SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.serIV número4Cuestionario de Evaluación de la Alfabetización en la Salud Mental - QuALiSMental: estudio de las propiedades psicométricasValidación cultural del Adolescent Pediatric Pain Tool (APPT) en niños portugueses con cáncer índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.4 Coimbra feb. 2015

https://doi.org/10.12707/RIII13129 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Tradução e adaptação da Spirituality and Spiritual Care Rating Scale em enfermeiros portugueses de cuidados paliativos

Translation and adaptation of the Spirituality and Spiritual Care Rating Scale in portuguese palliative care nurses

Traducción y adaptación de la Spirituality and Spiritual Care Rating Scale en enfermeros portugueses de cuidados paliativos

 

Andreia Raquel Martins*; Sara Pinto**; Sílvia Caldeira***; Francisco Luís Pimentel****

* Mestre em Cuidados Paliativos. Enfermeira, Cliria - Hospital Privado de Aveiro 3800-009 Forca, Aveiro [araquelmartins@live.com.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, desenho do estudo, recolha de dados, tratamento de dados, escrita e revisão do artigo. Morada para correspondência: Rua Nossa Senhora da Vitória, nº 104, 3810-293, Vilar, Aveiro.

** Mestre em Cuidados Paliativos. Doutoranda em Ciências da Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto Universidade do Porto, 4050-313 Porto, Portugal. Enfermeira, Centro Hospitalar de S. João – EPE Alameda Prof. Hernâni Monteiro, 4200 – 319, Porto, Portugal [sara.o.pinto@gmail.com]. Contribuição no artigo: escrita e revisão do artigo.

*** Mestre em Bioética. Doutoramento em Enfermagem na Universidade Católica Portuguesa, Lisboa. Professora auxiliar no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1649-023, Portugal [scaldeira@ics.lisboa.ucp.pt]. Contribuição no artigo: desenho do estudo, acompanhamento metodológico, escrita e revisão do artigo.

**** Doutoramento em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Médico Oncologista, Diretor de Serviço de Oncologia Médica, Centro Hospitalar entre Douro e Vouga, E.P.E. 4520-211, Santa Maria da Feira. Medial Coordinator, Lenitudes SGPS, 1700-093, Lisboa. Prof. Catedrático convidado da Secção Autónoma de Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro, 3810-193, Aveiro, Portugal [f.pimentel@lenitudes.pt]. Contribuição no artigo: desenho do estudo, acompanhamento metodológico e revisão do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: O conhecimento acerca da espiritualidade em Enfermagem tem-se evidenciado em Portugal, mas ainda é escassa a evidência acerca da perceção desta dimensão nos enfermeiros, bem como a disponibilidade de instrumentos na língua portuguesa que permitam medir fenómenos relacionados. A Spirituality and Spiritual Care Rating Scale (SSCRS) permite avaliar a perceção dos enfermeiros face à espiritualidade e ao cuidado espiritual.

Objetivos: Traduzir, adaptar e validar a SSCRS para português, numa população de enfermeiros portugueses de cuidados paliativos.

Metodologia: Estudo metodológico, numa amostra de 94 enfermeiros de cuidados paliativos.

Resultados: No processo de validação da escala, optou-se por manter a estrutura da escala original com os 17 itens. Obteve-se um alfa de Cronbach entre 0,59 e 0,69 nas subescalas e de 0,76 na escala global. Estes valores são indicadores que a escala tem fidelidade razoável para a população em estudo.

Conclusão: A versão portuguesa da SSCRS revela ser uma escala fiável e com validade de conteúdo para avaliar a perceção dos enfermeiros face à espiritualidade e ao cuidado espiritual.

Palavras-chave: espiritualidade; cuidados paliativos; Enfermagem; estudos de validação.

 

ABSTRACT

Theoretical framework: The knowledge on spirituality in Nursing has increased in Portugal, but there is still low evidence on the nurses’ perception of this dimension of care, as well as limited instruments in portuguese which allow measuring related phenomena. The Spirituality and Spiritual Care Rating Scale (SSCRS) allows assessing the nurses’ perception of spirituality and spiritual care.

Objectives: To translate, adapt and validate the SSCRS into portuguese in a sample of portuguese palliative care nurses.

Methodology: Methodological study using a sample composed of 94 palliative care nurses.

Results: The original structure of the 17-item scale was maintained during the scale validation process. A Cronbach’s alpha between 0.59 and 0.69 in the subscales and 0.76 in the total scale was obtained. These values are indicators of the scale’s reasonable reliability to be used in the population under study.

Conclusion: The portuguese version of the SSCRS proved to be a reliable scale with content validity to assess the nurses’ perception of spirituality and spiritual care.

Keywords: spirituality; palliative care; Nursing; validation studies.

 

RESUMEN

Marco contextual: El conocimiento de la espiritualidad en enfermería ha aumentado en Portugal, sin embargo aún hay pocas pruebas acerca de la percepción de esta dimensión en los enfermeros, así como poca disponibilidad de instrumentos en portugués para medir los fenómenos relacionados. La Spirituality and Spiritual Care Rating Scale (SSCRS) permite evaluar la percepción de los enfermeros sobre la espiritualidad y la atención espiritual.

Objetivos: Traducir, adaptar y validar la SSCRS al portugués en una población de enfermeros portugueses de cuidados paliativos.

Metodología: Estudio metodológico en una muestra de 94 enfermeros de cuidados paliativos.

Resultados: En el proceso de validación de la escala, se optó por mantener la estructura de la escala original con 17 ítems. Se obtuvo un alfa de Cronbach entre 0.59 y 0.69 en las subescalas y de 0.76 en la escala global. Estos valores son indicadores de que la escala tiene una fidelidad razonable para la población en estudio.

Conclusión: La versión portuguesa de la SSCRS demuestra ser una escala fiable y con validez de contenido para evaluar la percepción de los enfermeros acerca de la espiritualidad y la atención espiritual.

Palabras clave: espiritualidad; cuidados paliativos; Enfermería; estudios de validación.

 

Introdução

A espiritualidade é a dimensão da vida que faz de cada pessoa um ser único e singular. É uma dimensão universal, uma vez que se encontra presente na vida de todos e que invoca sentimentos como o amor, a fé, a esperança e a confiança. A palavra espiritualidade deriva da palavra espírito, que consiste “na força devida, na essência e energia de cada pessoa. É a força que confere ao indivíduo a capacidade de transcender as leis naturais e ordens da vida, permitindo atingir uma dimensão misteriosa ou transcendente. O espírito orienta e motiva os indivíduos na procura de sentido e significado, expressando-se em todos os aspectos e experiências da vida, especialmente em momentos de crise e necessidade” (McSherry, 2006, p. 45).

O enfermeiro é o profissional de saúde que cuida o doente nas 24 horas e, por isso, desfruta de uma posição favorável ao desenvolvimento de uma relação interpessoal mais próxima e significativa, que sustenta a prestação de cuidados de Enfermagem. O cuidado espiritual, que se define como esta atitude de cuidar a pessoa doente de modo integral e individual, ajudando-a a encontrar o seu bem-estar espiritual, só é possível neste contexto relacional (Caldeira, 2011). No entanto, os enfermeiros sentem falta de preparação para o cuidado espiritual (Caldeira & Narayanasamy, 2011) e consideram a espiritualidade um conceito subjetivo (McSherry, 2006).

A divulgação científica em Portugal acerca da temática é relativamente recente e escassa (Caldeira, Castelo Branco, & Vieira, 2011) e não existe no país um instrumento que permita avaliar a perceção dos enfermeiros relativamente a esse fenómeno. Esta preocupação torna-se particularmente importante no âmbito dos cuidados paliativos, onde a espiritualidade assume uma posição determinante para o bem-estar do doente paliativo e para que este possa viver o mais ativamente possível até ao momento da sua morte (Hill, Paice, Cameron, & Shott, 2005).

No contexto de desenvolvimento da dissertação de mestrado em cuidados paliativos, considerou-se relevante explorar qual a perceção dos enfermeiros das Unidades de Cuidados Paliativos portuguesas em relação à espiritualidade e ao cuidado espiritual, através da tradução e adaptação linguística e cultural da Spirituality and Spiritual Care Rating Scale (SSCRS). Desta forma, o objetivo do estudo passa por analisar as propriedades psicométricas da SSCRS, permitindo a sua utilização em Portugal.

 

Enquadramento

Atualmente existem inúmeras definições de espiritualidade, assim como diversos estudos que permitem um maior desenvolvimento no campo da investigação da temática em questão. A espiritualidade é entendida como a força vital da vida que integra os componentes biológicos, psicológicos e sociais e que poderá incluir ou excluir componentes religiosos de acordo com o sistema de crenças individuais (Baldacchino, 2011). O conceito de espiritualidade é mais abstrato que o de religião e engloba áreas como o significado da vida, o amor, as relações, os valores pessoais, a individualidade, a paz interior e a tranquilidade (Narayanasamy, 2001). A espiritualidade é universal e está presente em todas as pessoas. As crenças religiosas não são um pré-requisito para a espiritualidade e a pessoa torna-se mais espiritual em tempo de necessidade (McSherry, 2006).

Porque cada pessoa busca a espiritualidade de acordo com as suas crenças e valores, esta dimensão enaltece a singularidade do ser humano, que se reflete na sua forma de ser e de estar perante a vida.

O cuidado espiritual integra as competências dos enfermeiros, não devendo por isso ser uma opção, mas antes um dever presente na sua prática profissional. No entanto, torna-se necessário que o enfermeiro desenvolva as competências necessárias para a promoção deste tipo de cuidado, tal como se verifica para o desenvolvimento de outras competências. Segundo Narayanasamy (2001), a autoconsciência e as competências comunicacionais, tais como o saber escutar e a construção de confiança, são formas de abordagem no que se refere às necessidades espirituais do doente.

A abordagem da espiritualidade do doente paliativo assume um papel primordial, uma vez que “os valores espirituais frequentemente tornam-se mais relevantes em fim de vida” (Gijberts, 2011, p. 852). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2002), os cuidados paliativos têm por missão oferecer a melhor qualidade de vida possível aos doentes que encaram uma doença grave e com prognóstico limitado. A prevenção e o alívio do sofrimento assumem um enlevo especial, não só ao nível físico como também psicossocial e espiritual. Muitas vezes, é nesta fase que a pessoa busca incessantemente a paz interior, reflexo quer da relação com o próprio, quer da sua relação com os outros. Talvez, quando o ser humano se confronta com a morte, tenha uma maior necessidade de encontrar o sentido e significado para a sua vida.

Segundo o National Consensus Project for Quality Palliative Care (2009), o cuidado espiritual constitui um requisito fundamental para a qualidade em cuidados paliativos e as dimensões espirituais e existenciais devem ser avaliadas de forma sistematizada e com base na melhor evidência disponível. Tendo em conta que a unidade recetora dos cuidados é o doente e a sua família/pessoa significativa, torna-se impreterivelmente necessário incluir a família no cuidado espiritual, pois só assim é possível o alívio do sofrimento espiritual do doente paliativo. “Os cuidados espirituais devem ajudar os doentes e suas famílias a encontrarem um significado e promover um senso de conexão e de paz face ao sofrimento e à morte” (Hanson, 2008, p. 908). É no encontro da paz espiritual que a relação entre doente e sua família se enaltece e encontra o verdadeiro significado.

Cientes da importância que a espiritualidade assume no âmbito dos cuidados paliativos, a validação da escala SSCRS permitirá perceber qual a perceção dos enfermeiros portugueses, que trabalham em cuidados paliativos, acerca da espiritualidade e do cuidado espiritual. A avaliação da perceção dos enfermeiros remete para a sua opinião, ideias e para a compreensão acerca das dimensões abordadas (Houaiss & Villar, 2003). Desta forma, o instrumento, depois de validado, ajudará a perceber o que os enfermeiros percecionam acerca da espiritualidade e do cuidado espiritual.

Spirituality and spiritual care rating scale

Embora a espiritualidade constitua uma das mais importantes dimensões da vida humana, particularmente na finitude da vida, a sua avaliação continua a ser difícil e complexa. Consciente desta dificuldade, foi desenvolvida a Spirituality and Spiritual Care Rating Scale (SSCRS), por Wilfred McSherry, em 1997, no Reino Unido, no sentido de identificar as perceções dos enfermeiros em relação à espiritualidade e ao cuidado espiritual, na tentativa de compreender com maior profundidade as razões da negligência da atenção espiritual.

Na construção da escala foram aplicados 1029 questionários a enfermeiros de várias categorias profissionais, de diversas especialidades, do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido. A taxa de resposta foi de 53% que corresponde a uma amostra de 559 enfermeiros (McSherry, Draper, & Kendrik, 2002).

Para a construção do instrumento, e após pesquisa desenvolvida, o autor baseou-se em nove áreas relacionadas com a espiritualidade: esperança, sentido e significado na vida, perdão, crenças e valores, cuidado espiritual, relacionamento interpessoal, fé num Deus ou entidade superior, moral e criatividade/arte (McSherry et al., 2002).

O instrumento original (Figura 1) é constituído por 17 itens, apresentados numa escala tipo Likert. Na sua versão original apresenta um Alfa de Cronbach global de 0,64 e explora 4 fatores (sendo o Fator V eliminado por apresentar apenas um item):

- Fator I – Espiritualidade (itens F, H, I, J, L);

- Fator II – Cuidado Espiritual (itens A, B, G, K, N);

- Fator III – Religiosidade (itens D, M, P)

- Fator IV – Cuidado Personalizado (itens N, O, Q)

 

Metodologia

O presente estudo foi realizado com a finalidade de disponibilizar em português um instrumento que permita avaliar a perceção dos enfermeiros em relação à espiritualidade e ao cuidado espiritual. Caracteriza-se como um estudo do tipo metodológico, no qual se procedeu à tradução e adaptação cultural do instrumento para português e, posteriormente, ao estudo e avaliação das suas propriedades psicométricas.

Seleção dos participantes

A população é composta pelos enfermeiros que desempenham funções nas Unidades de Cuidados Paliativos e Equipas Intra-Hospitalares de Suporte em Cuidados Paliativos, legalizadas pelo Estado português e reconhecidas pela Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos.

Como se pretendia realizar a análise de construto através da análise fatorial, seguimos a indicação de Ribeiro (2010) quanto ao tamanho da amostra, sendo que cada item deve incluir cerca de cinco a 10 participantes. Tendo o instrumento em estudo 17 itens, estimou-se um tamanho compreendido entre os 85 e 170 enfermeiros.

Neste contexto, foram contactados os responsáveis das referidas unidades e equipas, explicaram-se os objetivos do estudo e foi-lhes solicitado que o transmitissem aos enfermeiros das suas unidades/equipas. A partir deste contacto, obteve-se uma amostra inicial de 159 enfermeiros.

Posteriormente, e novamente através dos enfermeiros responsáveis (elos de ligação entre o investigador e a mostra), solicitaram-se os endereços eletrónicos dos participantes, a fim de lhes ser enviado o link para o preenchimento do questionário electrónico.

Verificou-se que nem todos os enfermeiros que consentiram participar no estudo responderam ao questionário enviado, sendo a amostra final constituída por 94 enfermeiros.

Foi solicitado o consentimento livre e informado de todos os participantes e garantido o anonimato e confidencialidade das respostas (salienta-se que, após envio dos questionários, deixava de ser possível a identificação dos enfermeiros). Solicitou-se, também, a autorização ao autor da versão original da SSCRS, não só quanto à sua utilização como também para efeitos de estudo e validação.

Equivalência linguística e conceptual

Numa primeira etapa procedeu-se à equivalência linguística e cultural da SSCRS para a população portuguesa através da tradução, retro tradução, Comité de juízes e pré-teste (Ribeiro, 2010), tal como sintetizado na Figura 1.

Foram realizadas duas traduções da escala original (inglês – português) por dois tradutores independentes, bilingues e profissionais, e foi-lhes explicado qual o objetivo do instrumento a ser validado. Não foi trocada qualquer tipo de informação entre os tradutores ao longo do processo de tradução. As discrepâncias encontradas nas traduções foram posteriormente discutidas entre o investigador e os dois tradutores. Desta discussão resultou a 1ª versão em português da SSCRS.

Numa segunda fase, realizou-se a retro-tradução (português-inglês) da versão portuguesa obtida. Este processo foi realizado por dois novos tradutores independentes, bilingues e profissionais que, por sua vez, desconheciam a escala original. As versões obtidas foram, posteriormente, enviadas ao autor da escala que validou uma das traduções como a mais precisa, comparativamente com o instrumento original que criara e, cuja versão portuguesa respetiva designamos como 2ª versão em português da SSCRS.

Numa terceira fase, o instrumento foi avaliado por um painel de juízes, composto por uma professora de linguística e três enfermeiras (uma perita em metodologia de validação de escalas, uma investigadora em espiritualidade e tradução de escalas e uma mestre em cuidados paliativos). Ao Comité foi explicado o objetivo da sua avaliação e solicitado que verificassem se os conceitos utilizados eram comuns a ambas as culturas (portuguesa e inglesa). Daqui resultou a 3ª versão em português da SSCRS. Esta versão foi submetida a pré-teste através de um questionário eletrónico. Este questionário foi enviado por correio eletrónico a quatro enfermeiros que, à data do estudo, trabalhavam numa Unidade de Cuidados Paliativos. Este pré-teste teve como objetivos garantir que o formato e aparência do questionário, instruções de preenchimento, compreensão dos diferentes itens, recetividade e adesão aos seus conteúdos não afetavam os resultados. De acordo com as sugestões apresentadas foram efetuadas algumas alterações, tais como o acréscimo de questões relacionadas com a caracterização da amostra (tipo de habilitações literárias, regime de trabalho e, no caso de virem a frequentar formação em cuidados espirituais, que temas consideravam importantes desenvolver). Após as alterações, obteve-se a 4ª versão da SSCRS (que integra questões relacionadas com dados demográficos e equivale ao questionário).

 

Resultados

Após concluída a equivalência linguística e conceptual surge a Spirituality and Spiritual Care Rating Scale – versão portuguesa (Figura 2).

Caracterização da amostra

A maioria dos participantes tinham idades compreendidas entre os 21 e os 39 anos (80%), habilitações literárias inferiores ao mestrado (73%), trabalhavam a tempo inteiro (80%), por turnos (80%) e tinham entre dois a seis anos de experiência profissional (73%). Verificou-se que nem todos os enfermeiros que consentiram participar no estudo responderam ao questionário enviado, sendo a amostra final constituída por 94 enfermeiros, o que equivale a uma taxa de resposta de 59%.

Propriedades psicométricas

Terminado o processo de adaptação linguística e cultural, procedeu-se à análise das propriedades psicométricas do instrumento em estudo, nomeadamente a sua validade e fidelidade.

Validade de construto

Inicialmente foi realizada uma análise fatorial exploratória pelo método das componentes principais, com rotação varimax, de acordo com o processo adotado pelos autores originais da medida (McSherry et al., 2002). Foram retidos os fatores que apresentam valores próprios (eigenvalue) superiores a 1 e um peso superior a 0,40. Tal como sucedeu no processo da validação da versão original, numa primeira fase foram encontrados cinco fatores. Contudo, o modelo encontrado no presente estudo não divide os itens da mesma forma que a versão original, agrupando-os da seguinte forma: Fator I (itens B, A, G, O, L), Fator II (itens D, P, N, K, C), Fator III (itens I, F, H), Fator IV (itens Q, J, M) e Fator V (E). Por fim, e à semelhança do que sucedeu na versão original, eliminou-se o último fator por apresentar um único item. No entanto, e tendo em consideração o processo de análise e validade de conteúdo desenvolvido pelo autor, consideramos que a divisão dos itens está mais correta na versão original.

A validade de construto não fica assim demostrada neste estudo e com este tipo de análise, no entanto, face à organização lógica dos itens proposta pelos autores, optou-se por manter a estrutura original e estudar a sua consistência interna.

Fidelidade

A fidelidade de um teste está associada à precisão e constância dos resultados (Ribeiro, 2010).

A partir da análise da estrutura original da escala foi calculado o alfa de Cronbach, uma vez que este permite avaliar a homogeneidade entre os itens da escala (consistência interna).

Numa fase inicial analisou-se o valor de alfa de cada sub-escala. No fator Religiosidade foi retirado o item (d) – Acredito que a espiritualidade envolve apenas a ida à Igreja/Local de Culto e no fator Cuidado Personalizado foi retirado o item (q) – Acredito que a espiritualidade inclui os princípios morais de cada um por estarem a influenciar negativamente a consistência interna das dimensões. No entanto, constatou-se que, se os itens fossem retirados, tal não afetaria grandemente o alfa global da escala. Por esse motivo optou-se por manter os 17 itens (Tabela 1), apresentando a escala um alfa global de 0,76.

 

Discussão

Analisados os dados e estudadas as propriedades psicométricas do instrumento verifica-se que a versão portuguesa apresenta um alfa de Cronbach global superior ao da versão original de McSherry et al. (2002) (a=0,76 versus a=0,64). Apesar do valor de consistência interna obtido no fator Espiritualidade ter sido igual ao que foi encontrado pelo autor (a=0,66), os restantes fatores não seguiram o mesmo padrão. A versão portuguesa apresenta valores de alfa de Cronbach superiores aos da versão original nos fatores Religiosidade (a=0,69 versus a=0,55) e Cuidados Personalizados (a=0,64 versus a=0,48). No entanto, no fator Cuidado Espiritual, esse valor é ligeiramente inferior ao da versão original (a=0,69 versus a=0,73).

Para além do estudo original, encontrou-se um outro onde os autores estudaram a consistência interna do total da medida, tendo sido apresentado um alfa de Cronbach de 0,85 (Khoshknab, Mazaheri, Maddah, & Rahgozar, 2010). No entanto, os autores não analisaram a consistência interna das diversas dimensões. Embora similar quanto ao número de participantes, a constituição da amostra do estudo de Khoshknab et al. (2010) diferencia-se do presente estudo, nomeadamente na distribuição por géneros (sendo que na primeira essa distribuição é mais homogénea) e nas habilitações literárias, que são ligeiramente inferiores no estudo de Khoshknab et al. (2010). Talvez as diferenças obtidas entre os dois estudos possam advir deste facto. Neste sentido, Wong, Lee, e Lee (2008), referem que na análise da espiritualidade e do cuidado espiritual há que ter em conta a influência das habilitações académicas e do género.

Num outro estudo, de McSherry e Jamieson (2011), o alfa de Cronbach obtido foi de 0,80, valor também superior ao da versão portuguesa. Contudo, este estudo foi feito em diversos países e numa amostra 43 vezes superior (n = 4054 enfermeiros), sendo esta diferença o suficiente para melhorar a consistência interna. É ainda de acrescentar que a amostra deste estudo internacional tinha um grande leque de religiões e maior percentagem de pessoas sem religião do que no presente estudo.

No trabalho que desenvolvemos verificou-se existir uma correlação estatisticamente significativa entre as várias dimensões da escala e entre cada dimensão e o total da escala, não sendo esta demasiado elevada. Tal facto vem comprovar que, à semelhança do que aconteceu na versão original, as dimensões não se sobrepõem, mas estão associadas.

No que respeita à análise de fidelidade da SSCRS (versão portuguesa), pode afirmar-se que a medida evidenciou bons níveis de consistência interna no global e nas dimensões consideradas. Para além disso, parece adequar-se em termos de validade de conteúdo, tendo em conta o processo de equivalência linguística desenvolvido e a concordância conceptual entre o painel de avaliadores.

Apesar dos resultados encontrados permitirem a utilização da versão portuguesa do instrumento e, portanto, a continuidade da investigação neste âmbito, considera-se importante aplicar o instrumento em amostragens mais amplas e diversificadas, preferencialmente do tipo probabilístico. Apesar dos esforços realizados, não nos foi possível contactar em tempo útil todas as Unidades de Cuidados Paliativos e Equipas Intra-Hospitalares de Suporte em cuidados paliativos do país, o que veio a constituir uma limitação na constituição da amostra e, por conseguinte, para o estudo.

 

Conclusão

O método adotado e os dados obtidos neste estudo são aceitáveis, pelo que se pode concluir que a SSCRS – versão portuguesa apresenta razoáveis características psicométricas. A fiabilidade, considerando a consis-tência interna, é satisfatória para que a escala seja utilizada em contexto de estudos descritivos. Assim sendo, sugerimos a realização de estudos com amostras maiores e diversificadas, de modo a garantir e consolidar as propriedades psicométricas do instrumento.

A versão portuguesa da SSCRS poderá constituir um incentivo à realização de novos trabalhos constituindo, portanto, uma mais valia não só para o estudo da espiritualidade como também para a prática clínica e para a qualidade dos cuidados de Enfermagem. Com efeito, o instrumento - que permite avaliar a perceção dos enfermeiros face à espiritualidade e ao cuidado espiritual - poderá constituir um importante ponto de partida para o despertar de consciências, ajudando, por um lado, os enfermeiros a refletirem sobre a sua própria espiritualidade e, por outro, sensibilizando-os para a importância do cuidado espiritual.

 

Referências bibliográficas

Baldacchino, D. (2011). Teaching on spiritual care: The perceived impact on qualified nurses. Nurse Education in Practice, 11(1), 47-53. doi: 10.1016/j.nepr.2010.06.008        [ Links ]

Caldeira, S. (2011). Espiritualidade no cuidar. Lisboa, Portugal: Coisas de Ler.         [ Links ]

Caldeira, S., Castelo Branco, Z., & Vieira, M. (2011). A espiritualidade nos cuidados de enfermagem: Revisão da divulgação científica em Portugal. Revista de Enfermagem Referência, 3(5), 145–152. doi: 10.12707/RIII1133        [ Links ]

Caldeira, S., & Narayanasamy, A. (2011). Programas de educação em enfermagem acerca da espiritualidade: Uma revisão sistemática. CuidArte Enfermagem, 5(2), 123-128.         [ Links ]

Gijsberts, M. J., Echteld, M.A., van der Steen., J. T., Muller, M. T., Otten, R. H., Ribbe, M. W., & Deliens, L. (2011). Spirituality at the end of life: Conceptualization of measurable aspects: A systematic review. Journal of Palliative Medicine, 14(7), 852-863. doi: 10.1089/jpm.2010.0356        [ Links ]

Hanson, L., Dobbs, D., Usher, B., Williams, S., Rawling, J., & Daaleman, T. (2008). Providers and types of spiritual care during serious illness. Journal of Palliative Medicine, 11(6), 907- 913. doi: 10.1089/jpm.2008.0008        [ Links ]

Hill, J., Paice, J., Cameron, J., & Shott, S. (2005). Spirituality and distress in palliative care consultation. Journal of Palliative Medicine, 8(4), 782-788. doi: 10.1089/jpm.2005.8.782        [ Links ]

Houaiss, A., & Villar, M. S. (2003). Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Lisboa, Portugal: Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia.         [ Links ]

Khoshknab, M., Mazaheri, M., Maddah, S., & Rahgozar, M. (2010). Validation and reliability test of persian version of The Spirituality and Spiritual Care Rating Scale. Journal of Clinical Nursing, 19(19-20), 2939-2941. doi: 10.1111/j.1365-2702.2010.03411.x        [ Links ]

Mcsherry, W., Draper, P., & Kendrik, D. (2002). The construct validity of a rating scale designed to a assess spirituality and spiritual care. International Journal of Nursing Studies, 39(7), 723-734.dDoi: 10.1016/S0020-7489(02)00014-7        [ Links ]

Mcsherry, W. (2006). Making sense of spirituality in nursing and health care practice (2nd ed.). London, England: Jessica Kingsley Publishers.         [ Links ]

Mcsherry, W., & Jamieson, S. (2011). An online surveys of nurses´perceptions of spirituality ans spiritual care. Journal of Clinical Nursing, 20(11), 1757-1767. doi: 10.1111/j.1365-2702.2010.03547.x        [ Links ]

Narayanasamy, A. (2001). Spiritual care: A practical guide for nurses and health care practitioners (2nd ed.). Wilshire, CA: Quay Books.         [ Links ]

National Consensus Project for Quality Palliative Care. (2009). Clinical practice guidelines for quality palliative care. Recuperado de http://www.nationalconsensusproject.org/        [ Links ]

World Health Organization. (2002). Definition of palliative care. Recuperado de http://www.who.int/cancer/palliative/definition/en/        [ Links ]

Ribeiro, J. (2010). Metodologia de investigação (3ª ed.). Porto, Portugal: Legis Editora.         [ Links ]

Wong, K. F., Lee, L. Y. K., & Lee, J. K. L. (2008). Hong Kong enrolled nurses´perceptions of spirituality and spiritual care. International Nursing Review, 55(3), 333-340. doi: 10.1111/j.1466-7657.2008.00619.x        [ Links ]

 

Recebido para publicação em: 30.05.13

Aceite para publicação em: 07.08.14

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons