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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra dic. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV15005 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Fatores de Proteção sob o Olhar de Adolescentes Vitimizados e Institucionalizados

Protective Factors from the Perspective of Victimised and Institutionalised Adolescents

Factores de Protección desde la Perspectiva de Adolescentes Victimizados e Institucionalizados

 

Bárbara Cristina Rodarte*; Diene Monique Carlos**; Jéssica Totti Leite***; Maria Aparecida Beserra****; Vanessa Garcia Oliveira*****; Maria das Graças Carvalho Ferriani******

* Bacharelato, Enfermagem. Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. CEP 14040-902. Ribeirão Preto - SP, Brasil [barbararodarte14@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica; recolha e análise dos dados.

** Ph.D., Enfermagem. Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. CEP 14040-902. Ribeirão Preto - SP, Brasil [diene_enf@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Discussão e análise dos dados.

*** Msc., Enfermagem. Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. CEP 14040-902. Ribeirão Preto - SP, Brasil [jessicaleite_enf@yahoo.com.br]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica; recolha e analise dos dados.

**** Msc., Enfermagem. Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. CEP 14040-902. Ribeirão Preto - SP, Brasil [mcidabeserra@ig.com.br]. Contribuição no artigo: Discussão e análise dos dados.

***** Bacharelato, Enfermagem. Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. CEP 14040-902. Ribeirão Preto - SP, Brasil [vane.malu@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica; recolha e analise dos dados.

****** Ph.D., Enfermagem. Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo. CEP 14040-902. Ribeirão Preto - SP, Brasil [caroline@eerp.usp.br]. Contribuição no artigo: Orientação de todo o estudo, contribuindo substancialmente em todas as fases do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A violência está presente em toda a sociedade e causa grande impacto na saúde da população, sendo a principal causa de morte entre crianças e adolescentes no Brasil.

Objetivos: Conhecer e analisar os fatores de proteção a que adolescentes vitimizados e institucionalizados estão submetidos ou têm acesso, sob o olhar destes adolescentes.

Metodologia: Estudo com abordagem qualitativa, delineando-se como pesquisa social estratégica, realizado com adolescentes vítimas de violência doméstica e acolhidos institucionalmente. Os dados foram coletados por meio da técnica de entrevista semiestruturada, e analisados pelo método de interpretação de sentidos.

Resultados: Emergiram dois núcleos de sentidos: (1) Contexto da instituição de acolhimento, onde os adolescentes desenvolveram forte vínculo de confiança com os funcionários; e (2) Apoio social, onde as atividades profissionalizantes oferecidas pela instituição e outros ambientes sociais nos quais os adolescentes conviviam tornaram-se um importante núcleo de apoio a eles.

Conclusão: Os resultados obtidos evidenciaram a necessidade dos adolescentes vitimizados e institucionalizados de estabelecer vínculos afetivos com pessoas, símbolos e com um ambiente social externo acolhedor.

Palavras-chave: Adolescente; violência doméstica; proteção; institucionalização

 

ABSTRACT

Theoretical framework: Violence is present throughout society and has a major impact on the health of the population. It is the leading cause of death among children and adolescents in Brazil.

Objectives: To identify and analyse the protective factors to which victimised and institutionalised adolescents are subjected or have access, from the perspective of these adolescents.

Methodology: A qualitative study, designed as a strategic social research, was conducted with adolescent victims of domestic violence who were institutionalised. Data were collected using semi-structured interviews and analysed through the meaning interpretation method.

Results: Two cores of meaning have emerged: (1) Context of the host institution, where the adolescents developed a strong bond of trust with the staff; and (2) Social Support, where the professionalising activities offered at the institution and in other social environments in which adolescents socialise have become an important source of support for them.

Conclusion: The results highlighted the need for victimised and institutionalised adolescents to establish affective bonds with people, symbols, and a welcoming external social environment.

Keywords: Adolescent; domestic violence; protection; institutionalization

 

RESUMEN

Marco contextual: La violencia está presente en todas las sociedades y causa un gran impacto en la salud de la población, por lo que es la principal causa de muerte entre niños y adolescentes en Brasil.

Objetivos: Conocer y analizar los factores de protección a los que los adolescentes victimizados e institucionalizados están sometidos o tienen acceso desde su perspectiva.

Metodología: Estudio cualitativo que se delinea como una investigación social estratégica desarrollado con adolescentes víctimas de violencia doméstica y acogidos institucionalmente. Los datos se recogieron mediante la técnica de la entrevista semiestructurada y se analizaron por el método de interpretación de sentidos.

Resultados: Emergieron dos núcleos de sentidos: (1) contexto de la institución de acogimiento, donde los adolescentes desarrollaron un fuerte vínculo de confianza con los funcionarios; (2) apoyo social, donde las actividades vocacionales ofrecidas por la institución y otros ambientes sociales en los cuales los adolescentes convivían se volvieron una importante fuente de apoyo para estos.

Conclusión: Los resultados obtenidos demostraron la necesidad de que los adolescentes victimizados establezcan vínculos afectivos con personas, símbolos y con un ambiente social externo acogedor.

Palabras clave: Adolescente; violencia doméstica; protección; institucionalización

 

Introdução

A violência está presente em toda a sociedade e causa grande impacto na saúde da população, sendo a principal causa de morte entre crianças maiores de um ano e adolescentes no Brasil. Nesta faixa etária, o local de maior incidência da violência é a própria residência, totalizando 58% dos casos notificados (Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, 2010). Este cenário evidencia a necessidade do enfrentamento imediato da situação, tornando-se imprescindível estudar a magnitude e a amplitude da violência contra crianças e adolescentes e desvelar esta realidade por completo para a sociedade (Martins, 2010).

No presente estudo, o conceito de violência doméstica foi entendido como as ações ou omissões que podem lesar o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao desenvolvimento de algum membro do núcleo familiar, o que pode ser feito por membros que não possuem nenhum parentesco com a vítima, mas que convivam no mesmo espaço doméstico (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Fundação para o Desenvolvimento da Educação, 2009).

A legislação brasileira, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA; Câmara dos Deputados, 2012), considera adolescentes os indivíduos na faixa etária de 12 a 18 anos. Apesar do critério de idade cronológica ser importante para fins de pesquisas epidemiológicas, elaboração de políticas públicas, programas sociais e ações em saúde coletiva, devem ser consideradas as características individuais, ressaltando assim os critérios biológicos, psicológicos e sociais apresentados pelos diferentes sujeitos e particularizados de acordo com cada cultura e especificidades das sociedades, bem como de grupos sociais distintos (Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, 2007).

Um importante aspeto presente no ECA é a mudança de conceções acerca da intervenção pública junto a crianças e adolescentes. O ECA preconiza que a situação de crianças que estão institucionalizadas ou que estão em acolhimento em algumas famílias, deve ser reavaliada a cada 6 meses, não podendo o tempo institucional ultrapassar 2 anos. A preferência é da reintegração da criança à sua família e à família/comunidade, sendo a colocação em família substituta e o acolhimento institucional utilizados em condições excecionais. Ainda segundo o ECA, “o acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade” (Câmara dos Deputados, 2012, p. 47). A instituição de acolhimento deve ser uma instituição com atendimento personalizado, com condições físicas de salubridade, segurança e educação adequadas, onde se assegure o respeito e os cuidados necessários a crianças e adolescentes; portanto, configura-se como um espaço de acolhimento, e não de segregação (Souza, 2002).

O enfermeiro, como elemento da equipe de saúde, tem um importante papel no cuidado da saúde de crianças e adolescentes. Para que esse profissional tenha uma postura mais ativa e acolhedora, torna-se necessário que ele se aproprie de novos conhecimentos e práticas, instrumentalizando-se na transformação do cuidado da saúde específica para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, visto a magnitude deste fenómeno nessa faixa etária. Visando o aprofundamento da compreensão desta temática, o presente trabalho tem como objeto de estudo as perceções dos adolescentes vítimas de violência doméstica e institucionalizados, sobre os fatores de proteção a que estão submetidos ou têm acesso.

A revisão da literatura dos últimos 15 anos evidenciou a necessidade da realização de novos estudos sobre a violência contra crianças e adolescentes para fundamentar a atuação da enfermagem nesse contexto. A partir de buscas em bases de dados da Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), tais como Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), utilizando-se os descritores criança, abrigo e violência, foram encontrados 14 estudos, considerando a língua portuguesa, sendo três deles publicados em 2003, dois em 2007, um em 2008, quatro em 2010, e os demais em 2001, 2005, 2009, e 2011. Os temas abordados incluem: (a) a perspetiva das crianças vítimas de violência intrafamiliar em relação à institucionalização; (b) a assistência recebida por crianças acolhidas institucionalmente; (c) a importância do brinquedo terapêutico; (d) o ajustamento das crianças que vivem em uma casa-abrigo; (e) os fatores relacionados com a institucionalização de crianças que sofreram com a violência doméstica; (f) os sintomas apresentados por adolescentes vítimas de abuso sexual e que estão ou não institucionalizadas; (g) o funcionamento das instituições de acolhimento, o treinamento recebido pelos monitores, e os reflexos dos seus comportamentos nas crianças e adolescentes em acolhimento; (h) como as crianças e os adolescentes acolhidos institucionalmente entendem o que é o cuidado; (i) o papel da enfermagem diante da violência sofrida por crianças que vivem nas ruas; (j) a situação de mulheres vítimas de violência que estão em uma casa-abrigo. Assim constata-se a falta de estudos que envolvam tanto a institucionalização, quanto à enfermagem e o papel que ela desempenha nesse contexto.

O objetivo do presente estudo é conhecer e analisar os fatores de proteção a que adolescentes vitimizados e institucionalizados estão submetidos e/ou têm acesso, sob a ótica destes adolescentes.

 

Enquadramento

Os fatores de proteção são características que diminuem a probabilidade de um resultado negativo acontecer na presença de um estressor, reduzindo a sua incidência e gravidade. São identificados três tipos de fatores de proteção para a criança ou adolescente - fatores individuais; a coesão familiar; e o apoio social externo. Estes fatores interagem e interrelacionam- -se com o objetivo de atenuar os efeitos negativos do risco (Rutter, 1994; Habigzang, Koller, Azevedo, & Machado, 2005; Poletto & Koller, 2008).

Os fatores de proteção têm a característica essencial de provocar uma modificação catalítica na resposta do indivíduo aos processos de risco. Estes fatores possuem quatro funções principais: Reduzir o impacto dos riscos; reduzir as reações negativas em cadeia que seguem a exposição do indivíduo à situação de risco; estabelecer e manter a autoestima e autoeficácia através do estabelecimento de relações de apego seguras e o cumprimento de tarefas com sucesso; e criar oportunidades para reverter os efeitos do estresse (Rutter, 1994; Poletto & Koller, 2008).

 

Questões de Investigação

Este estudo traz a seguinte questão norteadora: Quais os fatores de proteção a que adolescentes vítimas de violência doméstica e institucionalizados estão submetidos e/ou têm acesso?

Pressupõe-se que a família seja a primeira e principal fonte de proteção de crianças e adolescentes. Porém, quando esta se torna omissa no seu papel, novos suportes devem ser oferecidos para que estes sujeitos enfrentem as adversidades vivenciadas. Acredita-se que, no desenvolvimento deste processo, ainda ocorre uma dicotomia entre aquilo que é preconizado e vivenciado no quotidiano de adolescentes vitimizados e institucionalizados, e a realização efetiva do papel protetor destes sujeitos pelas instituições de proteção à infância e adolescência.

 

Metodologia

Com o intuito de compreender a realidade expressa pelos adolescentes, o presente estudo delineou-se com a abordagem qualitativa. Os dados objetivos foram recolhidos através de análise documental de prontuários e relatórios, e os dados subjetivos, relacionados com os valores, atitudes e opiniões dos sujeitos, foram obtidos através de entrevista semiestruturada (Minayo, 2010). Os dados foram analisados pelo Método de Interpretação de Sentidos, tratando-se de uma perspetiva das correntes compreensivas das ciências sociais que analisa: Palavras, ações, conjunto de inter-relações, grupos, instituições e conjunturas, dentre outros corpos analíticos (Gomes, Souza, Minayo, & Silva, 2005).

Os sujeitos da pesquisa foram seis adolescentes (três do sexo feminino e três do sexo masculino) vitimizados e institucionalizados no Centro de Assistência à Criança e ao Adolescente Vitimizado/Travessia (CACAV/Travessia), situado no município de Ribeirão Preto – SP, Brasil. Três indivíduos tinham 12 anos de idade, e os demais, 13, 14 e 17 anos. O tempo de acolhimento institucional variou de 3 meses a 5 anos.

O CACAV é uma instituição de gestão municipal, ligada à Secretaria Municipal de Assistência Social, que atende a crianças e adolescentes vitimizados, na faixa etária de 4 a 18 anos, de ambos os sexos, residentes no município de Ribeirão Preto, que não sejam usuários de drogas e que não estejam envolvidos em atos infracionais graves. Os principais objetivos da instituição são proporcionar o acolhimento às crianças e aos adolescentes vitimizados, e o atendimento psicológico, psicopedagógico, terapêutico e social, procurando suprir as suas necessidades globais e preservar a sua identidade e história de vida. O CACAV conta com um total de 62 funcionários, sendo: Um coordenador, três assistentes sociais, um psicólogo, um terapeuta ocupacional, um estagiário, um auxiliar administrativo, cinco cozinheiros, um copeiro, seis auxiliares de limpeza (um contratado e cinco terceirizados), um auxiliar de serviços gerais, cinco motoristas, e 36 educadores. Dentre os educadores, um tem como referência a enfermagem, um tem como referência o ensino, e quatro são encarregados dos plantões.

A coleta de dados foi realizada junto dos adolescentes por meio de entrevistas semiestruturadas, norteadas por um roteiro que abordou questões sobre as vivências do acolhimento institucional; as relações com os familiares, professores e colegas; e os meios e instituições que os ajudam no quotidiano. Visando uma aproximação com os adolescentes, nos meses de janeiro e fevereiro de 2012 foram realizadas oficinas e testes de acuidade visual em todas as crianças e adolescentes acolhidos CACAV. As entrevistas, com duração média de 30 a 45 minutos, foram realizadas entre março e maio de 2012, por meio de conversas individuais numa sala reservada dentro da própria instituição, para que as conversas não pudessem ser ouvidas no lado externo da sala. As falas foram gravadas em fita cassete e os nomes dos sujeitos foram identificados com as letras A, B, C, e assim sucessivamente, por ordem alfabética.

O protocolo do estudo, registrado sob nº 1341/2011, foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, atendendo à Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Primeiramente, foi solicitada a autorização do responsável pela instituição de acolhimento, que detém provisoriamente a guarda dos adolescentes. O mesmo realizou a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido como responsável pelos adolescentes. Posteriormente, os adolescentes foram convidados a colaborar voluntariamente, sendo-lhes assegurado a não-obrigatoriedade em participar e o total anonimato e sigilo das informações coletadas. Os adolescentes convidados aceitaram a participação e também realizaram seu consentimento por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados e Discussão

Características dos sujeitos da pesquisa

Os adolescentes acolhidos institucionalmente no CACAV residiam no município de Ribeirão Preto e foram encaminhados à instituição por meio de ordem judicial, a qual determinava que os indivíduos ali permaneceriam até o momento de retornarem às suas famílias ou serem acolhidos por uma família substituta. Os motivos que levaram ao encaminhamento para a instituição foram negligência, violência física e psicológica, e abandono.

Os adolescentes frequentavam escolas da comunidade local e poderiam ser incluídos em cursos profissionalizantes para adquirirem autonomia e serem inseridos no mercado de trabalho após completarem 18 anos, retomando também o convívio comunitário. As suas necessidades de saúde eram atendidas pelos serviços de saúde disponíveis na área de abrangência do CACAV. Para proporcionar momentos de recreação fora da instituição e favorecer o contato e (re)inserção no convívio familiar, era permitido que os indivíduos passassem os finais de semana com a própria família ou com famílias voluntárias, os chamados padrinho/madrinha afetivo(a).

O artigo 19 do ECA preconiza que a criança e o adolescente permaneçam num programa de acolhimento institucional por um período de até 2 anos, sendo a situação de cada indivíduo reavaliada a cada 6 meses por uma autoridade judiciária, com o objetivo de verificar a possibilidade de reintegração familiar (Câmara dos Deputados, 2012). No presente estudo, o tempo de acolhimento institucional dos adolescentes ultrapassou o recomendado pelo ECA, chegando a 5 anos. A reintegração familiar não foi possível em alguns casos, devido à negligência e ao próprio desinteresse dos familiares, o que estendeu a permanência do adolescente na instituição de acolhimento. Confirmando resultados publicados anteriormente (Carlos, Ferriani, Silva, Roque, & Vendrúscolo, 2013), a instituição de acolhimento colocou-se, na maioria dos casos, como lar permanente, apesar de ser considerado legalmente como lar provisório de crianças e adolescentes vitimizados e privados do convívio familiar.

Núcleos de Sentido

A análise dos relatos dos adolescentes e dos dados levantados pelas observações participantes permitiu identificar dois núcleos de sentido: (1) Contexto da instituição de acolhimento e (2) Apoio social, que serão discutidos separadamente a seguir.

Contexto da instituição de acolhimento

A instituição de acolhimento tem o significado de esconderijo, recanto, albergue, refúgio, moradia, acolhida, termos estes que transmitem a noção de recolhimento, confinamento e afastamento social. No passado, a instituição de acolhimento para crianças e adolescentes tinha a intenção política de afastar da sociedade os indivíduos que representassem risco à ordem e à dignidade humana (Cavalcante, Magalhães, & Pontes, 2007). Esta perceção, muitas vezes direcionada para o senso comum, colaborou para que o acolhimento de crianças e adolescentes em instituições fosse entendido como a maneira mais apropriada para resolver situações reconhecidas como de risco para a população, sem se considerar a importância das outras redes de proteção, que exercem papel primordial na vida de crianças e adolescentes (Carlos et al., 2013).

A instituição de acolhimento é um método de proteção adotado quando as tentativas de reabilitação das famílias fracassaram (Câmara dos Deputados, 2012). A criança e o adolescente são retirados do convívio familiar em situações excecionais, com a finalidade de proteger as vítimas, quando todos os demais métodos de proteção foram ineficazes, e também para consciecializar os pais sobre a melhor forma de cuidar dos seus filhos (Martins et al., 2007). Deve-se ressaltar que, embora a instituição ofereça proteção e cuidados às crianças e adolescentes, ela jamais substituirá o ambiente familiar.

No contexto da instituição de acolhimento, os adolescentes conseguiram estabelecer vínculos de confiança com alguns funcionários, o que é considerado um fator de proteção, conforme evidenciado nos relatos “Eu acho que é até bom pra mim porque eu já acostumei, eu gosto de ficar aqui no CACAV” (E; abril, 2012) e “E o que você considera que te ajuda aqui na instituição? [Questão do entrevistador] Os educadores e minha psicóloga” (C; março, 2012).

Além disso, as relações estabelecidas foram diferenciadas e mais sólidas quando o adolescente percebeu que as pessoas se preocupavam com ele, compartilhavam os sonhos dele e que ele poderia verdadeiramente confiar nelas. Cabe ressaltar que os adolescentes encontraram nos funcionários um meio de suprir algumas necessidades, não desenvolvidas pelos seus familiares, como a falta de afeto e diálogo. Estes resultados corroboram a pesquisa realizada por Carlos et al. (2013). Nesse sentido, torna-se essencial que ambientes que acolhem crianças e adolescentes construam um novo olhar e uma nova escuta, proporcionando espaços com maior confiança e empatia, criando condições ambientais para que desenvolvam as suas potencialidades com maior sustentação subjetiva e social (Oliveira, 2006).

Outro ponto relevante deste estudo é que, embora consigam estabelecer vínculos com os funcionários, os adolescentes questionam as regras e os limites: “Se você não lava o banheiro, eles põem seu nome na lista, aí leva para o juiz depois, por isso eu quero ir embora” (A; março,2012).

As regras e estratégias disciplinadoras presentes no contexto da instituição de acolhimento foram contestadas pelos adolescentes participantes, estando presente a reflexão sobre a sua real efetividade e adequabilidade. Tal reflexão evidencia que a instituição de acolhimento, além de fazer parte das políticas públicas de proteção social de diversas sociedades, ainda se apresenta como uma instituição que reproduz características das instituições totais (prisões, orfanatos, manicómios, conventos), apesar de todos os esforços realizados contemporaneamente (Goffman, 1974).

Os resultados obtidos corroboram estudos que analisam os conceitos presentes em instituições destinadas ao atendimento de crianças e adolescentes, que não realizam apenas os objetivos de proteção social, mas promovem a modelagem da subjetividade dos sujeitos por meio de mecanismos que alternam punições e recompensas, reduzindo a identidade destes sujeitos a um atributo estigmatizante, considerado pela instituição como o desejável e ideal. Além disso, limita as hipóteses de escolha e decisões pessoais, controlando as variáveis do ambiente de acordo com a conveniência da instituição (Benelli, 2003; Carlos et al., 2013).

Apoio Social

A violência experimentada no interior dos lares foi marcante, emergindo espontaneamente durante a história de vida relatada pelos adolescentes do presente estudo, onde a família foi apontada como principal fator de risco ao crescimento e desenvolvimento saudável dos sujeitos. Assim, ficou evidente que o contexto familiar é aquele que melhor pode proteger, ou expor as crianças e os adolescentes à violência. O fato da violência ocorrer no ambiente doméstico compromete as relações familiares de modo significativo, uma vez que a manutenção desses laços é uma referência imprescindível para o desenvolvimento afetivo, psicológico e social de crianças e adolescentes (Martins et al., 2007).

Embora a família tenha sido vista como um ambiente ameaçador, os adolescentes atribuíram-lhe grande importância e revelaram o desejo de que ela fosse incluída no trabalho de acompanhamento durante a sua permanência na instituição de acolhimento, para que os laços afetivos fossem estreitados. A necessidade dos adolescentes, acolhidos institucionalmente, se sentirem pertencentes novamente ao ambiente familiar ficou evidente quando esses indivíduos manifestaram o desejo de ter um maior convívio, ou proximidade física, com as suas respectivas famílias, bem como de obter uma dinâmica familiar mais estável: “Eu queria ir embora. . . . Pra minha avó. . . . Tô com saudade da minha tia” (F; abril, 2012). “o lugar das pessoas é com sua família, não tem outro jeito, não é no abrigo, eu gostaria de estar com eles, a gente ficando bem” (E; abril, 2012).

Os resultados assemelham-se aos encontrados por Carlos et al. (2013) e aos de um estudo realizado com o objetivo de investigar a compreensão do conceito de família sob o olhar de pais e filhos envolvidos na violência doméstica (Martins et al., 2007). Em tais estudos foi percetível a necessidade das crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente se sentirem pertencentes novamente ao microssistema familiar, apesar da presença de relações violentas nesses núcleos. Foi revelado também um sentimento de voltar para uma família idealizada, que lhes proporcionasse proteção, segurança e afeto, significando o oposto de suas vivências nos respetivos lares.

As falas dos adolescentes revelaram sentimentos ambivalentes em relação à família, onde a instituição de acolhimento remeteu a algo melhor do que era encontrado no contexto doméstico: “Eu não gostava da casa da minha mãe. Eu preferia estar aqui do que com ela” (A; março, 2012). “tenho as cuidadoras e minhas amigas da escola, eu confio muito nelas, eu conto tudo para elas” (E; abril, 2012).

As atividades realizadas e os ambientes frequentados pelos adolescentes durante o período de perma­nência na instituição de acolhimento, foram destacados como outros pontos de apoio social:

Eu gosto deles (professores). Tem um que briga, mas eu até entendo ele, porque tem muitas brigas com os professores e pais. Pais que ficam ameaçando os professores por causa dos filhos. Eu acho isso errado, já em casa eles ensinam os filhos a ser violentos e por isso tem tantos alunos gritando com os professores. (E; abril, 2012)

Os adolescentes também enfatizaram a importância da educação formal e dos cursos profissionalizantes oferecidos pela instituição, que os preparam para inserção no mercado de trabalho: “Aqui nós trabalha, nós faz bordado, um monte de coisa aqui” (D; abril, 2012). “E o que você faz aqui que lhe ajuda? [Questão do entrevistador] o curso que eu faço, de panificação” (A; março, 2012).

O presente estudo retrata o afastamento e perda de vínculos dos adolescentes acolhidos institucionalmente, com a família, conforme já abordado acima, e com a comunidade:

Eu tenho vontade de ir na casa de minhas amigas, mas não vou. E também não trago elas aqui, porque aqui não é minha casa, tem muitas pessoas com problemas, outra realidade que não faz parte da vida delas. Eu não tenho coragem de trazer elas aqui, se fosse minha casa eu levaria, eu tenho vontade. (E; abril, 2012)

Os adolescentes apresentam um sentimento de não pertencimento à realidade da institucionalização, e não lhes é garantido o direito à manutenção de vínculos familiares e comunitários, conforme a legislação recente (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006). A situação de acolhido institucionalmente mantém o sujeito em lugar de passagem, onde os vínculos se tornam temporários e as relações instáveis. O medo e o desamparo estão presentes desde que as crianças ou adolescentes vão para uma instituição, pois neste local, o temor e a insegurança também estão presentes. A criança não compreende exatamente o motivo de ter sido conduzida à instituição de acolhimento e tenderá a atribuir esse acontecimento a uma vontade ou decisão arbitrária de alguém. Algumas vezes a mãe, o pai, ou algum outro familiar, é responsabilizado pelo seu asilamento numa instituição; outras vezes, a própria criança se responsabiliza pela sua condição, imputando a si, pela via da culpabilização, os motivos da sua transferência para uma instituição de acolhimento (Parreira & Justo, 2005; Carlos, Ferriani, Silva, & Leite, 2011; Carlos et al., 2013).

As limitações do estudo referiram-se principalmente ao fato dos seus resultados não poderem ser generalizados, por apresentarem particularidades dos sujeitos estudados, mas também pela necessidade de complementaridade de informações por meio de outras técnicas de colheita de dados.

 

Conclusão

A partir da análise dos dados colhidos, com o intuito de conhecer e analisar os fatores de proteção, a que adolescentes vitimizados e abrigados estavam submetidos e/ou tinham acesso, sob o olhar destes adolescentes, emergiram dois núcleos de sentidos: Contexto da instituição de acolhimento e Apoio social.

No primeiro núcleo, o tempo de acolhimento institucional dos sujeitos do estudo chegou a 5 anos, ultrapassando os tempos preconizados legalmente. As falas e o quotidiano anterior dos adolescentes evidenciaram que o ambiente familiar emergiu como principal fator de risco, tendo sido as situações de abandono, negligência, e violência física e psicológica, promovidas pela família, o principal desencadeador do acolhimento na instituição CACAV. Estes adolescentes demonstraram sentimentos contraditórios e confusos destacando, em alguns momentos, a vontade de serem reinseridos na família de origem, e em outros momentos, a satisfação por estarem no abrigo. No contexto do abrigo, a maioria dos adolescentes conseguiram estabelecer vínculos e relacionamentos de confiança com os funcionários, mas questionaram as regras estabelecidas pela instituição. Apesar dessas divergências, os adolescentes ressaltaram que o abrigo representava uma melhor perspetiva de vida do que aquela proporcionada pelas suas famílias, devido ao apoio psicopedagógico e aos cursos profissionalizantes.

No segundo núcleo, as atividades oferecidas pela instituição CACAV e a convivência noutros ambientes sociais mostraram-se como um importante núcleo de apoio para os adolescentes. O desejo de ter maior convívio ou proximidade física com sua família, e obter uma dinâmica familiar mais estável, com afeto e tolerância, evidenciou a necessidade dos adolescentes acolhidos institucionalmente se sentirem pertencentes novamente ao ambiente familiar, denotando certa ambivalência de sentimentos relacionados com o núcleo familiar.

Reforça-se que a principal contribuição do estudo caminha paralelamente às prerrogativas das novas legislações em vigor, que priorizam o olhar para o núcleo familiar e comunitário, buscando a alteração de dinâmicas violentas e evitando o afastamento das crianças e adolescentes das suas famílias, que muitas vezes é realizado de forma violenta. Novos estudos, que evidenciem o cuidado integral a famílias envolvidas na violência doméstica contra crianças e adolescentes, bem como o empoderamento comunitário neste âmbito, são recomendados. Para os profissionais de Enfermagem e da saúde, o maior conhecimento da temática desdobrar-se-á em ações para um melhor cuidado das crianças e adolescentes vitimizados, e para a adoção de práticas de promoção da saúde, prevenção e recuperação de agravos em instituições de acolhimento, mais coerentes com as demandas desta população, com foco na integralidade deste cuidado.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 06.02.15

Aceite para publicação em: 02.07.15

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