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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.15 Coimbra dic. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV17059 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Dificuldades dos estudantes do curso de licenciatura de enfermagem no ensino clínico: perceção das principais causas

Undergraduate nursing students' difficulties during clinical training: perception of the main causes

Dificultades de los estudiantes de la licenciatura de enfermería en la enseñanza clínica: percepción de las principales causas

 

Rosa Cândida de Carvalho Pereira de Melo*; Paulo Joaquim Queirós**; Luiza Hiromi Tanaka***; Paulo Jorge Costa****; Catarina Isabel de Deus Bogalho*****; Patrícia Isabel da Silva Faria Oliveira******

* Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [rosamelo@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, análise e discussão dos dados e escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua da Fonte, n.º 13, Novo Horizonte, 3046-851, Coimbra, Portugal.

** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [pauloqueiros@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: tratamento e análise dos dados.

*** Ph.D., Professora, Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, 04021-001, São Paulo, Brasil [luiza.hiromi1@gmail.com]. Contribuição no artigo: leitura do artigo e envio de sugestões de alteração.

**** MsC., Enfermeiro, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [paulocosta.15@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise e discussão dos dados e colaboração na escrita do artigo.

***** 12º ano, Estudante de enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [catarinabogalho@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise dos dados e colaboração na escrita do artigo.

****** 12º ano, Estudante de enfermagem, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [patricia_oliveira_17@hotmail.com]. Contribuição no artigo: análise dos dados.

 

RESUMO

Enquadramento: O ensino clínico desenvolvido no curso de licenciatura em enfermagem fomenta o desenvolvimento do pensamento crítico, aquisição de competências e confronto com a complexidade dos cuidados em contexto real.

Objetivos: Identificar as dificuldades dos estudantes na interação com as pessoas cuidadas no ensino clínico e identificar as principais causas subjacentes.

Metodologia: Estudo descritivo com abordagem quanti-qualitativa, nos estudantes do 2º ano de licenciatura em enfermagem em contexto de ensino clínico. Colheita de dados realizada através de questionário semiestruturado. Dados quantitativos analisados no IBM SPSS Statistics 23.0 e qualitativos utilizando a técnica de Bardin.

Resultados: Foram incluídos 90 estudantes, predominantemente do sexo feminino (81,11%), com idade compreendida entre os 19 e 31 anos. As dificuldades identificadas foram comunicar com pessoas pouco comunicativas, ou que não comunicam verbalmente, agitadas, confusas, desorientadas e/ou agressivas. As principais causas foram défice de formação na área da comunicação e inexperiência na aplicação de técnicas relacionais.

Conclusão: Afigura-se como muito importante o investimento na formação dos estudantes utilizando metodologias de cuidar que promovam a sistematização e operacionalização da relação.

Palavras-chave: estudantes de enfermagem; relações enfermeiro-paciente; comunicação

 

ABSTRACT

Background: Clinical training modules are developed during the undergraduate nursing degree to promote the development of critical thinking, the acquisition of skills, and the confrontation with the complexity of nursing care in real clinical settings.

Objectives: To identify nursing students' main difficulties while interacting with patients during clinical training, as well as the underlying causes.

Methodology: A descriptive study was conducted with a mixed-methods approach in a sample of 2nd-year students of the undergraduate nursing degree during clinical training. Data were collected through a semi-structured questionnaire. Quantitative data were analyzed using IBM SPSS Statistics 23.0 and qualitative data were analyzed using Bardin's content analysis technique.

Results: The sample was composed of 90 students. Most of them were women (81.11%), and aged 19 to 31 years. The main difficulties identified related to the communication with people who were non-communicative or unable to communicate verbally, agitated, confused, disoriented, and/or aggressive. The most common causes included the lack of training in communication and the lack of experience in the use of relational techniques.

Conclusion: It seems of the upmost important to invest in students' training using methodologies that promote the systematization and operationalization of the care relationship.

Keywords: students, nursing; nurse-patient relations; communication

 

RESUMEN

Marco contextual: La enseñanza clínica desarrollada en la licenciatura de enfermería fomenta el desarrollo del pensamiento crítico, la adquisición de competencias y el enfrentamiento a la complejidad de los cuidados en un contexto real.

Objetivos: Identificar las dificultades de los estudiantes en la interacción con las personas a las que se cuida en la enseñanza clínica e identificar las principales causas subyacentes.

Metodología: Estudio descriptivo con enfoque cuantitativo y cualitativo en estudiantes del 2.º año de la licenciatura en enfermería en un contexto de enseñanza clínica. La recogida de datos se realizó a través de un cuestionario semiestructurado. Los datos cuantitativos se analizaron en el IBM SPSS Statistics 23.0 y los cualitativos por elanálisis de contenido según la técnica Bardin.

Resultados: Se incluyó a 90 estudiantes, predominantemente del sexo femenino (81,11 %) con una edad comprendida entre los 19 y los 31 años. Las dificultades identificadas fueron comunicarse con personas poco comunicativas, o que no se comunican verbalmente, agitadas, confusas, desorientadas y/o agresivas. Las principales causas fueron déficit de formación en el área de la comunicación e inexperiencia en la aplicación de técnicas relacionales.

Conclusión: Se considera como muy importante invertir en la formación de los estudiantes mediante el uso de metodologías del cuidado que promuevan la sistematización y operacionalización de la relación.

Palabras clave: estudiantes de enfermería; relaciones enfermero-paciente; comunicación

 

Introdução

Em Portugal, o plano de estudo do curso de licenciatura em enfermagem (CLE) integra uma componente teórica e outra componente prática, desenvolvida em contexto clínico. A formação caracteriza-se por períodos de ensino na escola, com aulas teóricas, teórico-práticas e práticas laboratoriais, com alternância entre períodos de ensino clínico (EC) em diferentes instituições e serviços de saúde.

As escolas de enfermagem reconhecem a complexidade inerente à formação de estudantes, espelho do mandato social exigente e área de intervenção profissional abrangente da enfermagem, testemunhando-se um esforço contínuo em aproximar os contextos teórico-práticos, em âmbito escolar, à realidade clínica, muitas vezes fomentado pelo uso de simuladores em ambiente controlado (Baptista, Martins, Pereira, & Mazzo, 2014). Todavia, os manequins não são os meios mais apropriados para treinar a interação com a pessoa se não se der intencionalidade à relação.

Apesar das teorias de enfermagem defenderem que o exercício profissional de enfermagem se centra na relação interpessoal entre enfermeiro e a pessoa cuidada (Kim, 2010), nem sempre a realidade testemunhada a nível do ensino prático e contexto clínico espelha estes pressupostos, verificando-se falta de integração destes conteúdos teóricos na prática (Melo, Salgueiro, & Araújo 2015). Esta desarticulação entre a teoria e a prática leva, frequentemente, a situações de maior dificuldade dos estudantes na interação com a pessoa cuidada.

Assim, torna-se necessário compreender as principais dificuldades evidenciadas pelos estudantes de enfermagem na interação com as pessoas cuidadas, no contacto com a realidade dos cuidados e identificar as causas dessas dificuldades, de modo a fomentar novas metodologias de ensino que colmatem esta lacuna.

 

Enquadramento

O EC em enfermagem é definido como uma vertente de formação através do qual o estudante de enfermagem aprende no seio de uma equipa e em contacto direto com a pessoa doente e/ou numa comunidade a planear, executar e avaliar os cuidados de enfermagem globais com base nos conhecimentos teóricos adquiridos (Parlamento Europeu, Conselho da União Europeia, 2005).

Neste contexto, o EC constitui um complemento fundamental ao ensino teórico, proporcionando ao estudante a oportunidade de implementar os conhecimentos e competências adquiridos e aplicá-los num contexto real de cuidados (Rua, 2012). Assim, o estudante de enfermagem aprende a focalizar-se no que é pertinente em cada situação, pela experiência prática, sendo importante o contacto com oportunidades de aprendizagens de cuidados em contexto prático o mais cedo possível; promovendo o desenvolvimento do pensamento crítico, a aquisição de competências para lidar com a incerteza e a complexidade dos cuidados de enfermagem (Peixoto & Peixoto, 2017).

De acordo com Öztürk, Çilingir, e Şenel (2013), a grande maioria dos estudantes de enfermagem experienciam dificuldades comunicacionais durante a realização dos diversos ECs inseridos no plano de estudos, destacando causas inerentes ao papel dos enfermeiros tutores, à presença de orientadores, contacto com outros profissionais de saúde, relação com outros colegas de EC e relação com os utentes. Já Chan e Lai (2016) concluíram, no seu estudo, que a falta de confiança demonstrada pelos estudantes de enfermagem estava na origem das suas dificuldades comunicacionais. Esta falta de confiança é exacerbada pela falta de familiarização com os novos contextos clínicos, pelo confronto com novos profissionais/equipas e pelo foco da sua atenção na execução de tarefas, de modo a evitar erros, relegando a comunicação para segundo plano. Estas autoras acrescentam que o volume de trabalho e dotações inseguras de enfermeiros praticadas em alguns dos contextos de EC influenciam também a construção da relação e comunicação entre estudantes e utentes.

No estudo de Sun et al. (2016) é evidenciado o receio dos estudantes da sua abordagem verbal e não-verbal ser desadequada, influenciando a perceção dos utentes sobre as suas competências clínicas, podendo levar à recusa da prestação de cuidados. Segundo estes autores, estas experiências negativas foram motivo de ansiedade e medo (de reprovar) para os estudantes, traduzindo-se em padrões de sono de menor qualidade, falta de apetite, cefaleias, dores abdominais, entre outros. Em contexto nacional, Melo et al. (2015) desenvolveram um estudo descritivo de abordagem qualitativa, com uma população de 21 estudantes do CLE. Num contacto inicial em contexto de EC, os estudantes identificaram como principais dificuldades: a comunicação com pessoas agitadas, agressivas, desorientadas e/ou confusas; a comunicação com pessoas que não falavam verbalmente; lidar com pessoas não colaborantes e que recusam os cuidados; compreender a pessoa; lidar com o sofrimento do outro; iniciar, manter e terminar uma conversa; e lidar com a intimidade. Neste estudo, a origem das dificuldades centrou-se na falta de conhecimentos e de técnicas relacionais, a inexperiência, a timidez e a falta de confiança.

 

Questão de investigação

Quais são as principais dificuldades dos estudantes de enfermagem no início do EC, e quais são as suas causas?

 

Metodologia

Estudo descritivo com abordagem quantitativa e qualitativa. A amostra de conveniência, foi constituída por 90 estudantes do 2º do CLE, de uma escola superior de enfermagem da região centro de Portugal, que estavam a realizar o EC de fundamentos de enfermagem, na comunidade e em contexto hospitalar. Os critérios de exclusão foram estudantes do CLE de outros anos (3º e 4º ano) e que não estavam a realizar o EC de fundamentos de enfermagem.

A vertente comunitária do EC foi desenvolvida em parceria com associações, equipas e/ou instituições de terceira idade inseridas na região centro do país. A vertente hospitalar foi realizada em serviços de medicina interna e de neurologia.

A colheita de dados foi realizada através da aplicação de um questionário semiestruturado, composto por questões de caracterização da amostra, uma questão fechada - quais são as principais dificuldades sentidas no início do EC? - elaborada tendo por base um estudo preliminar realizado em 2015, com estudantes a realizar EC (Melo et al. 2015), e outra questão aberta - quais são as causas dessas dificuldades?. De forma a reportar fielmente as vivências iniciais dos estudantes, os questionários foram preenchidos no fim da 3ª semana de EC (total de 10 semanas). Os dados quantitativos recolhidos foram analisados com recurso à IBM SPSS Statistics 23.0 e os dados qualitativos foram alvo de análise de conteúdo segundo a técnica de Bardin (2009).

No decurso deste estudo foram respeitadas todas as considerações ético-legais. Salienta-se o caráter voluntário da participação dos estudantes, tendo sido assinada uma declaração de consentimento informado. Esta investigação obteve o parecer favorável (parecer nº 302-09/2015) da Comissão de Ética da Unidade Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

 

Resultados

Participaram neste estudo 90 estudantes, sendo 73 do sexo feminino (81,11%) e 17 do sexo masculino (18,89%). A idade dos estudantes inquiridos variou entre um mínimo de 19 anos até um máximo de 31 anos, sendo a idade média 20,29 anos.

Conforme os dados apresentados na Tabela 1, os 90 estudantes identificaram como principais dificuldades: comunicação com pessoas pouco comunicativas, referido por 67 estudantes (74,4%); comunicação com pessoas agitadas/confusas/agressivas, mencionados por 53 estudantes (58,9%); comunicação com pessoas que não comunicam verbalmente, relatados por 49 estudantes (54,4%); incongruência entre a teoria e a prática, referido por 36 estudantes (40%); prestar cuidados a pessoas que recusam os cuidados, indicado por 27 estudantes (30%); iniciar a comunicação com utentes, referido por 26 estudantes (28,9%); passagem da simulação para o contacto com a pessoa, mencionado por 20 estudantes (22,2%); comunicação com a família da pessoa cuidada, referido por 16 estudantes (17,8); prestar cuidados a doentes em fase terminal, identificado por 13 estudantes (14,4%); comunicação com a equipa, apontado por 10 estudantes (11,1%); prestar cuidados de higiene, referido por seis estudantes (6,6%).

Após a identificação das dificuldades sentidas pelos estudantes, e de modo a evidenciar as prováveis causas, procedeu-se à análise de conteúdo da questão aberta Que causas atribuo às dificuldades que sinto no início do EC?. Desta análise emergiram quatro categorias: défice de formação, local do EC; inexperiência; e características pessoais.

Conforme Tabela 2, na categoria Défice de formação emergiram as seguintes subcategorias: Falta de conhecimentos, Diferença entre a teoria e prática, Falta de prática sobre técnicas relacionais, Falta de contacto com a realidade no 1º ano, e Simulação centrada nos procedimentos técnicos. Na categoria Local de EC emergiram como subcategorias: Falta de recursos, Défice de formação dos profissionais em humanitude, e Desrespeito dos profissionais pelos estudantes. Quanto à categoria Inexperiência emergiram as subcategorias: Falta de experiência, Falta de destreza e Primeiro contacto com a realidade prática. Na categoria Características pessoais emergiram as subcategorias: Timidez, Falta de confiança, Personalidade; Expressividade; Ansiedade e Medo.

A causa das dificuldades que mais se salientou, dos relatos descritivos dos estudantes, foi o défice de formação, relacionada com a Falta de prática sobre técnicas relacionais tendo sido evidenciado pelos estudantes a “falta de treino e técnicas que ajudam na comunicação com os outros” (E19; 3 de março, 2016); “não saber o que dizer ou fazer no momento certo de forma a não provocar constrangimento ou desconforto à pessoa” (E41; 3 de março, 2016); o facto de “não obtermos um feedback, fazendo com que seja difícil ter uma palavra contínua e permanente” (E6; 3 de março, 2016); e a “falta de estratégias para a comunicação não-verbal” (E22; 3 de março, 2016).

Quanto ao défice de formação relacionada com a falta de conhecimentos emergiram testemunhos de “deficit de conhecimentos em certas áreas de formação” (E2; 3 de março, 2016); “falta de conhecimento teórico” (E9; 3 de março, 2016); “não saber muito bem o que dizer ou fazer” (E17; 3 de março, 2016); “não saber como agir perante as situações” (E47; 3 de março, 2016); e “falta de conhecimento relativo às técnicas comunicacionais a adoptar, mediante as situações específicas” (E28; 3 de março, 2016).

Quanto à diferença entre a componente teórica e a prática relacionada com o défice de formação, os estudantes referem a existência de “diferença entre a realidade e a teoria” (E3; 3 de março, 2016) e “diferenças sentidas da teoria para a prática que muitas vezes, se notam nos profissionais” (E4; 3 de março, 2016).

Outra causa de dificuldade relacionada com Défice de formação prende-se com o uso despersonalizado da simulação no que respeita à comunicação, na medida em que “o facto da simulação em laboratório ser com manequins e a parte da comunicação não ser posta em prática” (E27; 3 de março, 2016). Acrescenta outro participante que existe “diferença entre praticarmos nos simuladores e na pessoa, sendo os simuladores mais dirigidos para a técnica e no doente ter de observar e agir de forma holística” (E21; 3 de março, 2016).

A “dificuldade relacionada ao facto de no primeiro ano não termos este contacto” (E18; 3 de março, 2016) é exemplo da falta de contacto com a realidade clínica durante o primeiro ano do curso sentida pelos estudantes do CLE. Os estudantes enfatizaram, a inexperiência como outra causa de dificuldade durante o EC, devido à falta de experiência, falta de destreza e por ser o primeiro contacto com o meio hospitalar. A título ilustrativo, os participantes revelam dificuldades “devido a nunca ter tido contacto com a realidade hospitalar e com os utentes hospitalizados” (E26; 3 de março, 2016), na medida em que esta “é uma primeira abordagem ao mundo real de enfermagem” (E17; 3 de março, 2016).

Podemos constatar que as características pessoais foram identificadas pelos estudantes como uma causa das dificuldades sentidas, nomeadamente a timidez, como confirmada nos relatos: “um pouco de timidez” (E9; 3 de março, 2016) e “vergonha inicial” (E12; 3 de março, 2016). A falta de autoconfiança é outra característica pessoal identificada pelos estudantes como causa de dificuldade, tal como se encontram neste discurso: “devido à falta de segurança” (E10; 3 de março, 2016); “receio de não respeitar a vontade do doente” (E36; 3 de março, 2016).

Do mesmo modo, a personalidade e a expressividade do estudante são identificadas como causas de dificuldade, como podemos confirmar neste discurso: “a nível de expressividade, se calhar melhorar a minha comunicação e a pronúncia das palavras” (E29; 3 de março, 2016). A causa relacionada com as características pessoais ainda é afetada pela ansiedade e o medo, como podemos confirmar nos seguintes discursos: “medo de estar a incomodar os utentes com a nossa presença/conversa” (E33; 3 de março, 2016); “um pouco de medo de magoar a pessoa ou de não conseguir fazer o pretendido” (E35; 3 de março, 2016) e o “receio de falhar” (E40; 3 de março, 2016).

O local de EC também foi evidenciado como uma causa de dificuldade devido à falta de recursos, conforme descrito por estes estudantes: “falta de recursos no hospital” (E4; 3 de março, 2016); “falta de material para cuidar do doente com dignidade” (E38; 3 de março, 2016).

Outra causa de dificuldade relacionada com o EC foi o défice de formação dos profissionais em humanitude confirmada pelos estudantes nestes discursos: “falta de especialização em humanitude dos profissionais” (E4; 3 de março, 2016); “nem sempre estão sensibilizados com a metodologia de cuidado humanitude” (E31; 3 de março, 2016). O desrespeito dos profissionais é outra causa de dificuldade, conforme se pode identificar nestas declarações: “enquanto estudantes temos que ir ao ritmo dos enfermeiros” (E5; 3 de março, 2016) e “falta de reconhecimento e de respeito do enfermeiro pelo estudante” (E31; 3 de março, 2016).

 

Discussão

Das situações percecionadas pelos estudantes como dificultadoras na interação com as pessoas cuidadas, destaca-se com maior representatividade global, as dificuldades decorrentes da necessidade de comunicar com pessoas pouco comunicativas ou que não comunicam verbalmente, agitadas/confusas/agressivas e que recusam os cuidados. Estes dados vão ao encontro dos resultados obtidos por Melo et al. (2015). Atendendo a que os contextos estudados foram serviços de medicina interna e neurologia, e dado o elevado número de pessoas idosas com perturbação neurocognitiva (PNC) admitidos para internamento nestas unidades, urge a necessidade em se analisar estes dados face às características e realidade destas pessoas, cuja capacidade em se expressar, comunicar desejos ou necessidades está profundamente afetada, sendo necessário profissionalizar a relação no sentido da dignificação destas pessoas (Melo, Soares, Manso, Gaspar, & Melo, 2017). Ressalta na literatura que no cuidado e na relação não se potenciam as capacidades das pessoas idosas com PNC, privando-se o indivíduo, já neurologicamente prejudicado, da sua própria personalidade e identidade, minimizando as suas capacidades e estatuto social (Hughes & Beatty, 2013).

Contrariamente ao esperado, tendo em conta a falta de experiência clínica e idade da maioria dos participantes, situações concebidas a priori como potencialmente constrangedoras (prestação de cuidados de higiene) ou complexas e emocionalmente desgastantes (prestação de cuidados a utentes em fase terminal) foram as menos evocadas. Esta situação poderá ser explicada de duas formas: primeiro porque a colheita de dados foi realizada na terceira semana de EC, pressupondo um menor contacto, ou experiência, com a prestação de cuidados higiene e conforto em contexto real; segundo, os cuidados de higiene são perspetivados enquanto instrumentais, onde o utente é visto como um mero objeto recetor de cuidados, não sendo dada intencionalidade à relação, estimulação multissensorial e promoção de autonomia (Melo et al., 2017). A visão centrada na execução de tarefas, relegando a comunicação para segundo plano, vai ao encontro dos resultados evidenciados no estudo de Chan e Lai (2016).

Por outro lado, a menor representatividade do receio que os estudantes manifestaram com a prestação de cuidados a doentes em fase terminal pode dever-se ao facto de ainda poucos estudantes terem experienciado esta situação. Embora na prestação de cuidados a pessoas em fase terminal, a relação e interação comunicacional se revista de uma importância extrema, não só pela especificidade e complexidade da informação a transmitir, mas também pela envolvência, suporte e segurança constante que deverá estar presente na relação com a pessoa cuidada e a respetiva família. Todavia, e de acordo com Sun et al. (2016), por vezes verifica-se uma desadequação entre a abordagem verbal e não-verbal sendo considerada pelos estudantes como influenciadora do juízo que o utente faz das suas competências clínicas.

É de realçar que, embora com menor representatividade, a comunicação com a equipa foi referenciada pelos estudantes inquiridos, convergindo com as conclusões de Öztürk et al. (2013), os quais destacam que a interação entre estudante e enfermeiros tutores/orientadores é um potencial fator gerador de dificuldades em EC, motivada pelo medo dos estudantes em falhar objetivos e metas de avaliação.

Relativamente às causas das dificuldades destacadas pelos estudantes, emergiram quatro categorias: Défice de formação, Local do EC, Inexperiência, e Características pessoais. As características pessoais destacaram-se por ser a categoria em que emergiu um maior número de subcategorias explicativas das dificuldades sentidas pelos estudantes, como a Timidez, Falta de confiança, Personalidade, Expressividade, Ansiedade e medo. Estes resultados vão ao encontro dos de Sun et al. (2016), Melo et al. (2015) e Lea et al. (2014) ao evidenciarem que os estudantes de enfermagem, muitas vezes, têm medo de cuidar de pessoas com alterações do comportamento, devido à falta de preparação e de serem inadequadamente acompanhados, influenciando negativamente as suas atitudes (Scerri & Scerri, 2013).

Todavia, e apesar da multiplicidade de subcategorias evidenciadas para a causa Características pessoais, estas foram de menor representatividade global. Neste sentido, salientam-se as causas Défice de formação e Inexperiência pelo vasto número de relatos associados. É nestas duas categorias que surgem as causas de dificuldade mais comummente evidenciadas pelos estudantes de enfermagem. Ainda que seja expectável que fatores associados à inexperiência sejam evidenciados pelos estudantes, dado ser este o primeiro contacto com o contexto clínico dos participantes incluídos, o relato recorrente de falta de conhecimentos e prática sobre técnicas relacionais evidencia uma lacuna formativa no ensino em enfermagem atual. Esta constatação reforça a necessidade expressa por Lopes, Azeredo, e Rodrigues (2012) e resultados obtidos em estudos anteriormente realizados neste âmbito temático (Melo et al., 2015; Sun et al., 2016).

Deste modo, emerge a necessidade de serem implementados programas que promovam a capacidade de desenvolvimento pessoal dos estudantes de licenciatura (Lopes et al., 2012), intervindo no processo de formação dos enfermeiros no sentido do desenvolvimento das competências relacionais fundamentais para a prestação de cuidados mais eficazes e mais humanizados (Melo & Raposo, 2007). Neste sentido, torna-se importante a apropriação de metodologias de cuidar inovadoras e adequadas à realidade dos cuidados, permitindo ao estudante de enfermagem sistematizar e operacionalizar a relação, dando intencionalidade a procedimentos técnico-relacionais, facilitadores da interação com a pessoa cuidada, permitindo aprender como iniciar, desenvolver e terminar a relação com as pessoas cuidadas, colmatando as suas dificuldades comunicacionais (Figueiredo, Melo, & Ribeiro, 2016).

Limitações do estudo

Apesar do presente estudo ser um esforço inovador em contexto nacional, apontam-se algumas limitações na sua consecução. Primeiramente, e apesar do número de participantes incluídos, este poderá não ser inteiramente representativo dado a amostra ter sido incluída por conveniência. Dada a transversalidade temática, reconhece-se que diferentes contextos de EC condicionam as primeiras experiências dos estudantes de enfermagem, podendo despoletar barreiras comunicacionais inerentes a uma dinâmica clínica específica. Neste sentido, realça-se a necessidade de realizar um novo estudo que envolva uma maior diversidade de contextos clínicos.

Além disto, e sabendo que o presente estudo é focado nas dificuldades comunicacionais experienciadas no contacto com a realidade clínica, outros esforços deverão ser realizados de forma a compreender se estas dificuldades perduram ao longo do CLE e quais as estratégias utilizadas pelos estudantes para as superar. Para tal, novos estudos deverão ser conduzidos com estudantes do terceiro e quarto ano.

Contribuições para a área da enfermagem e investigação

O presente estudo incide numa temática insuficientemente abordada em contexto nacional, dada a sua implicação no bem-estar dos estudantes de enfermagem e impacte nos cuidados às pessoas cuidadas. Reconhecer as dificuldades dos estudantes permite reestruturar metodologias de ensino atuais, assim como reforçar a intervenção pedagógica em contexto de EC. Neste sentido, e enquanto orientação futura, sugere-se o desenvolvimento de um estudo focado na formação e capacitação dos estudantes de enfermagem com recurso a metodologias inovadoras como a Metodologia de Cuidado Humanitude (MCH), também conhecida como Metodologia de Cuidado Gineste-Marescotti® (MGM®), evidenciando a sua potencial eficácia na superação de dificuldades comunicacionais em contexto clínico, especialmente com pessoas com alteração do comportamento como agitação, confusão e que recusam os cuidados.

 

Conclusão

Com o desenvolvimento do presente estudo identificaram-se como principais dificuldades a comunicação com pessoas pouco comunicativas ou que não comunicam verbalmente; comunicação com pessoas agitadas/confusas/agressivas; incongruência entre a conceção teórica e a realidade prática; e prestar cuidados a pessoas que os recusam.

Foram identificadas como principais causas das dificuldades, o défice de formação na área relacional e comunicacional, inexperiência, características pessoais e local de EC. Respeitante ao défice de formação, torna-se de capital importância o investimento na formação e capacitação dos estudantes sobre como estabelecer a interação com a pessoa cuidada, utilizando metodologias de cuidar que promovam a sistematização e operacionalização da relação. Esta necessidade é testemunhada pela falta de conhecimento e de treino de técnicas comunicacionais evidenciadas pelos estudantes incluídos neste estudo.

A inexperiência foi também ressalvada pelos estudantes no início do seu EC enquanto causa de dificuldade, devido à falta de experiência, destreza e por ser o primeiro confronto com a realidade clínica. Ainda nesta linha, as características pessoais evidenciaram-se como uma das barreiras limitadoras na capacidade comunicativa dos estudantes, uma vez que a timidez, a insegurança, a ansiedade e o medo inviabilizam o sucesso académico.

Deste modo, e durante o EC, sugere-se fortemente a existência de momentos de partilha entre enfermeiros tutores, orientadores e estudantes, analisando-se situações de maior dificuldade, identificando causas subjacentes e potenciais estratégias para as superar no futuro. Além disto, é essencial que enfermeiros tutores e orientadores respeitem o ritmo dos estudantes na aquisição e desenvolvimento de competências que tenham em conta o estado de desenvolvimento pessoal, de estruturação da personalidade, de cada estudante, considerando que são jovens adultos em transição entre a adolescência e a adultez. A formação destes profissionais e estudantes em metodologias de cuidar inovadoras, além do impacto direto na qualidade e eficiência dos cuidados prestados, afigura-se como uma possível estratégia para atingir a proficiência comunicacional.

 

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Recebido para publicação: 07.07.17

Aceite para publicação: 17.10.17

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