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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.4 Coimbra feb. 2015

https://doi.org/10.12707/RIV14031 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Questionário de Avaliação da Literacia em Saúde Mental – QuALiSMental: estudo das propriedades psicométricas

Questionnaire for Assessment of Mental Health Literacy – QuALiSMental: study of psychometric properties

Cuestionario de Evaluación de la Alfabetización en la Salud Mental – QuALiSMental: estudio de las propiedades psicométricas

 

Luís Manuel de Jesus Loureiro*

* Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [luis.loureiro@esenfc.pt]. Morada para correspondência: Urbanização Vale do Rosal, Lote 17, 2º Dtº., 3040-339 Coimbra, Portugal.

 

RESUMO

Enquadramento: A avaliação da literacia em saúde mental é um aspeto fundamental para a concepção e implementação de programas de educação e sensibilização para a saúde mental, especificamente no contexto escolar, dado a elevada prevalência de perturbações mentais em adolescentes e jovens e a necessidade de intervenções ajustadas aos contextos e públicos-alvo.

Objectivos: Apresentar a avaliação das propriedades psicométricas do Questionário de Avaliação da Literacia em Saúde Mental (QuALiSMental).

Metodologia: Estudo realizado com a aplicação do questionário a uma amostra aleatória e representativa de 4.938 adolescentes e jovens portugueses, que frequentam as escolas da região de Abrangência da Direcção Regional de Educação do Centro.

Resultados: O QuaLiSMental apresenta índices de fiabilidade aceitáveis e uma estrutura fatorial que é consistente com as componentes teóricas da literacia em saúde mental.

Conclusão: O questionário poderá ser aplicado, quer como medida de rastreio da literacia, quer ainda como medida de avaliação do impacto das intervenções no domínio da promoção da saúde mental de adolescentes e jovens.

Palavras-chave: saúde mental; questionários; literacia em saúde mental; adolescente.

 

ABSTRACT

Theoretical framework: The assessment of mental health literacy is a key aspect in the design and implementation of mental health education and awareness programmes, specifically in school settings, given the high prevalence of mental disorders in adolescents and young people and the need for interventions adjusted to specific settings and target groups.

Objectives: To describe the assessment of the psychometric properties of the Questionnaire for Assessment of Mental Health Literacy (QuALiSMental).

Methodology: Administration of the questionnaire to a random and representative sample of 4.938 Portuguese adolescents and young people attending schools in the area of coverage of the Regional Directorate of Education - Centre.

Results: The QuALiSMental has acceptable levels of reliability and a factor structure which is consistent with the theoretical components of mental health literacy.

Conclusion: The questionnaire may be applied both as a screening measure of literacy and as a measure for assessing the impact of interventions on the promotion of mental health among adolescents and young people.

Keywords: mental health; questionnaires; mental health literacy; adolescent.

 

RESUMEN

Marco contextual: La evaluación de la alfabetización en la salud mental es un aspecto fundamental para el diseño y la implementación de programas de educación y sensibilización para la salud mental, especialmente en el contexto escolar, dada la alta prevalencia de trastornos mentales en los adolescentes y jóvenes y la necesidad de intervenciones ajustadas a los contextos y al público objetivo.

Objetivos: Presentar la evaluación de las propiedades psicométricas del Cuestionario de Evaluación de la Alfabetización en Salud Mental (QuaLiSMental).

Metodología: Estudio realizado con la aplicación del cuestionario a una muestra aleatoria y representativa de 4.938 adolescentes y jóvenes portugueses que asisten a escuelas en el ámbito de la Dirección Regional de Educación del Centro.

Resultados: El QuaLiSMental tiene niveles de fiabilidad aceptables y una estructura factorial que es consistente con los componentes teóricos de la alfabetización en la salud mental.

Conclusión: El cuestionario se puede aplicar tanto como medida de detección de la alfabetización como medida para evaluar el impacto de las intervenciones en la promoción de la salud mental de los adolescentes y jóvenes.

Palabras clave: salud mental; cuestionarios; alfabetización en salud mental; adolescente.

 

Introdução

A literacia em saúde mental pode ser definida como as crenças e conhecimentos acerca dos problemas e perturbações mentais que permitem o seu reconhecimento, gestão (no sentido do autocuidado) e prevenção (Jorm, 2012; Loureiro & Abrantes, 2014; Jorm, 2014). Trata-se de um conceito basilar que tem vindo a assumir lugar de destaque no panorama das mais diversas áreas de saber e intervenção profissional, como é exemplo a Enfermagem (Loureiro, Mendes et al., 2012).

Desde 1997, altura em que são apresentados, quer o conceito, quer ainda os resultados do primeiro trabalho realizado na Austrália (Jorm, Korten, Rodgers et al., 1997) que muitos têm sido os estudos desenvolvidos nos mais diversos países e continentes, em contextos situacionais, económicos, sociais e culturalmente diferenciados (Jorm, 2012; Jorm, 2014).

Em termos de instrumentos de colheita de dados, a quase totalidade dos estudos publicados e que avaliam a literacia em saúde mental, tal como proposto por Jorm, Korten, Jacomb et al. (1997) recorrem ao Survey of Mental Health Literacy in Young People – Interview Version (Jorm, Korten, Rodgers et al., 1997), um instrumento que permite avaliar as componentes da literacia em saúde mental relativamente a diferentes perturbações e com versões que mantendo a estrutura fundamental permitem estudar, com adaptações, amostras de adolescentes, jovens e adultos (Jorm, Korten, Rodgers et al., 1997; Jorm et al., 2000; Jorm, Mackinnon, Christensen, & Griffiths, 2005).

No contexto português existe apenas um instrumento de avaliação da literacia em saúde mental, designado de Questionário de Avaliação da Literacia em Saúde Mental (Loureiro, Pedreiro, & Correia, 2012), e que foi adaptado a partir da versão para adolescentes e jovens do Survey of Mental Health Literacy in Young People - Interview Version. Este instrumento tem sido utilizado de forma reiterada para avaliar a literacia em saúde mental de adolescentes e jovens portugueses (Loureiro, Jorm et al., 2013; Loureiro, Barroso et al., 2013; Loureiro, Jorm et al., 2014)

O objetivo deste artigo é apresentar a avaliação das propriedades psicométricas do Questionário de Avaliação da Literacia em Saúde Mental (QuaLiSMental), na versão para adolescentes e jovens, relativamente à depressão. Simultaneamente pretende-se avaliar a capacidade preditiva do questionário ao nível da intenção de procura de ajuda em saúde mental.

 

Enquadramento

O conceito de literacia em saúde mental, definido na introdução, envolve um conjunto de componentes das quais se destacam: a) o reconhecimento das perturbações mentais de modo a promover e facilitar a procura de ajuda; b) o conhecimento sobre os profissionais e tratamentos disponíveis; c) o conhecimento sobre a eficácia das estratégias de autoajuda; d) o conhecimento e as competências para prestar apoio e primeira ajuda aos outros; e) o conhecimento do modo de como se podem prevenir as perturbações mentais (Jorm, 2012; 2014).

Apesar de existirem na literatura instrumentos que permitem avaliar, ainda que de forma indireta, algumas das componentes da literacia em saúde mental, apenas o Survey of Mental Health Literacy in Young People, na versão de entrevista, foi desenhado com intuito de avaliar em simultâneo, todas as componentes da literacia em saúde mental, para diferentes tipos de perturbações.

O uso deste instrumento de forma generalizada, tem vários aspetos positivos, sendo de realçar o facto de permitir comparar a literacia em saúde mental de diferentes contextos culturais, sociais e económicos, o que se traduz desde logo numa mais-valia em termos daquelas que são as necessidades e desafios de intervenção neste domínio (Jorm, 2014).

Em termos de estudo e avaliação das qualidades psicométricas do instrumento original, os estudos publicados respeitam apenas algumas das componentes (Jorm, Korten, Rodgers et al., 1997; Jorm et al., 2000; Jorm et al., 2005). A título de exemplo, não existem estudos de validação da componente reconhecimento das perturbações, ainda que existam dezenas de trabalhos em que esta componente da literacia é avaliada.

Em 1997, os autores publicaram uma análise relativa aos itens da componente conhecimento sobre os profissionais e tratamentos disponíveis (Jorm, Korten, Rodgers et al., 1997), a partir de uma amostra de 2.031 australianos com idades compreendidas entre os 18 e os 74 anos. A análise fatorial evidenciou, uma estrutura com três fatores que os autores designaram como Médica (agregando os itens relativos a medicação prescrita), Psicológica (itens relativos aos profissionais que podem ajudar e terapias) e Estilo de vida (itens relativos a ajuda não profissional, ex. chás, vitaminas, procurar amigos chegados, familiares, atividade física).

Posteriormente foram publicados os resultados de outra análise (Jorm et al., 2000), relativa aos mesmos itens, mas aplicando uma Análise Fatorial Confirmatória. A amostra foi constituída por 3.109 australianos adultos (Jorm et al., 2000). Os resultados foram idênticos aos do trabalho anterior, tendo-se mantido as designações dos fatores do estudo anterior.

Em 2005, os autores voltaram a publicar outro estudo (amostra de 3.998 adultos australianos), mas agora acrescentando aos itens da componente conhecimento sobre os profissionais e tratamentos disponíveis, os itens da componente eficácia das estratégias de autoajuda (Jorm et al., 2005). Os itens foram submetidos a análises fatoriais exploratórias, tendo os autores obtido uma estrutura com quatro fatores, que foram designados como estilo de vida, psicológica, médica e procura de informação. Este último fator agrega os itens relativos à procura de informação em saúde mental, como consultar um website sobre o problema e ler um livro de autoajuda.

 

Metodologia

Tipo de estudo

O presente estudo é de natureza quantitativa, de tipo metodológico, uma nomenclatura que se ajusta sobretudo ao tipo e pressupostos do trabalho efetuado.

Amostra

A colheita de dados foi realizada na região centro de Portugal Continental, a partir de uma amostra representativa de adolescentes e jovens com idades entre os 14 e os 24 anos, a frequentarem o 3.º ciclo do ensino básico e o ensino secundário, de 50 escolas que estão enquadradas na Direção Regional de Educação do Centro (DREC).

Foi utilizada uma amostragem multi-etapas por clusters, recorrendo ao Random Sequence Generator para a seleção das escolas e turmas sendo a amostra constituída por 4.938 adolescentes e jovens portugueses, 43,3% do género masculino e 56,7% do género feminino, com uma média de idade de 16,75 anos e desvio padrão de 1,62 anos.

Instrumento de colheita de dados

O instrumento de colheita de dados (QuALiSMental) é constituído por um conjunto de itens que pretendem avaliar as cinco diferentes componentes da literacia em saúde mental, utilizando diversos formatos de resposta, tal como se apresenta em detalhe na descrição do instrumento na apresentação dos resultados.

A 1.ª parte inclui as instruções de preenchimento e questões de caracterização sociodemográfica (género, idade, local de residência, distrito e habilitações literárias dos pais). A 2.ª parte do questionário é composta por diferentes secções relativas a cada componente da literacia em saúde mental. Previamente é apresentada uma vinheta relatando um caso de depressão, de acordo com os critérios de diagnóstico de abuso de álcool da DSM-IV-TR (Associação Americana de Psiquiatria, 2006).

A componente reconhecimento das perturbações é constituída por vários rótulos que os indivíduos podem assinalar no formato de escolha múltipla. Além dos rótulos (ex: depressão, esgotamento) inclui ainda as opções de resposta, não tem nada, não sei, tem um problema e outro, devendo neste último, indicar qual.

A componente conhecimento sobre os profissionais e tratamentos disponíveis é constituída por um total de 16 itens, sendo o formato de resposta: útil, prejudicial; e nem uma coisa nem outra.

As componentes, conhecimento sobre a eficácia das estratégias de autoajuda e conhecimento e as competências para prestar apoio e primeira ajuda aos outros, são constituídas respetivamente por 12 itens e 10 itens, sendo o formato de resposta: útil, prejudicial; nem uma coisa nem outra.

A última componente da literacia em saúde mental que surge no QuALiSMental (o conhecimento do modo de como se podem prevenir as perturbações mentais) é constituída por 8 itens, sendo o formato de resposta: sim; não e não sei.

O conteúdo dos itens das dimensões surgem nas tabelas dos resultados.

Procedimentos metodológicos

Os dados foram colhidos entre os meses de novembro de 2011 e maio de 2012, tendo sido utilizada amostragem por clusters. O questionário foi administrado em espaço de sala de aula, em sessões coletivas, com supervisão de um membro da equipa e de um professor da turma. O tempo de resposta ao questionário situou-se entre 40 a 50 minutos.

Considerações ético-legais

O QuALiSMental foi submetido à Direção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação do Governo Português (processo n.º 0252500001) e à Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde – Enfermagem (UICISA: E) da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (N.º: P58-12/2011). Em ambos os casos o parecer foi positivo, tendo sido aprovada a sua utilização e autorizada a aplicação. Dadas as características da amostra (na maioria menores de idade), o instrumento era acompanhado pelo formulário de consentimento informado para assinar pelos pais/encarregados de educação, ou, nos casos em que os jovens tinham idade = a 18 anos, um formulário de consentimento próprio.

Os dados foram inseridos e tratados no software IBM-SPSS 22.0. Foram calculadas as estatísticas resumo adequadas e as frequências absolutas e percentuais sempre que necessário. O estudo de validade de construto foi realizado para os itens de todas as componentes com recurso a Análises Fatoriais Exploratórias sobre a matriz de correlações de Spearman, coeficiente phi (?) e V de Cramer, dado o formato de resposta dos itens, com extração dos fatores pelo método de componentes principais (ACP) seguido de rotação ortogonal Varimax (Maroco, 2011).

A decisão do número de fatores a reter na análise foi realizada tendo como critérios, apresentar valores próprios (eigenvalue) =1.00, auxiliada pelo scree test e a percentagem de variância explicada por fator. Previamente à realização da AFE, calculou-se a medida KMO e o teste de esfericidade de Bartlett.

A análise de fiabilidade foi realizada, recorrendo ao cálculo do coeficiente Alpha de Cronbach para cada um dos fatores emergidos da análise.

Posteriormente os scores dos fatores emergidos da análise de todas as componentes foram submetidos a uma Análise de Regressão Logística (binária).

 

Resultados

No que concerne à componente reconhecimento das perturbações, procedeu-se ao cálculo da matriz de coeficientes phi (?) e sobre essa matriz foi efectuada uma AFE com extração dos fatores pelo método de CP seguido de rotação Varimax. A medida KMO foi de 0,65 (valor baixo para recomendação da AF), ainda assim o teste de esfericidade apresentou significado estatístico (p<,001) e perseguiu-se com a análise.

Como se pode observar (Tabela 1), a solução encontrada aponta para cinco fatores com valores próprios superiores a 1,00 e que explicam na globalidade 46,84% da variância.

O 1.º fator explica 9,72% da variância e nele pontuam com loadings >,40, os rótulos, depressão, stresse, esgotamento nervoso e problemas psicológicos/emocionais/mentais. O 2.º fator agrega os itens alcoolismo e abuso de substâncias e apresenta uma percentagem de variância explicada de 9,69%. Relativamente ao 3.º fator, explica 9,36% da variância e nele saturam com itens esquizofrenia, psicose, doença mental e cancro. O 4.º fator, corresponde aos rótulos bulimia e anorexia e explica 9,27% da variância. No último fator (5.º), que explica 8,79% da variância, encontram-se agregados os itens tem um problema, crise da idade e stresse.

Para os itens relativos às componentes conhecimento sobre os profissionais que podem ajudar e tratamentos disponíveis e conhecimento das estratégias de auto ajuda, procedeu-se como efetuado nos estudos de validade originais (Jorm, Korten, Rodgers et al., 1997; Jorm et al., 2000; Jorm et al., 2005). Neste sentido, os itens foram submetidos a uma AFE sobre a matriz de correlações de Spearman, dado o formato de resposta, com extração dos fatores pelo método de ACP seguido de rotação Varimax.

O valor da medida KMO é aceitável (0,77) e o valor do teste de Bartlett é estatisticamente significativo (p<,001). Como se pode observar (Tabela 2), a solução encontrada com cinco fatores explica na totalidade cerca de 40,00% da variância.

O 1.º fator, foi designado de profissionais e ajuda profissional, explica 8,83% da variância e agrega os itens médico de família, psicólogo, enfermeiro, assistente social e psiquiatra, assim como os itens juntar-se a um grupo de apoio com o mesmo problema e procurar ajuda especializada em saúde mental.

O 2.º fator explica 8,07% da variância e foi designado de estratégias prejudiciais. Nele pontuam os itens, resolver os seus problemas sozinha, utilizar bebidas alcoólicas para relaxar e fumar para relaxar.

O 3.º fator, designado de medicação, explica 8,06% da variância e agrega os itens relativamente a medicamentos sujeitos a prescrição médica, nomeadamente: tranquilizantes/calmantes, antidepressivos, antipsicóticos e comprimidos para dormir.

O 4.º fator, designado de estratégias de autoajuda, explica 7,85% da variância. Neste fator pontuam os itens relativos a produtos não médicos, isto é, de venda livre, como são as vitaminas e chás, e os itens relativos a estratégias de autoajuda como o exercício físico, treino de relaxamento, meditação, acupuntura e levantar-se cedo e apanhar sol.

O último fator (5.º) designado de ajuda informal explica 6,32% da variância e pontuam no fator dois itens relativos à ajuda informal, nomeadamente falar com um familiar próximo e amigo significativo, e os itens de procura de informação e apoio (linha telefónica, consultar um site sobre o problema, ler um livro de autoajuda sobre o problema).

Os valores obtidos relativamente à análise de fiabilidade, apesar de serem baixos em alguns fatores, são aceitáveis.

No que concerne aos itens da componente conhecimento e as competências para prestar primeira ajuda, o valor da medida KMO obtido é baixo, contudo o resultado do teste de esfericidade de Bartlett obtido mostrou ser estatisticamente significativo (p<,05).

Como se pode observar na Tabela 3, a solução de três fatores explica na totalidade 47,24% da variância, sendo que o 1.º fator explica 16,99% da variância e agrega os itens que os participantes percecionam como estratégias negativas, nomeadamente, Perguntar se tem tendências suicidas, Sugerir que beba uns copos para esquecer os problemas, Não valorizar o seu problema, Ignorando até que se sinta melhor. O item ouvir os seus problemas de forma compreensiva carece de transformação de identidade.

O 2.º fator, entendido como estratégias não profissionais de autoajuda, explica 15,35% da variância e agrega os itens Dizer-lhe com firmeza para andar para a frente, Reunir o grupo de amigos para o animar, Mantê-lo ocupado para que não pense tanto nos seus problemas e Incentivá-lo a praticar exercício físico.

O 3.º fator, sugestão de ajuda profissional explica 14,96% da variância e agrega os itens Sugerir procura de um profissional de saúde especializado e Marcar consulta no médico de família com o seu conhecimento.

Como se pode observar na Tabela 4, os valores do coeficiente alpha de Cronbach para avaliar a fiabilidade dos itens revela valores muito baixos.

Relativamente à última componente da literacia em saúde mental, conhecimento do modo de como se podem prevenir as perturbações mentais, os resultados obtidos pela AFE (efetuada sob a matriz V de Cramer) permitem observar uma solução com dois fatores que explicam na totalidade, 55,63% da variância. Os resultado obtido pela KMO é aceitável, no entanto o teste de esfericidade de Bartlett apresenta um resultado estatisticamente significativo (p<,05).

O 1.º fator é constituído por três itens que estão associados a estratégias positivas centradas nas redes de suporte social, relaxamento e exercício e explica 30,76% da variância. O 2.º fator explica 24,88% da variância e engloba as estratégias percecionadas como negativas, como são o uso de álcool e outras drogas.

Os valores da medida de fiabilidade obtidos são aceitáveis.

No sentido de procurar verificar quais os fatores emergidos das diversas análises fatoriais realizadas às componentes da literacia em saúde mental, medidas pelo QuALiSMental, são preditores da intenção de procura de ajuda em saúde mental, realizou-se uma análise de Regressão Logística Binária tendo como critério as respostas à questão se estivesses a viver uma situação igual à da joana, procurarias ajuda, cuja resposta se encontra dicotomizada em sim (valor 1) e não (valor 0).

Como se pode observar da Tabela 5, os fatores que apresentam significado estatístico são, na componente reconhecimento das perturbações, o fator 4 (B=,15; OR=1,16) e que é constituído pelos rótulos anorexia e bulimia, e o fator 5 (B=-,12; OR=,88) relativo aos rótulos stresse, crise da idade e tem um problema. No que concerne aos fatores das componentes conhecimento sobre os profissionais que podem ajudar e tratamentos disponíveis e conhecimento das estratégias de auto ajuda, entram no modelo os fatores Profissionais e ajuda profissional (B=,08; OR=1,08) e estratégias prejudiciais (B=-,13; OR=,88). Da componente conhecimento e competências para prestar apoio, é retido pelo modelo o fator encaminhamento para ajuda profissional (B=,38; OR=1.46; p<,001) e da componente conhecimento de como se podem prevenir as perturbações mentais, o fator estratégias negativas (B=,07; OR=1,08; p<,01). O modelo apresenta valores moderados ao nível das medidas de

Cox & Snell (R2=,85) e de Nagelkerke (R2=,12). A interpretação dos valores das Odds Ratios permite verificar que o modelo ajustado com estes preditores faz sentido, ao nível da variável critério, isto porque a intenção de pedir ajuda surge associada a níveis mais adequados de literacia em saúde mental.

 

Discussão

Como podemos observar, os resultados obtidos nestas análises permitem-nos alguns comentários.

O primeiro prende-se com os propósitos da análise fatorial efetuada aos rótulos da dimensão reconhecimento das perturbações mentais. De facto, se o objetivo for avaliar aquele que é o conhecimento efetivo dos adolescentes e jovens, isto é, a sua capacidade de reconhecer adequadamente uma perturbação mental a partir da leitura dos rótulos apresentados, a análise fatorial pode não fazer sentido, já que não nos fornece informação sobre esse aspeto, sendo por isso mais adequado analisar individualmente as respostas individuais aos itens (rótulos) assinalados e eventualmente às suas combinações que permitem considerar que o indivíduo é capaz de reconhecer adequadamente o problema/perturbação (Loureiro, Jorm et al., 2013). Na maioria das vezes, o desenho de programas deve partir da análise dos deficits neste domínio, logo a tentação de criar scores a partir dos loadings de cada item no fator poderá não fazer sentido, correndo-se mesmo o risco de perder informação relevante. Este problema poderá estar presente em todas as componentes, pelo que a análise feita a partir do QuALiSMental deve ser centrada nos objetivos do estudo e no fim a dar aos resultados que se pretendem apurar.

Contudo, o recurso que fizemos à Análise Fatorial nesta componente e respetiva criação de scores foi no sentido, quer deste tipo de análise permitir reduzir os itens num conjunto menor de fatores que nos permitem observar como os adolescentes e jovens perspetivam a depressão, a partir dos rótulos assinalados. Neste sentido o que observamos é que existe uma visão distinta do problema evocado pela vinheta da depressão.

A análise fatorial emergida para os itens das componentes conhecimento sobre os profissionais que podem ajudar e tratamentos disponíveis e conhecimento das estratégias de auto ajuda, é também ela satisfatória, ainda que se afaste ligeiramente dos resultados apresentados noutros estudos (Jorm et al., 2005).

A componente conhecimento e as competências para prestar apoio e primeira ajuda aos outros é a que apresenta resultados mais insatisfatórios, quer quanto à complexidade da estrutura fatorial apresentada, quer ainda quanto ao valor da fiabilidade dos fatores, mesmo que o número de itens seja reduzido para cada fator. Ainda assim, e como se referiu no início da discussão, deve ponderar-se a utilização dos scores calculados com base nos resultados da AFE e ser cauteloso quanto à sua utilização. Se pensarmos que esta componente é fundamental, por exemplo, para avaliação do impacto de acções de formação em termos de primeira ajuda em saúde mental para adolescentes e jovens (Loureiro, Sousa, & Gomes, 2014), é certamente preferível utilizar a análise individual dos itens.

Por último a componente conhecimento do modo de como se podem prevenir as perturbações mentais (Jorm, 2012; 2014) mostra que os adolescentes e jovens perspetivam a prevenção, quer pela manutenção e promoção das redes de apoio e suporte social, quer ainda pela adoção de comportamentos saudáveis, tais como evitar a utilização de álcool e de outras drogas.

Os resultados da Análise de Regressão Logística (binária) indiciam que os níveis mais elevados de literacia nas suas componentes, tendem a surgir associados com a intenção de pedir ajuda em saúde mental, o que abona em nome do questionário.

 

Conclusão

Face ao exposto, conclui-se que o QuALiSMental evidencia ser uma medida válida, (com validade de construto) e fidedigna (índices de fidelidade satisfatórios) podendo ser utilizada como medida de avaliação da literacia em saúde mental. Os resultados emergidos ajustam-se à derivação racional subjacente ao questionário e os resultados obtidos pela análise fatorial.

Neste sentido a sua utilização no domínio da investigação e inclusive da prática de enfermagem justifica-se, dado o extenso campo de atuação destes profissionais, nomeadamente no domínio da educação e promoção da saúde, quer, por exemplo, nos contextos escolares, quer ainda na gestão para o autocuidado.

Poderá pois ser utilizada como medida da literacia em saúde mental, adequando-se a diferentes perturbações. Dada a sua natureza e extensão, tem a virtude de ser fácil e de rápida administração.

Estudos posteriores devem incluir outras medidas associadas à literacia em saúde mental, seja de avaliação psicológica, sejam ainda de outras dimensões como são exemplos o estigma (pessoal e percebido) e a familiaridade com as perturbações.

 

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Recebido para publicação em: 20.03.14

Aceite para publicação em: 09.09.14

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