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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.12 Coimbra Mar. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV16024 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Estratégias de autogestão da ansiedade nos sobreviventes de cancro: revisão sistemática da literatura

Anxiety self-management strategies in cancer survivors: a systematic literature review

Estrategias de autogestión de la ansiedad en los supervivientes de cáncer: revisión sistemática de la literatura

 

Nuno Miguel dos Santos Martins Peixoto*; Tiago André dos Santos Martins Peixoto**; Cândida Assunção Santos Pinto***; Célia Samarina Vilaça de Brito Santos****

* MsC., Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Aluno de Doutoramento na Universidade Católica Portuguesa, 4202-401 Porto, Portugal [nunomiguelpeixoto@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados; tratamento de dados; análise de dados e discussão, redação do texto. Morada para correspondência: Rua Arquiteto Lobão Vital - Apartado 2511, 4202-401, Porto, Portugal.

** MsC., Enfermeiro Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Aluno de Doutoramento na Universidade Católica Portuguesa, 4202-401 Porto, Portugal [tiago.andre.peixoto@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento de dados; análise de dados e discussão.

*** Ph.D., Professora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [candida@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão.

**** Ph.D., Professora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [celia@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão.

 

RESUMO

Enquadramento: A ansiedade é uma condição que pode dificultar a capacidade do sobrevivente de cancro em se adaptar à nova condição da vida, influenciar a autogestão e o processo saúde-doença.

Objetivos: Conhecer as estratégias de gestão da ansiedade utilizadas pelos sobreviventes de cancro, após o fim dos tratamentos, que favorecem a gestão da doença.

Método de revisão: Estudo de revisão sistemática da literatura segundo o modelo do Instituto Joanna Briggs. Dos 1.483 artigos encontrados nas bases de dados, 12 foram incluídos.

Interpretação dos resultados: As estratégias relacionadas com o exercício físico, a perceção da doença, o coping, o apoio social e o controlo das interações negativas podem ter efeitos benéficos na redução dos níveis de ansiedade e promover uma adequada gestão da doença.

Conclusão: A prática de atividade física, as estratégias de coping menos fatalistas, as estratégias de coping focadas nos aspetos positivos (otimismo), o apoio social (formal ou informal) e as estratégias que reduzem as interações negativas podem ter efeitos benéficos na redução da ansiedade.

Palavras-chave: ansiedade; cancro; sobreviventes; autocuidado

 

ABSTRACT

Background: Anxiety is a condition that can hinder cancer survivors' capacity to adapt to the new life condition, and influence self-management and the health-illness process.

Objectives: To identify the anxiety management strategies used by cancer survivors to promote disease management after the end of treatments.

Review method: A systematic literature review was conducted based on the Joanna Briggs Institute model. Twelve of the 1,483 articles found in the databaseswere included.

Interpretation of results: Strategies involving physical exercise, disease perception, coping and social support, and the control of negative interactions may have positive effects in reducing anxiety levels and promoting an adequate disease management.

Conclusion: Physical activity, non-fatalistic coping strategies, coping strategies focused on positive aspects (optimism), social support (formal or informal), and strategies for reducing negative interactions may have beneficial effects in reducing anxiety.

Keywords: anxiety; cancer; survivors; self-care

 

RESUMEN

Marco contextual: La ansiedad es un problema que puede dificultar la capacidad del superviviente de cáncer para adaptarse a la nueva situación de la vida, así como influir en la autogestión y la transición de la salud a la enfermedad.

Objetivos: Conocer las estrategias de gestión de la ansiedad utilizadas por los supervivientes de cáncer, tras finalizar el tratamiento, que favorecen la gestión de la enfermedad.

Método de revisión: Estudio de revisión sistemática de la literatura de acuerdocon el modelo del Instituto Joanna Briggs. De los 1.483 artículos encontrados en las bases de datos se incluyeron 12.

Interpretación de los resultados: Las estrategias relacionadas con el ejercicio físico, la percepción de la enfermedad, el afrontamiento (coping), el apoyo social y el control de las interacciones negativas pueden tener efectos benéficos en la reducción de los niveles de ansiedad y promover una adecuada gestión de la enfermedad.

Conclusión: La práctica de actividad física, las estrategias de afrontamiento menos fatalistas, las estrategias de afrontamiento enfocadas en los aspectos positivos (optimismo), el apoyo social (formal o informal) y las estrategias que reducen las interacciones negativas pueden tener efectos benéficos en la reducción de la ansiedad.

Palabras clave: ansiedad; cáncer; sobrevivientes; autocuidado

 

Introdução

O cancro é visto como uma doença terrível e temível. Estima-se que, só em 2012, tenham sido diagnosticados 14,1 milhões de novos casos de cancro em todo o mundo. Contudo, o cancro não pode continuar a ser encarado invariavelmente como uma doença fatal, uma vez que se pensa que existam mais de 32 milhões de adultos vivos a quem foi diagnosticado cancro nos últimos 5 anos (International Agency for Research on Cancer, 2013).

Atendendo aos avanços tecnológicos e científicos no tratamento e na cura do cancro fruto das inovações científicas que constantemente surgem, o cancro tem ultrapassado a dimensão de doença incurável para ser enquadrado no domínio de uma doença crónica (Aziz & Rowland, 2003).

O cancro, enquanto doença crónica, despoleta um conjunto de sintomas que vão para além da dimensão biológica e que constantemente ameaçam a saúde da pessoa. A doença oncológica origina um grande impacto emocional e sérios problemas psicológicos, tais como a depressão, a ansiedade, o stresse, a confusão e a angústia (Bayés, 2008). A ansiedade é um desses transtornos, ela surge em resposta a uma qualquer ameaça e o cancro é forçosamente ameaçador (Stark et al., 2002).

A ansiedade é frequentemente descrita por presença de sintomas como palpitações, transpiração, nervosismo, intranquilidade, apreensão, preocupação, falta de concentração, tensão muscular e fadiga (Stark & House, 2000). A ansiedade refere-se a um variado e complexo padrão de comportamentos que produz uma resposta interna (cognitiva) e externa (do meio) podendo aparecer em três canais: o canal subjetivo ou introspetivo (e.g., preocupação, inquietação), o canal de ativação somática ou visceral (e.g., taquicardia, a respiração agitada, a tensão muscular) e o canal que implica o motor somático do comportamento (e.g., palpitações; Baptista, 2000; Bernstein, 1981). Geralmente, as pessoas com ansiedade evidenciam emoções negativas, excessivas e persistentes, tendem a usar mais a supressão e têm uma maior tendência a julgar as suas emoções como negativas e inaceitáveis (Campbell-Sills, Barlow, Brown, & Hofmann, 2006).

No cancro, a ansiedade caracteriza a resposta humana da pessoa à transição saúde-doença e surge da ameaça à vida imposta pelo diagnóstico podendo prevalecer ao longo de todo o processo de doença. De facto, a ansiedade acompanha a pessoa com cancro em todas as suas fases. Na fase de sobrevida, após o término dos tratamentos, a alegria de estar vivo choca com o medo contínuo da recidiva (Mullan, 1985) e a ansiedade pode resultar desse próprio medo de recidiva (Vacek, Winstead-Fry, Secker-Walker, Hooper, & Plante, 2003), da incerteza sobre a possibilidade de ter de novo um cancro (Mckenzie & Crouch, 2004), pela ausência de segurança de controlo sobre a doença que os tratamentos dão (Pinto, 2007) e pela hipervigilância condicionada pela doença (Dow & Loerzel, 2005).

O processo de gestão da ansiedade deve de ser dinâmico, isto é, tem que ser gerido de acordo com as várias etapas do processo de vida de quem teve ou tem um cancro. Uma dessas etapas, decorre do facto de deixar de ser doente e passar a ser sobrevivente. É inquestionável que ser sobrevivente é, como refere Mullan (1985), mais do que uma questão binária em que num dia se é doente e no outro se é sobrevivente, configurando-se, portanto, uma transição saúde-doença cujos limites temporais não são linearmente definidos. Entre as várias definições de sobrevivente encontradas na literatura, a mais consensual e atual é a de que sobrevivente é todo aquele que, tendo sido diagnosticado com uma doença oncológica, já terminou os tratamentos com intenção curativa (Feuerstein, 2007).

Os enfermeiros, por serem o maior grupo de profissionais da área da saúde e pela maior interação com os pacientes em todo o processo de saúde-doença, assumem um papel específico na problemática dos sobreviventes de cancro (Pinto, 2007). A enfermagem, no âmbito do seu mandato social, centra-se na ajuda das pessoas a gerirem os seus processos de transição ao longo do ciclo vital (Meleis, Sawyer, Messias, & Shumacher 2000). De uma forma geral, a intervenção dos enfermeiros na assistência às pessoas que tiveram cancro é fulcral, pois, mais do que qualquer outro grupo profissional, os enfermeiros podem potenciar uma gestão eficaz dos processos de saúde-doença.

Assim, e cientes de toda a complexidade inerente ao processo de viver para além do cancro, desenvolveu-se uma investigação promotora do conhecimento teórico e inerente transferibilidade para a prática, através de uma revisão sistemática da literatura (RSL), sobre autogestão da ansiedade nos sobreviventes de cancro.

A RSL passou por seis fases: formulação da pergunta de partida, definição de critérios de inclusão e exclusão dos estudos na RSL, localização e seleção dos estudos, avaliação da qualidade metodológica dos estudos, extração de dados e interpretação e discussão dos dados. A pergunta de partida foi definida a partir de uma metodologia PICO: Que estratégias de gestão da ansiedade utilizadas pelos sobreviventes de cancro promovem a autogestão da doença?.

Este estudo insere-se no projeto da Unidade de Investigação da Escola Superior de Enfermagem do Porto (UNIESEP) em contexto de Investigação e Desenvolvimento (I&D) - Autogestão da doença crónica, tem como objetivo conhecer as estratégias de gestão da ansiedade utilizadas pelos sobreviventes de cancro, para gestão da própria doença, após o término dos tratamentos.

 

Método de revisão sistemática

É fundamental, na evolução da enfermagem, compreender que a investigação levada a cabo pelos enfermeiros está ancorada na procura da essência da própria disciplina e na construção do core de conhecimentos dos enfermeiros. Desse modo, conduziu-se uma RSL, nível mais alto da pirâmide da hierarquia das evidências, por esta ser uma estratégia que tem por objetivo a análise das evidências científicas da literatura que se focam numa única questão de investigação e por ser um método atual e adequado para integrar e sintetizar informação de estudos separados, mas que se encontram sobre a mesma intervenção/exposição.

Inicialmente, no sentido de detalhar as etapas metodológicas a serem percorridas, foi elaborado um protocolo de pesquisa, tendo por base os princípios metodológicos de uma RSL, com base nas orientações constantes no Joanna Briggs Institute Reviewers' Manual (Joanna Briggs Institute [JBI], 2011). O protocolo foi previamente publicado na PROSPERO – International prospective register of systematic reviews, do Centre for Reviews and Dissemination da Universidade de York.

Tendo em conta a população do estudo (P), foram incluídos estudos com indivíduos com idade superior a 18 anos, na fase de pós tratamento (cirúrgico, radioterápico, químico), ou seja, sobreviventes de doença oncológica, independentemente da localização anatómica. Considerando a exposição (I) foram incluídos estudos que abordassem as estratégias de gestão da ansiedade. Quanto aos outcomes (O), foram envolvidos estudos que tratassem a temática da autogestão da doença. Quanto ao tipo de estudos, incluiu-se estudos em full-text, publicados em português e inglês, entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de janeiro de 2015, e que fossem estudos primários (estudos empíricos, ensaios clínicos aleatórios; estudos de coorte; estudos de caso-controle; estudos quasi-experimentais; estudos descritivos).

Estratégia de pesquisa e identificação dos estudos

Relativo à localização e seleção dos estudos foram definidas duas bases de dados MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online - US National Library of Medicine's) e a CINAHL Plus (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature plus addicional resources – EBSCO). As frases de pesquisa utilizadas foram “(((“Oncolog* Patient”) OR (“Cancer Surviv*”) OR (“Cancer Patient*”) OR (“Malignant* tumor*”) OR (MH “Neoplasm”) OR (“Cancer*”)) AND ((MH “Anxiety”) OR (MH “Anxiety Disorders”) OR (“Anxiety Management”)) AND ((MH “Quality of Life”) OR (MH “Self Care”) OR (MH “Self efficacy”) OR (“Self-control”) OR (MH “Self concept”) OR (“Self-regulation”) OR (“Patient autonomy*”) OR (MH ”Patient Compliance”) OR (MH “Health behavior”) OR (“Health attitude”) OR (“Illness attitude”) OR (“Patient attitude*”) OR (MH “Choice behavior”) OR (MH “Illness behavior“) OR (“Self management”) OR (MH “Adaptation, Psychological”) OR (MH “Adjustment Disorders”) OR (“Adjustment*”) OR (MH “Disease Management”)))” para a MEDLINE with Full Text e “(((“Oncolog* Patient”) OR (MH “Cancer Survivors”) OR (MH “Cancer Patients”) OR (“Malignant* tumor*”) OR (MH “Neoplasms”) OR (“Cancer*”)) AND ((MH “Anxiety”) OR (MH “Anxiety Disorders”) OR (MH “Anxiety control (Iowa NOC)”) OR (“Feelings of threat*”) OR (“Anxiety Management”)) AND ((MH “Quality of Life”) OR (MH “Self Care”) OR (MH “Self-efficacy”) OR (MH “Self-Control (Iowa NOC) (Non-Cinahl)”) OR (MH “Self concept”) OR (MH “Self regulation”) OR (MH “Patient autonomy*”) OR (MH ”Patient Compliance”) OR (MH “Health behavior”) OR (MH “Attitude to health”) OR (MH “Attitude to illness”) OR (MH “Patient attitudes”) OR (MH “Behavior”)))” para a CINAHL Plus with Full Text.

No âmbito dos outcomes, concretamente sobre a gestão da própria doença, foram consideradas termos MeSH na pesquisa que pudessem identificar artigos que relacionassem a gestão da ansiedade com o processo de gestão da própria doença, nomeadamente a qualidade de vida, entre outros.

A pesquisa e localização dos estudos a incluir na RSL foi realizada por dois investigadores que integram o projeto Autogestão da Doença Crónica da unidade de investigação da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP) - UNIESEP de forma independente, durante o mês de março de 2015.

Avaliação da qualidade metodológica dos estudos

Os estudos incluídos foram avaliados relativamente à qualidade metodológica por dois investigadores da UNIESEP separadamente. Definiu-se, entre os investigadores, que se incluiriam os estudos que demonstrassem qualidade metodológica elevada, ou seja, que apresentassem um score de 7, 8 ou 9 no “MAStARI critical appraisal tools Descriptive/Case Series Studies” (JBI, 2011, p. 153) e no “MAStARI critical appraisal tools Comparable Cohort / Case Control Studies” (JBI, 2011, p. 152) e 8, 9 e 10 no “MAStARI critical appraisal tools Randomised Control / Pseudo-randomised Trial” (JBI, 2011, p. 151) do Instituto Joanna Briggs.

Extração dos dados

Previamente à extração dos dados, tal como é definido pelo JBI (2011), foi adaptado e construído pelos investigadores um formulário de extração de dados e uma tabela de documentação de dados padronizada com base nas ferramentas de extração JBI (2011; que inclui para cada estudo informações sobre: título, autores, ano, local onde foi desenvolvido o estudo, orientação metodológica, objetivos do estudo, características dos participantes, aspetos éticos, testes estatísticos, nível de evidencia, principais resultados e observações dos investigadores), a fim de se garantir a reprodutibilidade da revisão.

A extração de dados foi realizada entre abril e junho de 2015 por dois investigadores da UNIESEP, de forma independente. Os instrumentos utilizados foram inicialmente testados tendo em conta a pergunta de partida para determinar a sua exequibilidade. O pré-teste consistiu na aplicação do formulário e da tabela a um estudo piloto aleatório, por ambos os investigadores.

Síntese dos dados

A síntese dos dados foi realizada nos meses de junho e julho de 2015 após a elaboração de duas tabelas, com objetivo de sumariar a narrativa dos dados: uma tabela descreveu os estudos incluídos por título, país, ano, periódico e instituição de origem do estudo; e a outra fez a síntese dos resultados encontrados nos estudos em análise, tendo em conta a amostra, a intervenção e objetivos, a avaliação e os resultados.

As tabelas síntese foram construídas em conjunto pelos investigadores e a síntese dos dados foi realizada de forma independente por dois investigadores da UNIESEP.

Apresentação dos resultados

Tal como apresentado no diagrama da Figura 1, foram identificados 1.483 artigos: 1.054 da MEDLINE with Full Text (EBSCOhost® via ESEP) e 429 da CINHAL Plus with Full Text (EBSCOhost® via ESEP) dos quais, 249 foram removidos por serem duplicados, 94 passaram o Teste de Relevância I (que avaliava o potencial interesse após leitura do título e resumo), 17 passaram o Teste de Relevância II (após leitura integral do artigo) e 12 foram incluídos na revisão após análise da qualidade metodológica através dos instrumentos preconizados pelo JBI.

 

 

Os cinco estudos excluídos apresentavam scores de qualidade metodológica inferior ao anteriormente foi definido como qualidade metodológica elevada.

Os 12 artigos incluídos encontram-se escritos em língua inglesa, entre os anos de 2009 e 2013. Três estudos foram publicados nos Estados Unidos da América e dois nos Países Baixos. Todos os outros vieram de países variados como Canadá, Irlanda do Norte, França, Bélgica, Alemanha, Taiwan e Turquia. Todos os estudos mencionam e respeitam os critérios éticos referentes ao processo de investigação realizado. Relativamente aos tipos de estudos, todos são do tipo quantitativo: oito são descritivos e quatro comparativos. A maior parte dos dados foram recolhidos através de questionários (10 estudos).Na Tabela 1, são apresentados os estudos que compuseram esta RSL, apresentando o título e autor, os objetivos do estudo e principais achados relacionados com a gestão da ansiedade e da doença crónica do sobrevivente de cancro.

 

Interpretação dos resultados

Na análise particular dos estudos selecionados verificou-se uma grande heterogeneidade dos estudos, relativamente aos objetivos, à metodologia, ao tipo de amostra e à forma como estudam a ansiedade nos sobreviventes de cancro. A ansiedade é um conceito com alguma subjetividade, sendo maioritariamente associado, nos estudos, à depressão e ao stresse. Quanto ao tipo de cancro constatou-se um predomínio de estudos sobre sobreviventes de cancro da mama (oito estudos: E112, E274, E904, E1028, E1170, E1208 e E1231). Verifica-se ainda que a gestão da doença, após a fase ativa da mesma, está centrada numa lógica biomédica, na procura da recidiva, não sendo dada particular atenção à morbilidade psicológica que muitas vezes lhe está associada.

Durante o estudo foi identificado que: ser jovem (E262, E752), ter menor apoio social (não ser casado, não viver com um companheiro; E262, E752), apresentar baixos níveis de autoeficácia (E112, E1028, E1231), ter maior medo de recidiva (E1231), utilizar estratégias de coping tipo fatalismo, desespero/desesperança, preocupação ansiosa e evitamento cognitivo (E1170), ter uma perspetiva negativa do problema (E619) e ter decorrido menos tempo após o fim dos tratamentos (E904) se relaciona com níveis mais altos de ansiedade.

No âmbito das estratégias de gestão da ansiedade nos sobreviventes de cancro, identificaram-se seis temáticas: exercício físico/atividade física, perceção da doença, estilo de coping, ameaça subjetiva do cancro, apoio/suporte social e medo de recidiva.

No que concerne ao exercício físico/atividade física, o estudo E112, destaca que o exercício físico de fraca ou de moderada intensidade permite a redução da ansiedade nos sobreviventes de cancro da mama e potencia uma melhor autogestão da doença ao promover a perceção de autoeficácia dos sobreviventes. O estudo E619, demonstrou benefícios no processo de autogestão do cancro, após um programa de reabilitação de grupo que incluía treino físico (TF), com influência positiva na ansiedade dos sobreviventes de cancro (p < 0,001). A eficácia do programa foi expressa na diminuição da ansiedade para níveis semelhantes aos da população geral e permaneceu nestes níveis 3 a 9 meses após o programa (p < 0,005).

A American College of Sports Medicine (ACSM) corrobora essa ideia e recomenda que os sobreviventes de cancro devem evitar a inatividade e voltar à sua vida ativa normal, o mais rapidamente possível. Assim, orientam para que adultos entre os 18 e os 65 anos, na fase de sobrevivência, devem envolver-se em exercício físico moderado, em pelo menos 150 minutos por semana, ou 75 minutos de exercício físico intenso (Shmitz et al., 2010).

Percebe-se que as estratégias de exercício físico levadas a cabo pelos sobreviventes de cancro permitem a diminuição da ansiedade e melhoraram a gestão da própria doença. Por tal, os enfermeiros devem promover o aconselhamento do exercício físico aos sobreviventes de cancro, auscultando as suas motivações e perceção de dificuldades, para uma melhor adesão.

No que se refere às estratégias focadas na perceção da doença, o estudo E262 destaca que as crenças pessoais dos indivíduos sobre o cancro do esófago desempenham um papel significativo na adaptação do sobrevivente à condição de sobrevivência. No mesmo estudo, verificou-se que os sobreviventes referiam melhores resultados na sua saúde psicológica quando compreendem a sua situação clínica, o que os leva a percecionarem consequências menos graves da doença.

Estes resultados apontam para a importância das intervenções do tipo cognitivo, isto é, a informação sobre a doença, sobre os sintomas e os cuidados de saúde a ter, capacitam os sobreviventes de cancro para uma melhor autogestão do processo de saúde-doença. Porém, o cancro ainda hoje é encarado com algum fatalismo, o que leva à prevalência de uma perceção negativa. No entanto, os autores do estudo E262, defendem ainda que, a perceção da doença pode ser modificável, e assim, uma intervenção devidamente planeada pelos profissionais de saúde pode ter efeitos benéficos na qualidade de vida dos sobreviventes de cancro. Fornecer informações claras e coerentes sobre o cancro é talvez um importante fator de proteção no que se refere aos problemas psicológicos, nomeadamente a ansiedade.

Os estudos E752 e E619 vão ao encontro dos achados no estudo E262. Os dados estudados por esses autores, permitiram inferir que a perceção de ameaça de cancro é um preditor de comorbilidades psicológicas (ansiedade e depressão; p < 0,001), tal como no estudo E619, que demonstrou uma relação direta entre uma perspetiva mais negativa do problema e os níveis mais altos de ansiedade.

Quanto à relação das estratégias de coping com a gestão da ansiedade nos sobreviventes de cancro, verifica-se que, apesar de Petticrew, Bell, e Hunter (2002) assumirem que há pouca evidência empírica de que as estratégias de coping utilizadas possam ser determinantes para a recuperação do sobrevivente, e alertarem que as pessoas com cancro não devem sentir-se pressionadas a adotar estilos de coping específicos para melhorar a sobrevivência, existem algumas estratégias que se relacionam com níveis mais baixos de ansiedade do que outras, nas populações estudadas.

Na análise dos artigos, constatou-se que as estratégias de coping do tipo interpessoais (de procura de suporte de pessoas próximas para lidar com o problema), as estratégias de reflexão, de relaxamento, de aceitação passiva da doença, de coping de reflexão, de distração e de planeamento (E262), e o desespero, a preocupação ansiosa, o fatalismo e o evitamento cognitivo (E1170), foram consideradas pouco adaptativas ou se relacionavam com níveis mais significativos de ansiedade.

Já as estratégias de coping focadas nos aspetos positivos (optimismo; E262) e o espirito de luta (E1170) parecem ser as mais benéficas em termos de controlo de ansiedade e gestão da doença nos sobreviventes de cancro. No entanto, a longo prazo, os resultados são pouco consistentes para os sobreviventes que utilizam a estratégia espirito de luta, pois, parece que estes já não estão mais confrontados com os desafios impostos pelos tratamentos e pela doença, mas sim, a realizar ajustamentos para questões futuras da sua própria vida.

A interpretação destes resultados leva-nos a inferir que a adaptabilidade das estratégias de coping, utilizadas pelos sobreviventes, decorre de fatores pessoais, contextuais, sociais ou mesmo da fase da trajetória de doença. Assim, algumas estratégias podem ser adaptativas para uns, mas não para outros. Neste âmbito, os enfermeiros têm que ajudar a pessoa a conhecer quais as melhores estratégias suscetíveis de obter ganhos em saúde e otimizar a eficácia da gestão da doença.

A cronicidade do cancro está associada aos efeitos reais ou potenciais decorrentes da doença e tratamentos, o que configura algumas ameaças para o bem-estar e qualidade de vida dos sobreviventes de cancro. No estudo E904, onde se estudou a prevalência do stresse em sobreviventes de cancro da mama, verificou-se um valor percentual de 36%, sendo correlacionado com a qualidade de vida, com as cognições da doença, ansiedade e depressão. No estudo E619, as pessoas sobreviventes de cancro com maiores níveis de stresse apresentavam uma orientação negativa na resolução de problemas, assim como maiores níveis de depressão e ansiedade.

De facto, percebe-se que o stresse >provocado pela ameaça subjetiva do cancro é uma condição concreta, experienciada pela grande parte dos sobreviventes de cancro e com fortes associações com os níveis de ansiedade. Entende-se que o controlo da ameaça subjetiva de cancro poderá ser uma estratégia importante para a diminuição do stresse e controlo da ansiedade, mas mais investigação será necessária para a condução de resultados mais sólidos, passiveis de demonstrar a evidência científica e a sua usabilidade nos contextos da prática.

Os profissionais de saúde devem disponibilizar mais atenção aos problemas e ameaças impostas pela doença e à experiência de stresse vivenciada pelos pacientes. A guideline holandesa para a deteção das necessidades de cuidados psicossociais do Dutch Association of Comprehensive Cancer Centers (2010) realça a importância do papel do enfermeiro no acesso e discussão do stresse, pela disponibilidade e proximidade dos enfermeiros com os sobreviventes.

Quanto ao apoio social, a literatura aponta que após o fim dos tratamentos, é imperativo que os sobreviventes de cancro sejam capazes de contar com o apoio de familiares e amigos, sendo fundamental ter alguém para discutir medos e preocupações, divulgar apreensões e receber feedback imparcial (Jones, Hadjistavropoulos, & Sherry, 2012).

No estudo E904, constata-se que os sobreviventes com valores mais elevados de stresse, expressavam mais a necessidade de suporte social de um profissional de saúde. Segundo estes autores a fase pós-tratamentos pode ser uma fase de disrupção e aumento de stresse. Há que aprender a gerir os efeitos colaterais, as mudanças no corpo, o medo da recidiva e o relacionamento com os familiares e amigos.

Tal como em outras situações de doenças crónicas, é evidenciada a importância da perceção de apoio social nos sobreviventes. Os sobreviventes que não tinham alguém a quem pudessem chamar cuidador eram mais propensos a níveis mais elevados de ansiedade (E262), tal como aqueles que eram solteiros, divorciados e viúvos (E752). De facto, os níveis de ansiedade melhoram, quanto maior for o apoio percebido e menor as interações negativas (E752).

Por sua vez, tal como é expresso no estudo E752, as interações negativas têm um efeito que pode levar a níveis mais elevados de ansiedade e angústia nos sobreviventes de cancro da próstata. Neste estudo é expressa uma relação inversa entre ansiedade, depressão e stresse pós-traumático associado à doença com o apoio percebido e uma relação positiva com as interações negativas.

De facto, a procura e o recurso, ao suporte social, apresentam-se como uma área em que os enfermeiros deverão atender aquando da prestação de cuidados ao sobrevivente de cancro. A definição de intervenções de enfermagem focadas na educação para a saúde e na promoção de comportamentos de saúde, permite aos enfermeiros assumirem como foco de atenção a pessoa e os seus significativos que são essências no suporte social e consequente gestão do processo de saúde-doença.

A ansiedade é um fator que está negativamente relacionado com o medo de recidiva, sendo que quanto maior forem os níveis de ansiedade maior será o medo de recidiva do cancro (E1231). No entanto, há pouca evidencia sobre as estratégias de redução do medo de recidiva nas pessoas sobreviventes de cancro.

 

Conclusão

O número crescente de pessoas sobreviventes de cancro configura novas necessidades em saúde, pelo que se entende a necessidade de canalizar a atenção dos enfermeiros para a saúde e qualidade de vida deste grupo populacional crescente.

Com este estudo, entende-se a necessidade de produzir orientações para a prática no sentido de gerir de forma mais eficaz os problemas psicológicos e sociais, pois podem comprometer o estado de saúde e inerente qualidade de vida dos sobreviventes de cancro.

A revisão realizada apresenta, como é obvio algumas limitações. Se por um lado, o facto de apenas se utilizar duas bases de dados, com o limite temporal curto (2009 a 2015) e a não existência de recurso a literatura cinzenta pode ter limitado este estudo. Por outro, fomos confrontados com poucos estudos, e por sua vez estes apresentavam diferenças metodológicas que dificultaram a comparabilidade de resultados. No entanto, foi possível dar resposta aos objetivos inicialmente traçados. Inicialmente identificaram-se alguns aspetos ou características dos sobreviventes que poderão estar associados a níveis mais altos de ansiedade, nomeadamente, os mais novos e os que terminaram os tratamentos há menos tempo, sugerindo que os profissionais de enfermagem devem estar particularmente atentos a este grupo, para minimizar as morbilidades associadas, através do aconselhamento ou mesmo encaminhamento para outros profissionais.

No entanto, e tendo em conta a centralidade do estudo na procura de evidências sobre a gestão da ansiedade e do processo saúde/doença, emerge, e com alguma consensualidade, a orientação para a prática de atividade física, com intensidade leve a moderada como promotora da autogestão da doença. Por sua vez as estratégias de coping apresentam uma variabilidade de acordo com as características da pessoa e da trajetória da doença. Assim, as estratégias cognitivas que conduzem a uma conceção de doença menos fatalista, as estratégias de coping focadas nos aspetos positivos (otimismo), o apoio social (formal ou informal) e as estratégias que reduzem as interações negativas podem ter efeitos benéficos na redução dos níveis de ansiedade e facilitar o processo saúde-doença. Os dados apresentados alertam os profissionais de enfermagem para que, no seu contexto de trabalho, compreendam e incentivem estratégias que sejam promotoras da gestão da ansiedade nos sobreviventes de cancro. Torna-se igualmente relevante instruir e ensinar sobre o cancro e a sua cronicidade. Essas intervenções poderão potenciar inquestionáveis ganhos em saúde no grupo de sobreviventes de cancro.

Como uma revisão que é, este estudo pode apresentar-se sobre uma base importante para o desenvolver de investigação com teste de eficácia de estratégias de gestão da ansiedade, mas também no aumento gradual do interesse pela investigação na área da oncologia.

Assim, a fase de sobrevida emerge como uma área prioritária de investigação para a enfermagem, para que os sucessos decorrentes de um melhor diagnóstico e mais eficazes tratamentos sejam potenciadores de uma vida mais longa e alicerçada em bons padrões de qualidade de vida.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido para publicação em: 23.03.16

Aceite para publicação em: 18.10.16

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