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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.7 Coimbra dez. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV14051 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Análise por Fotogrametria da Postura e Fatores de Risco Associados em Crianças e Adolescentes Escolarizados

Photogrammetric Analysis of Posture and Associated Risk Factors in School-Aged Children and Adolescents

Análisis por Fotogrametría de la Postura y Factores de Riesgo Asociados en Niños y Adolescentes Escolarizados

 

Leonel São Romão Preto*; Ana Raquel Rodrigues dos Santos**; Vítor Manuel Costa Pereira Rodrigues***; Nuno Filipe do Nascimento Quitério****; Maria Helena Pimentel*****; Gabriel Aguilera Manrique******

* Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Saúde de Bragança, 5300-121, Bragança, Portugal [leonelpreto@ipb.pt]. Contribuição no artigo: Conceção da pesquisa, análise estatística e redação do texto. Morada para correspondência: Vale Chorido, Rua Senhor dos Perdidos, Lote 101, 5300-392, Bragança, Portugal.

** Enfermeira e Mestre em Enfermagem de Reabilitação. Cruz Vermelha Portuguesa - Delegação de Bragança, 5300-725, Bragança, Portugal [a.raquel_santos@hotmail.com]. Contribuição no artigo: Recolha de dados e discussão de resultados.

*** Professor Coordenador com Agregação, Escola Superior de Enfermagem de Trás-os-Montes e Alto Douro, 5000-232, Vila Real, Portugal [vmcpr@utad.pt]. Contribuição no artigo: Revisão de texto.

**** Licenciado em Fisioterapia. Obra Social Padre Miguel – Serviço de Fisioterapia. 5300-078, Bragança, Portugal [ft.nunoquiterio08@gmail.com]. Contribuição no artigo: Recolha de dados.

***** Ph.D., Professora Coordenadora. Escola Superior de Saúde de Bragança, 5300-396, Bragança, Portugal [hpimentel@ipb.pt]. Contribuição no artigo: Análise estatística.

******Ph.D., Professor Titular da Universidade de Almería. 04120 La Cañada de San Urbano, Almería, Espanha [gaguiler@ual.es]. Contribuição no artigo: Revisão e tradução do resumo.

 

RESUMO

Enquadramento: Muitos problemas e desalinhamentos vertebrais têm a sua origem na puberdade, podendo estar associados à má postura.

Objetivos: Caracterizar a postura de crianças e adolescentes procurando associações com variáveis sociodemográficas, comportamentais, antropométricas e clínicas.

Metodologia: Estudo analítico/transversal realizado por fotogrametria numa amostra constituída por 135 participantes, com idades entre os 6 e os 18 anos.

Resultados: O peso da mochila é inadequado (>15% da massa corporal) em 10 % dos casos. A prevalência de lombalgia foi de 37,8% associando-se ao tipo de calçado e teste de Adams. Estudantes com Adams positivo são mais velhos, mais pesados, mais altos, mais sedentários e transportam mais peso nas mochilas. Diferenças significativas entre sexos foram observadas na vista anterior para ambos os ângulos quadricipitais, tendendo as raparigas para genu valgo fisiológico. Nas vistas laterias direita e esquerda os resultados variaram de forma significativa de acordo com o teste de Adams, tendendo os participantes com Adams positivo para a anteriorização.

Conclusão: Os resultados evidenciam a importância da implementação de programas direcionados à educação postural.

Palavras-chave: Fotogrametria; postura; criança; adolescente; fatores de risco

 

ABSTRACT

Theoretical framework: Several spinal problems and misalignments begin during puberty and can be associated to poor posture.

Objetives: To characterise the posture of children and adolescents by searching for associations with sociodemographic, behavioural, anthropometric, and clinical variables.

Methodology: Cross-sectional analytical study using photogrammetry in a sample consisting of 135 participants, aged between 6 and 18 years.

Results: The weight of the backpack was inadequate (>15% of body weight) in 10% of cases. The prevalence of low back pain associated to the type of footwear and Adam's test was 37.8%. Students with positive Adam's test are older, heavier, taller, more sedentary, and carry excessive weight in their backpacks. Significant gender differences were observed in the anterior view for both Q-angles, with girls tending to physiologic genu valgum). In the right and left lateral views, the results in the Adam's test varied significantly, with participants with positive Adam's test tending to a forward head posture.

Conclusion: The results underline the importance of implementing programs directed to postural education

Keywords: Photogrammetry; posture; child; adolescent; risk factors

 

RESUMEN

Marco contextual: muchos problemas y desalineamientos vertebrales tienen su origen en la pubertad y pueden estar asociados a una mala postura.

Objetivos: caracterizar la postura de niños y adolescentes buscando asociaciones con variables sociodemográficas, comportamentales, antropométricas y clínicas.

Metodología: estudio analítico de corte transversal realizado por fotogrametría en una muestra de 135 participantes con edades comprendidas entre los 6 y los 18 años.

Resultados: el peso de la mochila es inapropiado (>15 % del peso corporal) en el 10 % de los casos. La prevalencia del dolor de espalda fue del 37,8 %, asociándose con el tipo de calzado y la prueba de Adams. Los alumnos con Adams positivo son mayores, presentan más peso y talla, son más sedentarios y cargan mochilas más pesadas. Se observaron diferencias significativas de género en la vista anterior para ambos ángulos cuadricipitales, con tendencia en las niñas al valguismo fisiológico. En ambas vistas de perfil los resultados variaron significativamente según la prueba de Adams. Los participantes con Adams positivo tendían a la anteriorización.

Conclusión: los resultados destacan la importancia de implementar programas dirigidos a la educación postural.

Palabras clave: Fotogrametría; postura; niño; adolescente; factores de riesgo

 

Introdução

Os discos e ligamentos intervertebrais, unidades que compõem o edifício vertebral, sofrem processos de deterioração ao longo da vida e não possuem mecanismos intrínsecos de regeneração eficazes (Smith, Nerurkar, Choi, Harfe, & Elliott, 2011). Muitos problemas posturais têm a sua origem no período de desenvolvimento corporal que ocorre na infância e adolescência (Lafond, Descarreaux, Normand, & Harrison, 2007). Por um lado o crescimento pode ter um efeito deletério na postura quando o desenvolvimento dos músculos não acompanha o rápido crescimento ósseo; por outro lado crianças e adolescentes estão propensos a comportamentos de risco que potenciam alterações posturais (Detsch & Candotti, 2001). Finalmente, o sistema músculo-esquelético, ainda em fase de maturação e adaptação, encontra-se mais suscetível a deformações e possui menor capacidade de suportar carga.

Torna-se assim importante avaliar a postura nesta faixa etária, já que a prevalência de deformidades na coluna é elevada e o diagnóstico precoce destas situações parece propiciar bons resultados; seja pela implementação de programas de correção postural adequados, seja pelo tratamento atempado.

Desenhámos um estudo observacional, transversal e analítico com base numa amostra de 135 crianças e adolescentes de um agrupamento escolar do concelho de Bragança (Portugal). A investigação decorreu durante o período de outubro de 2013 a março de 2014. Tivemos como principal objetivo avaliar a postura dos estudantes recorrendo a fotogrametria, pelo que operacionalizamos os seguintes objetivos específicos: a) Caracterizar os participantes do estudo nas variáveis sociodemográficas; b) Descrever a forma como é transportado o material escolar e o peso das mochilas; c) Avaliar comportamentos sedentários e determinar o nível de atividade física; d) Determinar a prevalência de dor nas costas; e) Avaliar desvios pela aplicação do teste de Adams; f) Comparar os resultados posturais fotogramétricos com valores de referência e outras variáveis independentes.

 

Enquadramento

Na tradicional conceção de Kendall (1999) a postura resulta da interligação de vários fatores estáticos e dinâmicos e a consonância do sistema nervoso e musculosquelético para propiciar um equilíbrio ajustado no espaço. Num modelo de postura idealmente alinhada, e em vista lateral, a linha de prumo deverá assentar numa posição ligeiramente anterior ao maléolo externo e ao eixo da articulação do joelho, bem como coincidir, ligeira e posteriormente, com o eixo da articulação do quadril, dos corpos das vértebras lombares, da articulação do ombro, da maioria das vértebras cervicais e meato auditivo externo (Kendall, 1999). No entanto, conceber uma postura ideal é tarefa árdua, já que a mesma é também uma característica individual, associada à autoimagem, a fatores genéticos, psicológicos, fisiológicos, hábitos motores e posturais (Detsch & Candotti, 2001). A fase da infância e adolescência constituem etapas durante as quais a postura se adapta ao pico de crescimento corporal. Nestas fases, a postura busca o equilíbrio harmonizável às novas proporções do corpo e à imagem que o jovem faz do seu próprio corpo. Os dados quantitativos que dispomos para a compreensão da postura juvenil são escassos, e a importância de diferentes estudos integrativos é por demais evidente (Santos, Silva, Sanada, & Alves, 2009).

Um dos métodos de avaliação postural quantitativa consiste na fotogrametria, com recurso a programas computorizados de análise fotográfica (exemplos: SAPO, Corel Draw, Posture Pro) onde as alterações posturais são quantificadas objetivamente, possibilitando uma eficaz comparação entre indivíduos e entre as várias fases de evolução de um mesmo indivíduo (Ferreira, 2005). O conhecimento resultante de estudos fotogramétricos poderá fundamentar a deteção e intervenção precoce sobre distúrbios do sistema musculosquelético em crescimento (Santos et al., 2009).

O estado da arte permite identificar fatores de risco para a postura e dores lombares. Relativamente à postura, salientamos o longo período de tempo que crianças e adolescentes passam sentados (Prins, Crous, & Louw, 2008), elevado IMC (Índice de Massa Corporal), pobre atividade física e comportamentos sedentários marcados (Kratenová, Zejglicová, Malý, & Filipová, 2007), o peso das mochilas (Ries, Martinello, Medeiros, Cardoso, & Santos, 2012) e a presença de gibosidades na coluna (Minghelli et al., 2009). Relativamente aos fatores de risco de dores nas costas em adolescentes, numa recente revisão temática, Cruz e Nunes (2012) identificaram o género como fator de risco de maior impacto, seguido da idade, no sentido que quanto maior a idade maior a evidência de dores nas costas.

 

Questões de Investigação

Formulámos os seguintes objetivos analíticos/ hipóteses de investigação:

H1 – A prevalência de dor nas costas ao longo do último ano foi maior nas raparigas;

H2 – Os participantes que usam calçado com salto igual ou superior a 5 cm referem maior dor nas costas ao longo do último ano;

H3 – Os participantes com Adams positivo apresentam maior prevalência de dor nas costas;

H4 – Crianças e adolescentes menos ativos apresentam maior prevalência de dor nas costas;

H5 – As médias obtidas nas variáveis antropométricas variam significativamente de acordo com as categorias da variável Teste de Adams;

H6 – Os valores médios angulares, referentes à postura anterior e posterior, variam significativamente de acordo com as categorias da variável dicotómica dor nas costas;

H7 – Os valores médios dos ângulos posturais, nas vistas laterais direita e esquerda, são diferentes nas categorias da variável teste de Adams.

 

Metodologia

O estudo é analítico, transversal e de natureza quantitativa. A investigação teve como foco os alunos de um agrupamento de escolas do concelho de Bragança (Portugal) com os seguintes níveis de ensino: básico (1º, 2º e 3º ciclos) e secundário (N=1300). Os únicos critérios de inclusão foram: Autorização prévia dos pais e pertencer ao estrato/turma integrativo da amostra. Por amostragem aleatória estratificada, a amostra incluiu 135 crianças e adolescentes, com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos de idade (11,88±3,67 anos) a frequentarem diferentes anos curriculares e sendo na sua maioria raparigas (51,1%).

Como instrumento de recolha de dados aplicámos um questionário estruturado em três partes. A primeira dizia respeito às variáveis sociodemográficas, prática desportiva dentro e fora da escola, avaliação dos comportamentos sedentários e prevalência de dor nas costas ao longo do último ano. A segunda parte avaliava o Nível de Atividade Física (NAF) através da versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) proposto por Craig et al. (2003) e que classifica o NAF em três níveis: Baixo, moderado e alto. Na última parte registaram-se as variáveis antropométricas, o peso da mochila e os resultados do teste de Adams. Este teste é considerado o procedimento padrão para deteção precoce de desalinhamentos, e presença de gibosidades. No teste de Adams, foram seguidas as recomendações clássicas: Observador colocado em posição posterior, participante em flexão anterior do tronco com os membros superiores para a frente até ao ponto máximo de alcance, superfícies palmares das mãos unidas, pés juntos e joelhos estendidos. O teste foi considerado positivo se na visão tangencial do dorso existisse visualização de gibosidade, desnível e/ou existência de curvaturas toracolombares. A dor nas costas foi avaliada tendo em atenção os últimos 12 meses por uma questão tipo Likert (0= nunca; 1=raramente; 2=pouco frequentes; 3=frequentes e 4=muito frequentes), considerando-a prevalente quando os participantes referiram dores lombares frequentes ou muito frequentes.

O peso da mochila, contendo o material escolar, foi determinado por balança digital; e a percentagem relativa do seu peso foi obtida tendo em conta a massa da mochila (kg) a dividir pela massa corporal (kg). As mochilas foram consideradas adequadas quando o peso fosse igual ou menor que 10% da massa corporal; aceitáveis quando o peso não ultrapassasse 15% da massa corporal e inadequadas quando o peso fosse superior a 15%, conforme a literatura (Limon, Valinsky, & Ben-Shalom, 2004).

Para avaliar a postura utilizámos o programa de fotogrametria Postural Assessment Software (PAS/SAPO) desenvolvido pela Universidade de São Paulo (Ferreira, 2005) e cuja confiabilidade está bem documentada (Ferreira, Duarte, Maldonado, Burke, & Marques, 2010). Este software permite a importação e calibração de imagens, a marcação de pontos na fotografia segundo o protocolo, a medição de intervalos e a marcação livre de pontos para determinar ângulos. O SAPO gera também relatórios de análises que é possível gravar e exportar para ambiente Windows. Na vista anterior e laterias seguimos os pontos definidos pelo protocolo SAPO, na vista posterior analisámos a horizontalidade dos ombros pela marcação livre de pontos.

Os pontos marcaram-se com etiquetas circulares adesivas de cor branca, recorrendo à anatomia palpatória de superfície, de acordo com o protocolo. Cada participante foi colocado em posição ortostática e a mesma frase era sempre referida como estímulo verbal coloca-te o mais direito possível. Para cada sujeito tiraram-se quatro fotografias; uma em cada vista anatómica. Para manter a mesma base de sustentação usámos um tapete de fitness. Para minimizar erros as fotos foram tiradas pelo mesmo investigador. A máquina fotográfica (de 8 megapixéis) instalou-se sobre tripé nivelado a 1 metro do chão e a uma distância de 3 metros do sujeito a fotografar.

Ao nível dos procedimentos formais, destacamos: Entrou-se em contacto com os professores de educação física no sentido de realizar as sessões fotográficas durante os tempos letivos dessa disciplina. Foi agendado, em cada turma, os dias de avaliação, sendo os alunos informados para comparecerem em fato de banho (se possível) ou com calções acima do joelho e camisolas justas. Ao nível dos procedimentos éticos, destacamos: O protocolo do estudo foi enviado à Direção do Agrupamento Escolar que, após parecer favorável do Conselho Pedagógico, autorizou a realização da investigação. Foi entregue um documento aos alunos com informação/autorização, para ser lido e assinado pelos encarregados de educação. Todos os alunos foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e aceitaram participar nele livremente.

Os dados foram posteriormente introduzidos no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20. Recorremos aos testes estatísticos não paramétricos (Qui Quadrado), modelo de regressão linear simples (outliers) e teste paramétrico (teste t) para amostras independentes (com teste de Levene para estudo da homogeneidade das variâncias). Os resultados foram analisados e comentados utilizando-se como nível de significância de referência p<0,05.

 

Resultados

Na Tabela 1 caracterizamos os participantes (n=135) nas variáveis sociodemográficas e comportamentais, e apresentamos o cruzamento dessas variáveis pelas categorias da variável dicotómica dor nas costas, averiguando possíveis associações pelo teste qui-quadrado (c2). Assim, 51 alunos (37,8%) referiram sentir muito frequentemente dor nas costas ao longo do último ano. O transporte do material escolar era feito essencialmente através de mochila apoiada nos dois ombros (71,9%). Apenas 4,4% usavam o carrinho (trolley). Em termos comportamentais verificámos que a maioria dos participantes passava diariamente 1 a 2 horas no computador, mas por outro lado constatámos que uma percentagem apreciável (56,3%) praticava atividade desportiva fora da escola. O NAF obtido através do IPAQ foi classificado como alto (51,9%), moderado (41,5%) e baixo (6,7%). A dor nas costas mostrou estar associada ao tipo de calçado e aos resultados no teste de Adams e obteve uma prevalência de 34,8% nos rapazes e 40,6% nas raparigas.

Observámos um IMC médio próximo dos 20 Kg/m2, para um desvio padrão de 3,20 Kg/m2 (Tabela 2). Obtivemos a seguinte distribuição, utilizando a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS): Magreza grave (8,1%), magreza moderada (9,1%), magreza leve (23,7%), saudável (50,4%) e sobrepeso (8,1%).

A média de idades dos participantes com positividade no teste de Adams foi significativamente mais elevada que a observada nos outros alunos (13,32±2,95 anos; 10,63±3,79 anos) o que sugere que as gibosidades e assimetrias são mais marcadas no período de crescimento que sucede a infância. No mesmo sentido, os participantes com Adams positivo apresentavam valores médios mais elevados, e com significado estatístico, no peso (53,56±14,87 Kg; 41,40±14,18 Kg), na altura avaliada em centímetros (159,48±12,40; 144,93±18,28) e no IMC (20,68±3,59 Kg/m2; 19,10±2,63 Kg/m2). Resumidamente, e em termos médios, os participantes com Adams positivo eram mais velhos, mais pesados, mais altos, apresentam valores superiores de IMC e transportavam mochilas mais pesadas.

A percentagem relativa do peso da mochila obteve uma média amostral de 9,52 (±3,83%). Observou-se que 60% dos alunos usavam mochilas adequadas, 30% mochilas aceitáveis e 10% mochilas inadequadas por transportarem cargas acima de 15% do peso corporal, valor considerado de risco pela literatura.

Nas tabelas seguintes apresentam-se as estatísticas descritivas para a vista anterior, vista lateral direita, vista lateral esquerda e vista posterior; resultantes da avaliação postural realizada pelo programa SAPO. Esclarece-se que os valores acompanhados de sinal negativo referem-se a um desvio da postura para o lado esquerdo, enquanto os números positivos são anti-horário e referem-se a um desvio postural para o lado direito. Assim, na postura em vista anterior (Tabela 3), o Alinhamento Horizontal da Cabeça (AHC), medido pelo alinhamento dos tragos direito e esquerdo, obteve um desvio médio de 0,39º para a direita. No mesmo sentido, o Alinhamento Horizontal dos Acrómios (AHA) apresentou um desvio para o lado direito, o que traduz numa elevação predominante do ombro esquerdo (0,75º±1,46º).

No Alinhamento Horizontal das Espinhas Ilíacas Ântero-Superiores (AHEIAS) verificou-se uma média de 0,37º para a direita, significando uma predominância da elevação da espinha ilíaca ântero-superior esquerda.

Para ambos os Ângulos Quadricipitais Direito e Esquerdo (AQD e AQE) obtivemos diferenças significativas entre género, tendendo as raparigas para maiores valores angulares (valgismo).

A análise inferencial da variável dor nas costas mostrou diferenças significativas na vista anterior para o Alinhamento Horizontal dos Acrómios (AHA); e na vista posterior para o Alinhamento Horizontal dos Ombros (AHO) resultados que sugerem assimetrias e desalinhamentos na articulação escápulo-umeral.

O diagrama de caixa de bigodes com outliers (Boxplot) na vista anterior realça as variáveis onde o alinhamento foi mais perfeito (resultados médios próximos de zero graus). Assim a Diferença de Comprimento dos Membros Inferiores (DCMI) foi praticamente nula. Já os parâmetros Ângulo Quadricipital Direito (AQD) e Ângulo Quadricipital Esquerdo (AQE) foram as medidas onde se verificaram mais valores extremos e outliers.

 

 

Na Tabela 4 destacamos o facto do Alinhamento Vertical da Cabeça em relação ao Acrómio (AVCA) se ter mostrado anteriorizado tanto para a vista lateral direita (5,28º±6,83º) quanto para a vista lateral esquerda (6,29º±5,68º). Contudo é interessante verificar que apesar da cabeça, de um modo geral, se encontrar tendencialmente inclinada para a frente em ambas as vistas laterais, o alinhamento vertical do tronco, (definido por uma linha imaginária que parte do acrómio e termina na articulação coxofemoral) obteve valores negativos, ou seja inclinação posterior, provavelmente devido a uma retificação compensatória do tronco face à anteriorização da cabeça.

Deste modo, crianças e adolescentes com Adams positivos apresentavam maiores assimetrias. Note-se, para este grupo, uma maior flexão/ inclinação da cabeça para a frente, com significância estatística em ambas as vistas laterais. Obtivemos igualmente valores médios mais negativos para os Ângulos do Quadril (AQ), em ambas as vistas laterais, nos participantes com Adams positivo, o que sugere extensão marcada da coxofemoral. Os resultados apontam ainda para uma menor curvatura da coluna cervical (cervical mais reta) nas crianças e adolescentes com positividade no teste Adams refletido pelas médias angulares mais elevadas obtidas para o alinhamento vertical da cabeça com a sétima vertebra cervical (AHCC7).

 

Discussão

Consideramos a amostra estudada relativamente homogénea quanto ao género, dado que apenas se obteve uma ligeira preponderância de raparigas (51,1%). A idade dos participantes variou dos 6 e os 18 anos e a média aritmética rondou os 12 anos. Sabe-se que este período do desenvolvimento é estruturante, não apenas na maturação biológica e desenvolvimento psico-motor, mas também ao nível dos estilos de vida. Nesta fase, a família, como entidade primária na responsabilidade pela promoção de comportamentos saudáveis, partilha esse papel com a escola. Neste contexto, com educadores e pares, as crianças e adolescentes consolidam preferências por práticas desportivas, hábitos alimentares e outras condutas. Um desses comportamentos saudáveis consiste no uso adequado das mochilas, um importante aspeto em saúde escolar. Estudos realizados nas escolas têm associado o uso de mochilas com dores lombares, sobretudo quando o peso é superior a 15% do peso corporal, e o seu transporte se faz unilateralmente (Limon et al., 2004). No nosso estudo 10% das mochilas eram inadequadas. Outro estudo por nós consultado encontrou 18% (Ries et al., 2012).

No nosso estudo 71,9% dos participantes referiu usar a mochila apoiada nos dois ombros, resultados que, à partida, denotam bons hábitos no que respeita ao transporte do material escolar. No entanto, mesmo quando usada adequadamente, o sobrepeso da mochila influencia a postura, particularmente em crianças e adolescentes com peso desajustado (Ries et al., 2012).

A dor nas costas obteve uma prevalência de 37,8% para o último ano. Numa recente revisão sistemática da literatura com o objetivo de estudar a prevalência e fatores de risco da dor lombar em adolescentes, foram extraídas prevalências máximas de 37% no momento presente, 38% no último mês e 46,5% ao longo da vida (Cruz & Nunes, 2012). Resumindo os achados da literatura podemos afirmar que a dor nas costas é comum em crianças e adolescentes, mais prevalente em raparigas, e na maioria dos casos não apresenta etiologia específica. Sendo raros os casos em que lombalgia adolescente advém de processos malignos, infeciosos ou degenerativos (Smith & Leggat, 2007), somos levados a pensar que a mesma resulta de posturas incorretas e sistema osteoarticular imaturo.

A dor nas costas foi mais prevalente nos participantes que usavam calçado com saltos. Uma possível explicação para os nossos achados consiste no facto do uso de sapatos com saltos alterar o centro de gravidade, o que obriga o corpo a constantes reequilíbrios biomecânicos e sobrecargas musculos­queléticas durante a marcha.

Pelo teste de Adams identificámos 46,7% de casos com alguma assimetria no alinhamento da coluna ou presença de gibosidade. Os resultados por nós encontrados são superiores aos referidos por alguns autores (Schiaffino, 2010) e inferiores aos citados noutras investigações (Minghelli et al., 2009). Convém assinalar que este teste, embora não invasivo, rápido e simples para avaliação da coluna e rastreio de grandes populações, não possuiu sensibilidade específica para o diagnóstico da escoliose, o qual passa necessariamente por exames radiológicos, com estudo das medidas angulares pelo método de Cobb (Ferreira et al., 2010).

Cruzando, numa tabela de contingência qui-quadrado (c2), as variáveis teste de Adams e dor nas costas concluímos pela sua relação. Não encontrámos trabalhos consistentes que tivessem estudado esta associação, sendo no entanto aceitável sugerirmos que maior assimetria no desenvolvimento da musculatura paraespinal origina maior prevalência de dor.

Nos resultados angulares posturais, dado que a amostra procedia de crianças e adolescentes saudáveis, os nossos achados não diferem muito da normalidade. No entanto, e corroborando Amantéa, Novaes, Campolongo, e Barros (2004), as pequenas anomalias conduzem a uma desarmonia postural, e uma pequena tensão numa cadeia muscular é responsável por tensões e desalinhamentos associados.

Assim, na vista anterior, quanto ao Alinhamento Horizontal dos Acrómios (AHA), para um valor de referência de 0º, encontrámos um desalinhamento médio de 0,75º (±1,46º), o que indicia tendência ligeira de inclinar a cabeça para a direita. Os resultados para os membros inferiores, designadamente a análise dos ângulos quadricipitais mostraram uma tendência das raparigas para membros ligeiramente valgos (♂ 16,01º±4,48º versus ♀ 18,88º±4,48º), em consonância com a literatura, já que a maioria dos estudos por nós consultados obteve maiores resultados de ângulo Q para as mulheres. Marangon e Damázio (2012) consideram que isso se deve ao facto das mulheres terem a pelve mais larga o que faz com que o fémur desvie medialmente num ângulo superior. Sendur, Gurer, Yildirim, Ozturk, e Aydeniz (2006) referenciam um valor médio de 15º e classificam de marcadamente varos ângulos Q <6º e valgos os joelhos com ângulo Q> 27º.

Nas vistas laterais, e quanto ao Alinhamento Vertical da Cabeça com o Acrómio (AVCA), a tendência de anteriorização da cabeça foi bastante visível. Sabe-se que a anteriorização da cabeça surge como padrão predominante na revisão da literatura, apontando alguns estudos a hipótese de que o aumento da anteriorização da cabeça em escolares se deva ao uso das mochilas (Ries et al., 2012).

 

Conclusão

Com base nos objetivos que nortearam a trajetória empírica, concluímos que a amostra ficou constituída por um grupo homogéneo dada a sua distribuição equitativa por género. Os resultados obtidos no IMC foram satisfatórios já que o peso da maioria dos participantes se situou em valores ideais; embora, em menor percentagem, haja registos de sobrepeso e magreza grave. Quanto à forma como era transportado o material escolar/peso das mochilas, importa destacar que maioritariamente as mochilas costumavam usar-se apoiadas nos dois ombros, indiciando comportamentos corretos e transporte estável e simétrico da carga. Porém, o peso relativo das mochilas situou-se acima dos valores recomendados em 10% dos casos. Na avaliação dos desvios da coluna vertebral pela aplicação do teste de Adams constatámos que o teste foi positivo em aproximadamente 47% dos participantes, associado à idade, altura, IMC e peso da mochila; ou seja, os participantes com Adams positivo eram mais velhos, mais pesados, mais altos e transportavam maiores cargas.

Nas variáveis posturais os dados sugerem uma tendência à anteriorização da cabeça nas vistas laterias e à inclinação da cabeça para a direita na vista frontal. As raparigas da amostra apresentavam genu valgo fisiológico. Nas crianças e adolescentes com Adams positivo os desalinhamentos foram mais marcados, sobretudo nas seguintes variáveis: Alinhamento horizontal das tuberosidades das tíbias, alinhamento horizontal da cabeça em C7, alinhamento vertical da cabeça, tronco e corpo, ângulo do quadril e alinhamento horizontal dos ombros.

Face à complexidade da temática, esta pesquisa tem algumas limitações mas poderá abrir caminho a novos achados e estudos mais aprofundados na área científica de Enfermagem. Os resultados do estudo poderão servir a essas investigações e ajudar no desenvolvimento de programas de intervenção relativos à educação postural em saúde escolar como forma de prevenir ou tratar alterações precocemente.

Nas dificuldades investigacionais sentidas, desta­camos: As crianças mais novas tinham dificuldade em perceber os itens do IPAQ, de modo que esse processo foi por nós orientado, em forma de entrevista, simplificando as questões. Na marcação de pontos, os adesivos autocolantes foram visíveis nas fotos digitais; à exceção dos maléolos externos em vista anterior. Outra dificuldade foi encontrar mais valores de referência para a faixa etária. Valores posturais de referência podem ser consultados através da plataforma SAPOWeb, uma base de dados digital que permite consultar relatórios de análises realizadas com o SAPO. A maior disseminação destes métodos de análise postural facilitará, no futuro, uma melhor interpretação dos resultados.

Apesar das dificuldades experienciadas, concordamos com Ferreira (2005) quando afirma que as medidas obtidas a partir deste software são mais objetivas do que a avaliação qualitativa (Ferreira, 2005). Deste modo, pensamos que o nosso trabalho não teria tanta objetividade se tivéssemos recorrido ao espelho quadriculado clássico (simetrógrafo) para analisar a postura.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 09.07.14

Aceite para publicação em: 09.12.14

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