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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra dic. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV15002 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Preditores Clínicos da Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde Oral em Idosos Diabéticos

Clinical Predictors of Oral Health-Related Quality of Life in Older Adults with Diabetes

Predictores Clínicos de la Calidad de Vida Relacionada con la Salud Bucal en los Mayores Diabéticos

 

Maria José Almendra Rodrigues Gomes*; Maria Cristina Teixeira**; Maria Teresa Pimenta Paçô***

*Ph.D., Professor Adjunto, Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde de Bragança, 5300-146, Bragança, Portugal [mgomes@ipb.pt]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo. Morada para correspondência: Largo S. Tiago Nº 14, 5300-253, Bragança, Portugal.

** Ph.D., Professor Adjunto, Instituto Politécnico de Bragança, Escola Superior de Saúde de Bragança, 5300-146, Bragança, Portugal [cristina.teixeira@ipb.pt]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo.

*** Lic., Medicina. Técnica Superior de Saúde, Centro de Saúde de Alfândega da Fé, 5300-009, Alfândega da Fé, Portugal [teresalavandeira@gmail.com]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica e recolha de dados.

 

RESUMO

Enquadramento: Avaliar a Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde Oral (QVRSO) é crucial no planeamento de programas de saúde, mas é escassa a investigação nesta matéria em populações com patologia crónica.

Objetivos: Avaliar preditores clínicos da QVRSO de idosos diabéticos.

Metodologia: Estudo transversal em 207 idosos diabéticos no Nordeste de Portugal. Os parâmetros de saúde oral foram obtidos com exame clínico. As 14 questões do Oral Health Impact Profile (OHIP-14) forneceram um score de QVRSO que foi dicotomizado em OHIP-14 com e sem impacto negativo. Os modelos de regressão logística forneceram valores ajustados de odds-ratio (OR) e respetivo intervalo de confiança a 95% (IC95%) para preditores clínicos da QVRSO.

Resultados: Dos idosos, 84,1% reportaram impacto negativo na QVRSO. De acordo com a análise de regressão logística, o número de dentes naturais posteriores (OR=0,85;IC 95%:0,80-0,92) e a sensação de boca seca (OR=3,30;IC 95%:1,08-10,10) são variáveis preditoras de OHIP-14 com impacto.

Conclusão: Este estudo realça a importância de prevenir perda dentária para assegurar a QVRSO nestes idosos.

Palavras-chave: Saúde; idosos; diabetes mellitus; qualidade de vida

 

ABSTRACT

Background: The assessment of Oral Health-Related Quality of Life (OHRQoL) is essential to planning oral health programs, but there is a lack of research on this issue with chronic patients.

Objectives: To assess clinical predictors of OHRQoL in older adults with diabetes.

Methodology: A cross-sectional study was carried out with 207 older adults with diabetes in Northeast Portugal. Clinical examination provided data on oral health parameters. OHRQoL was assessed based on the short version of the Oral Health Impact Profile (OHIP-14) and the score was dichotomised into OHIP-14 with and without impact. Logistic regression models provided adjusted odds-ratio (OR) and respective 95% confidence interval (95%CI) for the clinical predictors of OHRQoL.

Results: In this sample, 84.1% of older adults reported a negative impact on OHRQoL. According to the logistic regression analysis, the number of natural posterior teeth (OR=0.85; 95%CI:0.80-0.92) and a feeling of dry mouth (OR=3.30; 95%CI:1.08-10.10) are predictor variables of OHIP-14 with impact.

Conclusion: Our findings highlight the importance of preventing tooth loss to ensure OHRQoL in these older adults.

Keywords: Health; elderly; diabetes mellitus; quality of life

 

RESUMEN

Marco contextual: Evaluar la calidad de vida relacionada con la salud oral (QVRSO) es crucial en la planificación de los programas de salud. Sin embargo, hay poca investigación en esta materia en poblaciones con enfermedad crónica.

Objetivos: Evaluar predictores clínicos de la QVRSO en mayores diabéticos.

Metodología: Estudio transversal realizado en 207 mayores diabéticos residentes en el Nordeste de Portugal. Los parámetros de salud oral se obtuvieron mediante un examen clínico. Las 14 preguntas del Oral Health Impact Profile (OHIP-14) proporcionaron un resultado de QVRSO que se dividió en OHIP-14 con y sin impacto negativo. Mediante modelos de regresión logística se obtuvieron valores ajustados de odds-ratio, o razón de momios, (OR) y el respectivo intervalo de confianza al 95 % (IC95%) para los predictores clínicos de la QVRSO.

Resultados: De los mayores, el 84,1 % dio un impacto negativo en la QVRSO. De acuerdo con el análisis de regresión logística, el número de dientes naturales posteriores (OR=0,85; IC 95 %:0,80-0,92) y la sensación de boca seca (OR=3,30; IC 95 %:1,08-10,10) son variables predictoras de OHIP-14 con impacto.

Conclusión: Este estudio pone de manifiesto la importancia de prevenir la pérdida de dientes para asegurar la QVRSO en estos mayores.

Palabras clave: Salud; adultos mayores; diabetes mellitus; calidad de vida

 

Introdução

Na Europa, nas últimas três décadas, tem havido um aumento constante da proporção de idosos (indivíduos com 65 ou mais anos de idade) que atingiu 15% em 2012 (World Health Organization Regional [WHO ], 2012), prevendo-se que este valor duplique nas próximas quatro décadas (Petersen & Yamamoto, 2005). Este crescente envelhecimento das populações, fruto da marcada redução da mortalidade, teve como consequência um aumento da prevalência de patologia crónica debilitante cuja incidência aumenta com o avançar da idade (Prince et al., 2015). O crescente envelhecimento da população é um desafio para os responsáveis pelas políticas de saúde.

Os efeitos do envelhecimento e as consequências de patologias crónicas, nomeadamente de diabetes tipo-2, causam deterioração da saúde oral comprometendo a função e contribuindo para a diminuição da qualidade de vida na população idosa (Petersen & Yamamoto, 2005). Assim, em idosos portadores de patologia crónica, são expectáveis necessidades acrescidas relativamente a cuidados e serviços de saúde oral o que torna crucial uma correta avaliação dos parâmetros clínicos que têm repercussões nefastas na qualidade de vida desta fatia populacional.

A proposta deste estudo é avaliar quais os parâmetros clínicos de saúde oral que têm impacto na qualidade de vida relacionada com a saúde oral (QVRSO) em idosos diabéticos residentes num pequeno município do interior norte de Portugal.

 

Enquadramento

O envelhecimento da população à escala mundial coloca sérios desafios aos profissionais de saúde pública responsáveis pelo planeamento de serviços de saúde e a alocação de recursos financeiros e humanos. De facto, com o aumento da esperança de vida aumenta também a probabilidade de desenvolver patologias crónicas, geralmente debilitantes, que muito contribuem para a incapacidade física e para a redução da qualidade de vida (Petersen & Yamamoto, 2005). Destas patologias crónicas, a diabetes tipo-2 é uma das mais prevalentes com incidência que aumenta com a idade (Prince et al., 2015).

O envelhecimento tem repercussões negativas na saúde oral explicadas pelo efeito cumulativo da exposição a fatores de risco ao longo do ciclo de vida, nomeadamente a falta de acesso a cuidados de saúde oral e à negligência dos hábitos de saúde oral. A perda dentária, a doença periodontal, a cárie dentária e a xerostomia são os problemas de saúde oral mais comuns em idosos (Corte-Real, Figueiral, & Campos, 2011; Petersen & Yamamoto, 2005).

Há uma forte relação entre a saúde geral e a saúde oral, dado que a debilidade da primeira causa deterioração na segunda que, por sua vez, exacerba as consequências da patologia crónica (Petersen & Yamamoto, 2005). Esta relação é francamente mais evidente em indivíduos diabéticos. O estado de hiperglicemia crónica que caracteriza a diabetes causa alterações profundas no metabolismo do organismo e insuficiência vascular. Como consequência, os indivíduos diabéticos têm maior probabilidade de desenvolver doença periodontal, cárie e xerostomia do que os indivíduos não diabéticos (Huang, Chan, & Young, 2013; Negrato & Tarzia, 2010). Nestas circunstâncias, os idosos diabéticos são um grupo populacional com elevado risco de deterioração da saúde oral e, por conseguinte, com necessidades acrescidas no que concerne a saúde oral.

O nível de saúde oral tem influência num amplo leque de atividades inerentes à fisiologia do sistema estomatognático. A mastigação, o saborear e o desfrutar dos alimentos, a fala e consequentemente a comunicação e a socialização, bem como a autoimagem e a autoestima são aspetos profundamente influenciados pelas condições patológicas da cavidade oral. Por conseguinte, as condições clínicas indicadoras de deterioração da saúde oral, nomeadamente a cárie dentária, a doença periodontal e a perda dentária têm impacto negativo na QVRSO, pelas limitações que condicionam na execução das atividades do sistema estomatognático (Huang et al., 2013).

No contexto atual da saúde pública, valoriza-se a promoção de um envelhecimento saudável com a implementação de estratégias para colmatar as necessidades de tratamento dentário e disponibilizar mecanismos de reabilitação oral na população idosa. Pretende-se desta forma minorar o impacto negativo que a patologia oral tem na qualidade de vida do idoso (Petersen & Yamamoto, 2005). Só é possível conhecer as necessidades reais da população em matéria de saúde oral se a avaliação objetiva de indicadores clínicos for acompanhada por medidas subjetivas. A avaliação subjetiva permite aferir dois aspetos: a forma como os indivíduos percebem a sua saúde oral; e o grau de interferência desta no seu bem-estar. Esta dupla avaliação da condição oral (objetiva e subjetiva) permite compreender quais os parâmetros clínicos com maior impacto no bem-estar do indivíduo, otimizando a decisão clínica caso a caso, permitindo um melhor planeamento de estratégias preventivas e uma adaptação dos cuidados de saúde oral às reais necessidades dos utentes (Petersen & Yamamoto, 2005; Sanders, Slade, Lim, & Reisine, 2009; Slade, 1997; Ulinski et al., 2013).

Nas últimas duas décadas têm sido desenvolvidos instrumentos multidimensionais para medir o impacto das condições da cavidade oral na QVRSO (Slade, 1997). Destes instrumentos, o Oral Health Impact Profile (OHIP) é considerado o que dá maior ênfase aos impactos psicossociais e tem boas capacidades psicométricas para avaliar a QVRSO (Rodakowska, Mierzynska, Baginska, & Jamiolkowski, 2014), sendo um dos instrumentos mais utilizados com essa finalidade, nomeadamente em populações idosas (Dahl, Wang, Holst, & Ohrn, 2011; Duque-Duque et al., 2013; Kotzer, Lawrence, Clovis, & Matthews, 2012; Lahti, Suominen-Taipale, & Hausen, 2008; Pires, 2009; Rodakowska et al., 2014; Stenman, Ahlqwist, Bjorkelund, & Hakeberg, 2012; Ulinski et al., 2013). Foi confirmada a validade, replicabilidade e consistência da sua versão original com 49 itens (OHIP-49) e da versão simplificada com apenas 14 itens (OHIP-14; Slade, 1997). O mesmo sucedeu com a forma simplificada traduzida para a língua portuguesa para ser utilizada na população brasileira (Ulinski et al., 2013).

Em Portugal a proporção de idosos aumentou de 9% em 1970 para cerca de 20% em 2012, sendo atualmente um dos países mais envelhecidos da região europeia. Paralelamente verificou-se também um aumento da prevalência de diabetes nesta população (WHO, 2012), com consequências mais evidentes nas idades mais avançadas (Prince et al., 2015).

Tendo em conta este cenário, é expectável uma elevada prevalência de patologia oral com forte impacto na qualidade de vida da população idosa em Portugal. No entanto, a investigação que explora a relação entre indicadores clínicos de saúde oral e a qualidade de vida em idosos portugueses é escassa. Neste contexto, é de extrema pertinência perceber quais os parâmetros clínicos que são preditores de impacto negativo na QVRSO.

 

Questão de Investigação

A questão de investigação subjacente a este estudo foi determinar quais os parâmetros clínicos de saúde oral que têm interferência na QVRSO do idoso diabético.

Pretendeu-se com este estudo (1) caraterizar as condições de saúde oral destes idosos através de exame clínico, (2) caraterizar a QVRSO através de OHIP-14 para (3) avaliar quais as condições de saúde oral que estão relacionadas com a QVRSO.

 

Metodologia

Entre março e julho de 2013, foi realizado um estudo transversal, tendo como referencial todos os indivíduos diabéticos com 65 ou mais anos de idade, residentes numa vila do Nordeste Transmontano e utentes do centro de saúde desta vila (n=293). Com base na ficha de inscrição destes utentes, houve contacto direto na residência de forma a convidá-los a participar no estudo. Desta população, foram considerados 207 idosos diabéticos, após excluir 10 não orientados (incapazes de responder com coerência a questões colocadas), 33 ausentes da sua residência habitual após dois contactos durante o período de estudo e 43 desdentados totais. Todos os participantes foram esclarecidos relativamente aos objetivos do estudo e assinaram livremente o consentimento informado. A informação foi obtida com entrevista face a face e exame clínico oral envolvendo um único investigador. Durante a recolha e análise dos dados cumpriu-se um protocolo de procedimentos de forma a assegurar o anonimato e a confidencialidade.

Para cada idoso foi obtida informação de variáveis sociodemográficas: idade (dicotomizada em 65 - 75 e mais de 75 anos); estado marital (com ou sem companheiro) e escolaridade (≤ 4 e > 4 anos de escolaridade).

A avaliação clínica da condição oral foi efetuada de acordo com o seguinte protocolo de observação pré-estabelecido e aplicado de forma igual a todos os participantes:

(1) Quantificação do número total de dentes naturais presentes na cavidade oral classificados em dois grupos de acordo com a posição na arcada dentária, os anteriores e os posteriores, considerando como valores máximos em cada grupo 12 e 20 dentes, respetivamente; (2) Avaliação da reabilitação das áreas edêntulas através de prótese dentária, permitindo a classificação dos participantes em quatro grupos: sem necessidade de reabilitação (dentição natural completa), com áreas edêntulas totalmente reabilitadas, com áreas edêntulas parcialmente reabilitadas e com áreas edêntulas sem qualquer reabilitação; (3) Quantificação do número de dentes cariados e do número de dentes com bolsa periodontal, de acordo com os critérios propostos pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 1997). Com base nos valores obtidos, foram calculadas as percentagens de dentes cariados e de dentes com bolsa periodontal no total de dentes naturais presentes na cavidade oral; (4) Os participantes foram questionados relativamente à sensação de boca seca reportada com duas opções de resposta (sim ou não).

A avaliação do impacto na QVRSO foi feita utilizando o questionário OHIP-14, de acordo com a versão validada para a língua portuguesa (Ulinski et al., 2013). Tal como se apresenta na Tabela 1, as 14 questões deste índice fazem referência a problemas de saúde oral experienciados nos últimos 12 meses. Para cada questão relativa ao impacto numa determinada atividade de vida, há cinco respostas possíveis, de acordo com uma escala tipo Likert, codificadas com valores 0 se nunca foi experienciado, 1 se raramente experienciado, 2 se ocasionalmente experienciado, 3 se bastantes vezes experienciado e 4 se frequentemente experienciado. Os valores 3 e 4 simbolizam que existe impacto negativo na QVRSO. Somando os valores obtidos nas 14 questões, obtém-se um score total que varia entre 0 e 56 pontos; quanto mais elevado o valor obtido maior será o impacto dos problemas de saúde oral na qualidade de vida (Ulinski et al., 2013). As questões são agrupadas em sete dimensões (duas questões por dimensão) que refletem o impacto da condição oral nos seguintes aspetos: limitação funcional; dor física; desconforto psicológico; incapacidade física; incapacidade psicológica; incapacidade social; e desvantagem social (Ulinski et al., 2013). Com base nas respostas a cada questão do OHIP-14, foi criada uma variável com duas categorias, de acordo com o grau de impacto da saúde oral na QVRSO. Assim, definiram-se as categorias OHIP-14 com impacto e OHIP-14 sem impacto, em que se considerou presença de impacto respostas com valores 3 (bastantes vezes experienciado) ou 4 (frequentemente experienciado) em pelo menos um dos 14 itens da escala (Duque-Duque et al., 2013; Kotzer et al., 2012; Stenman et al., 2012).

Os valores medianos, os valores do Intervalo Inter-Quartil (IIQ), as médias e respetivos desvios-padrão foram calculados para o OHIP-14 total e para cada uma das sete dimensões. A prevalência de impacto negativo na QVRSO foi também calculada para o OHIP-14 total e para cada dimensão como sendo a percentagem de indivíduos que reportaram respostas com valores 3 e/ou 4 em pelo menos um dos itens do OHIP-14.

A análise bivariada foi feita com a descrição das variáveis independentes em cada um dos grupos da variável OHIP-14 dicotomizada (OHIP-14 com impacto e OHIP-14 sem impacto) comparando frequências de distribuição e valores medianos entre os dois grupos da variável dependente.

Para avaliar quais as variáveis clínicas e sociodemo­gráficas que são preditores de presença de impacto, desenvolveram-se modelos de regressão logística. A seleção de variáveis baseou-se no procedimento forward deletion em que, partindo do modelo sem variáveis independentes, foram sendo adicionadas as variáveis que contribuem significativamente para o modelo. Obtiveram-se Odds-Ratios (OR) com respetivo intervalo de confiança a 95% (IC 95%) para estimar a força da associação entre variáveis independentes e o OHIP-14 dicotomizado. O ajuste do modelo foi avaliado com base no teste de Hosmer-Lemeshow.

A análise estatística foi feita utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), IBM versão 19.0. Associações estatisticamente significativas foram inferidas para um nível de significância de 0,05.

 

Resultados

Dos 207 idosos diabéticos com dentes naturais, 50,2% (n=104) são mulheres, cerca de dois terços (n=141; 68,1%) são casados ou vivem em união de facto e uma grande proporção de indivíduos (n=188; 90,8%) têm até 4 anos de escolaridade.

A avaliação clínica indicou um baixo nível de saúde oral. O número médio de dentes naturais presentes na cavidade oral foi de 15,3 (±10,12) e o número mediano foi de 7 (IIQ: 2-12) para os dentes anteriores e de 8 (IIQ: 2-15) para dentes posteriores. A dentição funcional (número de dentes naturais superior a 20) foi observada em 39% (n=80) dos participantes e dentição natural completa foi observada em apenas 12% (n=25). Os valores medianos para as percentagens de dentes cariados e de dentes com bolsa periodontal foram de 27% (IIQ: 4%-100%) e 45% (IIQ: 10%-100%), respetivamente. A sensação de boca seca foi reportada por 91% (n=188) dos idosos.

Na Tabela 2 apresentam-se, para o score total do OHIP-14 e para cada dimensão, os valores medianos e respetivos IIQ, os valores médios e respetivos desvios- -padrão, bem como a percentagem de indivíduos que reportam impacto negativo em pelo menos um dos itens (respostas codificadas com valores 3 e/ou 4). A mediana para o score total do OHIP-14 foi de 24 (IIQ: 15-35), o seu valor médio foi de 25,0 (±13,53) e 84,1% dos idosos reportaram impacto negativo em pelo menos um dos itens. As dimensões mais pontuadas (com maior impacto negativo) são a funcional, a dor física e a incapacidade física.

Na Tabela 3 apresenta-se a descrição das características sociodemográficas e dos indicadores clínicos de acordo as duas categorias de OHIP-14 (OHIP-14 sem impacto e OHIP-14 com impacto), observando-se diferenças estatisticamente significativas entre estes dois grupos. Relativamente às variáveis sociodemográficas, há maior percentagem de mulheres (p=0,012) e menor percentagem de indivíduos com nível educacional mais elevado (p=0,009) no grupo de OHIP-14 com impacto. Relativamente aos indicadores clínicos, observou-se no grupo de OHIP-14 com impacto maior percentagem de indivíduos a reportarem boca seca (p=0,001); número mediano mais baixo de dentes posteriores (p<0,001) e número mediano mais elevado para a percentagem de dentes cariados (p<0,001) e para a percentagem de dentes com bolsa periodontal (p<0,001).

A Tabela 4 mostra os resultados da análise de regressão logística multivariada, após incluir as variáveis que contribuem significativamente para o modelo. De acordo com o mesmo, o número de dentes naturais posteriores (OR= 0,85; IC 95%: 0,80-0,92) e a sensação de boca seca (OR= 3,30; IC 95%: 1,08-10,10) são variáveis preditoras de OHIP-14 com impacto. O valor-p para o teste de Hosmer e Lemeshow foi 0,420.

 

Discussão

Neste estudo foi explorada a eventual relação de indicadores clínicos de saúde oral na QVRSO de idosos diabéticos residentes numa comunidade do interior norte de Portugal. Para além de um baixo nível de saúde oral, é evidente o baixo nível de QVRSO observado nestes idosos. Os principais preditores de impactos negativos na QVRSO foram o número de dentes posteriores existentes na cavidade oral e a sensação de boca seca.

A QVRSO tem sido quantificada pela percentagem de indivíduos que reportam ter experienciado bastantes vezes e frequentemente interferências ou limitações nas atividades relacionadas com o sistema estomatognático, percentagem que é usualmente designada como prevalência de impactos negativos na QVRSO da população. Quanto mais baixo o nível de QVRSO mais elevada será a prevalência de impactos negativos, simbolizando maiores necessidades de tratamento e reabilitação oral na população (Duque-Duque et al., 2013; Kotzer et al., 2012; Stenman et al., 2012). No presente estudo é notória a prevalência de impacto negativo na QVRSO, pois 84% dos idosos reportaram impactos negativos em pelo menos um item do questionário OHIP-14. Esta percentagem é francamente mais elevada do que a observada num outro estudo conduzido em Portugal (Pires, 2009), em estudos conduzidos noutros países europeus (Dahl et al., 2011; Duque-Duque et al., 2013; Lahti et al., 2008; Stenman et al., 2012) e não europeus, nomeadamente no Canadá (Kotzer et al., 2012; Locker, Matear, Stephens, Lawrence, & Payne, 2001), na Austrália (Sanders et al., 2009), nos Estados Unidos (Sanders et al., 2009) e no Brasil (Ulinski et al., 2013).

O facto de termos considerado apenas idosos diabéticos no nosso estudo, excluindo os indivíduos saudáveis da população, poderia ter inflacionado a prevalência de impacto negativo, dado que as doenças crónicas debilitantes exacerbam a deterioração da saúde oral (Huang et al., 2013; Negrato & Tarzia, 2010; Petersen & Yamamoto, 2005). No entanto, comparando com estudos em que a amostra inclui uma grande proporção de idosos com patologia crónica (Locker et al., 2001), a prevalência de impactos negativos por nós observada é superior, denotando um nível baixo de QVRSO nesta população.

Subjacente ao nível de QVRSO que emerge dos nossos resultados, está um cenário de precariedade da condição da cavidade oral avaliada clinicamente, evidenciada pela perda dentária. De facto, nestes idosos, o número médio de dentes naturais é 15 (praticamente metade do que seria a dentição natural completa) e a percentagem de indivíduos com dentição funcional (número de dentes naturais superior a 20) é de apenas 40%, embora estes valores sejam semelhantes aos observados por Pires, 2009, são mais baixos do que os observados noutros estudos (Dahl et al., 2011; Locker et al., 2001; Rodakowska et al., 2014; Stenman et al., 2012).

Um dos parâmetros clínicos mais utilizados para avaliar a condição da cavidade oral é a perda dentária que reflete não só o efeito cumulativo de um conjunto de situações patológicas, nomeadamente a progressão da patologia periodontal e da cárie dentária, mas também o acesso limitado a tratamento dentário (Petersen & Yamamoto, 2005). A redução do número médio de dentes naturais compromete funcionalmente a mastigação e a fonética mas tem também consequências diretas na estética alterando a autoimagem e a autoestima. A vertente estética está mais dependente dos dentes anteriores e a ausência de dentes posteriores compromete seriamente a mastigação, condicionando o tipo de dieta (Nassani et al., 2009). Assim, a perda dentária terá impactos negativos na QVRSO dos indivíduos de forma diferente dependendo da importância que estes dão a cada uma das vertentes estética e mastigatória. Sabe-se, no entanto, que as diferenças no grau de valorização de cada uma destas vertentes estão intrinsecamente ligadas a aspetos culturais (Nassani et al., 2009).

De acordo com investigação previamente publicada, a relação entre a QVRSO e o número total de dentes naturais presentes na cavidade oral nem sempre é consistente. Alguns autores reportam uma forte associação entre estas duas variáveis, de tal modo que quanto menor o número de dentes naturais mais baixo é o nível de QVRSO (Dahl et al., 2011; Lahti et al., 2008; Sanders et al., 2009; Stenman et al., 2012), enquanto outros mostram que tal relação é ténue ou inexistente (Locker et al., 2001; Rodakowska et al., 2014; Ulinski et al., 2013). Optámos por avaliar a relação entre o número de dentes naturais e a QVRSO, tendo em consideração a posição que estes ocupam na arcada dentária. O nível de QVRSO torna-se mais elevado se aumenta o número de dentes posteriores mas não se altera com a variação do número de dentes anteriores. Daqui se infere que a nossa amostra atribui grande importância a aspetos que se relacionam com a mastigação, a fala e o paladar em detrimento da vertente estética, corroborado pela observação de maior percentagem de idosos a reportar impactos negativos nas dimensões funcional, dor física e incapacidade física. Noutros estudos são as dimensões relacionadas com o desconforto psicológico e incapacidade psicológica as que apresentam maior percentagem de impacto negativo, embora a dor física também apareça muito pontuada (Dahl et al., 2011; Duque-Duque et al., 2013; Locker et al., 2001; Ulinski et al., 2013). Estes aspetos denotam diferenças na valorização das limitações e interferências nas atividades relacionadas com o sistema estomatognático.

A precariedade da saúde oral observada nos participantes deste estudo reflete não só o efeito cumulativo de patologia oral, mas provavelmente também a escassez de tratamento dentário ao longo do ciclo de vida, tal como sucede noutras populações (Kotzer et al., 2012; Rodakowska et al., 2014). De facto, disparidades no acesso a cuidados de saúde oral explicam a precariedade da saúde oral em idades mais avançadas, evidenciada pela perda dentária (Petersen & Yamamoto, 2005). A população idosa portuguesa foi marcada por um passado de baixo acesso a cuidados de saúde oral e pela escassez de serviços desta especialidade nas zonas rurais do interior. O isolamento e a distância geográfica comprometem o acesso a tratamento dentário durante o ciclo de vida, deixando marcas indeléveis, tal como observamos nos idosos participantes deste estudo (Furtado & Pereira, 2010).

A proporção de idosos que reportaram sensação de boca seca é muito superior à observada noutros estudos (Locker et al., 2001; Stenman et al., 2012). Esta elevada proporção pode ser explicada pelo facto de todos os idosos incluídos nesta amostra serem diabéticos, um fator que aumenta o risco de xerostomia. No entanto, de acordo com os autores destes estudos, encontrámos uma forte correlação entre sensação de boca seca e a QVRSO. Esta associação é explicada pelo papel que a saliva desempenha no processo de mastigação, deglutição, gustação e fala (Corte-Real et al., 2011), atividades que ficam dificultadas quando diminui o fluxo salivar.

Como limitação deste estudo referimos o facto de ter sido conduzido numa área geográfica muito restrita, numa população muito específica de idosos com diagnóstico de diabetes mellitus. Este aspeto dificulta a generalização dos nossos resultados para outras populações idosas. No entanto, a metodologia de amostragem seguida permitiu uma boa caraterização desta população, quer relativamente aos principais parâmetros clinicamente avaliados, quer relativamente à relação destes com a QVRSO.

O questionário OHIP-14 utilizado neste estudo foi validado para a língua portuguesa, para ser utilizado na população brasileira, mas ainda não foi validado para a população portuguesa. Existem algumas diferenças culturais entre Brasil e Portugal que poderiam ser encaradas como limitação à utilização deste questionário na população portuguesa. No entanto, a língua portuguesa não difere substancialmente entre os dois países e há laços de proximidade entre as duas culturas, pelo que não se considerou impedimento utilizar esta versão do questionário neste estudo.

 

Conclusão

Dos resultados por nós observados emergem ilações importantes em matéria de saúde pública. A perda dentária foi um dos indicadores de saúde oral que revelou maior impacto na qualidade de vida destes idosos diabéticos. Considera-se pertinente investir no acesso e disponibilidade de serviços direcionados para a prevenção, diagnóstico precoce e tratamento dentário para evitar a perda dentária ao longo do ciclo de vida do indivíduo, investindo assim numa maior QVRSO.

Também é pertinente introduzir a vertente da saúde oral nas consultas de acompanhamento dos doentes diabéticos, de forma a prevenir ou tratar atempadamente patologia oral, nomeadamente doença periodontal, evitando assim a situação extrema de perda dentária nesta população de maior risco. Emerge a necessidade de definir um plano interdisciplinar de ação com intervenção de profissionais de saúde que monitorizem o estado de saúde oral e a perceção que os grupos populacionais têm sobre a mesma. Este exercício permitirá adaptar os cuidados de saúde oral às reais necessidades da população com efeitos positivos na QVRSO ao longo do ciclo de vida do indivíduo.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 07.01.15

Aceite para publicação em: 06.04.15

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