença de grupos com diferentes características ou perfis. Pretende-se dar contributos no âmbito da saúde e das ciências da enfermagem, para o desenvolvimento de intervenções destinadas a promover um envelhecimento saudável, atendendo às necessidades e particularidades dos potenciais grupos.

O objetivo do estudo foi conhecer o processo de ajustamento psicossocial em idosos e explorar a sua associação com as variáveis sociodemográficas e clínicas.

 

Enquadramento

O envelhecimento saudável, para além de uma componente física, comporta também uma componente psicossocial, existindo já estudos que abordam o processo de ajustamento ao longo do avançar da idade (von Humboldt & Leal, 2014).

O ajustamento psicossocial é frequentemente conceptualizado e avaliado como multidimensional, envolvendo variáveis que refletem em que medida o indivíduo é capaz de lidar eficazmente com as exigências do seu contexto de vida ou das mudanças impostas por acontecimentos de vida normativos ou não (Osswald et al., 2009). Entre essas variáveis está frequentemente a autoperceção de saúde, que descreve a avaliação pessoal acerca da própria saúde, com base não só no estado físico e mental, mas também nas expetativas e processos de comparação com outros (Cho, Martin, Margrett, MacDonald, & Poon, 2011). Trata-se assim de um indicador genérico de saúde que fornece informação centrada na pessoa e que tem vindo a ser estudado como preditor de saúde, bem-estar, morbilidade e mortalidade em populações idosas e muito idosas (Arnadottir, Gunnarsdottir, Stenlund, & Lundin-Olsson, 2011; Cho et al., 2011).

Uma vez que a grande maioria dos idosos sofre de algum tipo de patologia crónica que envolve um regime medicamentoso, também a adesão aos regimes terapêuticos é considerada como uma dimensão da qualidade de vida, e desta forma de ajustamento psicossocial (Almeida & Apóstolo, 2014). Existe atualmente bastante evidência relativamente à importância da adesão aos medicamentos nos processos de gestão da doença crónica e os idosos residentes na comunidade parecem ser um grupo particularmente em risco no que diz respeito à presença de fatores que influenciam uma má gestão medicamentosa (Marek & Antle, 2008).

Os afetos descrevem a intensidade e a frequência com que as pessoas vivenciam emoções que são fonte de prazer e satisfação, e de desprazer e mal-estar subjetivo e são atualmente considerados como representando a componente emocional do bem-estar subjetivo, um outro indicador de ajustamento nos idosos (Cho et al., 2011). Os afetos positivos estão associados a um autorrelato positivo da saúde e do bem-estar (Ong & Ram, 2017), assim como a estratégias de coping para lidar com o envelhecimento (Dockendorff, 2014), enquanto os afetos negativos estão relacionados com queixas e problemas de saúde, diminuindo assim a capacidade de gestão da doença (Stahl & Patrick, 2011). Uma outra variável frequentemente avaliada como estando associada ao ajustamento psicossocial é o suporte social percebido, sendo amplamente estudada como um importante determinante da saúde e bem-estar em todas as fases do ciclo de vida, particularmente na terceira idade (Melchiorre et al., 2013; White, Philogene, Fine, & Sinha, 2009).

Um facto que reforça a pertinência da utilização dos anteriores indicadores como diferentes dimensões do ajustamento psicossocial é a existência de associações entre estas diferentes variáveis. Como exemplos, podemos mencionar a associação entre a autoperceção de saúde em idosos com o apoio social percebido e o afeto negativo (Klabbers et al., 2014). O apoio social parece ser também determinado por algumas variáveis sociodemográficas como o sexo, a idade e o nível educacional (Melchiorre et al., 2013).

Assim, e considerando que os diferentes indicadores de ajustamento estão frequentemente interrelacionados, foi considerado pertinente e útil desenvolver um estudo numa perspetiva centrada nos participantes, explorando diferentes perfis de ajustamento que combinassem possíveis efeitos de interação ou sinergias entre estas diferentes variáveis. Com este estudo pretende-se contribuir para melhorar a compreensão do ajustamento psicossocial e da saúde ao longo do processo de envelhecimento, procurando desta forma desenvolver intervenções de enfermagem mais ajustadas às especificidades de diferentes grupos de idosos.

 

Questões de investigação

É possível identificar diferentes perfis de ajustamento psicossocial nos idosos?

Qual a associação entre os perfis de ajustamento psicossocial e variáveis de cariz sociodemográfico e clínico?

 

Metodologia

Este estudo é do tipo quantitativo, transversal, exploratório e com um desenho descritivo e correlacional, sendo parte de uma investigação mais alargada denominada Viver bem com mais idade: do contexto familiar ao apoio institucional, realizado numa parceria entre a Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP) e a Câmara de Vila Nova de Famalicão (CMVNF).

Os idosos foram indicados pela CMVNF, de entre a população aí residente, sendo os dados recolhidos a partir de uma amostra do tipo intencional no domicílio, por entrevistadores previamente treinados para o efeito.

O estudo foi conduzido de acordo com a Declaração de Helsínquia e foi aprovado pela Comissão de Ética do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS) nº 244-14. Os participantes concordaram participar no estudo depois de devidamente informados acerca dos seus objetivos, tendo para o efeito assinado um formulário de consentimento informado.

Participaram no estudo 922 adultos residentes na comunidade, com idades entre 64 (que completavam 65 anos até final do ano civil em que se realizou a recolha de dados) e 99 anos (M = 74,4, DP = 7,0), dos quais 379 (41,1%) eram do sexo masculino e 543 (58,9%) do sexo feminino. Na sua maioria eram casados (n = 569; 61,7%), havendo ainda um grupo significativo de viúvos (n = 247; 26,8%). Cerca de 70% (n = 651) tinham como nível de escolaridade o 1º ciclo do ensino básico.

Para a recolha dos dados foram utilizados quatro instrumentos. O primeiro foi um questionário de caracterização sociodemográfica (sexo, estado civil, escolaridade) e clínica (patologias e sintomas), desenvolvido pelos investigadores para este estudo, que incluiu também um item destinado a avaliar a autoperceção de saúde. Recorreu-se ainda à Escala de Adesão aos Medicamentos (EAM), versão portuguesa da Reported Adherence to Medication Scale (RAM) adaptada por Pereira e Silva (1999), que tem por objetivo medir os níveis de adesão à medicação, composta por quatro itens numa escala de tipo Likert com 5 pontos. O score total de adesão à medicação obtém-se somando as respostas aos quatro itens (4-20), sendo que os scores mais elevados indicam maiores níveis de adesão. O alfa de Cronbach da versão portuguesa foi de 0,71 (Pereira & Silva, 1999) e no presente estudo foi de 0,83. Foi também utilizada a Escala de Afeto Positivo e Negativo, versão portuguesa da Positive and Negative Affect Schedule (PANAS) adaptada por Galinha e Pais-Ribeiro (2005) que tem por objetivo avaliar os afetos positivos e negativos. É composta por 20 descritores de emoções, com duas subescalas: emoções positivas, com 10 itens (α de Cronbach = 0,87); e emoções negativas, com outros 10 itens (α de Cronbach = 0,89). A escala de resposta é do tipo Likert com 5 pontos. Para cada subescala calcula-se a média dos itens (a variar entre o mínimo de 10 e máximo de 50), sendo que scores mais elevados indicam maiores níveis de emoções positivas ou negativas, respetivamente. O último instrumento foi a Escala de Suporte Social, versão portuguesa da Instrumental-Expressive Social Suport Scale adaptada por Guerra (1995), com prévia adaptação à população idosa realizada no âmbito deste estudo. É composta por 16 itens que se dividem em três subescalas: Falta de controlo (α de Cronbach = 0,79); Suporte financeiro (α de Cronbach = 0,83) e Suporte emocional e familiar (α de Cronbach = 0,87). A escala de resposta é de tipo Likert com 5 pontos. A soma do total de itens varia entre 16 e 80, sendo que uma cotação mais elevada traduz uma melhor perceção de suporte social nas diferentes áreas.

Relativamente à análise dos dados e para explorar a variabilidade intragrupo no processo de ajustamento psicossocial, recorreu-se ao método de análise de clusters (Mooi & Sarstedt, 2011). Procurou-se assim encontrar distintos perfis de ajustamento, que foram definidos através da semelhança (proximidade) das características avaliadas. A escolha do número de clusters foi realizada através de uma técnica de análise de clusters exploratória, a técnica hierárquica aglomerativa (método Ward). Posteriormente foi realizada uma análise de clusters confirmatória, através do método K-means que distribuiu sucessivamente e a partir de uma série de iterações, os casos pelos clusters, até à solução final em que todos os sujeitos ficaram distribuídos por três grupos distintos. Foram ainda calculadas as médias e os desvios-padrão das variáveis estudadas, bem como as respetivas diferenças de médias, com base no teste F da ANOVA e post-hoc (Bonferroni).

Utilizou-se ainda o teste de qui-quadrado para a análise da associação entre a pertença a cada cluster e as variáveis sociodemográficas e clínicas.

 

Resultados

Foram identificados três clusters ou perfis, como se pode observar na Figura 1, com um número aproximado de participantes, tendo todas as variáveis contribuído de forma estatisticamente significativa para discriminar os clusters. Caracterizando mais em pormenor cada um dos três clusters podemos verificar que o cluster 1, o qual agrega um número menor de participantes (n = 246) e que denominamos de perfil de pior ajustamento visto que é aquele em que os idosos apresentam os piores resultados em todas as variáveis psicossociais, com exceção do afeto positivo, em que obtiveram um valor intermédio com os obtidos pelos dois outros perfis. Apresentam ainda valores mais baixos nas três subescalas de suporte social, o valor mais alto no afeto negativo (embora não seja significativamente diferente do valor obtido pelo cluster 3), o menor resultado na adesão aos medicamentos e o pior valor na perceção de saúde (que também não é significativamente diferente do valor obtido pelo cluster 3). É também no perfil 1 que se agrupam os idosos de meia-idade (média de 75 anos).

 

 

O cluster 2, que agrega 366 participantes, é por sua vez, aquele em que encontramos os melhores resultados em termos de ajustamento psicossocial, com diferenças estatisticamente significativas em relação aos outros dois perfis, pelo que o denominamos de melhor ajustamento. Agrupa os idosos mais jovens (média de 71 anos) e é o grupo que apresenta valores mais altos nas três subescalas de suporte social (falta de controlo, suporte financeiro, e suporte emocional e familiar), o valor mais baixo no afeto negativo e o mais elevado no afeto positivo, e ainda maior adesão aos medicamentos e uma melhor perceção sobre a sua saúde.

O terceiro perfil agrupa 310 participantes, com a média etária mais elevada (média de 78 anos). Os seus resultados estão num nível intermédio entre os anteriores, com exceção mais uma vez do afeto positivo, dado que nesta variável, obtiveram o pior resultado dos três grupos. Denominamos este grupo como ajustamento intermédio.

Pretendemos ainda analisar a associação entre os três perfis de ajustamento psicossocial e as variáveis sociodemográficas e clínicas, tendo concluído que as diferenças entre as médias em todas as variáveis estudadas são muito significativas, o que confirma a existência de perfis distintos na amostra em estudo (Tabela 1).

A caracterização dos idosos agrupados em cada um dos perfis foi complementada com uma análise da associação entre a pertença a cada cluster e as variáveis sociodemográficas e clínicas que não foram incluídas aquando da determinação dos clusters. Realizámos esta análise através do teste de qui-quadrado, cujos resultados são apresentados na Tabela 2, tendo encontrado associações estatisticamente significativas entre os diferentes perfis e todas as variáveis estudadas, à exceção da existência de doença oncológica.

Como podemos observar na Tabela 2, o perfil de pior ajustamento é aquele que comparativamente aos outros dois perfis, agrega uma maior percentagem de idosos do sexo feminino, que não têm companheiro e com escolaridade mais baixa. É também neste perfil que uma percentagem maior de participantes relatou sofrer de patologias várias e relatou um numeroso conjunto de sintomas.

 

Discussão

Neste estudo, realizado com idosos da comunidade, os resultados da análise de clusters sugerem a existência de três grupos que refletem diferentes níveis de ajustamento psicossocial, o que vai ao encontro da literatura e investigação mais recente, que enfatiza a variabilidade neste grupo etário (Almeida & Apóstolo, 2014; Foguet-Boreu et al., 2015; von Humboldt & Leal, 2014).

Um perfil denominado de pior ajustamento é aquele que se caracteriza pelos piores resultados em todos os indicadores avaliados (exceção para o afeto positivo) e reúne os idosos com uma média de idades intermédia. Neste perfil foram relatados níveis mais baixos de suporte social percebido, nomeadamente nas suas componentes de suporte emocional e familiar, suporte financeiro e falta de controlo. Dado que o suporte social percebido atua como um fator protetor para lidar com transições de vida, aos idosos agrupados neste perfil faltam recursos em termos de adaptação psicossocial. A investigação evidencia o seu potencial na redução da vulnerabilidade do idoso (Melchiorre et al., 2013) e a dimensão afetiva do suporte social parece ser particularmente importante para o bem-estar e estado de saúde dos idosos (White et al., 2009). Neste perfil agrupam-se ainda os idosos com níveis mais elevados de afeto negativo, o que poderá estar associado ao facto de ser também o grupo que relata mais queixas de saúde, relação já encontrada em outros estudos (Cho et al., 2011; Stahl & Patrick, 2011). O afeto negativo pode influenciar, nomeadamente, o funcionamento cognitivo do idoso, limitando assim a sua capacidade para lidar com as ameaças de saúde (Stahl & Patrick, 2011). Um resultado que se diferencia dos restantes diz respeito ao afeto positivo, pois apesar de, comparativamente aos idosos com melhor ajustamento, os idosos do pior ajustamento terem obtido resultados mais baixos, os valores observados são, no entanto, superiores aos valores do perfil intermédio. É de notar que esta variável é a que menos discrimina os clusters entre si, no entanto, este resultado pode refletir também a complexidade da avaliação da variável afeto positivo (Ong & Ram, 2017). Segundo estes últimos autores, trata-se de um construto cujo valor preditivo em relação a indicadores de saúde e bem-estar pode ser incrementado, se se considerar, para além do nível global de afeto positivo (como foi feito no presente estudo), a sua natureza dinâmica. Ong e Ram (2017) defendem que o afeto positivo inclui também uma dimensão mais instável e com flutuações que ocorrem em curtos espaços de tempo, e que a compreensão da associação com resultados de saúde física e psicológica depende da avaliação desta componente.

Foi também neste perfil, de pior ajustamento, que foram encontrados níveis mais baixos de saúde autopercebida e de adesão aos medicamentos. Estes dados tornam-se particularmente relevantes na medida em que é neste perfil que se agrupam os idosos que reportaram uma maior frequência de sintomas e patologias, muitas das quais de cariz crónico. É expectável que exista uma influência mútua entre estas variáveis (Arnadottir et al., 2011), pelo que os idosos que possuem uma perceção mais negativa sobre a sua saúde, também valorizam mais as limitações que lhes vão sendo impostas pelo processo de envelhecimento, principalmente se ainda não se adaptaram a elas.

Relativamente aos baixos níveis de adesão terapêutica, a literatura normalmente aponta para que a não adesão afete mais significativamente idosos mais velhos, nomeadamente os idosos de idade superior a 75 anos apresentam maiores dificuldades na adesão terapêutica, inclusive na compreensão das instruções para a toma da medicação (Marek & Antle, 2008).

É ainda no perfil de pior ajustamento que encontramos um número superior de mulheres, o que vai ao encontro da evidência que descreve piores resultados neste grupo, nas medidas subjetivas de saúde e de qualidade de vida (Rodrigues et al., 2014). O número de idosos solteiros, viúvos e divorciados é também significativamente maior neste grupo. Este resultado explicará, pelo menos em parte, a menor perceção de suporte social, o que aliás foi já demonstrado num estudo anterior (Melchiorre et al., 2013).

O perfil de melhor ajustamento é caracterizado por indicadores de maior ajustamento psicossocial em todas as variáveis avaliadas, sendo ainda o que agrupa os idosos mais jovens. Neste perfil, encontramos maiores níveis de suporte social percebido, melhor afeto positivo e menores níveis de afeto negativo. Foi ainda relatada uma melhor saúde autopercebida, uma maior adesão terapêutica e uma menor presença de sintomas e de patologias, associação esta já confirmada em outros estudos (Arnadottir et al., 2011). É também neste perfil que se agrupa um maior número de participantes casados e com maior escolaridade, tal como no estudo de Melchiorre et al. (2013).

O terceiro perfil, que denominamos de ajustamento intermédio, apresentou indicadores de ajustamento que, de uma forma global, se situam entre os outros dois perfis, com exceção do afeto positivo (com valores inferiores aos restantes). Uma vez que é neste perfil que encontramos idosos mais velhos, este resultado confirma os resultados de estudos que apontam para uma tendência de os afetos positivos diminuírem com a idade (Ong & Ram, 2017).

Embora a evidência aponte no sentido de que, a prevalência de patologias e sintomas tende a aumentar com a idade (Foguet-Boreu et al., 2015), no nosso estudo, isto não aconteceu. Estes resultados podem refletir idosos mais saudáveis e com maior robustez física, ou, eventualmente, idosos que ao descreverem o seu funcionamento, não se centram nas perdas, mas em outros aspetos da sua vida, pois já superaram um período de adaptação.

A associação entre indicadores de ajustamento psicossocial e diferentes períodos etários é o resultado mais interessante deste estudo e requer reflexão, dado que face às conceções mais comuns sobre o envelhecimento seríamos levados a pensar que quanto maior fosse a idade, pior seria o ajustamento psicossocial. No entanto, é no período etário intermédio, que encontramos os indicadores de um ajustamento mais baixos.

Legalmente a idade da reforma em Portugal é de 66 anos e 4 meses e é nesta altura que muitos adultos abandonam a sua atividade profissional. Para algumas pessoas esta fase de transição para a reforma pode constituir uma ameaça séria ao bem-estar e à perceção de suporte social, pois os contactos laborais e a rotina do dia-a-dia são substituídos por um espaço de potencial isolamento social e inatividade. Mas existirão outros para quem esta fase significa maior liberdade e tempo para dedicar a atividades outrora descuradas, nomeadamente, um maior investimento na vida familiar (Loureiro, Ângelo, Silva, & Pedreiro, 2015). No entanto, grande parte das transições surgem associadas ao processo de envelhecimento, como a viuvez, as perdas funcionais que comprometem a autonomia, as dificuldades cognitivas, entre outras, e que implicam a necessidade de saírem da própria casa para irem viver com filhos cuidadores ou em lares de idosos (Almeida, 2014), normalmente ocorrem um pouco mais tardiamente no ciclo vital. Estas são algumas das possíveis explicações para que este período intermédio da vivência de envelhecimento (M = 75 anos de idade) seja uma fase crítica no processo de adaptação psicossocial, talvez por constituir um primeiro confronto com mudanças com as quais ainda não estão preparados para enfrentar. O envelhecimento bem-sucedido consiste num processo de adaptação em que as limitações e as perdas são aceites como naturais, encontrando estratégias de coping adaptativas (Dockendorff, 2014), o que exige tempo para que essa adaptação e aceitação se processe de forma natural e a pessoa idosa possa contemplar a sua vida de forma satisfatória.

Como limitações deste estudo podemos apontar o método de amostragem, o que limita a generalização dos resultados à população idosa portuguesa e o caráter exploratório da metodologia de análise de dados. Sugere-se a continuidade de investigação centradas nesta área, idealmente em estudos de cariz longitudinal, que nos permitam melhor conhecer a variabilidade nos processos de ajustamento psicossocial dos idosos, considerando nomeadamente a natureza dinâmica de alguns indicadores, como é o caso do afeto positivo.

 

Conclusão

No presente estudo objetivou-se caracterizar o ajustamento psicossocial e a saúde ao longo do envelhecimento. Foram identificados três perfis de ajustamento psicossocial associados a diferentes grupos etários, sendo o perfil caracterizado pelos piores resultados em todos os indicadores avaliados o que reunia os idosos com uma idade intermédia e que relatavam mais sintomas e patologias, tendo sido denominado de pior ajustamento. Em contrapartida o perfil de melhor ajustamento agrupa os idosos mais jovens e com valores mais elevados na perceção de suporte social e de afeto positivo, e ainda uma melhor perceção sobre a sua saúde e adesão aos medicamentos. Estes resultados enfatizam a variabilidade no grupo etário dos idosos, e traduzem diferentes níveis de saúde na sua componente física, emocional e psicossocial.

Os resultados do presente estudo são inovadores, relativamente a estudos prévios, pois mostram que o ajustamento psicossocial vai sofrendo mudanças ao longo do processo de envelhecimento. O período intermédio, muitas vezes associado a perdas de familiares e ao aparecimento de maiores níveis de dependência no autocuidado, parece ser particularmente desafiante, refletindo-se de forma negativa na perceção de saúde e bem-estar dos idosos.

Sendo assim, e considerando que atualmente a idade avançada integra um período longo de tempo, o estudo realizado contribui para alicerçar a mudança na prática de enfermagem neste grupo. Desde logo, e em consonância com as orientações da Organização Mundial de Saúde, impõem-se intervenções de enfermagem mais abrangentes, que se distanciem dos modelos curativos centrados nas doenças e nos sintomas, para cuidados mais integrais e centrados nas pessoas idosas e nas suas particularidades, nomeadamente ajustando-se às especificidades do seu grupo etário. As estratégias de intervenção em enfermagem focalizadas nas diferentes condicionantes dos processos adaptativos ao envelhecimento, dão oportunidade aos idosos de fortalecerem os seus recursos, o que lhes permite passar de condições de vulnerabilidade a condições de melhor saúde e de capacitação psicossocial.

É ainda importante replicar o presente estudo em contextos diferentes e com maior representatividade da população idosa portuguesa, no sentido de percebermos de que forma os perfis de ajustamento agora encontrados espelham a realidade nacional do processo de envelhecimento.

 

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Recebido para publicação em: 04.09.17

Aceite para publicação em: 12.11.17

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