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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.12 Coimbra mar. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV16075 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Os efeitos cardiorrespiratórios dos sons maternos no recém-nascido das 26 às 33 semanas de idade gestacional

Cardiorespiratory effects of maternal sounds in infants born between 26 and 33 weeks of gestation

Los efectos cardiorrespiratorios de los sonidos maternos en el recién nacido de las 26 a las 33 semanas de edad gestacional

 

Crisanta Maria Gomes da Silva Leopoldo Portugal*; Luís Octávio de Sá**; Maria Hercília Ferreira Guimarães Pereira Areias***

* MsC., Professor adjunto, Escola Superior de Saúde de Santa Maria, 4049-024, Porto, Portugal [crisantaportugal@sapo.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise e discussão dos dados, escrita do artigo. Morada para correspondência: Praceta Fernão de Magalhães, 101, 10.º Traseiro, Vila Nova de Gaia, 4049-024, Porto, Portugal.

** Ph.D., Professor Auxiliar, Universidade Católica Portuguesa-Porto, 4700-072, Porto, Portugal [lsa@porto.ucp.pt]. Contribuição no artigo: orientadora de todo o processo de investigação, escrita do artigo.

*** Agregação., Professor Catedrático Convidado/ Directora do Serviço de Neonatologia, Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, 4200-319, Porto, Portugal. Contribuição no artigo: orientadora na pesquisa bibliográfica e seleção da melhor evidência na área, colaboação na elaboração escrita do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A assistência ao recém-nascido prematuro (RNP) é uma das áreas da saúde com maiores progressos nas últimas décadas, determinando condutas obstétricas e neonatais mais intervencionistas e inovadoras.

Os fatores ambientais e comportamentais, existentes nas unidades de cuidados intensivos neonatais (UCINs), têm sido estudados para analisar e determinar quais os seus efeitos nos RNPs.

Objetivos: Determinar quais os efeitos dos sons maternos nos parâmetros cardiorrespiratórios dos RNPs internados numa UCIN.

Metodologia: Efetuou-se um estudo experimental randomizado com 18 RNPs, distribuídos aleatoriamente em 2 grupos, de modo a comparar os efeitos dos sons maternos com os efeitos dos sons habituais de uma UCIN.

Resultados: Os RNPs expostos aos sons maternos apresentaram valores mais estáveis de frequência cardíaca (p = 0,000), frequência respiratória mais elevada (p = 0,000) e saturações de oxigénio superiores (p = 0,000) quando comparados com os RNP expostos aos sons habituais de uma UCIN.

Conclusão: Os resultados obtidos demonstram o benefício da exposição aos sons maternos, conduzindo a uma maior estabilidade fisiológica e clinica dos RNPs.

Palavras-chave: estimulação auditiva; recém-nascido prematuro; frequência cardíaca; frequência respiratória; oximetria de pulso

 

ABSTRACT

Background: Care delivery to preterm infants is one of the health areas that have made most progress in recent decades, leading to more interventionist and innovative obstetrical and neonatal practices. Environmental and behavioral factors in neonatal intensive care units (NICUs) have been studied in order to analyze and identify their impact on PTIs.

Objectives: To identify the effects of maternal sounds in the cardiorespiratory parameters of PTIs admitted to an NICU.

Methodology: An experimental randomized study was conducted with 18 PTIs who were randomly distributed into 2 groups, in order to compare the effects of maternal sounds with the effects of the usual sounds at a NICU.

Results: PTIs exposed to maternal sounds had a more stable heart rate (p = .000), higher respiratory rate (p = .000), and higher oxygen saturation (p = .000) than PTIs exposed to the usual sounds at a NICU.

Conclusion: The results show the benefit of exposure to maternal sounds, leading to greater physiological and clinical stability of PTIs.

Keywords: auditory stimulation; premature infant; heart rate; respiratory rate; pulse oximetry

 

RESUMEN

Marco contextual: La asistencia al recién nacido prematuro (RNP) es una de las áreas de la salud con mayores progresos en las últimas décadas, y determina conductas obstétricas y neonatales más intervencionistas e innovadoras.

Se han estudiado los factores ambientales y comportamentales, existentes en las unidades de cuidados intensivos neonatales (UCINs), para analizar y determinar cuáles son sus efectos en los RNPs.

Objetivos: Determinar cuáles son los efectos de los sonidos maternos en los parámetros cardiorrespiratorios de los RNPs internados en una UCIN.

Metodología: Se realizó un estudio experimental aleatorizado con 18 RNPs, distribuidos aleatoriamente en 2 grupos, con el objetivo de comparar los efectos de los sonidos maternos con los efectos de los sonidos habituales de una UCIN.

Resultados: Los RNPs expuestos a los sonidos maternos presentaron valores más estables de frecuencia cardíaca (p = 0,000), frecuencia respiratoria más elevada (p = 0,000) y saturaciones de oxígeno superiores (p = 0,000) cuando se compararon con los RNPs expuestos a los sonidos habituales de una UCINs.

Conclusión: Los resultados obtenidos demuestran el beneficio de la exposición a los sonidos maternos, lo que lleva a una mayor estabilidad fisiológica y clínica de los RNPs.

Palavras-chave: estimulación auditiva; recién nacido prematuro; frecuencia cardiaca; frecuencia respiratoria; oximetría de pulso

 

Introdução

Nascer prematuramente não é um acontecimento natural para o ser humano, pertencendo os recém-nascidos prematuros a um grupo extremamente vulnerável mas também heterogéneo. Engloba recém-nascidos com idade gestacional entre as 24 e as 37 semanas e peso à nascença desde os 500g. Embora os nascimentos prematuros sejam em número minoritário do total de nados-vivos, representam uma fração dos problemas perinatais do país. São responsáveis por cerca de 50% dos óbitos neonatais e de parte significativa de futuros cidadãos com sequelas (Machado et al., 2002). A assistência ao recém-nascido prematuro é, no entanto, uma das áreas da saúde com maiores progressos científicos nas últimas décadas, determinando condutas obstétricas e neonatais mais intervencionistas e inovadoras (Guimarães, 2008). Entre 2009 e 2014, verificou-se um aumento da percentagem de nados vivos de baixo peso (peso inferior a 2500g), representando 8,7% do total de nascimentos em 2014. Este fenómeno manifesta-se sobretudo nas mães com menos de 20 anos e com mais de 34 anos (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2015). No mesmo período, registou-se um decréscimo da percentagem de nados vivos prematuros (com menos de 37 semanas de gestação), de 8,7% para 7,7% (INE, 2015). Esta problemática levanta questões, relativamente ao papel dos profissionais de saúde na prestação de cuidados nas unidades de cuidados intensivos neonatais. Como poderão estes, e em particular os enfermeiros, contribuir para o desenvolvimento, motor e cognitivo dos recém-nascidos prematuros através da prestação de cuidados específicos de estimulação sensorial adequada? A investigação científica, que se têm vindo a desenvolver em neonatologia, no que concerne à prestação de cuidados ao recém-nascido prematuro, suporta os cuidados de excelência, obtendo-se ganhos, não só a nível de saúde dos prematuros, mas também a nível familiar, social e económico. Estudos que envolvem não só a estimulação auditiva (com diferentes características e metodologias), assim como a modificação de procedimentos (redução de ruido, redução de luminosidade) e inovação nas práticas, tais como a individualização de cuidados, de que é exemplo o Newborn Individualized Developmental Care and Assessment Program (NIDCAP). Pretendemos com este estudo determinar os efeitos cardiorrespiratórios dos sons maternos no recém-nascido prematuro das 26 às 33 semanas de idade gestacional, comparando com os efeitos dos sons habituais existentes numa UCIN. Ambicionamos desta forma, construir conhecimento que suporte a melhoria e a inovação das práticas de enfermagem em neonatologia, em benefício dos recém-nascidos prematuros e das suas famílias.

 

Enquadramento

Os avanços da medicina neonatal têm permitido que estes recém-nascidos prematuros sobrevivam. Para muitos a morbilidade e as alterações no desenvolvimento psicomotor são uma realidade. A sobrevivência dos recém-nascidos depende de dois fatores muito importantes: o tempo e o local de nascimento do prematuro, tendo-se vindo a assistir, lenta mas progressivamente, a uma maior sobrevivência destes recém-nascidos sem o aumento do número de sequelas (Guimarães, 2008). Sequelas que variam desde, a paralisia cerebral grave e deficiência mental, a um amplo espetro de défices de comportamento e aprendizagem (Hack et al., 2009; Schreuder, McDonnell, Gaffney, Johnson, & Hope, 2002). Para melhor se compreenderem os efeitos das condições externas, existentes nas UCINs, no desenvolvimento de sequelas nos recém-nascidos prematuros, vários fatores ambientais e comportamentais têm sido estudados, nomeadamente, a estrutura física dos serviços de Neonatologia (Milford, Zapalo, & Davis, 2008), as condições de iluminação (Lee, Malakooti, & Lotas, 2005) assim como a prestação de cuidados aos recém-nascidos (Als et al., 2004; Aucott, Donohue, Atkins, & Allen, 2002). Alguns estudos recomendaram a necessidade para a modificação, não só das práticas de cuidados nas UCINs, assim como a seleção de equipamentos apropriados e adaptados para reduzir os níveis de ruído (Glass, 1999; Thomas & Uran, 2007) de modo a criar um ambiente acústico mais adequado. Os parâmetros cardiorrespiratórios do ser humano são na generalidade, influenciados por vários fatores, em particular o período neonatal de recém-nascidos prematuros, em que as variações da frequência cardíaca e respiratória apresentam uma imensa complexidade. Dependem não só da idade gestacional (maturidade neurológica e fisiológica), do género (Krueger, Van Oostrom, & Schuster, 2010; Nakamura, Horio, Miyashita, & Chiba, 2006; Nakamura, Horio, Miyashita, Chiba, & Sato, 2005) mas também da influência de fatores ambientais existentes nas UCINs.

Novos estudos e novas opções terapêuticas são necessárias para continuar a reduzir os níveis de ruído mas também para os substituir por sons mais calmantes que possam promover o desenvolvimento e crescimento saudáveis das crianças nascidas prematuramente. As práticas nas UCINs estão a modificar-se, verificando-se atualmente uma melhoria nos cuidados no que diz respeito à diminuição do ruido, diminuição da utilização de iluminação intensa, assim como na prestação de cuidados. Os resultados obtidos com a utilização de sons, denominados calmantes têm-se revelado promissores (Doheny, Morey, Ringer, & Lahav, 2012; Rand & Lahav, 2014; Webb, Heller, Benson, & Lahav, 2015), no entanto a opção de utilizar os sons maternos como alternativa à música continua a ser debatida, necessitando de pesquisas mais aprofundadas e alargadas.

 

Hipótese

Partimos para este estudo querendo determinar o efeito da voz e dos sons maternos sobre os parâmetros cardiorrespiratórios no recém-nascido prematuro internado numa UCIN. Este estudo compara os efeitos dos sons calmantes maternos versus os efeitos dos sons de rotina nas unidades de neonatologia, nos parâmetros: frequência cardíaca, frequência respiratória e saturações de oxigénio. Formulámos a seguinte hipótese: Os recém-nascidos prematuros que usufruem da audição de sons maternos gravados apresentam estabilização da frequência cardíaca mais rápida e consistente com elevação da frequência respiratória e níveis de saturação de oxigénio superiores aos recém-nascidos que são expostos aos sons habituais de uma UCIN.

 

Metodologia

Planeámos um estudo experimental randomizado controlado (pré e pós-teste) realizado no Serviço de Neonatologia do Hospital de São João num período de 24 meses, seguindo o CONsolidated Standards of Reporting Trials (CONSORT 2010). Metodologicamente, este estudo, foi ancorado na orientação de outras pesquisas da Universidade de Harvard, através de um dos seus investigadores, com quem contactámos e nos suportou a logística relativa à criação das gravações, no âmbito do programa Harvard Medical School Portugal e Brigham and Women's Hospital, de Boston. Foram cumpridos todos os requisitos para iniciar um estudo/investigação a nível hospitalar com recém-nascidos. Solicitou-se autorização ao Diretor da Unidade Autónoma de Gestão da Mulher e da Criança assim como à Comissão de Ética do Hospital de São João. Foi elaborado um guião de esclarecimento para os pais das crianças, incluindo informação relativa ao estudo, formulário de consentimento informado e declaração de consentimento para participantes privados do exercício de autonomia, cedido pela Comissão de Ética do Hospital de São João. A privacidade dos intervenientes foi respeitada assim como a possibilidade de desistir do estudo a qualquer momento sem penalizações. Os recém-nascidos foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: recém-nascidos, do Hospital de São João e internados no Serviço de Neonatologia com Idade Gestacional entre as ≥ 26 e ≤ 33 semanas comprovadas ecograficamente. Os critérios de exclusão incluíram: recém-nascidos com anomalias congénitas ou cromossómicas major (síndrome de Down, Turner e Klinefelter), infeções congénitas (HIV, TORCH), lesões cerebrais significativas, com diagnóstico pré-natal (e.g., asfixia neonatal), doença materna não controlada, história materna de tabagismo, alcoolismo e uso de drogas ilícitas, história de carências nutritivas maternas significativas ou desnutrição. Após a verificação do cumprimento dos critérios de inclusão e exclusão, os progenitores foram abordados sendo explicado pessoalmente o estudo, entregue o guião de esclarecimento e o consentimento informado. Após 2 dias de reflexão se os progenitores aceitassem participar no estudo, os recém-nascidos selecionados eram distribuídos aleatoriamente num dos grupos através do programa informático Random Allocation Software version 1.0: grupo de controlo (GC) e o grupo experimental (GE). Dos 867 recém-nascidos internados no serviço de neonatologia do Hospital de São João no espaço temporal dos 24 meses em que decorreu o estudo, 849 foram excluídos. Destes, 775 não obedeciam aos critérios de inclusão, sete dos progenitores declinaram em participar sendo os 67 restantes excluídos por diferentes motivos, desde barreira linguística, dificuldades logísticas (indisponibilidade de monitores, indisponibilidade do material de gravação e obras no serviço). Apresenta-se de seguida o Fluxograma CONSORT 2010 (Figura 1).

 

 

Neste estudo utilizou-se a intervenção classificada de enfermagem: Estimulação do bebé e da atividade associada: conversar e cantar para o bebé (Dochterman & Bulecheck, 2008). Esta intervenção não seria possível realizar pelo facto de o recém-nascido prematuro se encontrar no interior de uma incubadora, pelo que, para a sua aplicação, foi desenvolvida uma tecnologia áudio de modo a permitir que o recém-nascido usufruísse dos sons maternos. O estudo decorreu da seguinte forma: no GE, durante o internamento, os recém-nascidos escutaram a voz e os batimentos cardíacos gravados da mãe. No GC, os recém-nascidos ouviram os sons habituais existentes da UCIN. Se o recém-nascido fosse incluído no grupo dos sons maternos (GE), entre o 3.º e 4.º dia após o nascimento, eram gravados a voz e os batimentos cardíacos da mãe numa sala com isolamento acústico no Hospital de São João. Na gravação de voz, a mãe efetuava três tipos de vocalizações: conversar espontaneamente com o recém-nascido, ler uma carta ou um texto com significado especial e finalmente cantar. Os batimentos cardíacos maternos eram gravados através de um estetoscópio digital, fornecido pela Universidade de Harvard. A gravação, com a duração de 15 min., era enviada para o laboratório do investigador Amir Lahav sendo posteriormente manipulada e transformada numa faixa áudio de 45 min, em que a voz materna era sobreposta aos batimentos cardíacos maternos. O nível de som emitido pela faixa áudio, não excedia os 60 decibéis tendo sido atenuados os picos acima desse valor. Após a receção da faixa áudio, depois de manipulada, eram colocados, um aparelho de som – MP3 player (sansa®clip) da SanDisk® no exterior da incubadora e duas colunas (iHome iHM79 Rechargeable Mini Speakers) num suporte de acrílico, criado para o efeito, na cabeceira no interior da incubadora. A faixa de áudio era transferida para o MP3 e a transmissão do som realizada através das duas colunas colocadas dentro incubadora que emitiam durante 45 minutos, quatro vezes por dia. A decisão de emitir a faixa sonora, cabia à enfermeira responsável pelo plano de cuidados ao recém-nascido, sendo a condição indispensável que o recém-nascido fosse colocado no ninho para dormir após ser alimentado. A gravação era reproduzida a um nível audível equivalente à conversação normal (60-65 dB) de acordo com as orientações de estudos anteriores (Standley, 2002). Um medidor de nível sonoro foi utilizado no início do estudo para garantir que o som não excedia os 65dB (EXTECH USB Sound Level Datalogger 407760). No GE, o início da emissão sonora era considerado como o início da intervenção (X) sendo emitida quando o recém-nascido era colocado no ninho para dormir após ser alimentado. No GC, o momento a considerar para comparação foi também aquando da colocação do recém-nascido no ninho para dormir após ser alimentado. Qualquer interferência (exames médicos, cuidados de enfermagem, exames clínicos ou procedimentos) implicava a eliminação dos registos dos sinais vitais. Os registos dos dados vitais dos recém-nascidos eram efetuados através de monitorização permanente – MP30 (Philips MP30 Patient Monitore) - durante os 45 min. antes, 45 min. durante e 45 min. após a intervenção. Os dados para análise foram recolhidos durante o tempo de internamento do recém-nascido até que, fosse transferido para o berço ou tivesse alta. A análise dos dados realizou-se recorrendo ao programa de análise estatística SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 20, atendendo a um Intervalo de Confiança de 95%.

 

Resultados

Relativamente aos resultados obtidos, em primeiro lugar foram analisados e comparados os dois grupos em relação às características aquando do nascimento assim como em relação à morbilidade. Esta análise é considerada essencial na comparação de grupos em estudos experimentais, em que a homogeneidade entre os mesmos deve ser o mais consistente possível. Realizou-se o teste t ou Mann-Whitney para comparação entre grupos. Na tabela seguinte, apresentamos a caracterização relativa aos recém-nascidos no que diz respeito a: sexo, Apgar ao 1.º e 5.ºmin., idade gestacional, peso ao nascimento, corticoterapia pré-natal, administração de surfactante e cafeina, oto-emissões acústicas, dias no estudo assim como dados referentes a morbilidade: sepsis, doença pulmonar crónica, hemorragia intraventricular e enterocolite necrosante. Os dois grupos não apresentam diferenças estatisticamente significativas na sua caracterização (Tabela 1).

Em média, o GC permaneceu cerca de 37,6 ± 20,6 (M ± DP), dias no estudo e o GE manteve-se em média, 37,3 ± 21,2 dias. A diferença não é estatisticamente significativa (p = 0,931).

Após a análise estatística inicial das características dos recém-nascidos da amostra, procedeu-se à análise estatística dos diferentes parâmetros cardiorrespiratórios avaliados nos dois grupos: frequência cardíaca, respiratória e saturações.

Em termos médios, verifica-se que ao longo de sete semanas de observação, a distância entre os valores médios apresentados da frequência cardíaca, entre grupos, fica mais evidente. Na primeira semana, os valores médios são bastante próximos: GC com (152,6 ± 13,6 bpm/min.; M ± DP) e no GE com uma média de (152,4 ± 11,3 bpm/min.), não existindo diferenças significativas entre os dois grupos (p = 0,073). Após a primeira semana, as médias começam a ficar mais distantes entre grupos, sendo que, existem diferenças estatisticamente altamente significativas ao longo de todas as semanas. Os valores da média e desvio padrão apresentam-se da seguinte forma: 2.ª semana – GC com 154,5 ± 12,9 e GE com 152,8 ± 10,7 (p = 0,000***); 3.ª semana – GC com (154,5 ± 12,9) e GE com 152,8 ± 10,7 (p = 0,000***); 4.ª semana-GC com 161,3 ± 13,9 e GE com 148,7 ± 11,9 (p = 0,000***); 5.ª semana – GC com 158,4 ± 15,4 e GE com 150,8 ±11 (p= 0,000***); 6.ª semana – GC com 164,1 ± 11,4 e GE com 150,7 ± 12,1 (p = 0,000***) e finalmente a 7.ª semana com GC com 161,7 ± 12,2 e GE com 149,8 ± 13; p = 0,000***). Apresentamos os resultados no gráfico seguinte (Figura 2) de modo a explanar com mais visibilidade os mesmos (***p < 0,001, considerado altamente significativo).

 

 

No que se refere à frequência respiratória ao longo das sete primeiras semanas, em termos médios, verifica-se que entre a terceira e quarta semana os valores da frequência respiratória (rpm./min.) aproximam-se entre grupos. A partir da quarta semana, os valores médios afastam-se e aumentam, sendo que existem diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos em todas as semanas. Os valores da média e desvio padrão apresentam-se da seguinte forma: 1.ª semana – GC com 45,5 ± 12,8 e GE com 48,7 ± 13 (p = 0,000***); 2.ª semana – GC com 44,2 ±11,8 e GE com 48 ± 12,1 (p = 0,000***); 3.ª semana – GC com 48 ± 12,1 e GE com 46,6 ± 12 (p = 0,000***); 4.ª semana – GC com 46,5 ± 11,9 e GE com 47 ± 12,3 (p = 0,002**); 5.ª semana – GC com 45,7 ± 12,8 e GE com 47,2 ±11,9 (p = 0,000***); 6.ª semana – GC com 48,2 ±13,9 e GE com 50,4 ± 12,6 (p = 0,000***) e finalmente a 7.ª semana com GC com 49,7 ± 12,4 e GE com 52,4 ± 12,1 (p = 0,000***). Apresentamos os resultados em gráfico (Figura 3) de modo a explanar com mais visibilidade os mesmos (***p < 0,001 - considerado altamente significativo; **p < 0,01 - considerado bastante significativo).

No que se refere à saturação de O2 (%) ao longo das 7 semanas em termos médios, verifica-se que, à exceção da primeira semana, os valores são sempre superiores no GE, sendo que existem diferenças significativas entre os dois grupos em todas as semanas. Os valores da média e desvio padrão apresentam-se da seguinte forma: 1.ª semana - GC co 97,1 ± 3,4 e GE com 96,6 ± 3,7 (p = 0,000***) 2.ª semana - GC com 95,9 ± 4,3 e GE com 96,9 ± 3,8 (p = 0,000***); 3.ª semana – GC com 95,9 ± 4 e GE com 98 ± 2,7 (p = 0,000***); 4.ª semana – GC com 96,2 ± 3,9 e GE com 98 ± 2,7 (p = 0,000***); 5.ª semana – GC com 96,3 ± 3,8 e GE com 98,2 ± 2,4 (p = 0,000***); 6.ª semana – GC com 95,6 ± 4,1 e GE com 98,1 ± 2,1 (p = 0,000***) e finalmente a 7.ª semana com GC com 95,5 ± 4,1 e GE com 98,7 ± 1,8 (p = 0,000***). Apresentamos os resultados em gráfico (Figura 4) de modo a explanar com mais visibilidade os mesmos (p < 0,001 considerado altamente significativo).

 

Discussão

Ao analisar os resultados obtidos relativamente aos valores da frequência cardíaca, respiratória e saturação de oxigénio, a comparação entre os grupos revelou diferenças altamente significativas (p = 0,000).

Relativamente à frequência cardíaca, os recém-nascidos, apresentaram diferenças consideráveis entre os grupos, tendo o GE apresentado valores mais baixos de modo estável, sem grandes oscilações, durante todo o período do estudo. Este efeito foi consistente durante as 7 semanas, demonstrando a resposta uniforme de todos os que foram expostos aos sons maternos. A variabilidade foi muito limitada neste grupo, em contrapartida, os recém-nascidos do grupo de controlo apresentaram valores mais elevados de frequência cardíaca, durante todo o período, com oscilações de maior amplitude. No que diz respeito à frequência respiratória, os valores médios apresentados pelo GC, foram sempre inferiores aos do GE (exceto entre a terceira e a quarta semanas) em que se aproximaram, sendo as diferenças estatísticas encontradas altamente significativas. De salientar que uma frequência respiratória mais elevada no grupo experimental poderá significar que, com a estimulação dos sons maternos, o recém-nascido tem mais capacidade fisiológica para se autorregular, mantendo a respiração em níveis estáveis e elevados que reduzem a probabilidade de apneias ou hipoxias. Esta autorregulação é influenciada pela estimulação externa exercida nos recém-nascidos (Martin & Wilson, 2009).

Em relação ao GE, os níveis de saturação foram francamente melhores do que no GC, com médias superiores em cerca de 2-3% em todas as semanas após a primeira. Na 7ª semana apresentaram a diferença mais significativa com valores de (95,5 ± 4,1) no GC e de (98,7 ± 1,8) no GE. Salienta-se o facto de que os níveis de saturação devem ser o mais próximo dos 98-99 % de modo a diminuir sequelas. Mais uma vez se pode inferir que a estimulação auditiva, com sons maternos, teve um efeito extremamente benéfico nos recém-nascidos do GE embora os valores do GC estejam dentro dos limites considerados normais. Os níveis de saturação com valores inferiores a 90% são considerados responsáveis por situações graves com um impacto real na morbilidade e mortalidade. Em nenhum dos grupos se verificou esta situação.

Estas observações relativas aos parâmetros avaliados são relatadas em diferentes estudos (Doheny et al., 2012; Rand & Lahav, 2014; Webb et al., 2012;), em que os resultados são muito semelhantes aos do nosso, confirmando a hipótese de que os sons maternos têm um efeito muito positivo no desenvolvimento do recém-nascido prematuro. Dado o tamanho da amostra, tanto no nosso estudo como nos referidos anteriormente, os resultados, embora considerados muito promissores, não poderão ser generalizados e devem ser analisados com ponderação. Determinamos que os sons maternos têm um efeito relaxante e benéfico nos recém-nascidos prematuros. Pelo facto de os sons maternos terem sido utilizados por períodos longos de 45 min. e não por períodos muito curtos (1-2 min.) como em alguns estudos, assim como períodos longos de internamento, leva-nos a supor que a resposta fisiológica (nível de frequência cardíaca, respiratória e saturação), é mais que uma resposta imediata a um estimulo abrupto e isolado. É sim uma resposta sustentada e consistente, levando a crer que o recém-nascido prematuro tem a capacidade de distinguir e reagir aos sons que o envolvem. A diminuição consistente da frequência cardíaca, simultaneamente com o aumento da frequência respiratória e da saturação de oxigénio para níveis mais estáveis, como resposta à estimulação dos sons maternos, leva-nos a ponderar novas intervenções e procedimentos nos cuidados de enfermagem aos recém-nascidos prematuros.

 

Conclusão

A estimulação sensorial auditiva através de sons maternos tem implicações positivas no desenvolvimento dos prematuros pelo que é de extrema importância replicar esta investigação noutras UCINs similares. Embora o estudo avalie 18 recém-nascidos prematuros, houve diferenças significativas entre os dois grupos, o que reforça as conclusões. Evidenciou-se a importância da estimulação auditiva com sons maternos na estabilização cardiorrespiratória. O desenvolvimento de uma tecnologia que seja facilmente utilizada pelos pais e pelos enfermeiros, que permita a exposição aos sons maternos, deverá ser considerada. Sugere-se o avanço científico para a implementação desta técnica de estimulação auditiva, incorporada nas incubadoras, regulado pelos enfermeiros permitindo que estas crianças, possam no futuro, apresentar menos complicações a nível neurológico, fisiológico e psicológico.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido para publicação em: 08.11.16

Aceite para publicação em: 17.01.17

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