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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.9 Coimbra mayo 2016

https://doi.org/10.12707/RIV16011 

ARTIGO DE REVISÃO

 

A eficácia das soluções de limpeza para o tratamento de feridas: uma revisão sistemática

The effectiveness of cleansing solutions for wound treatment: a systematic review

La eficacia de las soluciones de limpieza para el tratamiento de heridas: una revisión sistemática

 

Eduardo Santos*; Paulo Queirós**; Daniela Cardoso***; Madalena Cunha****; João Apóstolo*****

* Msc., Investigador Associado do Portugal Centre for Evidence Based Practice: a Collaborating Centre of the Joanna Briggs Institute. Enfermeiro, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE - Serviço de Urgência, Pólo HUC, 3000-075, Coimbra, Portugal [ejf.santos87@gmail.com]. Contribuição no artigo: estratégia de investigação e identificação dos estudos; avaliação da qualidade metodológica dos estudos; extração e síntese de dados; apresentação e interpretação dos resultados; conclusões; escrita do artigo. Morada para correspondência: Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, 3046-851, Coimbra, Coimbra Portugal.

** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [pauloqueiros@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: avaliação da qualidade metodológica dos estudos; extração e síntese de dados; apresentação e interpretação dos resultados; conclusões.

*** RN., Bolseira de Investigação, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde:Enfermagem, Portugal Centre for Evidence-Based Practice, 3046-851, Coimbra, Coimbra Portugal [dcardoso@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: estratégia de investigação e identificação dos estudos; avaliação da qualidade metodológica dos estudos; extração e síntese de dados; apresentação e interpretação dos resultados; conclusões; escrita do artigo.

**** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Saúde, Instituto Politécnico de Viseu, 3500-843, Viseu, Portugal [madac@iol.pt]. Contribuição no artigo: extração e síntese de dados; apresentação dos resultados; conclusões.

***** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [apostolo@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: estratégia de investigação e identificação dos estudos; avaliação da qualidade metodológica dos estudos; extração e síntese de dados; apresentação e interpretação dos resultados; conclusões.

 

RESUMO

Contexto: Existe consenso de que a limpeza de feridas reduz as taxas de infeção. Contudo, há algum debate na praxis clínica sobre as suas potenciais vantagens e desvantagens.

Objetivos: Identificar e sintetizar as melhores evidências sobre a eficácia de soluções de limpeza para o tratamento de feridas.

Método de Revisão: Seguiu-se a metodologia do Joanna Briggs Institute. Foram incluídos estudos que consideravam doentes com feridas crónicas e agudas. Dois revisores independentes realizaram a avaliação crítica, a extração e a síntese dos dados.

Resultados: Foram incluídos 3 ensaios clínicos aleatorizados (n=718) e os resultados da meta-análise mostraram não existirem diferenças nas taxas de infeções quando se compara a água corrente com o soro fisiológico (OR=0,79; lC 95%= 0,36-1,72; p=0,55). Para as feridas agudas, o odds ratio foi de 0,98 (IC 95%= 0,43-2,25).

Conclusão: Não há evidências de que a utilização de água corrente para limpar feridas em adultos aumente as taxas de infeção/cicatrização. Pode existir uma diminuição das taxas de infeção quando é utilizada iodopovidona nas feridas de origem cirúrgica.

Palavras-chave: infecção dos ferimentos; cicatrização; revisão; meta-análise; cloreto de sódio; irrigação terapêutica

 

ABSTRACT

Background: There is a consensus that wound cleansing reduces infection rates. There is, however, some debate in clinical circles about the potential advantages and disadvantages of cleansing wounds.

Objectives: To identify and synthesize the best available evidence on the effectiveness of cleansing solutions for wound treatment.

Review method: This systematic review followed the Joanna Briggs Institute methodology and included studies that considered patients with chronic and acute wounds. Critical appraisal, extraction and synthesis of data were performed by two independent reviewers.

Results: Three randomized clinical trials (n=718) were included and the results of the meta-analysis showed no difference in the wound infection for the Tap Water versus Sterile Saline comparison (OR=0,79; 95% Cl= 0,36-1,72; p=0,55). For acute wounds, the odds ratio was 0,98 (95% CI= 0,43-2,25).

Conclusion: There is no evidence that using tap water to cleanse acute and chronic wounds in adults increases infection or healing rates. There may be a trend towards a lower wound infection rate when povidone-iodine is used in surgical wounds.

Keywords: wound infection; wound healing; review; meta-analysis; sodium chloride; therapeutic irrigation

 

RESUMEN

Marco contextual: Existe consenso en que la limpieza de heridas reduce las tasas de infección. Sin embargo, existe un debate sobre sus potenciales ventajas y desventajas en la práctica clínica.

Objetivos: Identificar y sintetizar las mejores pruebas sobre la eficacia de las soluciones de limpieza para el tratamiento de heridas.

Metodología: Se siguió la metodología del Instituto Joanna Briggs y se incluyeron estudios que consideraron a los enfermos con heridas crónicas y agudas. Dos revisores independientes realizaron el análisis crítico, la extracción y la síntesis de los datos.

Resultados: Se incluyeron 3 ensayos clínicos aleatorios (n=718). Los resultados del metanálisis mostraron que no existen diferencias en las tasas de infecciones cuando se compara el agua potable con el suero fisiológico (OR=0,79; lC 95%= 0,36-1,72; p=0,55). Para las heridas agudas, la razón de momios fue 0,98 (IC 95%=0,43-2,25).

Conclusión: No hay pruebas de que el uso de agua potable para limpiar heridas en adultos aumente las tasas de infección/cicatrización. Puede existir una reducción en las tasas de infección cuando se utiliza povidona yodada en las heridas quirúrgicas.

Palabras clave: cicatrización; infección de heridas; revisión; metanálisis; cloruro de sodio; irrigación terapéutica

 

Introdução

O tratamento de feridas crónicas e agudas evoluiu significativamente ao longo da última década. A prática da limpeza de feridas ou o tratamento antisséptico tem uma história dicotómica ancorada na tradição e ciência, sendo parte integrante do tratamento de feridas crónicas e agudas (Atiyeh, Dibo, & Hayek, 2009; Khan & Naqvi, 2006).

Apesar de existir um consenso de que a limpeza de feridas reduz as taxas de infeção (Khan & Naqvi, 2006), as potenciais vantagens e desvantagens da limpeza de feridas continuam a ser debatidas no setor clínico. Esta prática pode não ser sempre necessária dado que o próprio exsudado pode conter factores de crescimento e quimiocinas que contribuem para a cicatrização de feridas (Atiyeh et al., 2009). Enquanto não se realizarem estudos complementares que estabeleçam claramente as desvantagens, a limpeza de feridas continuará a ser uma parte integrante do processo de tratamento de feridas. No entanto, não há evidências sólidas de que a limpeza de feridas por si só aumente a cicatrização ou reduza a infeção (Fernandez, Griffiths, & Ussia, 2008).

Esta realidade é ainda intensificada pela ausência de um teste de diagnóstico que permita aos profissionais de saúde identificar que a carga bacteriana na ferida tem o potencial para causar a infeção da ferida. Além disso, a questão complica-se ainda mais com a existência de estudos que demonstram que a colonização bacteriana da ferida não é necessariamente um indicador de infeção, não havendo necessidade de remover bactérias na ausência de sinais clínicos de infeção (Khan & Naqvi, 2006).

No entanto, são vários os estudos que recomendam diferentes soluções de limpeza devido ao seu suposto valor terapêutico. Tem sido também sugerido que a limpeza da ferida ajuda a otimizar o ambiente de cicatrização e a diminuir o potencial de infeção (Moscati, Mayrose, Fincher, & Jehle, 1998; Moscati, Mayrose, Reardon, Janicke, & Jehle, 2007). A limpeza da ferida liberta e desbrida resíduos celulares, tais como bactérias, exsudado, material purulento e resíduos de agentes tópicos de pensos anteriormente aplicados (Baranoski & Ayello, 2006). Contudo, na prática, as decisões sobre a utilização de determinadas soluções de limpeza têm sido baseadas na experiência, nas políticas dos serviços e na preferência pessoal.

De modo geral, uma solução de limpeza de feridas ideal tem as seguintes características: não ser tóxica para os tecidos humanos; continuar a ser eficaz na presença de material orgânico; reduzir o número de microorganismos; não causar reações de sensibilidade; estar amplamente disponível, ser eficaz em termos de custo; e permanecer estável durante um grande prazo de validade (Flanagan, 1997).

O soro fisiológico preenche todos os critérios acima indicados. O soro fisiológico (0,9%) é a solução de eleição para a limpeza de feridas por ser uma solução isotónica que não interfere com o processo normal de cicatrização, não causa lesão nos tecidos, não provoca reações de sensibilidade nem alergias e não altera a flora bacteriana normal da pele, o que poderia permitiria a proliferação de organismos mais virulentos (Fernandez et al., 2008; Joanna Briggs Institute [JBI], 2006; Lawrence, 1997).

A água corrente também é recomendada e tem a vantagem de ser eficiente, eficaz em termos de custos e acessível (Angeras, Brandberg, Falk, & Seeman, 1991; Fernandez et al., 2008).

O uso seguro da água corrente para irrigação da ferida tem vindo a ser cada vez mais reconhecido, especialmente em feridas crónicas, valendo a pena considerá-lo como uma alternativa aceitável a outros produtos. De facto, Flanagan (1997) argumenta que a água corrente tem sido usada durante séculos para tratar feridas, sem que que tenha sido reportado qualquer efeito negativo. Apesar disso, o possível risco de infeção e o facto de não ser uma solução isotónica têm sido as duas preocupações mais citadas relativas ao uso de água corrente.

Neste sentido, vários estudos revelaram que não há diferença significativa entre as taxas de infeção e de cicatrização em feridas irrigadas com soro fisiológico ou água corrente (Angeras et al., 1991; Griffiths, Fernandez, & Ussia, 2001; Moscati et al., 1998). De facto, Angeras et al. (1991) observaram uma maior taxa de infeção em feridas irrigadas com soro fisiológico. No entanto, os profissionais de saúde têm sido alertados contra o uso de água corrente na limpeza de feridas com exposição de osso ou tendão, sendo recomendado nestes casos o uso de soro fisiológico (Fernandez et al., 2008; Lindholm, Bergsten, & Berglund, 1999).

Por outro lado, não há consenso entre as autoridades no tratamento de feridas relativamente ao uso de soluções estéreis ao invés de soluções não-estéreis.

De acordo com a literatura existente, a utilização de soluções antissépticas pode comprometer o processo de cicatrização (Thomas et al., 2009) e, como resultado, a utilização de soro fisiológico como solução de limpeza é amplamente recomendada (Lawrence, 1997).

Na verdade, desde os primeiros tempos que as preparações de soluções com propriedades antissépticas são tradicionalmente utilizadas. No entanto, os estudos publicados têm sugerido que as soluções antissépticas podem prejudicar o processo de cicatrização. Por esta razão, o uso de soluções antissépticas, tais como iodopovidona, peróxido de hidrogénio ou hipoclorito de sódio, tem sido desencorajado em várias orientações e vários estudos, dado que, na maioria dos casos, estas soluções não promovem eficazmente a correta cicatrização das feridas. Pelo contrário, a maioria dos estudos demonstrou que a utilização destas soluções comprometeu a cicatrização da ferida, reduziu a resistência da ferida ou aumentou a infeção (JBI, 2006; Kramer, 1999).

A controvérsia em torno do uso de antissépticos desencadeou o estabelecimento de orientações relativas ao uso de antissépticos por profissionais de saúde especialistas no tratamento de feridas. Estas diretrizes também resultaram em mudanças na prática clínica (Fernandez et al., 2008). Há uma preocupação cada vez maior relativamente à utilização destes produtos, bem como ao desenvolvimento da resistência bacteriana e a possível absorção sistémica de antissépticos. Na maioria dos casos, a seleção destes produtos não tem uma fundamentação científica sólida.

Ainda assim, vão surgindo novas soluções de limpeza. Mais recentemente, a nova solução de limpeza com base em polihexanida e betaína surgiu como alternativa credível aos produtos atualmente disponíveis (Kaehn & Eberlein, 2008; Santos & Silva, 2011). Esta solução em particular é eficaz no tratamento de feridas infetadas/colonizadas, fornecendo condições ideais para a cicatrização de feridas, reduzindo o tempo de cicatrização, os sinais de inflamação e/ou infeção/colonização, e proporcionando um maior controlo de odores. A sua aplicação é indolor, estando especialmente indicada para o tratamento de feridas crónicas e de difícil cicatrização (Kaehn & Eberlein, 2008; Santos & Silva, 2011).

Uma revisão extensiva da literatura identificou várias revisões sistemáticas e orientações para boas práticas. No entanto, apesar da existência destas publicações, é ainda necessário realizar estudos rigorosos que justifiquem as recomendações identificadas (Fernandez et al., 2008; JBI, 2006; Santos & Silva, 2011). Foram efetuados avanços notáveis no tratamento de feridas. No entanto, são vários os fatores que têm um impacto nesta ciência, pelo que o tratamento de feridas continuará a ser uma preocupação nos cuidados de saúde. O aumento da esperança de vida, a frequência de desenvolvimento de feridas nos idosos, o aumento da prevalência da diabetes, e os consideráveis custos financeiros e relacionados com estilo de vida fazem com que o tratamento de feridas eficaz em termos de custos seja um imperativo dos cuidados de saúde ao nível internacional. Os enfermeiros, tanto no contexto dos cuidados agudos como dos cuidados comunitários, ocupam uma posição privilegiada para proporcionar uma educação e intervenção baseadas em evidências e dirigidas a outros profissionais de saúde e consumidores. Consequentemente, esta revisão sistemática propõe-se a investigar a eficácia das diferentes soluções de limpeza no tratamento de feridas na prática clínica. O objetivo desta revisão consiste em identificar e sistematizar as melhores evidências disponíveis sobre a eficácia de soluções de limpeza no tratamento de feridas na prática clínica e comparar a eficácia de diferentes soluções de limpeza nas taxas de infeção e cicatrização. Mais especificamente, a revisão centra-se nas seguintes questões: A eficácia das diferentes soluções de limpeza influencia as taxas de infeção e cicatrização de feridas? Qual é a solução mais eficaz para a redução das taxas de infeção de feridas? Qual é a solução mais eficaz para o aumento das taxas de cicatrização de feridas? A eficácia das soluções de limpeza é afetada pela etiologia da ferida?

 

Metodologia da revisão sistemática

A revisão seguiu a metodologia indicada no Joanna Briggs Institute Reviewers' Manual (JBI, 2014). A versão completa desta revisão sistemática foi publicada na JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports (Queirós et al., 2014).

Estratégia de investigação e identificação dos estudos

A estratégia de pesquisa incluiu estudos publicados e não publicados. Foi utilizada uma estratégia de pesquisa em três passos. Foi realizada uma pesquisa inicial limitada nas bases de dados MEDLINE e CINAHL, seguindo-se uma análise de palavras de texto nos títulos e resumos e dos termos de índice usados para descrever o artigo. Posteriormente, foi realizada uma segunda pesquisa usando todas as palavras-chave e termos de índice identificados, em todas as bases de dados incluídas (Tabela 1). Por fim, as referências bibliográficas de todos os artigos e relatórios identificados foram analisadas para identificar estudos adicionais. Foram considerados para inclusão nesta revisão estudos escritos em inglês, espanhol e português. A estratégia de pesquisa por base de dados abrangeu o período entre janeiro de 1990 e janeiro de 2013.

Avaliação da qualidade metodológica dos estudos

A qualidade metodológica foi avaliada por dois revisores independentes usando o instrumento de análise crítica do JBI Meta-Analysis of Statistics Assessment and Review Instrument (JBI-MAStARI).

Extração de dados

Os dados foram extraídos por dois revisores independentes usando o formulário de extracção de dados do JBI para estudos experimentais e incluiu as características dos participantes, as características da intervenção e os métodos de estudo.

Síntese de dados

O impacto das intervenções nas taxas de infeção e cicatrização foi descrito em formato de narrativa relativamente a cada intervenção. Os dados de dois estudos foram agrupados numa meta-análise.

 

Apresentação dos resultados

Tal como apresentado na Figura 1, a pesquisa identificou 5346 estudos potencialmente relevantes. Destes, 2089 foram excluídos por serem duplicados; dos restantes 3257, 3160 foram excluídos após avaliação do título e resumo; 89 dos restantes 97 artigos foram excluídos por não cumprirem o critério de inclusão após leitura integral do texto. Foi avaliada a qualidade metodológica dos restantes oito estudos. Finalmente, três estudos originais foram incluídos nesta revisão, que incluíam 718 doentes.

 

 

Dois revisores independentes avaliaram a qualidade metodológica dos oito estudos. O ponto de corte definido pelos autores para a inclusão de um estudo na revisão foi a resposta “sim” a pelo menos seis questões do instrumento de análise critica do JBI-MAStARI. De modo geral, observou-se a concordância entre os revisores sobre a inclusão dos três estudos finais na revisão. Dois estudos (Moscati et al., 2007; Walker & Smith, 2013) demonstraram semelhanças no início do estudo entre ambos os grupos (intervenção e controlo) relativamente às características demográficas dos participantes. O tamanho das amostras incluídas nesta revisão variou entre 35 e 634 participantes. A informação relacionada com a aleatorização efetiva é sempre pouco evidente. A ocultação dos participantes não foi evidenciada (Walker & Smith, 2013) ou abordada (Moscati et al., 2007) em dois estudos. Os três estudos eram ensaios clínicos aleatorizados (Griffiths et al., 2001; Moscati et al., 2007; Walker & Smith, 2013). O intervalo temporal dos estudos incluídos foi entre 2001 e 2013. Foram solicitadas informações adicionais sobre o local/país onde o estudo foi desenvolvido aos autores de dois estudos incluídos (Moscati et al., 2007; Walker & Smith, 2013). Um estudo foi realizado em Buffallo e Minneapolis, EUA (Moscati et al., 2007); um estudo decorreu em New South Wales, Austrália (Griffiths et al., 2001); e o outro estudo foi realizado em Hobart, Austrália (Walker & Smith, 2013).

A Tabela 2 apresenta as informações relacionadas com os métodos, as caraterísticas dos participantes, as intervenções, as conclusões e as limitações dos estudos incluídos.

Conclusões da meta-análise dos resultados da investigação quantitativa

Apenas dois dos três estudos (Griffiths et al., 2001; Moscati et al., 2007) incluídos na síntese de dados eram elegíveis para meta-análise, num total de 683 doentes.

Ambos os estudos avaliaram a eficácia de água corrente versus soro fisiológico e compararam as taxas de infeção de feridas. Contudo, Griffiths et al. (2001) também apresentaram as taxas de cicatrização. Em cada estudo, os grupos de intervenção e de controlo foram comparados no início do estudo, sendo ambos semelhantes.

A única diferença relevante entre os estudos era a etiologia das feridas. Devido a esta variação, realizámos uma meta-análise por subgrupos (Figura 2) e o teste de diferença entre subgrupos revelou uma baixa heterogeneidade (teste Chi-quadrado da heterogeneidade=1,45, p=0,23; I2=31,1%) pelo que é aceite a integração dos estudos na meta-análise (Higgins, Thompson, Deeks, & Altman, 2003).

Para feridas agudas o odds ratio de desenvolver uma infeção ao efetuar a limpeza com água corrente, quando comparada com soro fisiológico, foi de 0,98 (IC 95%: 0,43, 2,25).

A água corrente foi mais eficaz do que o soro fisiológico na redução da taxa de infeção em adultos com feridas agudas e crónicas (OR= 0,14; IC 95%: 0,01, 2,92).

A análise geral apontou para a ausência de diferenças estatisticamente significativas (z=0,59; p=0,55) entre a limpeza com água corrente e com soro fisiológico no que diz respeito às taxas de infeção em feridas agudas e crónicas. Apesar disso, podemos ainda salientar que se observou um efeito benéfico no grupo de água corrente referente às taxas de infeção, como indicado pelos resultados da meta-análise (OR=0,79; IC 95%: 0,36, 1,72).

É de realçar igualmente que o estudo de Moscati et al. (2007) tem uma maior ponderação (77,6%) do que o estudo de Griffiths et al. (2001; 22,4%).

Todos os estudos apresentaram resultados relacionados com a principal questão da revisão “A eficácia das diferentes soluções de limpeza influencia as taxas de infeção e cicatrização de feridas?”. Contudo, tal como mostra a Tabela 3, existem alguns resultados relacionados com outras questões de revisão.

 

Interpretação dos resultados

Esta revisão sistemática identificou três ensaios clínicos que confirmam a eficácia de soluções de limpeza no tratamento de feridas. Estas soluções foram: água corrente versus soro fisiológico e gaze embebida em iodopovidona versus gaze embebida em soro fisiológico.

Os estudos excluídos mediante a pesquisa estratégica e avaliação da qualidade metodológica apresentaram outras soluções usadas na limpeza de feridas: solução de água superoxidada, peróxido de hidrogénio a 2%, gluconato de clorexidina a 2%, polihexanida (PHMB), e betaína (Kaehn & Eberlein, 2008). Assim, para estas soluções específicas, é necessário realizar ensaios clínicos aleatorizados adicionais robustos e bem concebidos para analisar os efeitos na própria ferida e a eficácia em vários tipos de feridas.

Os estudos incluídos mostraram que não houve diferenças estatisticamente significativas entre as taxas de infeção e de cicatrização nas feridas limpas com água corrente ou soro fisiológico (Griffiths et al., 2001; Moscati et al., 2007). Deste modo, a água corrente pode ser considerada uma alternativa segura e eficaz em termos de custo. Os estudos mostram ainda que poderia ter existido uma tendência para uma taxa de infeção de ferida mais baixa com a utilização de iodopovidona em feridas cirúrgicas, mas isto não foi relevante em cirurgias da veia varicosa.

Contudo, a análise de dados relativamente à infeção de feridas foi dificultada devido à falta de consistência nos critérios usados para avaliar a infeção de feridas. Além disso, apenas um estudo (Griffiths et al., 2001) comunicou a variação de dados nos resultados de cicatrização. O uso de um instrumento normalizado e validado para a medição da infeção e cicatrização de feridas e a ocultação do avaliador quanto à intervenção teria realçado a precisão dos ensaios e reforçado a evidência. No futuro, outros resultados, tais como o conforto, a dor e a satisfação dos doentes, deverão ser medidos. Recomendamos a inclusão destas variáveis nos protocolos dos estudos. Outra questão importante foi a gestão de custos, na medida em que a disponibilidade e o custo dos recursos também pode ter determinado qual a solução usada para limpeza de feridas nos diferentes locais. Neste sentido, isto teria sido uma questão de grande importância em todos os aspetos dos cuidados de saúde. A este respeito, o estudo de Moscati et al. (2007) demonstrou que a utilização de água corrente foi mais eficaz em termos de custos do que o soro fisiológico, e que tal poderia ter contribuído para a redução potencialmente significativa do tratamento de feridas (Griffiths et al., 2001). O uso de água corrente poderia ter reduzido o risco de contaminação de fluidos orgânicos por salpicos, dado que não seria necessário que o profissional de saúde estivesse na proximidade imediata do doente durante o processo de irrigação (Moscati et al., 2007).

Outras limitações foram o tamanho reduzido da amostra em dois dos três estudos incluídos (Griffiths et al., 2001; Walker & Smith, 2013) e a ausência de dados sobre a análise de poder e o tamanho do efeito para fornecer informações sobre a magnitude do impacto da intervenção. Assim, a dimensão reduzida da amostra pode ter resultado numa subvalorização da eficácia do tratamento. Todos estes pontos fracos podem ter limitado o processo de síntese e os resultados desta revisão sistemática.

Nesta revisão, incluímos apenas artigos publicados em inglês, português e espanhol. Assim, os artigos publicados noutros idiomas poderiam ter sido também importantes para esta revisão, e esta foi outra limitação detetada.

Como afirmado previamente, a meta-análise apenas foi possível em dois estudos. Apesar disso, podemos considerar que não existem evidências que sustentem que a utilização de água corrente na limpeza de feridas agudas e crónicas em adultos aumente a infeção ou a cicatrização.

Parece haver uma redução nas taxas de infeção de feridas com a utilização de iodopovidona feridas cirúrgicas. Por outro lado, estas conclusões são de extrema importância para a prática clínica, devendo ser colocadas em prática e consideradas pelos médicos, enfermeiros e todos os profissionais de saúde interessados no tratamento de feridas. Os ensaios controlados, aleatorizados e prospectivos nesta área devem de ser mais robustos, de modo a ajudar os profissionais de saúde e decisores políticos a tomarem decisões informadas sobre a correta utilização de soluções na limpeza de feridas.

 

Conclusão

Os estudos incluídos apresentam resultados sobre a eficácia de soluções de limpeza no tratamento de feridas em adultos. As intervenções incluídas nesta revisão sistemática foram a água corrente versus soro fisiológico e gaze embebida em iodopovidona versus gaze embebida em soro fisiológico. Os dados de dois estudos sobre a eficácia da água corrente versus soro fisiológico, comparando as taxas de infeção de feridas, foram agrupados numa meta-análise. Todos os estudos incluídos e os resultados da meta-análise sugerem que não há evidência de que o uso de água corrente na limpeza de feridas agudas e crónicas em adultos aumente a infeção ou a cicatrização, com alguma evidência a apontar para a redução da infeção com a utilização de água corrente em comparação com soro fisiológico. É possível que haja uma tendência para uma taxa de infeção de ferida inferior com a utilização de iodopovidona em feridas cirúrgicas, mas tal não é relevante na cirurgia da veia varicosa.

Contudo, devido ao número reduzido de estudos por intervenção (poucas soluções de limpeza) a evidência não é suficientemente sólida para produzir um best practice.

Implicações para a prática

As intervenções consideradas nesta revisão sistemática são eficazes e podem ser úteis na prática para reduzir a taxa de infeção em adultos com feridas agudas e crónicas e para promover a cicatrização da ferida através da limpeza.

A água corrente foi mais eficaz que o soro fisiológico na redução da taxa de infeção em adultos com feridas agudas e crónicas (Nível de evidência 1.a – Revisão sistemática de ECA).

Não há evidência de que o uso de água corrente na limpeza de feridas agudas e crónicas em adultos aumente a cicatrização (Nível de evidência 1.c – ECA).

Poderá existir tendência para uma taxa de infeção inferior com a utilização de iodopovidona em feridas cirúrgicas (Nível de evidência 1.d – Pseudo-ECA).

Dado a elevada qualidade das evidências, os profissionais de saúde podem implementar estas intervenções no tratamento de feridas em adultos (GRAU A).

Implicações para a investigação

Para reforçar as evidências atuais sobre a eficácia de soluções de limpeza no tratamento de feridas, são necessários ECA adicionais de elevada qualidade (por exemplo, aplicando as orientações CONSORT) de modo a atualizar a meta-análise de resultados sensíveis.

Estudos futuros devem calcular o tamanho da amostra necessário, a análise do poder e o tamanho do efeito para permitir uma melhor análise dos métodos, resultados e conclusões dos estudos.

Recomendamos a utilização de um instrumento normalizado e validado na medição da infeção e cicatrização da ferida, a ocultação do avaliador relativamente à intervenção, a realização de ECA ou a utilização de outras soluções de limpeza de feridas: solução de água superoxidada, peróxido de hidrogénio a 2%, gluconato de clorexidina a 2%, polihexanida (PHMB), e betaína. Recomendamos ainda a análise dos efeitos na própria ferida e a eficácia em vários tipos de ferida, comparando-as entre si, e a medição de outros resultados, tais como o conforto, a dor e a satisfação dos doentes.

 

Referências bibliográficas

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Agradecimentos

Este artigo é baseado num relatório publicado inicialmente na JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, disponível em http://joannabriggslibrary.org/index.php/jbisrir/article/view/1746

 

Recebido para publicação em: 20.01.16

Aceite para publicação em: 05.04.16

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