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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.15 Coimbra dez. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV17041 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Questionário de Atitudes de Segurança – Versão Cuidados Intensivos: adaptação e validação para a população portuguesa

Safety Attitudes Questionnaire – Intensive Care Unit Version: adaptation and validation for the Portuguese population

Cuestionario de Actitudes de Seguridad – Versión Cuidados Intensivos: adaptación y validación para la población portuguesa

 

Ricardo Águas*; Clara de Assis Coelho de Araújo**; Salete Soares***

* MsC., Enfermeiro, Papworth Hospital, Cambridge, CB23 3RE, Reino Unido [Ricardoaguasm@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise dos dados e redação do artigo. Morada para correspondência: Alameda do Conde de Samodães, 157, 4430-999, Vila Nova de Gaia, Portugal.

** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Saúde - Instituto Politécnico de Viana do Castelo, 4900-347, Viana do Castelo, Portugal [claraaraujo@ess.ipvc.pt]. Contribuição no artigo: Orientação e revisão na redação do artigo.

*** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde - Instituto Politécnico de Viana do Castelo, 4900-347, Viana do Castelo, Portugal [saletesoares@ess.ipvc.pt]. Contribuição no artigo: Orientação e revisão na redação do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A segurança do doente assume uma preocupação crescente, não sendo somente uma preocupação dos gestores, mas mobilizando todos os profissionais de saúde e o cidadão para que sejam atingidos elevados níveis de qualidade.

Objetivo: Traduzir, adaptar e validar o Safety Attitudes Questionnaire – Intensive Care Version (SQA – ICU) para a população portuguesa.

Metodologia: Trata-se de um estudo de caráter metodológico, de abordagem quantitativa, observacional e transversal. A validação do instrumento foi realizada com uma amostra de 120 enfermeiros a desempenhar funções em unidades de cuidados intensivos (UCIs).

Resultados: Os enfermeiros apresentam positiva percepção sobre a segurança do doente, embora reconheçam necessidade de serem trabalhadas algumas áreas específicas.

Conclusão: O Questionário de Atitudes de Segurança – versão cuidados intensivos (QAS – UCI) versão portuguesa demonstrou possuir boas propriedades psicométricas, sendo válido e fiável para a população portuguesa.

Palavras-chave: segurança do paciente; unidades de terapia intensiva; enfermagem; cultura organizacional

 

ABSTRACT

Background: Patient safety is a growing concern in the effort to achieve high levels of quality, not only for managers but also for health professionals and citizens.

Objective: To translate, adapt, and validate the Safety Attitudes Questionnaire – Intensive Care Unit version (SAQ-ICU) for the Portuguese population.

Methodology: A methodological quantitative, observational, and cross-sectional study was conducted. The instrument was validated in a sample of 120 nurses working in intensive care units (ICUs).

Results: Nurses have a positive perception of patient safety, although they recognize the need to improve specific areas.

Conclusion: The Portuguese version of the SAQ-ICU showed good psychometric properties and proved to be a valid and reliable tool for the Portuguese population.

Keywords: patient safety; intensive care units; nursing; organizational culture

 

RESUMEN

Marco contextual: La seguridad del paciente supone una preocupación cada vez mayor, y no se trata de un tema que preocupa solo a los gestores, sino que afecta a todos los profesionales de la salud y al ciudadano para conseguir un nivel alto de calidad.

Objetivo: Traducir, adaptar y validar el Safety Attitudes Questionnaire – Intensive Care Version (SQA - ICU) para la población portuguesa.

Metodología: Se trata de un estudio de carácter metodológico, de enfoque cuantitativo, observacional y transversal. La validación del instrumento se realizó con una muestra de 120 enfermeros que desempeñaban sus funciones en unidades de cuidados intensivos (UCIs).

Resultados: Los enfermeros presentan una percepción positiva sobre la seguridad del paciente, aunque reconocen que es necesario trabajar algunas áreas específicas.

Conclusión: El Cuestionario de Actitudes de Seguridad - versión cuidados intensivos (QAS - UCI) versión portuguesa demostró que posee buenas propiedades psicométricas, y que es válido y fiable para la población portuguesa.

Palabras clave: seguridad del paciente; unidades de cuidados intensivos; enfermería; cultura organizacional

 

Introdução

Ao longo dos anos a segurança dos doentes bem como a redução do erro nas práticas de saúde tem sido uma preocupação crescente de todos os envolvidos. Os erros representam um custo que se reflete na falta de confiança dos utentes nos sistemas de saúde, integrando uma elevada e complexa rede de cuidados que acarreta enormes desafios a todas as partes integrantes - a sociedade, o indivíduo, os profissionais de saúde, os governos e as associações, que devem centrar a sua atenção na segurança do utente. Os padrões de qualidade exigidos aos prestadores de cuidados de saúde elevam o grau de exigência a um nível que a complexidade das tarefas, o ambiente onde são desempenhadas, e as condições onde decorrem podem ser vistas como as principais variáveis com influência na ocorrência de erros (Fragata, 2011).

Nas unidades de cuidados intensivos (UCIs), por serem locais de elevada complexidade, onde se praticam cuidados diversificados e diferenciados, o erro parece sempre eminente e potencialmente grave para a segurança do doente, pois tal como refere Fragata (2011, p.15) “a possibilidade de ocorrência de um incidente ou acidente resulta da complexidade da doença e ou do tratamento inerente”.

O objetivo deste estudo foi traduzir, adaptar e validar o Safety Attitudes Questionnaire – Intensive Care Version (SQA – ICU; Sexton et al., 2006) para a população portuguesa de enfermeiros, com a finalidade de contribuir para a implementação de estratégias de melhoria da qualidade dos cuidados e, consequentemente, ganhos em saúde.

A população alvo do estudo são os enfermeiros a desempenhar funções em UCIs.

O SAQ - ICU (Sexton et al., 2006), que mede o clima de segurança nas UCIs, foi o instrumento utilizado, pelo que se procedeu à tradução, adaptação e validação para a população portuguesa de enfermeiros.

 

Enquadramento

A Oganização Mundial da Saúde (WHO, 2009) defende que a segurança do doente deverá ser o principal fundamento dos cuidados de saúde e admite que o processo de prestação de cuidados contém um certo grau de insegurança.

O Ministério da Saúde, Direção Geral da Saúde (2011, p. 4) num relatório técnico publicado em 2011, onde é detalhada a estrutura da Classificação Internacional sobre a Segurança do Doente, refere a World Healh Assembly (WHA; 55.18 resolution) de 2002 da OMS onde é feito um apelo a todos os países membros para que “prestassem mais atenção ao problema da segurança do doente e que estabelecessem e reforçassem a evidência científica necessária para melhorar a segurança do doente e a qualidade dos cuidados”.

Pronovost e Rubenfeld (2009) reuniram estratégias de implementação que podem ajudar a melhorar a qualidade dos cuidados e, consequentemente, a segurança, designadamente bundles, protocolos, checklists, auditorias e feedback, funções automáticas, marketing social, e lideranças assertivas.

No estudo realizado por Fernandes e Queirós (2011), estes concluíram que somente uma pequena percentagem dos enfermeiros inquiridos consideram que a segurança do doente é sempre uma preocupação da instituição, e só 44% entendem como positivo o apoio da direção para a segurança do doente.

Por sua vez, o estudo de Rodrigues e Ferreira (2011, p. 8), realizado com enfermeiros de cuidados intensivos do norte do país, evidenciou que

O estresse pode ter repercussões em nível individual, social e organizacional, repercussões que se apresentam no nível do absentismo, da taxa de rotatividade, diminuição da performance dos trabalhadores, redução da motivação e satisfação no trabalho, do aumento do número de acidentes de trabalho e do aumento dos erros no desempenho.

Coli, Anjos, e Pereira (2010), num estudo sobre a postura dos enfermeiros face ao erro, concluíram que, para além dos enfermeiros muitas vezes nem se aperceberem que erraram, reconhecem que, quando identificado, nem sempre o reportam; que embora seja importante que o erro seja comunicado, não o fazem por considerarem não trazer consequências relevantes para o doente ou, por outro lado, desconhecerem as repercussões que podem sofrer se forem identificados como causadores do erro. Ou seja, a cultura de punição de muitas instituições, leva a que somente um reduzido número de erros seja reportado.

É reconhecido que há muito trabalho a desenvolver na área existindo, ainda, muitas barreiras que necessitam ser ultrapassadas.

 

Metodologia

O estudo, de carácter metodológico, insere-se numa abordagem quantitativa, observacional e transversal.

A amostra é constituída por 120 enfermeiros a desempenhar funções em três hospitais centrais (EPE), do norte de Portugal, num total de seis UCIs de adultos, do tipo polivalente, cardiologia e cirurgia cárdiotorácica.

O instrumento de recolha de dados original o SAQ–ICU, de Sexton et al. (2006), é constituído por questões sociodemográficas e profissionais e por questões que medem na perceção dos participantes, as atitudes de segurança do doente em UCIs. Contém, ainda, uma questão para descrever a qualidade do relacionamento com outros elementos da equipa multidisciplinar e uma questão que solicita três recomendações importantes para melhorar a segurança do doente, no local de trabalho. As questões agrupam-se em seis dimensões: Clima de trabalho em equipa, Clima de segurança, Satisfação profissional, Reconhecimento de stress, Perceções sobre gestão e Condições de trabalho, cuja resposta é dada numa escala de Likert.

Para a tradução, adaptação e validação do instrumento, para a população portuguesa, recorreu-se às recomendações e procedimentos segundo Ribeiro (2010), não se tendo verificado diferenças passíveis de suscitar alteração do entendimento conceptual.

De forma a se verificar a eficácia e valor do instrumento de recolha de dados, bem como encontrar eventuais imperfeições (Fortin, 2009), foi realizado um estudo piloto a um grupo de enfermeiros bilingues, com bons conhecimentos da língua portuguesa e inglesa, a desempenhar funções numa unidade de cuidados intensivos, que não pertencia à amostra. Da análise dos resultados e sugestões relativas à tradução do instrumento original, apenas se efetuaram ligeiras alterações de sintaxe.

Procedeu-se à análise estatística descritiva e inferencial dos dados. Foi considerado um valor de p < 0,05, e a consistência interna foi verificada através da determinação do alfa de Cronbach, procurando-se valores acima de 0,75 (Marôco, 2010). Recorreu-se ao coeficiente de correlação de Pearson (Martinez & Ferreira, 2010). Efetuou-se o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,865) e o teste de esfericidade de Bartlett (X2 = 2112,593 ; p ≤ 0,005) o que permitiu efetuar análise fatorial com rotação varimax.

Os princípios éticos foram respeitados, nomeadamente o pedido de autorização aos autores para a utilização do SAQ – ICU, pedido de autorização aos conselhos de administração das instituições e consentimento dos inquiridos.

 

Resultados

Os participantes do estudo são predominantemente, do sexo feminino (65,8%), com uma média de idade de 37,59 anos e desvio padrão de 7,04, com idades compreendidas entre os 23 e os 60 anos de idade, com maior representatividade entre os 31 e os 40 anos (55,9%), sendo a menor nos indivíduos com idade superior a 50 anos (4,9%).

Procedeu-se à tradução do questionário original, por um tradutor bilingue independente e credenciado pelo Lancaster College e à retro tradução por tradutor bilingue independente e credenciado pelo Bristol School. Tendo por base os instrumentos em inglês e português procedeu-se à sua análise, não se verificando diferenças entre eles.

O SAQ–ICU, traduzido para a língua portuguesa foi aplicado a uma amostra de 120 enfermeiros de UCIs.

O Questionário de Atitudes de Segurança – Unidades de Cuidados Intensivos (QAS-UCI) no que se refere ao valor total apresenta uma fiabilidade elevada, com um valor de alfa de 0,873, sendo superior a alguns estudos enumerados por Sexton et al. (2006). Se efetuarmos uma análise por dimensão podemos verificar valores de alfa superiores a 0,75 em quatro dimensões. No entanto, na dimensão Trabalho em equipa e Condições de trabalho, verificam-se valores de alfa de 0,623 e 0,631, respetivamente. Marôco (2010) refere que, embora na maioria dos estudos, um alfa superior a 0,7 seja desejável, valores de cerca de 0,60 podem ser aceitáveis, nas ciências sociais, pelo que consideramos que o QAS para as UCIs apresenta propriedades psicométricas que validam o QAS-UCI (Tabela 1).

 

 

Na Tabela 2, apresentam-se os valores obtidos nas correlações de Pearson (r) entre as diferentes dimensões, bem como o valor de p que pretende demonstrar a relação entre diferentes variáveis (Fortin, 2009). Ainda segundo a mesma autora, a relação entre duas variáveis é mais forte, quanto mais se aproxima de 1,00.

Pela análise dos resultados, verifica-se que a dimensão Clima de segurança, apresenta uma forte correlação com o valor total QAS-UCI (r = 0,830, e p = 0,000) bem como com as dimensões Condições de trabalho e Trabalho em equipa (r = 0,700, p = 0,000 e r = 0,785, p = 0,000 respetivamente).

Relativamente à dimensão Condições de trabalho, verificou-se uma boa correlação com o valor total QAS-UCI enquanto que, com as restantes dimensões apresentam apenas uma correlação razoável (valores de r entre -0,250 e 0,700) com valores de p < 0,05.

Na dimensão Reconhecimento de stress verificam-se valores de correlação negativos (com exceção da correlação com o valor total QAS-UCI), tal facto foi também verificado em estudos semelhantes (Saraiva, 2015).

As restantes dimensões apresentam forte correlação entre si, com valores de p próximos de 1,00.

Da análise dos valores médios das diferentes dimensões, podemos afirmar que a perceção dos enfermeiros sobre o clima de segurança é positiva na maioria das dimensões, com exceção da dimensão Perceções sobre a gestão, que apresenta valores mais baixos, relativamente ao geral do benchmark.

Verificando-se uma perceção positiva dos enfermeiros sobre o clima de segurança, é ainda assim inferior ao valor referido por Sexton et al. (2006) como desejável e indicativo de um forte clima de segurança. Verificou-se uma variação entre a dimensão Perceções sobre a gestão, com uma média de 33,4 e os 67,5 da dimensão Clima de segurança.

Da análise por dimensão verifica-se que, no que respeita ao Trabalho em equipa, os valores verificados foram ligeiramente inferiores ao do benchmark. Muito embora seja reconhecido como um fator importante na segurança do doente, não se verificaram valores próximos dos expectáveis (75 de média).

No que respeita à dimensão Clima de segurança, verificam-se valores médios de 67,5 um pouco superiores à referência internacional (65,9). Ao falar de organização, tanto nos podemos estar a referir aos conselhos de administração que emanam orientações gerais, como às chefias do serviço, que têm como função promover um elevado clima de segurança (Fragata, 2006).

A Satisfação profissional refere-se à forma como os trabalhadores se relacionam com o seu trabalho e a motivação que possuem para desempenhar as suas funções. As contrapartidas financeiras que tiram do seu trabalho não são fator único para uma satisfação profissional elevada, sendo que as questões emocionais e de valorização pessoal e profissional são igualmente importantes (Rodrigues, 2011). Analisando os resultados obtidos nesta dimensão verificou-se um valor médio de 58,0, ficando um pouco aquém da média do benchmark, embora acima de 50.

Na dimensão Reconhecimento de stress, verificou-se uma média de 63,5, revelando-se um pouco abaixo dos valores de referência internacional (67,8). Embora os valores sugiram que os profissionais apresentam uma perceção favorável no que respeita a esta área, encontra-se um pouco longe de uma percepção predominante positiva. Ao se reduzir os níveis de stress, reduz-se eventuais consequências na saúde e bem estar dos profissionais (Rodrigues & Ferreira, 2011).

A dimensão Perceções sobre a gestão, como já referido, foi aquela que apresentou valores médios mais baixos (33,4). Consideravelmente inferior ao valor estimado como uma forte perceção positiva referente à dimensão em questão (75,0) e um pouco inferior ao benchmark (46,4). Estes valores espelham um possível afastamento dos profissionais que prestam cuidados, relativamente aos elementos responsáveis pela gestão da organização onde trabalham (Saraiva, 2015).

Os valores médios encontrados na dimensão Condições de trabalho (54,5), são muito próximos dos valores de referência encontrados pelos autores (Sexton et al., 2006). As condições de trabalho não compreendem somente o aspeto da estrutura física do serviço/organização, mas também aspetos como recursos humanos e materiais disponíveis e acesso à formação contínua. Estes aspetos são reconhecidos pelos profissionais como relevantes e que necessitam de um maior desenvolvimento.

Na questão referente à qualidade de colaboração com elementos de outras categorias profissionais, verificou-se alguma variabilidade dos resultados em função da categoria profissional, realçando-se que a relação com os enfermeiros, enfermeiros especialistas e assistentes operacionais são evidenciadas no nível elevado ou muito elevado (Tabela 3).

 

 

Relativamente às recomendações de melhoria para a segurança do doente internado no serviço onde trabalham, do total da amostra, 36 enfermeiros (30%) referiram 82 recomendações, que abrangeram duas áreas da cultura de segurança: fatores humanos (31,7%) e fatores organizacionais (68,3%). No que se refere aos fatores humanos, a comunicação foi enumerada com maior frequência. As recomendações relacionadas com fatores organizacionais foram de cariz mais variado situando-se a nível da formação, horário, dotações e carga de trabalho, práticas e procedimentos, condições físicas e outros.

 

Discussão

Todos os procedimentos estatísticos efetuados na análise do QAS-UCI, no que respeita à determinação da sua fidelidade e validade, bem como os resultados daí obtidos, permitem defini-lo como um instrumento de recolha de dados fiável, com boas qualidades para dar resposta positiva às questões para que foi construído, na população portuguesa.

O processo de tradução do SAQ-ICU para a língua portuguesa e sua adaptação cultural seguiu os requisitos científicos defendidos por inúmeros autores com relevância na comunidade científica. O resultado final foi um questionário que, após procedimentos científicos rigorosos, é aplicável à população portuguesa.

Relativamente às diferentes dimensões do questionário, verifica-se, no que respeita ao Trabalho em equipa, que os enfermeiros inquiridos apresentam perceções ligeiramente menos positivas do que o benchmark. O trabalho em equipa, nas mais variadas organizações, é um fator fundamental para o correto funcionamento das mesmas. As equipas minimizam as suas deficiências e apresentam perspetivas diferentes sobre um mesmo problema, melhorando o processo de atuação, já que conseguem desenvolver mais e melhor trabalho do que somente um indivíduo (Maxwell, 2008). O mesmo autor, citando o antigo presidente norte-americano Woodrow Wilson, diz que “não deveríamos usar apenas o cérebro que possuímos, mas todos aqueles que pudéssemos tomar emprestado” (Maxwell, 2008. p. 22).

No que respeita à dimensão Clima de segurança, verificaram-se valores médios superiores à referência internacional, significando uma atitude positiva por parte das organizações no que respeita a esta dimensão.

A satisfação profissional torna-se também num indicador de qualidade de prestação do serviço pelo que é necessário que as organizações desenvolvam esforços para melhorar condições estruturais e de recursos dos ambientes profissionais (Rodrigues & Ferreira, 2011).

Na dimensão Reconhecimento de stress, verificaram-se valores médios um pouco abaixo dos valores de referência internacional. Em UCIs, o stress, se não se encontra constantemente presente, é iminente, pelas características que estas organizações apresentam. Ao se reduzir os níveis de stress, reduzem-se eventuais consequências na saúde e bem-estar dos profissionais e, consequentemente, nos indivíduos que deles dependem numa situação de doença (Rodrigues & Ferreira, 2011).

A dimensão Perceções sobre a gestão, como já referido, foi aquela que apresentou valores médios mais baixos. Consideravelmente inferior ao valor estimado com uma forte perceção positiva no que à dimensão em questão diz respeito. Estes valores espelham um possível afastamento dos profissionais que prestam cuidados, relativamente aos elementos responsáveis pela gestão da organização onde trabalham. Como fator favorecedor desta atmosfera poderá estar a situação socioeconómica pela qual o país atravessa, que leva a cortes nas despesas, com consequências diretas no dia a dia dos profissionais que podem conduzir, eventualmente, a uma desmotivação e afastamento dos órgãos decisores (Saraiva, 2015).

Os valores médios encontrados na dimensão Condições de trabalho são muito próximos dos valores de referência encontrados pelos autores do questionário original (Sexton et al., 2006). As condições de trabalho não compreendem somente o aspeto da estrutura física do serviço/organização, mas também aspetos como recursos humanos e materiais disponíveis e acesso à formação contínua. Estes aspetos são reconhecidos pelos profissionais como relevantes e que necessitam de um maior desenvolvimento.

As recomendações sugeridas pelos inquiridos abrangeram várias áreas da cultura de segurança dos doentes, relacionadas com fatores humanos e organizacionais.

Dirigindo o foco para os fatores humanos, a comunicação foi a que obteve maior número de referências, o que demonstra uma preocupação dos enfermeiros com um aspeto considerado importante para melhorar a segurança do doente. A comunicação entre os elementos da equipa multidisciplinar é referida como um dos principais aspetos que necessitam de ser melhorados nas UCIs estando em consonância com o defendido por vários autores, nomeadamente a WHO (2008) que reconhece a comunicação como essencial para a segurança do doente e Santos, Grilo, Andrade, Guimarães, e Gomes (2010) que, também, reconheceram a importância da comunicação efetiva entre os profissionais de saúde.

As recomendações relacionadas com fatores organizacionais englobam: formação, horário, dotações e carga de trabalho, práticas e procedimentos, condições físicas e outros, sendo de cariz mais variado do que o verificado nos fatores humanos. Estes resultados vão ao encontro ao definido por Rooney, Heuvel, e Lorenzo (2002), na sua descrição sobre os fatores organizacionais que têm implicação na prestação de cuidados e na segurança do doente, que recorre aos serviços de saúde. Fatores como a redução das horas de trabalho, aumento do número de profissionais para reduzir a carga de trabalho, melhoria da formação em serviço para todos os profissionais e promoção de uma cultura de segurança construtiva com efetivo sistema de documentação de erros, preocupam os enfermeiros, levando-os a enuncia-los na última pergunta do instrumento de colheita de dados. São fatores fora do âmbito da sua responsabilidade direta, mas que são reconhecidos como tendo implicação na prática diária e, consequentemente, no cuidado ao doente.

Este estudo dá importantes contributos para a perceção do problema da segurança do doente, considerando-se que a validação deste questionário vai permitir o desenvolvimento da investigação nesta área, ampliando a compreensão de realidades tão complexas como a cultura de segurança em UCIs.

 

Conclusão

A segurança do doente tem sido um foco de atenção cada vez mais relevante em todas as sociedades. É cada vez mais reconhecida a necessidade de serem desenvolvidas ações de forma a incrementar a qualidade dos cuidados de saúde e, consequentemente, a segurança dos doentes. No entanto, ainda se verificam alguns entraves para a aplicação dessas medidas, muitas vezes relacionadas com fatores económicos.

Os enfermeiros reconhecem a necessidade de se desenvolver trabalho em áreas específicas, nomeadamente no número de profissionais para a prestação de cuidados aos doentes, nas perturbações da continuidade dos cuidados, na carga horária a que os profissionais estão sujeitos, na melhoria da abordagem dos erros clínicos e o trabalho que ainda tem que ser desenvolvido nas organizações de forma a se atingir patamares cada vez mais elevados de qualidade de cuidados.

Para serem conseguidos níveis elevados de segurança nos cuidados prestados, é imperativo que não sejam ignorados os problemas existentes, mas sim reportados de forma adequada e que se fale abertamente sobre eles. É fundamental reconhecer os problemas do presente, e a sua dimensão, para melhor se trabalhar o futuro, criando-se estratégias adequadas, na construção de sistemas de saúde cada vez mais eficientes, mesmo que as políticas nacionais possam ser um fator constrangedor para as organizações.

É assim importante que os enfermeiros continuem a refletir nos problemas existentes e que assumam a importância do seu papel nas organizações e na sociedade em geral, através do desenvolvimento de trabalhos de investigação que permitam conhecer melhor as realidades existentes.

Verificou-se ainda que, o Questionário de Atitudes de Segurança – versão cuidados intensivos (QAS – UCI), versão portuguesa, demonstrou possuir boas propriedades psicométricas, sendo válido e fiável para a população portuguesa.

 

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Recebido para publicação em: 22.05.17

Aceite para publicação em: 07.11.17

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