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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.13 Coimbra jun. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV16029 

ARTIGO DE REVISÃO

REVIEW PAPER

 

Pensamento crítico dos estudantes de enfermagem em ensino clínico: uma revisão integrativa

Critical thinking of nursing students in clinical teaching: an integrative review

Pensamiento crítico de los estudiantes de enfermería en la enseñanza clínica: una revisión integradora

 

Tiago André dos Santos Martins Peixoto*; Nuno Miguel dos Santos Martins Peixoto**

* MsC., Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Aluno de Doutoramento na Universidade Católica Portuguesa [tiago.andre.peixoto@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e tratamento de dados, análise e discussão de dados e redação do texto. Morada para correspondência: Rua Diogo Botelho 1327, 4169-005 Porto

** MsC., Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Aluno de Doutoramento na Universidade Católica Portuguesa [nunomiguelpeixoto@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha e tratamento de dados; análise e discussão de dados.

 

RESUMO

Enquadramento: Face à diversidade e complexidade da prática é essencial preparar os futuros enfermeiros para desenvolver habilidades de pensamento crítico.

Objetivos: Explorar o estado atual do conhecimento científico sobre o pensamento crítico em estudantes de enfermagem, nomeadamente no contexto do ensino clínico.

Metodologia: Revisão integrativa da literatura em 3 bases de dados eletrónicas, de acordo com as recomendações do Joanna Briggs Institute para a realização de uma scoping review.

Resultados: De um total de 277 artigos publicados entre janeiro de 2010 e novembro de 2015, 28 foram incluídos nesta revisão. O pensamento crítico é um processo complexo que envolve habilidade intelectual, capacidade para conjugar a experiencia, o conhecimento e o raciocínio e uma componente atitudinal. Existem estratégias educativas que promovem eficazmente o desenvolvimento desta capacidade nos estudantes de enfermagem.

Conclusão: É importante criar ambientes propícios para estimular a reflexão, a criatividade e a confiança dos estudantes e desenvolver e implementarem estratégias inovadoras que promovam as habilidades dos mesmos para pensar criticamente.

Palavras-chave: enfermagem; estudantes de enfermagem; educação em enfermagem; estágio clínico; pensamento

 

ABSTRACT

Theoretical Framework: Future nurses need to be prepared to develop critical thinking skills due to the diversity and complexity in clinical practice.

Objectives: To explore the current state of scientific knowledge on nursing students' critical thinking, namely in clinical teaching settings.

Methodology: An integrative literature review was conducted in 3 online databases, according to the recommendations of the Joanna Briggs Institute for scoping reviews.

Results: Of a total of 277 articles published between January 2010 and November 2015, 28 were included in this review. Critical thinking is a complex process involving intellectual ability, ability to combine experience, knowledge, and reasoning, and an attitudinal component. Some educational strategies effectively promote the development of these skills in nursing students.

Conclusion: Enabling environments should be created to stimulate students' reflection, creativity, and confidence, as well as to develop and implement innovative strategies that promote critical thinking skills.

Keywords: nursing; students, nursing; education, nursing; clinical clerkship; thinking

 

RESUMEN

Marco contextual: Frente a la diversidad y complejidad de la práctica es esencial preparar a los futuros enfermeros para desarrollar habilidades de pensamiento crítico.

Objetivos: Explorar el estado actual del conocimiento científico sobre el pensamiento crítico en estudiantes de enfermería, en concreto en el contexto de la enseñanza clínica.

Metodología: Revisión integradora de la literatura en 3 bases de datos electrónicas, de acuerdo con las recomendaciones del Joanna Briggs Institute para la realización de un estudio de evaluación scoping review.

Resultados: De un total de 277 artículos publicados entre enero de 2010 y noviembre de 2015, se incluyeron 28 en esta revisión. El pensamiento crítico es un proceso complejo que implica habilidad intelectual, capacidad para conjugar la experiencia, el conocimiento y el raciocinio, y un componente actitudinal. Existen estrategias educativas que promueven eficazmente el desarrollo de esta capacidad en los estudiantes de enfermería.

Conclusión: Es importante crear ambientes propicios para estimular la reflexión, la creatividad y la confianza de los estudiantes, así como desarrollar y aplicar estrategias innovadoras que promuevan las habilidades de los mismos para pensar críticamente.

Palabras clave: enfermería; estudiantes de enfermeira; educacíon en enfermeira; prácticas clínicas; pensamiento

 

Introdução

Ao longo dos últimos 30 anos, as organizações de saúde tiveram múltiplas transformações no que respeita à exigência dos cuidados que prestam, fruto do rápido crescimento tecnológico e do desenvolvimento e partilha do conhecimento científico. Neste complexo e mutável ambiente de prestação de cuidados, os profissionais de enfermagem necessitam de pensar permanentemente e desenvolver habilidades que permitam a resolução de problemas reais ou potenciais, através de um efetivo julgamento clínico e uma eficaz tomada de decisão (Higgs & Jones, 2000).

O aumento da problematização do pensamento crítico em enfermagem tem sido conduzido pela resposta às constantes mudanças do ambiente de cuidados de saúde, sobre as quais os enfermeiros devem estar atentos. No início dos anos 90, esta problemática já fazia parte das preocupações dos professores de enfermagem e destaca-se o artigo publicado pelo Journal of Continuing Education in Nursing de Schank (1990) com o título Wanted: nurses with critical thinking skills.

Nos últimos anos, percebeu-se a necessidade de preparar os futuros enfermeiros para desenvolver e dominar habilidades de pensamento suportado pelo facto de que o raciocínio e a crítica, quando inseridos no pensar, são ferramentas mentais essenciais para a compreensão da realidade e ajuste do conhecimento. Enders, Brito, e Monteiro (2004) defendem a aquisição das habilidades de pensamento crítico na enfermagem por três motivos: pela necessidade do enfermeiro utilizar julgamento independente, ou seja, de atuar suportado por uma avaliação racional da situação e não de forma preconceituosa ou de submissão sem questionamento, às imposições de outros profissionais e das instituições; pela libertação do individuo, em que o profissional se afasta do controlo de crenças e atitudes injustificadas, e age de acordo com os próprios ideais tendo em consideração sempre os dos outros; e pela necessidade de se desenvolver, em benefício do recetor de cuidados, a racionalidade no julgamento clínico e cientifico inerente ao processo de enfermagem.

A abordagem ao pensamento crítico tem vindo as ser desenvolvido por várias escolas do pensamento, principalmente a filosofia, a psicologia e a educação (Lewis & Smith, 1993). Apesar de não existir uma definição universalmente aceite para clarificar o pensamento crítico nas diferentes perspetivas, parece ser consensual a ideia de que o pensamento crítico é o julgamento intencional e autorregulável que resulta na interpretação, análise, avaliação e inferência de um determinado aspeto da realidade, inclui a explicação probatória, conceitual, metodológica e criteriológica sobre a qual o julgamento é baseado e não admite afirmações sem lhe reconhecer a legitimidade, sendo que, quanto mais treinadas são estas habilidades maior é a probabilidade de um resultado desejável (Alfaro-LeFevre, 1999; Facione, 1990).

O clássico The Delphi Report de Facione (1990) publicado pela American Philosophical Association, descreve o pensador crítico ideal como o indivíduo que é habitualmente curioso, bem informado, de mente aberta, flexível, justo na avaliação, honesto em enfrentar preconceitos pessoais, prudente na tomada de decisões, capaz de reconsiderar, claro sobre as questões, ordenado em assuntos complexos, diligente na busca de informações relevantes, razoável na seleção de critérios, com foco em pesquisa e persistente na busca de resultados que são tão precisos quanto o assunto e as circunstâncias da autorização de inquérito.

O pensamento crítico em enfermagem pode ser definido como o processo de julgamento intencional e reflexivo sobre problemas de enfermagem, onde o foco é a tomada de decisões clínicas, a fim de prestar cuidados seguros e eficazes (Watson & Glaser, 1991). No contexto do desenvolvimento das habilidades para o pensamento crítico, o ensino clínico ganha especial importância, não só por ser o local onde acontece o primeiro contacto com a prática clínica, mas também por ser o contexto onde se inicia o processo de socialização profissional, ser rico em imprevisibilidade e exigir a mobilização de saberes teóricos para a realidade prática (Abreu, 2003, 2007).

Neste sentido, em 1992 a National League for Nursing dos Estados Unidos anunciou que todos os planos curriculares de enfermagem deviam incorporar o estímulo do pensamento crítico e em 1997 a Royal College of Nursing (1997) da Australia afirmou que a qualidade da prática da enfermagem é dependente de preparação educacional dos enfermeiros para assegurar a capacidade de analisar criticamente e modificar as intervenções de enfermagem.

Esta revisão tem como objetivo explorar o estado atual do conhecimento científico relacionado com o pensamento crítico, em estudantes de enfermagem, e descrever essas evidências, desenvolvendo um mapa conceptual sobre a forma como o pensamento crítico se desenvolve nos estudantes de enfermagem durante o ensino clínico, com ênfase nas estratégias de promoção do pensamento crítico. Tais dados são relevantes, uma vez que podem subsidiar a análise, avaliação, reflexão e investigação sobre o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes de enfermagem.

De acordo com as recomendações do Joanna Briggs Institute (JBI) para a realização scoping review (JBI, 2015), a formulação da questão de investigação baseou-se na mnemónica população, conceito e contexto (PCC) e resume-se a: O que é conhecido na literatura científica existente sobre o pensamento crítico nos estudantes de Enfermagem em ensino clínico?

Os objetivos, os critérios de inclusão e os métodos definidos para a concretização desta revisão foram detalhadamente especificados e documentados num protocolo previamente realizado, embora não tenha sido publicado.

Procedimentos metodológicos de revisão integrativa

Realizamos uma revisão da literatura que aborda o pensamento crítico nos estudantes de enfermagem em ensino clínico e os conceitos subjacentes seguindo as diretrizes da metodologia do JBI para scoping review (2015).

Os critérios de inclusão dos artigos estão apresentados na Tabela 1, e foram definidos de acordo com a população, os conceitos, o contexto, o tipo de estudo, a língua e a data de publicação.

A identificação dos artigos a incluir nesta revisão da literatura passou por um processo de seleção rigoroso e sistematizado. Inicialmente, foram realizadas pesquisas exploratórias nas bases de dados eletrónicas selecionadas, com recurso a algumas das palavras-chave anteriormente apresentadas, de forma a promover um melhor enquadramento com a temática do pensamento crítico nos estudantes de enfermagem. Posteriormente, e após a leitura e análise dos artigos científicos mais relevantes, procedeu-se à identificação das principais palavras-chave e termos de pesquisa utilizadas, de forma a auxiliar a construção das frases booleanas para a realização da pesquisa.

Assim, os artigos científicos a incluir nesta revisão foram selecionados através de uma pesquisa realizada em três bases de dados eletrónicas significativas para a temática, MEDLINE with full text®, CINAHL plus with full text® e Cochrane Library Plus®, e recorrendo à construção de três frases booleanas que conjugam termos livres com termos indexados (Medical subject headings ou Headings), combinadas com os operadores booleanos: “OR” e “AND” e à ferramenta “*”.

A estratégia de pesquisa adotada (frase booleana de pesquisa e filtros ativados) usadas nas bases de dados eletrónicas são seguidamente apresentadas:

MEDLINE with full text® - ((MH “Students, Nursing”) AND ((MH “Thinking”) OR (“Critical Think*”) OR (MH “Judgment”) OR (MH “Decision Making”) OR (MH “Problem Solving”) OR (MH “Problem-Based Learning”) AND ((MH “Education, Nursing”) OR (Clinica* Practice) OR (MH “Teaching”) OR (Clinical Teaching) OR (Clinica* Placement) OR (Clinica* Learning))); Filtro ativado: Limitadores: Texto completo; Data de publicação de: 2010/01/01-2015/11/30; Expansores: Pesquisar também no texto completo dos artigos; Modos de pesquisa: Booleano/Frase; Idioma: Português e Inglês.

CINAHL plus with full text® - (((MH “Students, Nursing, Baccalaureate”) OR (MH “Students, Nursing”) OR (MH “Students, Nursing, Practical”)) AND ((MH “Critical Thinking”) OR (MH “Decision Making, Clinical”) OR (MH “Thinking”)) AND ((MH “Education, Nursing”) OR (MH “Teaching Methods, Clinical”) OR (MH “Clinical Competence”) OR (Clinica* Practice) OR (Clinica* Teaching) OR (Clinica* Placement) OR (MH “Student Placement”) OR (Clinica* Learning) OR (MH “Learning Environment, Clinical”))); Filtro ativado: Limitadores: Texto completo; Data de publicação de: 2010/01/01-2015/11/30; Expansores: pesquisar também no texto completo dos artigos; Modos de pesquisa: Booleano/Frase; Idioma: Português e Inglês.

Cochrane Library Plus® - ((“Students, Nursing”) AND ((“Critical Thinking”) OR (“Decision Making”) OR (“Problem Solving”)) AND ((“Clinica* Practice”) OR (“Student Placement”) OR (“Clinica* Competence”) OR (“Clinica* Placement”) OR (“Clinica* Learning”))); Filtro ativado: Limitadores: Texto completo; Data de publicação de: 2010/01/01-2015/11/30.

Com o objetivo de incorporar a literatura cinzenta na análise e discussão da temática, importa enunciar que para além dos artigos científicos identificados através da pesquisa anteriormente mencionada, foram adicionados outros estudos, provenientes de pesquisas livres, que respeitassem os critérios de inclusão previamente estipulados. Posteriormente, procedeu-se à eliminação dos artigos duplicados.

A pesquisa foi realizada em inglês, contudo poderiam ser incluídos os artigos científicos redigidos em língua inglesa ou portuguesa.

Foram consideras elegíveis as publicações compreendidas no intervalo de tempo entre o dia 1 de janeiro de 2010 e o dia 30 de novembro de 2015, momento em que foi realizada a pesquisa. Não foi definida qualquer restrição quanto ao tipo de estudo.

 

Resultados e interpretação

De um total de 277 artigos identificados, 25 foram excluídos por se encontrarem duplicados. Seguidamente, iniciou-se o processo de seleção dos artigos com a aplicação de dois testes de triagem. O primeiro, denominado Teste de Triagem I, foi aplicado a 252 estudos. Após a execução deste teste, realizado através da análise do título e resumo de cada um dos artigos candidatos à inclusão nesta revisão, foi possível excluir 181 estudos. O segundo, denominado Teste de Triagem II, foi aplicado aos 71 artigos restantes. Este teste, que consistiu na leitura integral de cada um dos artigos e na análise do respetivo enquadramento à população, conceitos e contextos previamente definidos para esta revisão, permitiu excluir 43 artigos.

Dos motivos de exclusão, destaca-se: o objetivo do estudo é diferente da temática desta revisão (23), a problemática do pensamento crítico é apresentada como assunto secundário ou adicional e pouca informação contém para a discussão (5), o estudo não cumpre critérios de inclusão (8), e o sujeito do estudo é diferente do sujeito da revisão (7). A Figura 1 representa o processo de identificação e seleção realizada.

O exame dos artigos incluídos nesta revisão desenvolveu-se em duas fases. Na primeira fase foi realizada uma análise descritiva referente às características de produtividade (número de publicações por ano e país onde o estudo foi desenvolvido) e às características metodológicas (tipo de desenho do estudo; tipo e tamanho da amostra; e objetivos do estudo) dos estudos. Na segunda fase foi realizada uma análise ao conteúdo dos estudos, dividida em duas áreas essenciais que englobou a conceptualização do pensamento crítico e estratégias que promovem o pensamento crítico.

No que concerne à distribuição dos estudos por ano de publicação, percebe-se que dos 28 artigos incluídos nesta revisão, a maioria dos estudos relevantes foram publicados no ano de 2010 (nove), seis foram publicados em 2013 e outros tantos em 2014, três foram publicados em 2011 e apenas um estudo foi publicado nas bases de dados selecionadas no ano de 2015.

No que concerne ao país de origem dos estudos incluídos destacam-se os Estados Unidos da América com 12 publicações relevantes sobre a temática. Em Portugal foram realizadas três publicações, na Coreia, China e Irão duas publicações e apenas com uma publicação surge o Brasil, Canada, Reino Unido, Suécia, Espanha, Turquia e Singapura.

Relativamente à metodologia dos estudos encontrados, mais precisamente no que respeita ao tipo de estudo dos artigos incluídos nesta revisão, podemos afirmar que os estudos de análise foram os mais realizados (11, dos quais quatro são revisões da literatura), mas também estudos do tipo qualitativo (seis) e descritivo (cinco) foram realizados com frequência para abordarem a temática do pensamento crítico em estudantes de enfermagem. Por outro lado, estudos experimentais (dois), quasi-experimentais (dois) e metodologias mistas (dois) são menos comuns.

No que toca ao tipo de amostra, 18 estudos (64,3%) usaram exclusivamente estudantes de licenciatura em enfermagem, seis estudos, justificados pelo próprio desenho de investigação, não apresentavam amostra, um estudo utilizava estudantes de licenciatura em enfermagem e estudantes de licenciatura em enfermagem já com uma licenciatura concluída, um outro, estudantes de enfermagem seniores, outro, estudantes e professores da licenciatura em enfermagem e, por fim, outro, estudantes de licenciatura de diferentes áreas da saúde, incluindo a licenciatura em enfermagem.

No que ao tamanho da amostra diz respeito, nove dos 28 estudos apresentavam uma amostra superior a 50 participantes, cinco estudos tinham uma amostra compreendida entre 20 e 50 participantes, inclusive, e três estudos possuíam uma amostra inferior a 20 participantes.

Quanto aos objetivos dos estudos incluídos nesta revisão, expostos na Tabela 2, verificou-se que 15 artigos se focalizam na análise e avaliação das estratégias que promovem o pensamento crítico, 11 na análise e avaliação do pensamento crítico, 11 nas habilidades e disposições para o pensamento crítico, sete no contexto que influencia o pensamento crítico, três na relação entre o pensamento crítico e o processo de enfermagem, três na conceptualização do pensamento crítico e, por fim, três nos fatores que interferem com o pensamento crítico.

A Tabela 2 apresenta a referência bibliográfica e os objetivos dos estudos incluídos na revisão.

Conceptualização do pensamento crítico

Dada a variabilidade de conceitos encontrados na literatura, grandes desafios se criam a quem realiza investigação nesta área. Com a análise da literatura incluída nesta revisão, percebeu-se que por vezes, existe a tentativa de relacionar termos alternativos ao pensamento crítico, como são exemplos: tomada de decisão clínica, pensamento analítico, julgamento clínico, julgamento crítico, pensamento criativo, resolução de problemas, pensamento reflexivo e raciocínio diagnóstico (Brudvig, Dirkes, Dutta, & Rane, 2013; Gerdeman, Lux, & Jacko, 2013; Mann, 2010; Whiffin & Hasselder, 2013), porém, tal uso não parece adequado pela grande alternância dos conceitos relacionados e torna-se importante clarificar o conceito de pensamento crítico.

Ao longo da análise realizada aos estudos produzidos entre o espaço de tempo definido para a realização desta revisão, observou-se que raros são os que tem como objetivo atualizar ou apresentar uma nova definição para o conceito de pensamento crítico e que os autores recorrem a conceitos já existentes, com a exceção do estudo produzido por Tajvidi, Ghiyasvandin, e Salsali (2014) que decorreu num contexto da cultura iraniana em que o conhecimento produzido sobre esta temática era escasso.

Apesar de não existir uma definição universalmente aceite, presume-se que os conceitos apresentados por Facione (1990) e Facione, Facione, e Sanchez (1994) são os que reúnem maior consenso, pelas várias referências ao longo da literatura analisada, como são exemplos os estudos de Brudvig et al. (2013), Fero (2010), Mann (2010), Marchigiano, Eduljee, e Harvey (2011), Salsali, Tajvidi, e Ghiyasvandian (2013), entre outros. Assim, o primeiro conceito, obtido após um estudo de consensos de peritos, conceptualiza o pensamento crítico como o julgamento propositado e autorregulado que resulta da interpretação, análise e inferência, bem como explicação, da prova, conceitual, metodológica, criteriológica ou das considerações contextuais em que esse julgamento se baseia, e o segundo conceito, atualiza que o pensamento crítico é um processo complexo que envolve habilidades cognitivas (tais como interpretação, clarificação, dedução e inferência), conhecimento científico, honestidade intelectual e uma disposição atitudinal que pode ser trabalhada.

Das definições mais recentes encontradas, surge o pensamento crítico como o espelho da metacognição, ou seja, o reflexo do pensar sobre o próprio pensamento de forma a sistematizar, racionalizar e clarificar o processo cognitivo que se concentra na tomada de decisão (Loving & Wilson; Paul; Turner, citados por Tajvidi et al., 2014), como uma tendência caraterizada pela motivação interna de resolver problemas e tomar decisões pensando (Huan & Vickie citados por Salsali et al., 2013) e, ainda como o pensamento focado e reflexivo de forma a considerar a decisão a tomar, incluindo a capacidade de comparar alternativas (Landis & Michael, citados por Fero, 2010).

Em virtude das múltiplas transformações dos sistemas de saúde e do aumento da exigência na prestação de cuidados de saúde, alguns autores defendem que os enfermeiros devem incorporar e desenvolver habilidades de pensamento crítico, não só porque existe evidência de que tal habilidade é suscetível de influenciar o julgamento clínico, a tomada de decisão e a resolução de problemas, mas também por ser uma componente essencial à sua prática profissional (American Association of Colleges of Nursing, 2008; National League for Nursing, 2006; Simpson & Courtney, citados por Godinho & Amendoeira, 2010 e Mann, 2010).

De acordo com a literatura incluída nesta revisão, muitos são os autores que enfatizam o pensamento crítico na enfermagem, considerando-o como uma componente essencial da responsabilidade e qualidade profissional. Tajvidi et al. (2014) refere que a definição de Watson e Glaser (1980), apesar de antiga, continua a ter uma grande aceitabilidade na comunidade científica. Estes autores explicam o pensamento crítico enquadrado numa combinação de atitude, conhecimento e habilidade, como a capacidade para definir um problema, procurar informações para a sua resolução, reconhecendo suposições explícitas e implícitas, formular e selecionar hipóteses relevantes e promissoras e apresentar conclusões após a validação das inferências (Watson & Glaser, 1980).

Todavia, continua a haver investigadores provenientes de países em desenvolvimento interessados na clarificação do conceito do pensamento crítico em enfermagem. Se por um lado, o estudo de Tajvidi et al. (2014) conclui que a definição de pensamento crítico continua em mudança e está relacionada com o contexto no qual o mesmo tem lugar, sendo professores e estudantes de enfermagem responsáveis pelo desenvolvimento deste processo de pensamento lógico, situacional e intencional, orientado para os resultados. Por outro lado, o estudo de Scheffer e Rubenfeld (citados por Mann, 2010) que utilizou o mesmo método de Facione (1990), mas enquadrado numa comunidade de enfermeiros, conclui que a definição de pensamento crítico se circunscrevia a uma componente cognitiva (composta por: confiança, perspetiva contextual, criatividade, flexibilidade, curiosidade, integridade intelectual, intuição, abertura de espírito, perseverança e reflexão) e a uma componente relacionada com a habilidade para o pensamento crítico (composta por análise, aplicando padrões, discriminação, busca de informações, raciocínio lógico, previsão e transformação do conhecimento).

Com base na análise das múltiplas definições apresentadas, reconhece-se que o pensamento crítico reúne, essencialmente, três elementos-chave: a habilidade intelectual que o individuo possui para procurar, identificar e desafiar premissas do raciocínio que considera relevantes para a tomada de decisão; a capacidade para conjugar a experiência, o conhecimento e o raciocínio na identificação e exploração de quadros alternativos de referência tendo em conta o contexto, e uma componente atitudinal, que incorpora os domínios afetivos, capaz de influenciar o pensamento lógico, situacional e intencional, orientado para os resultados.

Estratégias de promoção do pensamento crítico

Depois de analisados todos os artigos identificados, foi possível agrupar as estratégias de promoção do pensamento crítico em estudantes de enfermagem em onze domínios/tópicos. A Tabela 3 apresenta de forma detalhada as características e as evidências dessas estratégias.

Decorrente da revisão realizada, percebeu-se nos estudos E1 e E10 que a narração se apresenta como uma estratégia válida na promoção do pensamento crítico nos estudantes de enfermagem. As narrativas escritas ou verbais permitem a comunicação efetiva entre o estudante e o professor, uma vez que possibilitam a identificação das situações da prática clínica em que o pensamento crítico ocorre, iluminando a orientação facultada pelo supervisor/orientador. Além de estimular o desenvolvimento de habilidades de comunicação, esta estratégia permite ao estudante: desenvolver uma apreciação dos seus recursos internos para o pensamento e aprendizagem; estimular o seu crescimento intelectual e moral; e trabalhar a sua capacidade de compreender a complexidade de cada situação, adaptando estratégias que estão à sua disposição para a resolução de conflitos (Mun, 2010).

Aprendizagem baseada em casos (E4, E13 e E14), em simulações clínicas (E8, E26 e E28), em cenários (E2, E17 e E26) e em problemas (E15) são o tipo de estratégias de promoção do pensamento crítico mais utilizadas por professores/supervisores clínicos e são simultaneamente as mais investigadas. Estas estratégias podem auxiliar os estudantes a serem criticamente reflexivos, proporcionando a oportunidade de analisar problemas, fenómenos e situações clínicas concretas, e permite, principalmente, a ponte entre a sala de aula e o ambiente clínico real (Vivien et al., 2010).

Outras das estratégias válidas para o desenvolvimento das habilidades de pensamento crítico em estudantes de enfermagem, apontadas na literatura analisada, são a realização de planos de cuidados associados ou não com a produção de mapas de conceitos (E3 e E10) ou apenas a produção destes últimos (E26). Enquadrados no processo de enfermagem, os planos de cuidados de enfermagem, enquanto ferramenta essencial para resolução de problemas, com autonomia e profissionalismo, são fundamentais na formação dos enfermeiros não só porque permitem aplicar e organizar o conhecimento teórico enquadrado com a prática clínica, mas também porque permitem ao estudante pensar criticamente sobre os julgamentos clínicos a deliberar (Marchigiano et al., 2011).

Entre a bibliografia explorada encontramos referências de outras estratégias, também efetivas na promoção do pensamento crítico em estudantes de enfermagem, das quais se destacam: grand rounds (E5) caracterizada pela criação de grupos de discussão com profissionais, alunos e professores, proporcionando um fórum onde o pensamento crítico e as habilidades de julgamento clínicos são desenvolvidos no ambiente da prática (Mann, 2010); tecnologia de aprendizagem interativa e multimédia (E11), ferramenta inovadora para o pensamento crítico através de atividades online (Morey, 2012); pesquisa e análise de publicações científicas (E19) e promoção da autoformação (E25) com recurso ao processo reflexivo, na análise da responsabilidade, na relação interpessoal e multiprofissional e no pensamento crítico/reflexivo (Spínola & Amendoeira, 2012).

No que concerne às balizas deste estudo, é importante referir que esta revisão está limitada pela impossibilidade de se englobar a totalidade da literatura científica existente e por tal, as pesquisas circunscreveram-se a três bases de dados eletrónicas (MEDLINE® with full text, CINAHL Plus with full text e Cochrane), num intervalo de tempo delimitado, com restrições definidas quanto ao idioma da publicação (Português e Inglês) e considerando apenas os estudos em full text e de open access.

 

Conclusão

Pode concluir-se que este estudo permitiu compreender que o conceito do pensamento crítico em enfermagem se caracteriza como um processo complexo e multidimensional que engloba a habilidade intelectual que o individuo possui para procurar, identificar e desafiar premissas do raciocínio que considera relevantes para a tomada de decisão; a capacidade para conjugar a experiência, o conhecimento e o raciocínio na identificação e exploração de quadros alternativos de referência, tendo em conta o contexto e uma componente atitudinal, que incorpora os domínios afetivos, capaz de influenciar o pensamento lógico, situacional e intencional.

No que respeita à promoção do pensamento crítico em estudantes de enfermagem, existe uma significativa preocupação por parte dos enfermeiros em reconhecer e compreender quais os métodos de ensino que melhores resultados poderão ter na formação dos futuros profissionais. Enquadradas no ensino clínico, destacam-se as estratégias que visam o desenvolvimento de narrativas escritas ou verbais, a aprendizagem baseada em casos reais, o estudo de casos baseados em simulações clínicas, a aprendizagem baseada em cenários, a realização de planos de cuidados com ou sem mapa conceitual anexado, a criação de grupos de discussão com profissionais, alunos e professores, o uso de tecnologia de aprendizagem interativa e multimédia, a aprendizagem baseada na resolução de problemas, a realização de pesquisas e análises de publicações, o desenvolvimento de mapas conceituais e, por fim, a promoção da autorresponsabilização pela formação/aprendizagem.

Com a realização deste trabalho, espera-se disponibilizar um conjunto de informações relevantes para que os enfermeiros que assumem funções pedagógicas, principalmente enfermeiros professores, possam entender que o pensamento crítico é um elemento fulcral no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes de enfermagem e que a qualidade da prática da enfermagem é dependente da preparação educacional dos enfermeiros para pensar criticamente.

Tendo em conta as limitações inerentes a este tipo de estudo e, apesar de terem sido apresentadas, ao longo deste trabalho, estratégias eficazes para o desenvolvimento do pensamento crítico em estudantes de enfermagem, percebe-se que mais investigação, principalmente sob a forma de estudos quantitativos e experimentais, deverá ser desenvolvida tanto no que concerne à criação, implementação e desenvolvimento dessas estratégias, como no que respeita à avaliação da eficácia das mesmas.

Por fim, é possível concluir que a educação de profissionais orientados para pensar criticamente sobre a sua atuação diária deve começar na formação inicial. É missão das escolas e dos professores/supervisores de enfermagem criar ambientes propícios para o desenvolvimento da reflexão, da criatividade e da confiança dos estudantes, e conhecer, desenvolver e implementar estratégias inovadoras que estimulem o desenvolvimento das habilidades destes para pensar criticamente e, desta forma obter um efeito transformador no significado que a profissão tem para a sociedade.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido para publicação em: 12.04.16

Aceite para publicação em: 30.06.16

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