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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.5 Coimbra jun. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV14047 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

Adesão do regime terapêutico medicamentoso dos idosos integrados nas equipas domiciliárias de Cuidados Continuados

Medication adherence in elderly people integrated in the Long-Term Care domiciliary teams

Adhesión al régimen terapéutico de medicamentos de los ancianos integrados en los equipos de Atención Continuada domiciliaria

 

Lígia Eduarda Pereira Monterroso*; Natércia Joaquim**; Luís Octávio de Sá***

* Doutoranda, Instituto Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa, 4200-072, Porto [gimonterroso@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo. Morada para correspondência: Centro de Saúde de Vila do Bispo, Sítio da Eiras, 8650-405, Vila do Bispo, Portugal.

** Ph.D., Professora Adjunta, Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8005-139, Faro, Portugal [naterciajoaquim@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo.

*** Ph.D., Professor Auxiliar, Instituto de Ciências da Saúde, Universidade Católica Portuguesa, 4200-072, Porto [lsa@porto.ucp.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: O aumento das patologias e co-morbilidades implica a polimedicação, podendo interferir na Adesão ao Regime Terapêutico Medicamentoso (ARTM) dos idosos.

Objetivos: Descrever características sociodemográficas, económicas dos idosos apoiados pelas Equipas de Cuidados Continuados Integrados; caracterizar o nível de ARTM da população estudada; identificar variáveis que influenciam a não-adesão.

Metodologia: Estudo descritivo/exploratório e correlacional, método quantitativo, amostra: 55 idosos.

Resultados: Amostra com 78±7,9 anos, maioritariamente feminina (69,1%). Através da escala de medida de adesão ao tratamento verifica-se que 72,7% dos idosos não aderem à terapêutica medicamentosa e, 83,6% tomam três ou mais fármacos. No índice de Katz 25,5% dos idosos são muito dependentes; no Mini-exame do Estado Mental 47,3% têm alteração demencial moderada; na escala de depressão geriátrica 45,5% têm depressão moderada. O nível de ARTM apenas apresenta associação estatisticamente significativa com o estado mental, os indivíduos que apresentam alteração demencial têm pior nível de adesão.

Conclusão: O baixo nível de ARTM é influenciado por fatores cognitivos que devem ser considerados no planeamento de ações promotoras para aumentar a ARTM nos idosos.

Palavras-chave: adesão à medicação; idoso.

 

ABSTRACT

Theoretical framework: An increased number of diseases and comorbidities leads to polymedication, which may interfere with Medication Adherence (MA) among the elderly.

Objectives: To describe the socio-demographic and economic characteristics of the elderly supported by the Integrated Long-Term Care Teams; characterise the level of MA of the population under study; and identify the variables influencing non-adherence.

Methodology: A descriptive/exploratory correlational study, using a quantitative method, was conducted in a sample of 55 elderly people.

Results: Sample with 78±7.9 years old, mainly female (69.1%). Using the measurement scale of adherence to treatment, it was found that 72.7% of elderly people did not adhere to the medication treatment and that 83.6% take three or more medicines. Using the Katz index, it was found that 25.5% of seniors were highly dependent. Using the Mini-Mental State Examination, 47.3% patients revealed moderate dementia. Using the Geriatric Depression Scale, 45.5% revealed moderate depression. A statistically significant association was only found between MA and mental status. Individuals with moderate dementia had a lower level of adherence.

Conclusion: The low level of MA is influenced by cognitive factors that should be considered while planning interventions to promote the MA among the elderly.

Keywords: medication adherence; elderly.

 

RESUMEN

Marco contextual: El aumento de las enfermedades y las comorbilidades implica la polimedicación, que puede interferir en la adhesión al ARTM (régimen terapéutico de medicamentos) de los ancianos.

Objetivos: Describir las características sociodemográficas y económicas de las personas mayores con el apoyo de los Equipos de Atención Continuada Integrada; caracterizar el nivel de ARTM de la población del estudio, e identificar las variables que influyen en la falta de adhesión.

Metodología: Estudio descriptivo/exploratorio y correlacional, método de estudio cuantitativo y muestra de 55 ancianos.

Resultados: Muestra con 78±7,9 años, mayoritariamente, mujeres (69,1%). A través de la escala de medición de adhesión al tratamiento, se encontró que el 72,7% de las personas mayores no se adhieren a ARTM y el 83,6% toma tres o más fármacos. En el índice de Katz, el 25,5% de los ancianos es muy dependiente; en el Mini Examen del Estado Mental, el 47,3% presenta trastorno demencial moderado, y, en la escala de depresión geriátrica, el 45,5% tiene una depresión moderada. El nivel del ARTM solo presenta una asociación estadísticamente significativa con el estado mental. Se puede decir que los individuos que tienen un trastorno demencial tienen un nivel de adhesión peor.

Conclusión: El bajo nivel de la ARTM se ve influenciado por factores cognitivos que deben tenerse en cuenta en la planificación de acciones que promuevan el aumento de el ARTM en los ancianos.

Palabras clave:adhesión a la medicación; anciano.

 

Introdução

O envelhecimento demográfico é um fenómeno que tem vindo a ser observado em todo o mundo, particularmente na Europa. A idade avançada, apesar de não ser considerada uma doença, contribui bastante para o consumo de cuidados de saúde, com o consequente aumento dos custos, sendo as despesas com medicação uma fatia considerável desses custos, de acordo com dados da World Health Organization (2003). Verifica-se que os idosos estão polimedicados, tendo por vezes mais que um prescritor, não existindo um acompanhamento adequado destas pessoas. Assim sendo, não é possível verificar a eficácia do fármaco para a patologia indicada. O aumento do número de fármacos prescritos e o défice na autonomia física e cognitiva conduzem a um aumento da não-adesão ao tratamento.

Segundo Borges (2009) a medicação é fundamental para o controlo sintomático das doenças que atingem os idosos e para a melhoria da sua qualidade de vida. Nos últimos anos, diversos estudos refletem sobre a problemática da medicação no idoso, nomeadamente a polimedicação, a adesão e a não adesão ao regime terapêutico medicamentoso (ARTM). Para Pereira e Santos (2011) a não ARTM acarreta repercussões a nível pessoal, económico e social e contribui para o aumento de hospitalizações, para a diminuição da qualidade de vida, para o aumento a morbilidade e mortalidade, sendo um dos principais fatores do prognóstico.

Na análise crítica da produção bibliográfica latino-americana realizada na última década, Reiners, Azevedo, Vieira, e Arruda (2007, p. 2305), sugerem que é importante investir nesta temática, pois “… a maior carga de responsabilidade pela adesão/não-adesão ao tratamento é conferida ao paciente e que é necessário que os profissionais e serviços de saúde sejam co-responsáveis nesse processo

Assim, com o intuito de delinear um plano de intervenção passível de melhorar a eficácia e eficiência do regime terapêutico instituído a pessoas idosas, melhorando a sua qualidade de vida e contribuindo para diminuição da morbilidade, realizou-se o presente estudo com os seguintes objectivos: a) descrever as características sociodemográficas e económicas dos idosos apoiados pelas Equipas de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) da Unidade de Cuidados na Comunidade-Infante; b) caracterizar o nível de ARTM da população em estudo e c) identificar as variáveis que influenciam a não-adesão.

 

Enquadramento

Segundo a World Health Organization (2003) a adesão ao regime terapêutico pode ser entendida como o grau ou extensão do comportamento da pessoa em relação à toma de medicamentos, ao cumprimento da dieta e alteração de hábitos ou estilos de vida, indicados pelo profissional de saúde. Trata-se portanto dum fator essencial para o bem-estar dos idosos, constituindo uma componente importante nos cuidados com a pessoa idosa. A falta de adesão ocorre quando o comportamento do utente não coincide com as recomendações do médico ou de outro profissional de saúde, não se circunscrevendo o conceito apenas a desvios na aplicação do regime terapêutico, tal como foi prescrito, mas também ao facto de não seguir as indicações relativas a alterações nos hábitos de saúde e estilos de vida no sentido de adotar práticas saudáveis, bem como não comparecer a consultas médicas previamente marcadas ou não realizar exames complementares de diagnóstico (World Health Organization, 2003).

Neste estudo entende-se por ARTM o cumprimento e seguimento de todas as indicações dadas pelo prescritor e outros profissionais de saúde referentes à auto-administração de fármacos.

Segundo Bugalho e Carneiro (2004), a falta de adesão “interfere com os esforços terapêuticos, reduzindo os benefícios clínicos da medicação e promovendo a utilização de meios de diagnóstico e de tratamento desnecessários.… O controlo e aumento da adesão terapêutica são benéficos para os sistemas de saúde” (p. 14). Assim, as intervenções destinadas a melhorar a adesão terapêutica constituem uma contribuição importante para a melhoria da saúde da população idosa, melhorando a sua qualidade de vida, reduzindo significativamente as recorrências aos serviços de urgência e internamentos por descompensação da patologia.

Os estudos realizado por Cintra, Guariento, e Miyasaki (2010) e Sousa, Landeiro, Pires, e Santos (2011) apontam para que os fatores sociodemográficos e socioeconómicos influenciam a ARTM. O avançar da idade, o isolamento social, a constatação da morte iminente, as limitações físicas e o esquecimento, contribuem para a falta de adesão às indicações médicas, sendo esta também manifesta em doentes com patologia psiquiátrica, nomeadamente depressão (Jacobs, 2009; Pinho, 2008), bem como entre aqueles que apresentam personalidades hipocondríacas. Por outras palavras, a vivência da doença – comum, aguda ou crónica – condiciona de diversas formas, não só a adesão à terapêutica, mas também os comportamentos dos médicos e cuidadores, bem como as relações entre todos os agentes envolvidos no processo de tratamento.

Com o aumento das patologias e co-morbilidades verifica-se um aumento da polimedicação dos idosos, sendo este um fator preponderante na ARTM (Machado, 2009; Rocha et al., 2008; Santos & Almeida, 2010).

Cada vez mais os utentes sentem necessidade de participar no processo de tratamento e reabilitação da sua patologia, daí recorrerem aos profissionais de saúde com o intuito de procurar respostas para melhorar a sua adesão. Por parte dos profissionais de saúde é necessária uma abordagem bio-psicossocial que encare os utentes como parceiros ativos no percurso terapêutico esclarecendo dúvidas e desmistificando os seus medos e receios.

 

Questões de Investigação

Para dar resposta aos objetivos do nosso estudo definimos como questões de investigação:

Qual o nível de adesão ao regime terapêutico dos idosos integrados na Unidade de Cuidados Continuados? Em que medida a idade e o género influenciam a ARTM? Qual o número de fármacos prescritos que influencia a ARTM? Em que medida o estado mental e a depressão condicionam a ARTM? Quais os fatores sociodemográficos e socioeconómicos que se associam com a ARTM?

 

Metodologia

A presente investigação trata-se de um estudo descritivo/exploratório e correlacional, realizado com base no método quantitativo. Realizou-se na Unidade de Cuidados na Comunidade-Infante (UCC-I), que abrange os concelhos de Lagos, Vila do Bispo e Aljezur. Fazem parte da carteira de serviços desta unidade quatro equipas multidisciplinares de ECCI Domiciliários. Os utentes a que estas equipas prestam cuidados são pessoas com perda de autonomia, com diversos níveis de dependência e que necessitam de intervenções sequenciais de saúde e de apoio social. A capacidade instalada de admissão para estas equipas é de 170 utentes. No processo de amostragem foram incluídos todas as pessoas que preencheram os critérios de inclusão, nomeadamente serem idosas (com 65 ou mais anos de idade), serem as próprias a gerir o seu regime terapêutico medicamentoso, apresentarem capacidades cognitivas para responder e aceitarem participar no estudo de forma voluntária, após ter sido fornecido o consentimento informado

Para a recolha de dados foi aplicado um questionário constituído por três partes: 1) Caracterização sociodemográfica (idade, género, estado civil, coabitação e situação perante o trabalho) e socioeconómica (rendimento e a classe social – esta avaliação foi efetuada recorrendo ao Índice de Graffar de Amaro [1990]); 2) Medida de Adesão aos Tratamentos (MAT) desenvolvida por Delgado e Lima (2001) e a caracterização terapêutica (número de fármacos, capacidade de aquisição dos medicamentos, apoio social para a aquisição dos medicamentos); 3) Índice de Katz (Duarte, Andrade, & Lebrão, 2007); Mini-exame do Estado Mental (Guerreiro et al., 1994); Escala de Depressão Geriátrica (Almeida & Almeida, 1999).

A seleção de amostra e recolha de dados foi iniciada após a autorização do ACES Algarve II - Barlavento, tendo decorrido durante o mês de março 2011, em contexto de visita domiciliária, após a obtenção do consentimento informado. Para tal, reunimos com os três coordenadores das ECCI de Lagos, Vila do Bispo e Aljezur e em conjunto selecionámos os utentes que preencheram os critérios de inclusão.

Em todas as situações os questionários foram preenchidos por autorresposta tendo sido disponibilizados aos participantes esclarecimentos sobre os objetivos e finalidade do estudo, bem como esclarecidas dúvidas sobre a interpretação das questões. A análise estatística dos dados foi realizada através do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Com vista à análise estatística, foram considerados dois grupos etários – idosos, com idades compreendidas entre os 65 e os 79 anos, e muitos idosos, com idade igual ou superior a 80 anos. O índice de ARTM foi dicotomizado pela mediana, nos grupos Não adere (valores <5) e Adere (valores ≥=5), segundo indicação dos autores. As escalas utilizadas foram trabalhadas como variáveis categóricas, conforme sugestão dos autores. Para a descrição dos resultados recorreu-se a estatística descritiva, com utilização de distribuição das frequências (relativas e absolutas) e aplicou-se o teste qui-quadrado para avaliar a associação entre a adesão ao regime terapêutico e as variáveis independentes. O nível de confiança considerado foi de 95%.

 

Resultados

A amostra do estudo é constituída por 55 participantes, com idades compreendidas entre os 65 anos e os 90 anos, com uma média de 78±7,8 anos. Verificou-se que 52,7% (n=29) pertencem ao grupo idosos e 47,3% (n=26) são muito idosos. Quanto ao género, 69,1% dos participantes são mulheres e 30,9% são homens. Relativamente ao estado civil, 61,8% dos utentes são casados ou vivem em união de facto enquanto os restantes são solteiros (5,5%), viúvos (29,1%) ou divorciados/separados (3,6%). No que concerne à coabitação, 14,5% dos utentes vivem sozinhos e os restantes com companhia. Na avaliação do número de horas que cada idoso passa sozinho, 72,7% passa entre 0 a 5 horas, 10,9% permanece entre 6 a 10 horas e 16,4% mais de 11 horas.

Relativamente à classe social, a maioria dos inquiridos pertence à classe média (67,3%) e média baixa (23,6%). O nível de rendimentos de 20% dos participantes é inferior a 250 euros mensais, 60% tem rendimentos entre os 250 e os 500 euros mensais e 18,2% entre os 500 e os 1000 euros mensais. É de salientar que somente 1 dos participantes referiu auferir rendimentos superiores a 1000 euros mensais. Quanto à propriedade da habitação onde vivem, 78,2% dos participantes residem em casa própria, 9,1% em casa alugada e 10,9% vivem em casa emprestada.

Quanto à ARTM, considerando a amostra global, verificou-se que 72,7% dos idosos estudados não adere ao regime terapêutico. Não se verificou associação estatisticamente significativa entre as variáveis sociodemográficas descritas e a ARTM (Tabela 1). Contudo, os resultados indicam que, nesta população, os idosos, o sexo feminino, os viúvos, os que vivem sozinhos, os de classe social mais elevada, são os que apresentam pior ARTM (Tabela 1).

Na questão da terapêutica, a maioria dos utentes toma três a cinco fármacos (41,8%) ou seis ou mais fármacos (41,8%); apenas 16,4% toma um ou dois fármacos. No que diz respeito à capacidade para adquirir todos os medicamentos prescritos, 9,1% dos utentes refere não conseguir adquirir a terapêutica; 30,9% indica que é o próprio que adquire os medicamentos enquanto 69,1% recorre aos familiares, vizinhos, amigos ou equipas de apoio domiciliário. Apesar de não se verificar uma associação estatisticamente significativa entre o número de fármacos e a ARTM, verificou-se que os idosos que tomam mais fármacos têm pior ARTM (73,9% não adere; (Tabela 2). Por outro lado, também se verificou que os idosos que referem não conseguir adquirir todos os fármacos apresentam pior ARTM (80,0% não adere). Quanto à aquisição do número de fármacos verificamos que quando os idosos não têm possibilidades de adquirir a terapêutica a não-adesão é de 80% (Tabela 2).

Quando aplicado Índex de Katz, verificamos que 60,0% dos idosos são totalmente independentes para as atividades de vida diárias, 14,5% dos idosos apresenta uma dependência moderada e 25,5% são muito dependentes (Tabela 3).

Relativamente ao estado mental, verificámos que 61,8% apresenta alteração demencial e quanto à presença de depressão, apenas 10,9% dos participantes não apresentam depressão (Tabela 3). Nesta amostra, apesar de o valor de χ2(p) ser não válido para a associação entre o índice de Katz e a ARTM, verificou-se que os idosos com grau de dependência mais elevado são os que apresentam maior nível de não ARTM (85,7%). Por outro lado, também se verificou que os indivíduos com depressão apresentam pior ARTM (75,5%). No entanto apenas se verificou associação estatisticamente significativa entre o estado demencial e a ARTM (p=0,005) (Tabela 3).

 

Discussão

No presente estudo averiguou-se o nível de ARTM dos idosos dependentes que recebem cuidados de saúde domiciliários prestados pelas ECCI da UCC-I. Esta investigação trata-se do primeiro estudo realizado com este tipo de população, nomeadamente a Sul de Portugal, mais especificamente na Região do Barlavento, nos concelhos de Lagos, Vila do Bispo e Aljezur. Quanto à ARTM nestes utentes, verificámos que é baixa, com um nível de 27,3%. Resultados próximos a este foram obtidos no estudo de Rocha et al. (2008), realizado numa população com características idênticas (idosos do município de Porto Alegre capazes de se dirigir ao local da entrevista e de fazerem a gestão do seu regime terapêutico), onde concluíram que 37,1% adere ao regime terapêutico. O mesmo não se verificou num estudo de Sousa et al. (2011), com idosos que frequentam um centro de dia no concelho de Olhão, que concluíram que os idosos aderem na totalidade ao regime terapêutico.

No presente estudo não encontramos qualquer relação entre a ARTM e a idade e o género, o que vem ao encontro de resultados similares encontrados nos estudos de Cintra et al. (2010) e Rocha et al. (2008). Por outro lado, Sousa et al. (2011) referem que as variáveis pessoais, familiares e sociais poderão influenciar a representação da doença e por conseguinte o tipo de coping relacionado com a adesão ao tratamento, a mesma doença ao longo do ciclo vital pode ser percecionada de diferente modo pela mesma pessoa.

Relativamente à relação entre ARTM e o número de fármacos prescritos não se verificou associação significativa, tal como verificado por Sousa et al. (2011). No entanto, outros estudos sugerem que quanto maior o número de fármacos prescritos ao utente, menor é a adesão ao tratamento (Rocha et al., 2008, Santos & Almeida, 2010). Por outro lado, verificou-se que o estado mental influencia significativamente a ARTM. A mesma conclusão foi obtida por Jacobs (2009) num estudo realizado em 56 adultos hipertensos não controlados, sob tratamento farmacológico. Também Machado (2009), num estudo com uma população de 74 pessoas com insuficiência renal crónica, realizado numa clinica de hemodiálise de Braga, concluiu que a não adesão intencional pode ser devida a esquecimentos não intencionais, regimes complexos, grande número de medicamentos que os idosos têm que tomar, deficit cognitivo, dificuldade em abrir os distribuidores/ embalagens da medicação e problemas de memória.

Relativamente ao estado de depressão, não se verificou associação significativa com a ARTM. No entanto, em estudos anteriores, a depressão foi identificada como fator que contribui negativamente para a ARTM, entre estados de doença específica, como as doenças cardiovasculares (MacLaughlin et al., 2005).

Mahtani, Heneghan, Glasziou, e Perera (2011), consideram que para melhorar os níveis de ARTM, deve considerar-se que a adesão à medicação é o segundo estádio no complexo processo que conduz um doente a tomar medicamentos porque o primeiro pilar é a concordância do doente em tomar ou não tomar os medicamentos e essa resulta do compromisso que o doente assumiu com o profissional de saúde para adotar esse comportamento. Neste âmbito, quando iniciamos o estudo esperava-se que a ARTM da amostra fosse mais elevada, pelo facto de terem o acompanhamento e de estarem mais próximos dos cuidados de saúde em relação à restante população idosa. Como não se verificou o espetável, sugere-se que a comunidade de forma global tenha um papel mais ativo no acompanhamento da pessoa idosa, evitando o seu isolamento e a discriminação dando-lhes apoio constante. Quanto aos profissionais de saúde sugere-se uma análise prospetiva do plano de cuidados para cada utente de modo a se implementarem medidas corretivas para melhorar a ARTM nesta população.

Este estudo apresenta algumas limitações ligadas ao facto da amostragem ter sido efectuada por conveniência e não de forma probabilista e por não terem sido consideradas as variáveis ligadas à patologia do utente bem como a tipologia da medicação, a homogeneidade do grupo por patologia. Assim sendo, salienta-se que a extrapolação dos resultados para a população deverá ser cuidadosa. Ainda assim, consideramos que os objectivos do trabalho foram cumpridos uma vez que foi realizada a caracterização sociodemográfica desta população, bem como do seu nível de ARTM e podemos concluir que o estado mental é a principal variável que se associa à não adesão.

 

Conclusão

Os resultados confirmam que a ARTM nesta população é baixa. O estado mental influencia significativamente a ARTM dos idosos dependentes. Apesar de não se verificar associação estatística, os resultados apontam para que o baixo nível de rendimento, viverem sozinhos e a presença de depressão, condicionam negativamente a ARTM. Assim, sugere-se que estes fatores sejam tidos em consideração no planeamento de ações promotoras destinadas a aumentar a ARTM nas pessoas idosas. Estudos futuros deverão investigar fatores que influenciam a ARTM em grupos mais homogéneos, nomeadamente em pessoas portadoras da mesma patologia para traçar um plano de intervenção de modo a aumentar a especificidade dos resultados e das intervenções a aplicar a cada população, apostando na investigação acção.

 

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Recebido para publicação em: 18.06.14

Aceite para publicação em: 21.02.15

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