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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.6 Coimbra set. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV14058 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Perceções dos enfermeiros e doentes com AVC sobre a Educação para a Saúde

Nurses' and stroke patients' perceptions of Health Education

Percepciones de los enfermeros y los pacientes con accidente cerebrovascular en la Educación para la Salud

 

Sílvia Manuela Leite Rodrigues*; Maria Clara Costa Oliveira**; Paulo Silva***

* MSc., Enfermeira, Hospital de Braga, 4710-243 São Victor, Braga, Portugal [silvialeiterodrigues@gmail.com]. Contribuição no artigo: escrita do artigo, recolha e análise de dados e discussão. Morada para correspondência: Avenida D. João II, n.º, 3º direito, 4710-243 São Victor, Braga, Portugal.

** Agregação, Professora Associada com agregação, Universidade do Minho, 4710-057, Braga, Portugal [claracol@ie.uminho.pt]. Contribuição no artigo: Pesquisa bibliográfica.

*** MSc., Enfermeiro, Hospital de Braga, 4710-057, Braga, Portugal [paulommsilva@gmail.com]. Contribuição no artigo: Recolha, análise e discussão de dados.

 

RESUMO

Enquadramento: O Acidente Vascular Cerebral (AVC) acarreta múltiplas alterações no quotidiano do doente e seus familiares mas a reabilitação é considerada uma oportunidade. A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) facilita a reabilitação e a educação para a saúde possibilita a mudança de atitude necessária para a reabilitação.

Objetivos: Conhecer e divulgar as perceções de doentes com AVC e enfermeiros relativamente às práticas de Educação para a Saúde na RNCCI.

Metodologia: Qualitativa, com entrevista semi-estruturada, a 8 doentes e a 17 enfermeiros. A técnica escolhida foi a análise de conteúdo das entrevistas. Partimos de categorias definidas a priori, e emergiram outras categorias.

Resultados: Os doentes atribuíram aos enfermeiros a maior parte da responsabilidade pela reabilitação. Os enfermeiros relacionaram os aspetos psicológicos e a importância do envolvimento da família com a adesão do doente ao regime terapêutico.

Conclusão: Os doentes demonstram que se encontram no modelo biomédico, por outro lado os enfermeiros apontam o modelo biopsicossocial como orientador das suas práticas de Educação para a Saúde na rede.

Palavras-chave: enfermagem; reabilitação; educação; saúde.

 

ABSTRACT

Theoretical framework: Stroke causes multiple changes in the daily lives of patients and their families, but rehabilitation emerges an opportunity. The RNCCI (National Network of Integrated Continuous Care; Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados) facilitates rehabilitation, and health education enables the necessary change of attitude for rehabilitation.

Objectives: To identify and disclose nurses' and stroke patients' perceptions of the Health Education practices in the RNCCI.

Methodology: A qualitative study was conducted. Semi-structured interviews were performed to 8 patients and 17 nurses. The technique used was the content analysis of interviews. Based on previously established categories, other categories emerged.

Results: Patients assigned nurses most of the responsibility for the rehabilitation process. Nurses associated the psychological aspects and the importance of family involvement with the patients' adherence to the therapeutic regimen.

Conclusion: While patients seem to be in the biomedical model, nurses point to the biopsychosocial model as a guide to their health education practices in the network.

Keywords: nursing; rehabilitation; education; health.

 

RESUMEN

Marco contextual: El accidente cerebrovascular provoca múltiples cambios en la vida cotidiana de los pacientes y sus familias, pero la rehabilitación se considera una oportunidad. La Red Nacional de Atención Integral (RNCCI por sus siglas en portugués) facilita la rehabilitación y la educación para la salud permite el cambio de actitud necesario para la rehabilitación.

Objetivos: Conocer y divulgar las percepciones de los pacientes con accidente cerebrovascular y de los enfermeros con respecto a las prácticas de educación para la salud en la RNCCI.

Metodología: Cualitativa con entrevistas semiestructuradas a 8 pacientes y 17 enfermeros. La técnica elegida fue el análisis de contenido de las entrevistas. Partimos de categorías definidas a priori y surgieron otras categorías.

Resultados: Los pacientes atribuyeron a los enfermeros la mayor parte de la responsabilidad en el proceso de rehabilitación. Los enfermeros relacionaron los aspectos psicológicos y la importancia de la participación de la familia con la adhesión del paciente al régimen terapéutico.

Conclusión: Por un lado, los pacientes demuestran que se encuentran en el modelo biomédico. Por otro lado, los enfermeros señalan el modelo biopsicosocial como orientador de sus prácticas de educación para la salud en la red.

Palabras clave: enfermería; rehabilitación; educación; salud.

 

Introdução

No contexto europeu e internacional dos países mais desenvolvidos e com políticas públicas de apoio social e de saúde, emerge a necessidade prioritária de encontrar soluções para as pessoas dependentes (Unidade de Missão para Cuidados Continuados Integrados, 2010). O aumento das carências existentes resulta do aumento demográfico de idosos, da incidência de doentes crónicos e da diminuição do apoio informal a estes grupos. Deste modo, deram-se mudanças ao nível das políticas da saúde e emergiu um nível intermédio de cuidados, intitulado a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Esta tem como objetivo dar resposta às pessoas idosas ou dependentes que necessitam de cuidados de saúde. Assim, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados é um lugar de excelência para implementar as práticas de Educação para a Saúde, principalmente com doentes em fase de reabilitação. Pelo que o objetivo do estudo foi conhecer as perceções de doentes com AVC e enfermeiros sobre as práticas de Educação para a Saúde na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.

 

Enquadramento

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados constitui um dos projetos mais inovadores ocorrido em Portugal no âmbito das políticas sociais e desenvolvimento intersectorial. Emerge da parceria entre os Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Solidariedade Social, em que o cofinanciamento e parceria são recomendações da Organização Mundial de Saúde. Foi criada para dar resposta ao envelhecimento demográfico progressivo, à prevalência de doenças crónicas incapacitantes, a uma escassa cobertura de serviços de cuidados continuados a nível nacional, a um sistema de saúde assente em paradigmas de doença aguda ou de prevenção e a uma redução substancial da rede de apoio informal.

A Rede segundo o Decreto-Lei nº101/06, de 6 de junho, 2006 é constituída por unidades e equipas de cuidados continuados de saúde e apoio social, onde se incluem também os cuidados paliativos. Tem origem nos serviços comunitários de proximidade, abrangendo os hospitais, os centros de saúde, os serviços distritais e locais da segurança social e as autarquias locais. A prestação de cuidados continuados integrados é assegurada por unidades de internamento, unidades de ambulatório, equipas hospitalares e equipas domiciliárias. As unidades de internamento englobam as unidades de convalescença, unidades de média duração e reabilitação; unidades de longa duração e manutenção e unidades de cuidados paliativos. A unidade de ambulatório envolve a unidade de dia e de promoção da autonomia, as equipas hospitalares são constituídas pelas equipas de gestão de altas e as equipas intra-hospitalares de suporte em cuidados paliativos. Por último são as equipas domiciliárias as equipas de cuidados continuados integrados e as equipas comunitárias de suporte em cuidados paliativos.

Para que o doente aceda à Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, cabe aos enfermeiros prestadores de cuidados diferenciados ou de Cuidados de Saúde Primários a referenciação dos doentes para as unidades que considerem mais pertinentes, mediante o prognóstico. Posteriormente à referenciação pela Equipa de Gestão de Altas e com a aprovação da Equipa Coordenadora Local, o doente aguarda vaga para a unidade assinalada. Uma vez admitido na unidade de cuidados de convalescença ou de reabilitação, o doente e a equipa multidisciplinar dão início a um processo de reabilitação.

Segundo Tones e Tilford (1994, p.11),

a Educação para a saúde é toda a atividade intencional conducente a aprendizagens relacionadas com saúde e doença ..., produzindo mudanças no conhecimento e compreensão e nas formas de pensar. Pode influenciar ou clarificar valores, pode proporcionar mudanças de convicções e atitudes; pode facilitar a aquisição de competências; pode ainda conduzir a mudanças de comportamentos e de estilos de vida.

Os doentes com AVC foram o nosso foco de atenção, atendendo que o AVC caracteriza-se pelo impedimento no fornecimento de sangue a uma parte do cérebro. O sangue leva nutrientes essenciais e oxigénio para o cérebro, pelo que a ausência de fornecimento compromete a função das células cerebrais. Assim como a opção pela participação dos Enfermeiros deveu-se à parceria que é estabelecida entre Enfermeiro e doente e que é fundamental para o desenvol­vimento das práticas de Educação para a Saúde. Nesse sentido, todo este potencial inspira uma investigação de fundo, no âmbito da Educação para a Saúde. Como tal, o objetivo do estudo foi conhecer as perceções sobre as práticas de Educação para a Saúde dos doentes com AVC e enfermeiros no seio Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.

 

Questão de investigação

Quais as perceções dos doentes com AVC e enfermeiros sobre as práticas de Educação para a Saúde na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados

 

Metodologia

Inicialmente foi pedida autorização aos responsáveis das instituições para a realização da colheita de dados. Foram convidadas a participar as unidades de cuidados continuados de curta e média duração da região Minho do país. Contudo, das cinco unidades convidadas apenas três aceitaram participar. Participaram no total oito doentes, três doentes de duas unidades e dois de uma unidade. Assim como no total 17 enfermeiros, seis enfermeiros de uma unidade, seis de uma unidade e ainda cinco de outra. Posteriormente foi explicado aos participantes (enfermeiros e doentes), atendendo ao nível de compreensão dos mesmos, o objetivo do estudo e garantido o anonimato das informações disponibilizadas. Para formalizarmos este compromisso com os participantes na investigação, concebemos uma declaração de consentimento informado cujo preenchimento em duplicado permitiu a efetivação deste contrato.

Este estudo é do âmbito exploratório-descritivo e a amostra é de conveniência. Utilizámos a entrevista semiestruturada como instrumento de colheita de dados. Foram elaboradas duas entrevistas, uma dirigida aos doentes e outra aos Enfermeiros. Os instrumentos de colheita de dados finais são resultado de diversas alterações nas sucessivas fases de desenvolvimento da investigação. Foi elaborado um pré-teste, de modo a aferir às questões que seriam pertinentes no âmbito da Educação para a Saúde naquele contexto e com aquela população-alvo. O pré-teste foi aplicado a dois Enfermeiros e a dois doentes internados numa unidade de cuidados continuados de média duração na região Norte do país.

A seleção dos oito doentes que integraram a pesquisa resultou de um diálogo regular com a equipa de Enfermagem de cada uma das unidades contempladas, no sentido de reunirmos doentes que se encontravam na mesma fase de reabilitação. Assim, os casos escolhidos foram doentes com diagnóstico de acidente vascular cerebral que se encontravam na mesma fase do processo de reabilitação, ou seja, que apresentavam semelhantes condições físicas e cognitivas para cooperar na entrevista e que aceitarem participar. Por outro lado, os 17 enfermeiros entrevistados dentro da população determinada tinham igual probabilidade de serem escolhidos, tendo apenas como condição sine qua non serem prestadores de cuidados nas unidades envolvidas na investigação e aceitarem participar na investigação. As entrevistas foram realizadas entre fevereiro e maio de 2009 e foram aproveitadas o maior número possível de oportunidades que surgiram.

Para a categorização dos dados que resultaram das entrevistas, partimos de categorias definidas previamente, resultado das cinco principais vertentes que segundo Neves e Galvão (2003) a Educação para a Saúde deve contemplar. A primeira refere-se à proteção da saúde ou prevenção da doença através da eliminação de comportamentos de risco; a segunda, à necessidade de mecanismos de disponibilização de recursos financeiros em caso de doença, a terceira, à preparação individual (psicológica) para a consciencialização sobre a fragilidade humana, a quarta caracteriza-se pelo envolvimento verdadeiro e ativo no processo terapêutico, simétrico na relação com o profissional, por último a importância da perceção de finitude da vida humana. Contudo, os dados obtidos, não se enquadravam em duas das categorias previamente definidas, mas possibilitaram a construção de outras categorias: obstáculos às práticas de Educação para a Saúde; oportunidades de melhoria quanto às práticas de Educação para a Saúde; indicadores de qualidade das práticas de Educação para a Saúde. Cada categoria é enquadrada por múltiplas unidades de registo, sendo estas por sua vez, consubstanciadas pelas respetivas unidades de contexto. As unidades de contexto constituem-se enquanto extratos do texto configurado como resultado da transcrição das entrevistas aos enfermeiros e doentes.

 

Resultados

As práticas de Educação para a Saúde na perspetiva dos doentes inseridos na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados contemplam as categorias Prevenção da doença através dos cuidados com a alimentação, deslocação aos serviços de saúde, prática de exercício físico, cuidados de higiene e ausência de hábitos aditivos; Preparação Individual encarando a doença como alteradora dos papéis na família, enquanto processo de aprendizagem e foco de baixa autoestima; Participação Ativa com uma participação problematizadora, ou seja, a doença foi encarada como processo educativo que permitiu a libertação da consciência e emancipação da pessoa. Pelo contrário, encontramos relatos do tipo bancário e ainda de ausência de participação no processo de reabilitação (Freire, 2005). Por fim, os doentes acreditam que os hábitos alimentares constituem um indicador de qualidade para as práticas de Educação para a Saúde como se pode ver na Tabela 1.

Na perspetiva dos Enfermeiros prestadores de cuidados na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados as práticas de Educação para a Saúde visam a Prevenção da doença através da prevenção da depressão, promoção do autocuidado e gestão do regime terapêutico; Obstáculos às práticas de Educação para a Saúde reúnem a falta de recursos humanos, falta de tempo, de metodologia, de espaço, de envolvimento da família, pela passividade do doente e pela falta de recursos na comunidade; Oportunidades de melhoria agrupam a relação empática, a monitorização das práticas de Educação para a Saúde, o espírito crítico e o envolvimento da família; Participação Ativa implica o incentivo aos doentes e a responsabilização dos mesmos. Para terminar, os Enfermeiros apontam a taxa de reinternamento dos doentes, a redução do grau de dependência para os autocuidados e a mudança de comportamento dos doentes como possíveis indicadores de qualidade das práticas de Educação para a Saúde na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados como se pode ver na Tabela 2.

 

Discussão

O modelo higienista ou sanitário tornou-se a base conceptual para a Educação para a Saúde no século XX, pelo que as práticas de Educação para a Saúde abordaram fundamentalmente as questões da salubridade básica e a vacinação. Deste modo, achavam que através da vacinação, informação sobre estilos de vida saudáveis e hábitos de higiene, seria o suficiente para controlar e prevenir a doença ou os efeitos da mesma. Com efeito, os doentes internados na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados revelam os efeitos do paradigma patogénico (a grande maioria encontra-se na faixa etária dos 60 aos 70 anos).

De grosso modo, os doentes apontaram os cuidados com a higiene, com a alimentação, a ausência de adições e a prática de exercício físico como sendo os cuidados necessários para a prevenção da doença e promoção da saúde. O que vai ao encontro de Santos (2000) ao considerar que a primeira geração de modelos de Educação para a Saúde são fundamentalmente informativos. Estes partem da premissa que a falta de informação é a responsável pelos comportamentos e atitudes não saudáveis. Para além de que se inspiram no modelo biomédico, que por sua vez assenta na prevenção e tratamento da doença, sob a forma de prescrições e recomendações. Assim, identificamos que os doentes da nossa amostra reduziram a conceção de saúde à mera ausência de doença.

Na perspetiva dos enfermeiros, um dos cuidados que concorreu para a prevenção da doença ou proteção da saúde foi a prevenção da depressão, “Nos doentes, que têm uma propensão a ficarem deprimidos, temos que trabalhar neste sentido, de modo a motivá-los no seu trabalho, para que o resultado final seja melhor para ele” [A2] (fevereiro 2009). Os enfermeiros afirmaram que o doente que sofreu acidente vascular cerebral, encontra-se mais vulnerável, mais propenso a desenvolver uma depressão principalmente durante o período de reabilitação. O desencadeamento de um processo de depressão pode estar associado a vários fatores, mas segundo Cassell (2004) a noção de serem um fardo na vida daqueles que mais amam é profundamente auto-destruidora das suas identidades e desencadeadora de sofrimento. Do ponto de vista de MacIntyre (1999), o ser humano é uma espécie racional, assim sendo é uma das espécies mais vulneráveis, sobretudo devido à capacidade afetiva. Deste modo, os enfermeiros vão ao encontro do conceito de saúde de Tones e Tilford (2001) que compreende o equilíbrio entre as dimensões biológica, psicológica, sociológica e também espiritual e que estas se articulam com as influências genéticas, os serviços de saúde e os estilos de vida.

Neste sentido, os enfermeiros acrescentaram que a promoção dos autocuidados é dos cuidados mais explorados. Todavia, a conceção meramente prática da aquisição de competências remonta ao modelo biomédico, puramente instrutor e autoritário. Contudo, Dias (2009) realça que segundo a Declaração de Nairobi da UNESCO (1976) os fenómenos educativos consistem em criar condições para que cada ser humano possa desenvolver integral e harmoniosamente todas as suas dimensões. Assim, a autonomia física e mental do doente, principalmente a mental, é fundamental para o desenvolvimento harmonioso da pessoa em todas as dimensões da sua vida. Pelo que os enfermeiros da amostra ao conjugarem a necessidade de prevenção da depressão ao incentivo dos doentes na execução dos autocuidados congregam o modelo biomédico ao holístico “Os cuidados a ter com a higiene, tentar perceber um bocadinho os hábitos dessas pessoas, as condições habitacionais, se tem casa de banho, se tem banheira, se tem duche, tentar perceber essa parte” [A1] (fevereiro, 2009).

Na linha do processo educação/reabilitação, os enfermeiros assinalaram a importância de uma gestão do regime terapêutico eficaz por parte dos doentes. O que converge com Moreno, García, e Campos (2000), ao privilegiarem os modelos de Educação para a Saúde de segunda geração, os focados no comportamento, em que o objetivo é obter comportamentos saudáveis e a informação é, apenas, um elo do processo. Pelo que a saúde é considerada resultante do comportamento do indivíduo, determinado por estímulos do meio onde está inserido. Contudo, os mesmos autores acrescentaram a necessidade de desenvolver os modelos de Educação para a Saúde designados de terceira geração, os críticos, atendendo a ineficácia das abordagens anteriores. Estes propõem mudanças sociais, relacionam a morbilidade e mortalidade às políticas económicas, e tenta reduzir as desigualdades e potenciar a participação comunitária. A partir desta terceira geração de modelos de Educação para a Saúde emerge a necessidade dos enfermeiros estimularem o desenvolvimento do empowerment psicológico, ou seja a habilidade para a pessoa conseguir tomar decisões na sua própria vida, a partir de si próprio e não dos outros. Este é fundamental para uma eficaz gestão do regime terapêutico. Do ponto de vista de alguns enfermeiros, muitos doentes não desenvolveram eficazmente esta capacidade, o que prejudicou a incrementação do stock de saúde do doente. Por fim, os enfermeiros reportaram ausência de feedback sobre a gestão do regime terapêutico dos doentes no domicílio. Acrescentaram que a recuperação pode ser posta em causa quando os doentes não mantêm no domicílio o plano traçado durante o internamento na unidade.

Outra das categorias definidas a priori, foi a preparação individual humana, a partir da reflexão sobre a doença. Esta categoria ganhou visibilidade junto dos doentes pela descrição das diferentes experiências. Para alguns, a doença revelou-se complexificadora da estrutura familiar instituída e despoletou a readaptação de papéis nos restantes elementos da família,

Às vezes até digo ao meu marido: isto que eu tive foi um sinal para vós, não foi para mim, foi para vos ensinar a trabalhar e dar valor à mulher, porque vós não sabíeis dar. Estavas habituado à velhinha para tudo, não sabia quando é que tinha de pagar a luz, água, o telefone, ainda hoje sou que pago a renda, tem que fazer umas contas, sou eu que as faço, fica à minha espera para fazer isso. Eu digo estás à minha espera para fazer isso, ele diz, ó Maria tu consegues bem fazer isso. [A1] (Abril de 2009)

Posto isto, a restante família necessitou de reformular as funções de cada um na estrutura e dinâmica familiar, uma vez que o responsável por vários papéis encontrou-se ausente, o que implicou que outros familiares ficarão encarregues de o substituir.

A partir da nossa amostra, a experiência de doença demonstrou a capacidade de aprendizagem e de adaptação, do doente e dos familiares envolvidos. Contudo, devido à multiplicidade de alterações criadas na vida do doente e família, a doença pode apresentar um carácter autodestrutivo, e propiciador a baixa autoestima, nomeadamente na dimensão da sexualidade. Mais especificamente, alguns doentes puseram em causa a solidez do casamento por se sentirem diminuídos nesta dimensão. Por outro lado, as circunstâncias propiciaram o surgimento ou a aproximação de pessoas relevantes, junto do doente, tornando-os elementos facilitadores durante o processo. Contudo, apesar da grande maioria dos doentes da nossa amostra sentir-se apoiada por amigos e familiares numa fase inicial, com o passar do tempo, as alterações na vida do doente crónico tornaram-se normais para a família, portanto deixaram de ser alvo de tantos cuidados e preocupações. Pelo que consideramos que o doente deve estar preparado para esse fenómeno.

Na última década, Neves e Galvão (2003) defenderam que o conceito de doente sofreu uma revolução, no sentido que a passagem do doente passivo para um papel ativo se transformou num exercício da cidadania. Este movimento de consciencialização e responsabilização evoluiu do nível individual para o comunitário, através da criação de grupos de ajuda e associações de doentes com a mesma patologia. Posto isto, esperávamos consubstanciar a categoria da participação ativa com imensos exemplos disso mesmo. Todavia, a maioria dos doentes participaram de modo bancário, ou seja responderam às instruções que lhes eram dadas. Outros demitiram-se de participar, pois não tinham qualquer conhecimento sobre o seu regime terapêutico, nem demonstraram descontentamento por esse facto, o que foi revelador do analfabetismo funcional (analfabetização funcional corresponde à falta de iniciação aos múltiplos códigos de comunicação existentes nas diferentes dimensões em que cada pessoa se insere). Em minoria observámos uma doente que se envolveu ativamente no processo de reabilitação, assumiu a responsabilidade pela sua saúde e problematizou-a nas diferentes dimensões. A maioria dos enfermeiros entrevistados referiu incentivar os doentes, mas apenas uma minoria utilizou a expressão responsabilização para conotar a ação que era dirigida ao doente durante o processo terapêutico. Verificámos uma dicotomia entre o modelo biomédico (culpabilização do doente inerente à sua performance) e o modelo do empowerment (o doente não consegue resultados positivos se não estiver motivado e capacitado da importância do seu papel no processo terapêutico).

Quanto aos obstáculos para as práticas de Educação para a Saúde, os enfermeiros atribuíram à família do doente a responsabilidade pela ineficiência do processo de Educação para a Saúde. Durante a descrição das causas, levantaram-se acusações quanto à falta de comparência nas sessões de ensinos programadas, analfabetismo funcional quanto à filosofia das unidades, a vontade de prolongar o internamento nas unidades e a desmotivação e desinteresse no processo de aprendizagem (que está relacionado com o processo terapêutico do doente). Esta perspetiva revela-se especialmente importante se pensarmos que a família ou o cuidador (familiar ou não) será co-responsável pelo processo terapêutico do doente, até que este seja autónomo. Deste modo, o enfermeiro revelou-se um profissional que facilita a compreensão da família quanto à situação clínica do doente e potencia o seu envolvimento ativo na construção de novos sentidos para os seus contextos existenciais. Centrando-nos na formação académica dos enfermeiros, tendo como base o paradigma holístico, privilegiador do papel da família no conceito de saúde, Rodrigues, Pereira, e Barroso (2005) defendem que é possível estabelecer uma aliança com a família na intenção de incrementar os mecanismos de equilíbrio homeostático.

Outras causas foram apontadas pelos enfermeiros, nomeadamente a passividade do doente, a falta de motivação, o nível de compreensão comprometido em consequência do acidente vascular cerebral e os problemas emocionais que condicionam a aceitação da doença. Os enfermeiros defenderam que é fundamental os doentes aceitarem a perturbação (a doença) e atribuírem um significado, no sentido de facilitar a passagem para níveis de aprendizagem diferentes. Outro dos obstáculos apontado foi a falta de recursos humanos, o que por sua vez desencadeia a falta de tempo para a prestação de cuidados de excelência. Segundo Tavares e Silva (2010) a melhoria da efetividade dos cuidados continuados requer que enfermeiros chefes, administradores da Unidades de Cuidados Continuados e os gestores da Rede considerem e repensem a dotação de recursos humanos capacitados e de recursos materiais necessários nas unidades, promovam a capacitação profissional e a criação de condições que possibilitem a parceria com a família. Também a carência de recursos na comunidade foi levantado, o que converge com o relatório da European Comission (2007), que demonstra que mais de 80% dos inquiridos em Portugal preferem receber cuidados na própria casa (ainda assim um resultado inferior em relação aos inquiridos em outros países da União Europeia). Todavia, como foi evidenciado pelos enfermeiros neste estudo, até ao momento ainda não reunimos as estruturas e meios adequados para dar resposta aos doentes no domicílio. Este facto é consubstanciado pela Comissão Europeia, no Joint Report on Social Protection and Social Inclusion (2008) ao defender a prestação de cuidados no domicílio à prestação de cuidados em instituições. Por outro lado, Nogueira (2009) assume que existe um longo caminho a percorrer, uma vez que é necessário atrair profissionais e treiná-los para estes cuidados. O que mais uma vez vai ao encontro do que os enfermeiros da amostra assumiram necessitar, da implementação de uma metodologia para a realização de práticas de Educação para a Saúde na Rede.

A categoria anterior, os obstáculos às práticas de Educação para a Saúde, possibilitou a investigação de oportunidades de melhoria às práticas de Educação para a Saúde. Deste modo, foi possível averiguar as sugestões dos enfermeiros, nomeadamente quanto à própria performance profissional. Os enfermeiros realçaram a importância da relação empática para que ocorra o fenómeno educativo no processo de reabilitação. Alguns também apontaram a necessidade de desenvolver o espírito crítico, o que vai ao encontro na linguagem de Freire (1981) à conceção de que o educador também é um educando. Por isso e de acordo com Oliveira (1999) encontramo-nos continuamente a aprender uns com os outros.

Atendendo, às possibilidades de melhoria quanto às práticas de Educação para a Saúde, tornou-se pertinente encontrarmos indicadores de qualidade das mesmas. Na perspetiva dos enfermeiros, a taxa de reinternamento na Rede, a redução do grau de dependência e a mudança de comportamento dos doentes são possíveis indicadores de qualidade das práticas de Educação para a Saúde. Respetivamente a taxa de reinternamento carateriza o internamento do doente que teve alta da Rede recentemente, o grau de dependência resulta da aplicação de uma escala no momento da admissão e novamente no momento da alta e a mudança de comportamento contempla uma gestão do regime terapêutico eficaz. Contudo, apesar das sugestões enunciadas pela maioria dos enfermeiros quanto à construção de indicadores de qualidade das práticas de Educação para a Saúde, os enfermeiros entrevistados demonstraram falta de conhecimento sobre os resultados alcançados publicados nos relatórios de monitorização do desenvolvimento e atividade da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Por outro lado, os doentes sugeriram que os seus resultados podem ser monitorizados através dos hábitos alimentares no domicílio, o que implicaria um follow-up dos doentes no domicílio. Consequentemente os doentes atribuíram às mudanças nos hábitos alimentares a responsabilidade pelo sucesso da recuperação do estado de saúde.

Quanto à categoria que aborda a precaução em relação a uma previsível situação de doença através da disponibilização de recursos financeiros e a categoria que foca a assunção da mortalidade, categorias definidas a priori, não encontramos evidência para as mantermos como categorias da Educação para a Saúde.

Emerge do estudo para a comunidade científica que apenas três das categorias (Prevenção da doença, Preparação individual e Participação ativa) definidas a priori por Neves e Galvão (2003) são visadas nas práticas de Educação para a Saúde na RNCCI, por outro lado outras categorias que ainda não haviam sido descritas emergiram do estudo (Obstáculos, oportunidades de melhoria e indicadores de qualidade das práticas de Educação para a Saúde).

 

Conclusão

Perante uma situação tão complexa como o processo de reabilitação e no contexto da Rede foi identificado o predomínio do paradigma patogénico no seio dos doentes. Estes incidiram na prevenção da doença, no tratamento e atribuíram aos profissionais de saúde a maior parte da responsabilidade pelo processo de reabilitação. Consideramos a postura passiva e submissa da maioria dos doentes resultado do modelo biomédico impregnado em algumas instituições, profissionais, cidadãos e comunidade em geral. Por outro lado, os enfermeiros realçaram o modelo biopsicossocial como orientador das suas práticas, atribuíram aos aspetos psicológicos e sociais as causas, a evolução de doenças e associam os aspetos psicológicos do doente à adesão ao regime terapêutico.

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados carateriza-se como um modelo dinâmico, integrado, contínuo e que dispõe de diferentes tipologias de cuidados para a concretização dos objetivos. Contudo, a partir do estudo ainda não foram criadas condições para incrementar os pressupostos do empowerment psicológico. A maioria dos doentes não se encontrava de modo participativo no processo de reabilitação, uma vez que não apresentavam conhecimentos sobre a sua situação de saúde, não construíram expectativas quanto ao futuro e poucos foram os doentes que focaram os recursos gerais de resistência (as capacidades que cada pessoa tem para enfrentar as perturbações). Na perspetiva dos enfermeiros as famílias precisam de desenvolver o alfabetismo funcional, uma vez que a maioria tem dificuldade em dominar as várias funcionalidades do ambiente em que se encontra. Principalmente, porque as famílias não conseguem operacionalizar o que lhes é ensinado quanto aos cuidados ao doente e não conseguem mobilizar os recursos na comunidade.

As limitações do estudo resultam do tamanho da amostra e do número de unidades envolvidas, uma vez que consideramos que um maior número de unidades e um maior número de enfermeiros e de doentes com AVC concorreria para uma colheita de dados mais completa e abrangente. Também o timing em que o estudo foi realizado pode ser considerado como uma limitação, atendendo que as unidades apenas existiam há três anos e encontravam-se ainda numa fase pioneira da implementação do projeto. Emergiu do estudo a constatação de que existem obstáculos às práticas de Educação para a Saúde, oportunidades de melhoria e possíveis indicadores de qualidade para as práticas de Educação para a Saúde na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Atendendo a estes achados podem ser desenvolvidos projetos para contornar os obstáculos, assim como estratégias para melhorar e medidas para monitorizar os possíveis indicadores de qualidade sugeridos pelo estudo. Deste modo, podemos desenvolver a cultura de mensurar a prestação de cuidados de Enfermagem e validar os cuidados de Enfermagem. Portanto, com base nestes resultados e achados sugerimos investigações acerca da conceção de Educação para a Saúde na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, nomeadamente com doentes com outras patologias, com a família e ainda com outros profissionais que compõem a equipa multidisciplinar.

 

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Recebido para publicação em: 12.08.14

Aceite para publicação em: 04.02.15

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