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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.11 Coimbra dez. 2016

https://doi.org/10.12707/RIV16052 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Efeito das intervenções breves na redução do consumo de álcool em indivíduos portadores do vírus da imunodeficiência humana

Effect of brief interventions in reducing alcohol consumption among individuals with human immunodeficiency virus

Efecto de las intervenciones breves para reducir el consumo de alcohol en los individuos con virus de la inmunodeficiencia humana

 

Susana Magalhães Patrício*; Deborah S. Finnell**; Teresa Barroso***

* MsC., Enfermeira, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra - Hospital Geral, 3000-075, Coimbra, Portugal [susanamagp@esenfc.pt]. Morada para correspondência: Urbanização Quinta S. Luís. Lote 58 - 1.º Esq., 3140-348, Pereira, Portugal. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; experimentação; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo

** Ph.D., Professor Associado, Johns Hopkins University. School of Nursing, MD 21205, Baltimore, Estados Unidos América [dfinnel1@jhu.edu]. Contribuição no artigo:

Revisão do artigo

*** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [tbarroso@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: desenho do estudo, acompanhamento metodológico, tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita e revisão do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: O consumo de álcool em indivíduos portadores do vírus da imunodeficiência humana (VIH) pode influenciar a progressão da doença pela diminuição da adesão à terapêutica.

Objetivos: Avaliar o efeito das intervenções breves na redução do risco de consumo de álcool nos indivíduos portadores de VIH.

Metodologia: Estudo experimental, com grupo de controlo. Amostragem consecutiva. Realizadas intervenções breves no grupo experimental (31 indivíduos) e ensinos habituais no de controlo (27 indivíduos), após aplicação Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT).. Recurso também a questionário estruturado para caracterização dos participantes. Avaliação seguinte após 4 a 6 meses.

Resultados: Na avaliação inicial, os grupos eram homogéneos e na avaliação final demonstraram diferenças estatisticamente significativas (p = 0,028) no risco de consumo de álcool. Após a intervenção, 2 indivíduos do grupo experimental diminuíram o risco de consumo de álcool, passando da zona de risco para a de baixo risco.

Conclusão: Embora no limiar da significância, as intervenções breves demonstraram ter efeitos mais positivos, comparativamente aos ensinos habituais, na redução do risco de consumo de álcool.

Palavras-chave: motivação; avaliação de eficácia-efetividade das intervenções; consumo de bebidas alcoólicas; VIH; enfermagem

 

ABSTRACT

Background: Alcohol consumption in individuals with the human immunodeficiency virus (HIV) may influence disease progression due to its influence on therapeutic adherence.

Objectives: To evaluate the effect of brief interventions in reducing the risk of alcohol consumption among individuals with HIV.

Methodology: Experimental study with a control group. Consecutive sampling. Brief interventions were performed in the experimental group (31 participants) and usual teaching were provided to the control group (27 participants), after application of the Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). A structured questionnaire was also used to characterize the participants. Participants were later assessed at a 4- and 6-month follow up.

Results: At baseline, both groups were homogeneous and the final assessment showed statistically significant differences (p=.028) in the risk of alcohol consumption. After the intervention, 2 participants in the experimental group decreased the risk of alcohol consumption from the hazardous risk zone to the low risk zone.

Conclusion: Despite borderline significance, brief interventions proved to have a more positive impact than usual teaching in reducing the risk of alcohol consumption.

Keywords: motivation; evaluation of effectiveness-efficiency of interventions; alcohol consumption; HIV; nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: El consumo de alcohol en individuos con virus da imunodeficiencia humana (VIH) puede influir en el desarrollo de la enfermedad por la disminución de adhesión a la terapia.

Objetivos: Evaluar el efecto de las intervenciones breves para reducir el riesgo de consumo de alcohol en individuos con VIH.

Metodología: Estudio experimental con un grupo de control y con una muestra consecutiva. Se realizaron intervenciones breves en el grupo experimental (31 individuos) y una enseñanza habitual en el de control (27 individuos) después de aplicar el Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT).. También se utilizó un cuestionario estructurado para caracterizar a los participantes. La siguiente evaluación se realizó de los 4 a los 6 meses siguientes.

Resultados: En la evaluación inicial los grupos fueron homogéneos y en la evaluación final mostraron diferencias estadísticamente significativas (p = 0,028) en el riesgo de consumo de alcohol. Después de la intervención, 2 sujetos del grupo experimental redujeron el riesgo de consumo de alcohol, pasando así de la zona de riesgo a la de riesgo bajo.

Conclusión: A pesar de la significación marginal, las interven­ciones breves demostraron que tienen efectos más positivos en comparación con la enseñanza habitual en la reducción del riesgo de consumo de alcohol.

Palabras clave: motivación; intervenciones breves; evalua­ción de eficacia-efectividad de intervenciones; consumo de bebidas alcohólicas; VIH; enfermería

 

Introdução

Desde a sua descoberta, na década de 80 do século XX, o vírus da imunodeficiência humana (VIH) tem vindo a afetar milhões de pessoas por todo o mundo. Inicialmente associada a indivíduos homossexuais, nos dias de hoje é uma doença de todos, verificando-se em Portugal um aumento cada vez maior nos heterossexuais e um decréscimo nos toxicodependentes e homossexuais (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 2015), tal como a tendência mundial (Joint United Nations Programme on HIV/AIDS, 2016).

Com o surgimento da terapêutica antirretroviral, a esperança média de vida dos indivíduos portadores de VIH aumentou significativamente, tornando-se uma doença crónica passível de controlo e não tanto uma doença fatal. Assim, a adesão à terapêutica é fundamental para estes indivíduos, sendo considerado o segundo fator preditivo mais relevante na progressão da doença (Machtinger & Bangsberg, 2006).

Contudo, este comportamento de adesão pode ser influenciado por diversos fatores. Sabe-se que os indivíduos portadores de VIH que consomem álcool têm menor probabilidade de aderir à terapêutica (Bryant, Nelson, Braithwaite, & Roach, 2010; World Health Organization [WHO], 2003). Esta situação torna-se preocupante quando se verifica que o consumo de álcool, nestes doentes, é quase o dobro do da população em geral (Chander, Lau, & Moore, 2006; Szabo & Zakhari, 2011). Neste quadro, o rastreio e as intervenções são essenciais para identificação de problemas relacionados com o uso de álcool em indivíduos a fazer medicação antirretroviral, principalmente nos períodos estáveis (Tran, Nguyen, Do, Nguyen, & Maher, 2014).

Por forma a reduzir os níveis de consumo de álcool e encaminhar os indivíduos que apresentem dependência para tratamento especializado, a Organização Mundial de Saúde (OMS), orienta para a triagem através do Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT; WHO, 2014). Também em Portugal a Direção Geral de Saúde (DGS) apresenta na sua norma número 30, orientações claras para a deteção precoce e intervenção breve no consumo excessivo de álcool, com recurso ao AUDIT. Em função do nível de risco identificado por este teste, são desenvolvidas as IBs (IBs). Estas intervenções baseiam-se na abordagem motivacional e caracterizam-se por serem de curta intensidade e duração, podendo variar entre intervenção educacional ou de aconselhamento simples a breve (Babor & Higgins-Bidlle, Saunders, & Monteiro, 2001).

Decorrente da relevância do consumo de álcool entre os portadores de VIH e a suas implicações na adesão à terapêutica e progresso da doença, pretende-se com este estudo avaliar o efeito das IBs na redução do risco de consumo de álcool nos indivíduos portadores de VIH seguidos em consulta da especialidade. Estas IBs serão desenvolvidas por um enfermeiro especialista de saúde mental e psiquiátrica, que pelo conjunto de competências específicas que adquiriu o tornam profissionalmente mais competente, para conseguir compreender e avaliar a capacidade e a vontade de cada indivíduo para a mudança e adoção de comportamentos mais saudáveis.

 

Enquadramento

O virus da imunodeficiência humana (VIH) deteriora progressivamente o sistema imunitário, conduzindo-o a um estado de imunodeficiência, tornando-se incapaz de reagir contra as infeções e doenças. Atualmente este vírus já infetou aproximadamente 71 milhões de pessoas por todo o mundo e matou 31 milhões de pessoas (Joint United Nations Programme on HIV/AIDS, 2016).

Segundo o recente relatório da Joint United Nations Programme on HIV/AIDS (2016), o objetivo de terminar com a epidemia do síndroma da imunodeficiência adquirida (SIDA) até 2030 parece ser um objetivo tangível. Nos últimos 15 anos muitas têm sido as conquistas relativamente ao tratamento da doença, nomeadamente no uso de medicação antirretroviral, que em 2015 alcançou 17 milhões de indivíduos dos 36,7 milhões que se estimam ser portadores da doença, permitindo reduzir em 43%, desde 2003, o número de mortes relacionadas com a doença (Joint United Nations Programme on HIV/AIDS, 2016).

Em Portugal, segundo o relatório emitido em 2015 pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, a 31 de dezembro de 2014 estavam notificados 52.694 casos, dos quais 20.856 se encontravam na fase de SIDA (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, 2015). Segundo o mesmo relatório, relativamente aos óbitos notificados, observou-se uma tendência decrescente no número anual de mortes em casos de infeção VIH e SIDA. Embora na última década tenha vindo a diminuir o número de novos casos de infeção por VIH, Portugal continua ser dos países da europa com maior taxa anual de novos diagnósticos.

Uma vez que a cura desta doença nos dias de hoje não é ainda possível, os objetivos da terapêutica antirretroviral prendem-se, exclusivamente, com o controlo do vírus, diminuindo as morbilidades e aumentando a qualidade de vida destes doentes; a restauração e preservação do sistema imunitário; a diminuição da carga viral e subsequentemente a diminuição da transmissão do vírus (Bonolo, Gomes, & Guimarães, 2007). Machtinger e Bangsberg (2006) consideram a adesão à terapêutica, nestes doentes, o segundo fator preditivo com maior relevância para a progressão da doença. Sabe-se que o álcool pode influenciar a adesão à terapêutica e, nestes indivíduos, é frequente o seu consumo, talvez pelo efeito relaxante que possui, muito semelhante a nível farmacológico e comportamental com o das benzodiazepinas (Lingford-Hughes, Potokar, & Nutt, 2002).

Portugal, encontra-se entre um dos países da Europa com maior consumo per capita de álcool puro (12,9 litros), muito acima da média europeia de 10,91 (WHO, 2014). No que diz respeito aos padrões de consumo excessivo e dependência de álcool, em 2012, cerca de 3,0% da população dos 15 aos 64 anos tinha um consumo de álcool considerado de risco elevado/nocivo e 0,3% de dependência (Balsa, Vital, & Urbano, 2013).

Estudos apontam para uma necessidade de maior sensibilização da população e o desenvolvimento de intervenções mais específicas e direcionadas, em indivíduos com consumos nocivos e até com provável dependência de álcool (Barroso, Castanhola, Marta, & Claro 2010; Kaner et al., 2007; McCambridge & Kypri, 2011; Rosa, Abreu, & Barroso, 2015). Também a OMS (2010) no seu relatório Global strategy to reduce the harmful use of alcohol, apresenta a necessidade de desenvolver iniciativas para deteção precoce de consumos de risco e abusivos de álcool e encaminhamento de indivíduos com provável dependência, não só em cuidados de saúde primários mas também noutras realidades. Aliada a esta deteção precoce defende a realização de IBs para a redução de consumo. As IBs são desenvolvidas, neste contexto de redução do risco de consumo de álcool, após a deteção do nível de risco em que o indivíduo se encontra e que nos é dado pela pontuação obtida no AUDIT. Consoante o nível, desenvolvem-se, individualmente, as intervenções, que não tendo nenhum tempo estipulado, não ultrapassarão os 60 minutos. Podem ser de âmbito educacional, de aconselhamento simples ou breve, associadas a uma abordagem motivacional se o nível em que o indivíduo se encontra assim o justificar (Babor et al., 2001). Rosa et al.(2015) num estudo que pretendia avaliar o efeito das IBs na redução do consumo de risco de álcool nos utentes em tratamento com metadona, verificaram um efeito positivo destas intervenções na diminuição deste tipo de consumo.

 

Hipóteses

Há uma evolução positiva nos indivíduos portadores de VIH, sujeitos a IBs, seguidos em consulta num hospital de dia de doenças infeciosas, quanto ao risco de consumo de álcool, comparativamente com os indivíduos que são apenas sujeitos ao ensino habitual.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo experimental, com um grupo de controlo (n = 27) e um grupo experimental (n = 31). Ambos tiveram dois momentos de avaliação. Na primeira avaliação foi aplicado o AUDIT como teste diagnóstico do risco de consumo de álcool que os participantes teriam. No grupo experimental, após a aplicação do teste, realizou-se o protocolo das IBs, desenvolvido pelo enfermeiro especialista em saúde mental com treino específico. Já no grupo de controlo, seguido da aplicação do AUDIT, realizou-se o protocolo do ensino habitual, pela enfermeira de serviço, não especialista. A segunda avaliação (após a intervenção) ocorreu 4 a 6 meses depois da avaliação inicial. Nesta avaliação foi novamente aplicado o AUDIT aos participantes de ambos os grupos, permitindo assim a comparação de resultados.

A amostra deste estudo é constituída por indivíduos portadores de VIH, seguidos em consulta no Hospital de Dia de doenças infeciosas do Hospital Geral do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). Trata-se de uma amostra consecutiva e a distribuição dos sujeitos seguiu o seguinte procedimento: integraram o grupo de controlo os indivíduos com consulta médica às segundas e quarta feiras e integraram o grupo experimental os indivíduos com consulta às terças e quinta feiras. Foi definida de forma aleatória esta distribuição semanal.

Os grupos provêm da mesma população tendo sido analisada a sua homogeneidade, não se verificando diferenças estatisticamente significativas relativamente às variáveis sociodemográficas, variáveis de história da doença e terapêutica antirretroviral e risco de consumo de álcool.

Os critérios para inclusão no estudo foram: diagnóstico de infeção por VIH e seguido em consulta no Hospital de Dia de doenças infeciosas do Hospital Geral do CHUC; letrado, com capacidade de comunicação e compreensão; com mais de 18 anos. Os critérios de exclusão considerados foram: existência de doença, demência ou outras perturbações de natureza cognitiva; consumos ativos de outras substâncias psicoativas que não o álcool; regime de detenção judicial.

A recolha de dados foi realizada através de um questionário estruturado que incluía três partes: a primeira parte relativa aos dados sociodemográficos, a segunda relativa à história da doença (VIH) e terapêutica antirretroviral e a terceira parte integrava questões relacionadas com o consumo de substâncias psicoativas e o AUDIT. Este teste de diagnóstico consiste em dez questões (pontuadas de 0 a 4) a respeito do uso recente de álcool (últimos 12 meses), sintomas de dependência e problemas relacionados com o álcool. No final são somados os pontos e é obtida uma pontuação que caracteriza o nível de risco que o individuo apresenta com o consumo de álcool (Babor et al., 2001). A pontuação varia entre 0 e 40; quanto mais elevada, maior o nível de risco de consumo de álcool. As pontuações podem ainda ser agrupadas em diferentes níveis de risco: se pontuar 0 é considerado abstémico, se pontuar entre 1 e 7 é considerado consumidor de baixo risco, se for de 8 a 15 será um consumidor de risco, se pontuar entre 16 e 19 o seu nível de consumo já pode ser considerado nocivo e pontuando 20 ou mais poderá ser, provavelmente, dependente do álcool. O AUDIT foi validado em Portugal por Roque da Cunha em 2002 e apresenta uma sensibilidade que varia entre 83 e 92% e especificidade entre os 92 e 98% (Silva & Quintas, 2010).

No sentido de verificar a fiabilidade do instrumento (AUDIT) foi aplicado o teste de alfa de Cronbach para verificar a sua consistência interna, tanto na primeira avaliação como na segunda. Na avaliação inicial observou-se um alfa de Cronbach de 0,751, variando os valores nesta avaliação entre 0,000 e 0,703. Já na avaliação seguinte o alfa situou-se nos 0,777 tendo variado entre 0,000 e 0,724 nos valores da correlação item-total. O questionário AUDIT demonstrou ser um instrumento consistente.

A variável dependente deste estudo foi o risco de consumo de álcool (avaliado através do total do score AUDIT) e a variável independente foram as IBs. Este estudo está associado ao projeto Saúde sem reservas, inserido na Health Sciences Research Unit: Nursing (UICISA:E), e desenvolve-se com base no protocolo das IBs, adaptado de Babor et al. (2001). Inclui guiões sistematizados para cada intervenção desenvolvida e ainda um folheto informativo que é entregue ao indivíduo. O protocolo inclui a avaliação através do AUDIT e desenvolvimento das IBs em função dos níveis de risco identificados. Na Zona I, nível de baixo risco (pontuação entre 0-7), a intervenção desenvolvida é educacional, com atribuição de feedback sobre o resultado do teste e reforço positivo por o indivíduo se encontrar neste nível; esclarecimento das diretrizes de um consumo de baixo risco e informação sobre potenciais perigos se o seu consumo aumentar. Na Zona II, nível de risco (pontuações entre 8-15), é desenvolvido o aconselhamento simples: é igualmente fornecido feedback sobre o AUDIT e disponibilizada informação em formato papel que é, primeiramente, analisada em conjunto com o indivíduo acerca dos possíveis efeitos de manter este tipo de consumo. São realçadas as diretrizes para um consumo de baixo risco e em conjunto com o indivíduo, é traçado, se for possível, um objetivo que vise a diminuição ou a cessação de consumo de álcool, encorajando-o/a para o efeito. Na Zona III, nível nocivo (pontuações entre 16-19), com o aconselhamento breve, é já realizada de forma mais incisiva uma abordagem motivacional, permitindo que o indivíduo expresse as razões do seu desejo de não mudar hábitos de consumo, ou em caso disso, encontrando-se no estádio motivacional adequado, elaborar com o indivíduo objetivos e estratégias para redução do seu consumo. Por fim, na Zona IV, provável dependência (pontuação 20 ou mais), é necessário referenciar para diagnóstico e tratamento.

Os dados foram analisados informaticamente, recorrendo ao programa de tratamento estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), na versão 19.0. Tratando-se de duas amostras independentes, provenientes da mesma população, nas quais não foi respeitado o pressuposto da normalidade: p = 0,000 em ambos os grupos, no teste de Shapiro Wilk, usado em amostras inferiores a 50 optou-se pelos testes não paramétricos (teste de Mann Whitney).Todos os participantes tiveram conhecimento acerca da finalidade e os objetivos do estudo, e participaram no estudo apenas os indivíduos que deram o seu consentimento escrito. O estudo obteve aprovação da comissão de ética do hospital onde se realizou o estudo.

 

Resultados

A amostra inicial foi constituída por 58 indivíduos, sendo que 31 destes integraram o grupo experimental e 27 o grupo de controlo. No grupo experimental a média de idades foi de 46,52 (DP = 10,414) e no de controlo de 42,52 anos (DP = 6,980). O género masculino predominava em ambos os grupos: 25 homens no grupo experimental e 23 no de controlo. Nos dois grupos, a maioria eram de naturalidade portuguesa: 29 indivíduos do grupo experimental (93,5%) e 22 no de controlo. É com a família que a maioria vive: 19 indivíduos do grupo experimental e 17 do de controlo. Relativamente à escolaridade: 11 indivíduos (35,5%) no grupo experimental têm o ensino primário e no grupo de controlo também é este ensino que apresenta o maior número de indivíduos (12). Em relação ao estado civil, também em ambos os grupos existe um maior número de indivíduos solteiros: 11 indivíduos no grupo experimental e 14 no de controlo.

 

Tabela 1

 

Na caracterização da amostra relativamente ao VIH, nomeadamente ao diagnóstico e tratamento, pode-se concluir que no grupo experimental os participantes têm conhecimento do seu diagnóstico há cerca de 9,22 anos (DP = 6,31) e no de controlo há 9,96 anos (DP = 6,11); 4 (DP = 12,9) indivíduos no grupo experimental e 4 (DP = 14,8) no de controlo ainda não tomam medicação antirretroviral e 27 participantes do grupo experimental iniciaram esta medicação em média há 8,52 anos (DP = 5,86) e 23 no grupo de controlo fizeram-no em média há 10,39 (DP = 5,13). No grupo experimental, dos indivíduos a fazer TARV, 88,9% refere cumprir a prescrição médica, sendo no grupo de controlo esta percentagem de 91,3%.

No que diz respeito à progressão da doença, mais de metade dos indivíduos de ambos os grupos apresentavam cargas virais indetetáveis ou inferiores a 50 cópias/ml. No grupo experimental, em ambas as avaliações, 58,1% apresentavam carga viral < 50 cópias/ml ou indetetável. No de controlo, inicialmente 74,1% tinham carga viral indetetável ou negativa na primeira avaliação e na avaliação seguinte correspondia a 66,7% dos indivíduos (18).

 

Tabela 2

 

Em função dos níveis de risco identificados, no grupo experimental foram desenvolvidas 29 intervenções educativas, correspondendo aos 29 indivíduos que se encontravam num nível de baixo risco de consumo na primeira avaliação e 2 intervenções de aconselhamento simples aos indivíduos presentes na zona de risco. Após o desenvolvimento das IBs nenhum indivíduo se encontrava na zona de risco, estando a totalidade numa zona de baixo risco, no grupo experimental. No grupo de controlo todos os indivíduos (27) receberam intervenção do ensino habitual. Embora tivesse havido um indivíduo a diminuir do nível de risco de consumo para o de baixo consumo, os restantes dois indivíduos presentes no nível de risco e o único presente no nível nocivo, na primeira avaliação, mantiveram-se inalteráveis segunda avaliação, após o ensino habitual.

Efeito das IBs

Por forma a testar a hipótese de investigação foi realizado o teste de Mann Whitney,

Como se pode observar na Tabela 3, antes das IBs, as diferenças do risco de consumo de álcool, entre os grupos, não eram significativas (p = 0,207). Após a intervenção, o grupo experimental diminuiu o risco de consumo de álcool, enquanto o de controlo aumentou. Para além disso, na avaliação da diferença entre os grupos (experimental e de controlo), depois da intervenção, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas (p = 0,028). Assim pode-se concluir que o grupo experimental evoluiu no sentido do menor risco.

Para melhor análise da evolução dos grupos, analisou-se a diferença dos somatórios, após e antes da aplicação das IBs. Como se pode verificar na Tabela 4, aquela diferença de evolução dos grupos está no limiar da significância, com um p = 0,051.

 

Discussão

Relativamente às limitações do estudo, de referir o facto de não se ter realizado uma repartição não probabilística dos sujeitos pelos grupos de controlo e experimental e ainda o tamanho da amostra que pode colocar em causa a validade interna e externa. Por outro lado, considerando o tempo de follow-up de apenas 4 e 6 meses serão necessários outros estudos para validar a manutenção destes resultados ao longo do tempo. Em termos de caracterização do consumo de álcool e analisando por domínios do AUDIT antes e depois da aplicação das IBs ao nível de: quantidade, frequência e frequência do consumo, sintomas de dependência e consequências do consumo, pode-se concluir que o grupo experimental apresentou melhores resultados na segunda avaliação (após as IBs), com redução tanto da frequência, quanto da quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas.

Em relação às consequências do consumo, o grupo experimental apresentou melhores resultados, com diminuição da frequência do surgimento de sentimentos de culpa ou remorsos por ter bebido e da manifestação de preocupação por parte de algum familiar, amigo, médico ou profissional de saúde, pelo facto de consumir álcool.

Antes das IBs, 29 indivíduos do grupo experimental estavam na Zona I, portanto numa zona de baixo risco, passando, posteriormente, após o desenvolvimento destas intervenções, a estar a totalidade dos participantes deste grupo nesta zona. Na Zona II, inicialmente estavam dois indivíduos que posteriormente diminuíram o seu risco, baixando para uma zona de risco inferior, Zona I, após as IBs. Na Zona III, de consumo nocivo, não havia qualquer indivíduo do grupo experimental. Já no grupo de controlo, embora tivesse havido um indivíduo que diminuiu o seu risco, passando da Zona II, para a Zona I, mantiveram-se, de uma avaliação para a posterior, os restantes indivíduos na Zona II (dois indivíduos) e Zona III (um indivíduo), mantendo-se o risco nestes indivíduos. Os restantes 24 encontravam-se na Zona I. Tendo em conta o grupo experimental e a zona onde inicialmente se encontravam, foram realizadas 29 intervenções educativas, segundo protocolo prévio (Zona I) e duas intervenções de aconselhamento simples (Zona II).

Relativamente ao consumo de álcool nesta amostra, não foi verificado um elevado consumo, já que tanto no grupo experimental, como no de controlo, na avaliação inicial, a maioria dos indivíduos já se encontrava na Zona I (nível de baixo risco com consumos entre 0 a 40g. álcool/dia) contrariamente ao referido por outros autores (Silva & Quintas, 2010; Szabo & Zakhari, 2011), cujos estudos sugerem que o consumo em indivíduos portadores de VIH atinge muitas vezes o dobro do da população em geral. Este facto pode ser explicado pela elevada adesão à terapêutica, que se traduziu em ambos os grupos e em mais de metade dos indivíduos, numa carga viral indetetável ou <50 cópias/ml. De salientar que estes indivíduos têm conhecimento do seu diagnóstico há cerca de 10 anos, sendo também seguidos em consulta há quase tanto tempo e sempre com acompanhamento e prestação de cuidados de enfermagem pela mesma enfermeira, que desde o surgimento do Hospital de Dia de Infeciosas do Hospital Geral do CHUC (atualmente extinto) exerceu lá a sua atividade. A WHO (2003) relembra a relação profissional de saúde/doente como um fator determinante para a adesão à terapêutica, na qual o doente consiga identificar competências, qualidades, clareza de comunicação, compaixão e na qual o profissional consiga promover um papel ativo do doente no seu tratamento e na tomada de decisões acerca deste, bem como no cumprimento do seu regime terapêutico.

Embora os ensinos habituais pareçam demonstrar efeitos positivos nos indivíduos portadores de VIH, seguidos em Hospital de Dia de Infeciosas no Hospital Geral, conclui-se que as IBs apresentam maior eficácia na redução do risco de consumo de álcool. Neste registo vários estudos têm vindo a realçar que questionar acerca do consumo de álcool e fornecer o feedback do nível de risco pode contribuir para a mudança favorável dos consumos (McCambridge & Kypri, 2011). Contudo, a intervenção breve desenvolvida de forma sistematizada pelo enfermeiro especialista em enfermagem de saúde mental mostrou ser mais eficaz.

Embora não tenham sido identificados estudos que estudassem o efeito das IBs nesta população especifica, os estudos de avaliação do efeito destas intervenções quer nos cuidados de saúde primários, quer em outros contextos específicos têm corroborado a sua eficácia (Barroso et al., 2010; Kaner et al., 2007; McCambridge & Kypri, 2011; Rosa et al., 2015).

Os estudos de Strauss, Munoz-Plaza, Tiburcio, e Gwadz, (2012), que analisam a problemática da implementação da deteção precoce e IBs junto dos profissionais de saúde, na área do tratamento dos indivíduos portadores de VIH, identificaram como principais barreiras: a falta de tempo para realizar o rastreio, a perceção que os profissionais têm de que os consumos de álcool nos seus doentes não são preocupantes e a falta de informação acerca do consumo de álcool dos próprios doentes. E ainda, como fatores facilitadores: o tempo adequado para o desenvolvimento do rastreio e intervenção; acessibilidade de informação, instrumentos e materiais, guidelines para o desenvolvimento das intervenções, designadamente a utilização de um instrumento de intervenção breve. A integração da deteção de consumos de risco e/ou nocivos e a implementação de IBs nos cuidados de enfermagem a indivíduos portadores de VIH, necessita de um processo prévio de sensibilização e formação para esta problemática.

 

Conclusão

Salienta-se o efeito positivo das IBs na redução do risco de consumo de álcool nos indivíduos portadores de VIH seguidos em consulta da especialidade, embora no limiar da significância. Todavia, verificou-se uma evolução positiva e no sentido do menor risco de consumo quando comparado com o grupo de controlo, tendo-se aceite a hipótese de investigação inicialmente elaborada.

A análise do efeito das IBs desenvolvidas de forma sistematizada pelo enfermeiro especialista de saúde mental foi efetuada em comparação com o ensino habitual desenvolvido pelo enfermeiro generalista de forma não sistematizada, sendo por isso também esperado algum efeito no grupo de controlo.

Sugerimos a realização de estudos que possam caracterizar o consumo de álcool em indivíduos portadores de VIH, uma vez que os resultados encontrados no nosso estudo não estão de acordo com os de estudos internacionais, no sentido de percebermos se seria uma característica desta amostra em particular ou desta população em Portugal.

Consideramos ser pertinente, por exemplo, a aplicação do questionário AUDIT e das IBs nas consultas de enfermagem nos hospitais de dia de infeciosas, tal como foi realizado neste estudo.

O próximo passo parece ser a formação de profissionais de saúde, nomeadamente enfermeiros que, pelas suas competências, se encontram na linha da frente para desenvolverem este tipo de intervenções. Torna-se expectável que num futuro breve estas intervenções estejam difundidas por todo o país em diversos contextos, já que o consumo de álcool é uma problemática atual a nível nacional, desde as idades mais jovens.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 06.07.16

Aceite para publicação em: 25.10.16

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