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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.8 Coimbra dic. 2012

https://doi.org/10.12707/RIII1273 

Adaptação dos adolescentes com cancro na fase de tratamento: uma revisão da literatura

 

Manuel G. H. Gameiro*

* Mestre em Ciências de Enfermagem; Doutorando em Enfermagem. Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra [mgameiro@esenfc.pt].

 

Resumo

O cancro na adolescência é uma experiência especialmente crítica. Os adolescentes com cancro têm de enfrentar as exigências do confronto com a ameaça vital e o sofrimento relacionados com a doença e os tratamentos, em simultâneo com os desafios e as condições desenvolvimentais próprios da sua fase etária.

Com o propósito central de conhecer “como se caracteriza e se processa a adaptação dos adolescentes com cancro durante o tratamento”, realizámos uma revisão sistemática da literatura empírica indexada em bases de dados online. Foram analisados 15 artigos publicados desde o ano 2000.

Dos resultados, salienta-se alguma consistência entre as evidências empíricas geradas, nomeadamente acerca dos mecanismos de confronto e de ajustamento e sobre as respostas adaptativas comuns nesta população.

São enunciadas novas perspetivas e evocados outros fenómenos a necessitarem de mais investigação, em particular centrada no processo de adaptação, enquanto transição pessoal. São ainda deduzidas algumas implicações para a prática de enfermagem.

Palavras-chave: adolescente; adaptação; coping; cancro.

 

Adaptation of adolescents with cancer during treatment: a literature review

Abstract

Cancer in adolescence is an especially critical experience. Adolescents with cancer have to face the demands of confronting the threat to life and suffering related to the illness and treatments, along with the challenges and developmental conditions of their own stage in life.

We conducted a systematic review of empirical literature indexed in online databases with the main aim of understanding “how to characterize and process the adaptation during treatment of adolescents with cancer“. Fifteen articles published since the year 2000 were analysed.

From the results we identified some consistency in the empirical evidence, particularly related to coping and adjustment mechanisms and adaptive responses common in this population.

New perspectives are described and other aspects suggested which need further research, particularly focusing on the adaptation process during personal transition. Some implications for nursing practice are also identified.

Keywords: adolescent; adaptation; coping; cancer.

 

Adaptación de los adolescentes con cáncer durante el tratamiento: una revisión de la literatura

Resumen

El cáncer en la adolescencia es una experiencia especialmente crítica. Los adolescentes con cáncer tienen que enfrentarse a las exigencias de la confrontación con la amenaza vital y el sufrimiento relacionados con la enfermedad y los tratamientos, al mismo tiempo que lo hacen a los desafíos y condiciones de su fase de desarrollo.

Con el principal propósito de saber “cómo se caracteriza y se procesa la adaptación de los adolescentes con cáncer durante el tratamiento”, hemos realizado una revisión sistemática de la literatura empírica indexada en bases de datos en línea. Se analizaron 15 artículos publicados desde el año 2000.

A partir de los resultados, se destacada una cierta consistencia entre las evidencias empírica generadas, en particular en relación a los mecanismos de confrontación y de ajuste y sobre las respuestas de adaptación comunes en esta población.

Se abren nuevas perspectivas y se mencionan otros fenómenos que necesitan ser más investigados, especialmente en relación al proceso de adaptación como transición personal. También se deducen algunas implicaciones para la práctica de enfermería.

Palabras clave: adolescente; adaptación; afrontamiento; cáncer.

 

Introdução

Para os adolescentes com cancro, às tarefas de desenvolvimento próprias da idade, acrescentam-se as que derivam do confronto com a doença e respectivos tratamentos, as quais são frequentemente conflituantes ou incompatíveis (Ettinger e Heiney, 1993). Estes doentes já adquiriram as competências cognitivas que lhes permitem perceber a dimensão da ameaça, contudo, ainda não possuem condições de maturidade e de experiência de vida que lhes sirvam de referência de autoeficácia para enfrentar esta dupla contenda.

Num período de vida em que a aceitação pelos pares, a auto-imagem e a conquista da independência são questões essenciais, o tratamento do cancro impõe um aumento da dependência dos pais e o afastamento dos pares. Para além disso, estes adolescentes têm de lidar com várias situações de stresse, entre as quais numerosas idas ao hospital e internamentos repetidos, intervenções diagnósticas, de tratamento e de avaliação dolorosas e ansiogénicas, e ainda com os efeitos adversos dos tratamentos (Abrams, Hazen e Penson, 2007; Smith et al., 2007; Manne e Miller, 1998).

O conceito de adaptação, embora muitas vezes usado como sinónimo de ajustamento, é mais amplo. A sua origem situa-se na Teoria da Evolução de Darwin e de certa forma designa a luta natural pela sobrevivência, tendo em conta as constantes alterações no meio (interno e externo), que constituem as contingências da existência dos indivíduos e deve ser vista mais como processo do que resultado, já que corresponde a uma necessidade permanente. Nesta perspetiva, a adaptação à doença é definida como um processo continuado através do qual os indivíduos lidam com situações novas ou ameaçadoras, de forma a gerir o sofrimento emocional, solucionar os problemas específicos relacionados com a doença e obter domínio ou o controlo das situações de vida relacionadas, no sentido de satisfazerem as suas necessidades de saúde (Diez, Forjaz e Landívar, 2005; Hinds et al., 1990). A uma adaptação efetiva correspondem os casos em que os doentes são capazes de reduzir ao mínimo os transtornos nas suas distintas áreas de funcionamento, regulando o mal-estar emocional e mantendo-se implicados nos aspetos da vida revestidos de significado e importância para eles (Diez, Forjaz e Landívar, 2005).

 

Questão e objetivos da revisão da literatura

Esta revisão baseia-se na questão geral: Como se caracteriza e se processa a adaptação dos adolescentes com cancro durante a fase de tratamento?

Especificamente, orientou-se para a consecução dos seguintes objetivos:

- Identificar os construtos básicos considerados nas investigações empíricas centradas na análise dos processos, das variáveis mediadoras e/ou das respostas de adaptação dos adolescentes com cancro em fase de tratamento.

- Caracterizar as condições, processos e respostas adaptativas destes adolescentes expressos nos resultados de investigações empíricas.

 

Metodologia

Este trabalho corresponde a uma revisão sistemática da literatura com resumo narrativo (Joanna Briggs Institute, 2008).

 

Estratégias de pesquisa

A pesquisa bibliográfica foi realizada em exclusivo em bases de dados on-line. A pesquisa nas bases de dados foi realizada no mês de março de 2011, recorrendo, em momentos sucessivos, 1º) a bases de dados disponibilizadas pela EBSCOhost (CINAHL Plus with Full Text, MEDLINE with Full Text, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Psychology and Behavioral Sciences Collection, MedicLatina, Academic Search Complete); 2º) à SciELO (bases integradas) e 3º) ao RCAAP (Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal).

No final, revimos ainda a bibliografia dos artigos retidos, de modo à possível identificação de artigos relevantes não encontrados nas bases de dados.

Com o propósito de fazer uma pesquisa que incluísse tanto quanto possível os relatórios de investigações centrados no objeto de estudo desta revisão, utilizámos como palavras-chave no campo do título (TI) os termos principais da População (adolescentes; cancro) e dos Resultados (adaptação) acrescentado palavras sinónimas ou de sentido similar. Em relação ao fenómeno em estudo (adaptação), alargamos a procura aos campos do resumo (AB, abstract) e dos assuntos de indexação (SU, subjects), de modo a incluir também os relatórios nos quais, podendo o tema não ser referido no título, fosse explicitado pelo autor (no resumo) e pelo indexador (nos descritores de assuntos).

A expressão de pesquisa que utilizamos na EBSCOhost foi a seguinte: TI (adolescen* OR young* OR youth* OR teen* OR puber* OR child* OR pediatric* OR paediatric*)

AND TI (cancer* OR carcinoma* OR neoplasm* OR tumo* OR onco* OR malignan* OR leukemia* OR leukaemia OR lymphoma* OR hodgkin OR osteosarcoma OR sarcoma OR hemato*)

AND (TI (adapt* OR adjust* OR cope OR coping OR manag* OR deal* OR distress*) OR (AB (adapt* OR adjust* OR cope OR coping OR manag* OR deal*) AND SU (adapt* OR adjust* OR coping))).

Na base SciELO e no RCAAP, a pesquisa foi feita com os mesmos termos, mas em tentativas sucessivas com um ou dois termos por linha. Na SciELO, a pesquisa foi feita em inglês e no RCAAP em português.

No processo de seleção dos relatórios, foram considerados os critérios de inclusão e de exclusão estabelecidos (Quadro 1).

 

Quadro 1 – Critérios de inclusão e exclusão dos relatórios

 

Na SciELO.org não encontrámos nenhum documento com os critérios de inclusão estabelecidos. No RCAAP encontrámos duas dissertações de mestrado que à partida eram de incluir; todavia, pela leitura dos textos, verificámos que uma (Cardoso, 2010) corresponde a um estudo quantitativo exploratório com uma amostra muito pequena (12 adolescentes), o que limita a sua validade externa, e a outra (Barros, 2008), baseada em relatos de jovens adultos e adultos jovens que tiveram uma doença hemato-oncológica há 5 anos ou mais, centra-se principalmente no impacto da doença e no contributo de enfermagem.

Assim, só selecionámos artigos das bases de dados acessíveis a partir da EBSCOhost. No final do processo de constituição da amostra (Figura 1), retivemos 15 artigos, que constituíram o corpus documental para análise.

 

Figura 1 – Fluxograma do processo de constituição da amostra (EBSCOhost)

 

Amostra

Todos os artigos objetivaram analisar aspetos relevantes da adaptação dos adolescentes com cancro, embora a partir de diferentes perspetivas e centrados em construtos distintos.

Dos 15 artigos retidos para análise (Quadro 2), a maioria (8) reporta-se a investigações de tipo quantitativo, 6 de tipo qualitativo e 1 em que se utilizou metodologia mista.

 

Quadro 2 – Caracterização geral dos artigos revistos

 

A afiliação profissional dos autores é diversa, assim como a nacionalidade das amostras. Tanto quanto pudemos fazer a respetiva identificação, 4 artigos são da autoria de enfermeiros em exclusivo (Wu et al., 2009, Tailândia; Ramini, Brown e Buckner, 2008, USA; Yeh, 2001, Tailândia; Kyngäs et al., 2001, Finlândia), 3 de psicólogos em exclusivo (Manix, Feldman e Moody, 2009, USA; Wallace et al., 2007, Inglaterra; Barrera et al., 2003, Canadá), 2 de médicos em exclusivo (Sanjari et al., 2008, Irão; Sorgen e Manne, 2002, USA), 2 em parceria de médicos e psicólogos (Williamson et al., 2010, Inglaterra; Trask et al., 2003, Inglaterra), 1 em parceria de enfermeiros e médicos (Hinds et al., 2000, USA), 1 em parceria de enfermeiros e outros profissionais de oncologia (Enskär e von Essen, 2007, Suécia) e 2 de profissionais de oncologia não discriminados (Jörgarden, Mattsson e von Essen, 2007, Suécia; Hedström, Skolin e von Essen, 2004, Suécia).

Só em 6 das investigações, a amostra não foi composta em exclusivo por adolescentes (10-19 anos). Nos restantes casos, como se preconizava nos critérios de seleção dos artigos, estes discriminavam os resultados referentes aos adolescentes.

Nos estudos qualitativos, o tamanho da amostra variou entre 4 e 34 participantes, enquanto nos estudos quantitativos variou entre 23 e 120 participantes. Em 2 casos, incluiu os pais, num (1), uma amostra comparação de adolescentes saudáveis e, noutro, um (1) grupo de controlo equivalente.

 

Extração e Análise dos Dados

O conteúdo dos 15 artigos selecionados foi sujeito a uma análise descritiva. Os dados foram retirados do texto integral dos relatórios de investigação selecionados e transcritos numa tabela elaborada para o efeito, com as referências fundamentais para caracterizar os relatórios e as investigações que estiveram na sua base, assim como com a informação necessária para a consecução dos objetivos desta revisão.

 

Resultados

 

Constructos centrais

Considerando a ordem decrescente de generalidade dos conceitos relacionados com a adaptação à doença, verificámos nos relatórios analisados que Adaptação foi o construto central em 2 estudos (ambos assumindo como referência o Modelo de Adaptação de Calista Roy), Ajustamento em 6 estudos (1 centrado em exclusivo nos Sintomas de Distresse, como indicador de ajustamento negativo, 1 centrado na Perceção da Qualidade de Vida e Otimismo, como indicadores de ajustamento positivo, e 4 focando-se em simultâneo nos dois tipos de indicadores), Coping em 5 estudos (centrados nos recursos e estratégias cognitivas e comportamentais para lidar com o stresse decorrente da situação de doença) e, por fim, Gestão das Mudanças na Aparência em 2 estudos.

 

Condições, processos e respostas adaptativas dos adolescentes com cancro em fase de tratamento

Os resultados dos estudos revistos, assim como as principais conclusões aludidas pelos autores, são apresentados em síntese no Quadro 3.

 

Quadro 3 – Síntese dos Resultados / Conclusões dos artigos revistos

 

Tendo em conta os construtos principais em análise, o quadro está dividido em secções correspondentes.

 

Discussão

Na pesquisa nas bases de dados online, obtivemos muitos relatórios que, embora referindo-se aos adolescentes com cancro, na sua grande maioria, correspondiam a artigos conceptuais ou a relatos de investigações relativos aos sobreviventes ou, também bastantes, a pesquisas centradas nos pais. Outros reportavam-se ao estudo de determinados fenómenos relevantes no contexto dos adolescentes com cancro (autoestima, autoimagem, sintomas e problemas, distresse, suporte social, intervenções profissionais, entre outros), mas em que a noção de adaptação não é reconhecida.

Para além disso, muitas investigações eram realizadas em amostras pediátricas gerais, sem discriminarem os adolescentes, o que de algum modo denota uma preocupação maior com a verificação de construtos ou pressupostos teóricos gerais, sem levar em linha de conta as características desenvolvimentais específicas da adolescência.

Assim, tendo restringido o período temporal de inclusão aos documentos publicados entre os anos 2000 e 2010, dos muitos relatórios listados no início da pesquisa, poucos acabaram por ser retidos para análise, no total 15.

Percebe-se pela afiliação profissional dos autores que este assunto interessa a várias disciplinas, especialmente à enfermagem, à psicologia e à medicina.

Consistente com a linha da investigação mais estabelecida na análise do impacto e confronto com a doença, a maioria dos estudos revistos centraram-se no ajustamento psicológico e nos estilos/estratégias de coping (n=11). E, destes, grande parte recorreu uma abordagem tradicional, do ponto de vista das assunções teóricas, metodológicas e instrumentais, evidenciando como preocupação essencial a prevenção do distresse e do desajustamento psico-comportamental. Porém, alguns, avançando para novos paradigmas, procuraram testar novas teorias ou identificar e compreender determinados fenómenos a partir de desenhos de natureza mais indutiva.

Uma limitação geral que podemos imputar aos resultados da revisão é que a maioria dos estudos analisados se baseou em amostras pequenas, algumas incluindo em simultâneas crianças mais novas. Outra, a nosso ver a limitação mais séria, é que foram minoritários os estudos longitudinais, elucidando, por isso, muito pouco acerca da característica essencial da adaptação à doença grave, que é a sua dinâmica de continuidade e de transição.

Das duas investigações revistas centradas no construto Adaptação, ambas de cariz qualitativo e da autoria de enfermeiros, conclui-se que, de um modo geral, os adolescentes revelam uma adaptação positiva e que, para isso, recorrem a processos criativos. O estudo de Yeh (2001) sugere que os aspetos físicos estão interactivamente ligados com os psicológicos, assim como a interdependência se entrecruza, igualmente, com o desempenho de papéis, o que não é contrário à perspetiva de Calista Roy (Phillips, 2010; Ellis, 1991).

No estudo de Yeh (2001), um dos aspetos que emergiu como relevante do ponto de vista da adaptação dos adolescentes com cancro foi a “orientação relativa ao futuro”. Compreende-se que este tema seja fundamental nos adolescentes, especialmente nos mais velhos, considerando a sua fase de desenvolvimento. Deste modo, é sublinhada a necessidade de os profissionais de saúde serem capazes de antecipar e preparar os doentes para as ocorrências prováveis, sobretudo fornecendo informação, propiciando suporte social e levando em linha de conta as avaliações subjetivas, medos, anseios e expectativas (Abrams, Hazen e Penson, 2007).

Como é preconizado por Aldridge e Roesch (2007); Brennan (2001), entre outros, a maior parte dos estudos retidos, centrados no ajustamento à doença, não se orientam em exclusivo para o estudo dos problemas psicológicos e comportamentais (distresse), incluindo conjuntamente a análise de aspetos positivos, como é o caso de qualidade de vida e satisfação com a vida. De facto, os estudos analisados revelam que os adolescentes com cancro em fase de tratamento apresentam níveis médios de qualidade de vida reveladores de bom ajustamento (Barrera et al., 2003) e que, mesmo no contexto de experiências de elevado potencial stressante, são capazes de reconhecer e salientar aspetos positivos (Hedström, Skolin e von Essen, 2004).

Para além disso, essas experiências parecem evoluir ao longo do processo de tratamento, no sentido de um ajustamento crescente (Jörngarden, Mattsson e von Essen, 2007).

Face a estes resultados, colocam-se várias questões. Uma delas tem a ver com o teor das análises quantitativas, que predominam e que podem encobrir, com a expressão da média, os casos de distresse elevado (Neville, 1996) ou de baixa perceção de qualidade de vida, em ambos os casos a necessitarem de intervenção profissional precoce. Outra questão tem a ver com a maior tendência que se tem verificado entre os adolescentes com cancro para adotarem um estilo de adaptação repressivo – defensivo, com a ativação de um sistema de defesa auto induzido, que, no início da doença, se traduz em níveis elevados de esperança, autoestima e autoeficácia (Hinds et al., 2000), mas que, a prazo, parece estar associado a alta incidência de problemas de saúde, nomeadamente, a diminuição da função imunitária (Aldridge e Roesch, 2007; Fuemmeler et al., 2003), o que na situação destes adolescentes é especialmente crítico.

Verifica-se também que nem todos os aspetos considerados problemáticos como causadores de distresse se evidenciam com impacto na satisfação com a vida relatada pelos adolescentes. Todavia, como outros estudos têm revelado, para além dos problemas com a alimentação, da noção de falta de controlo sobre a vida e do humor triste, a fadiga é destacada como um problema que deve ser valorizado (Perdikaris et al., 2009; Erickson, 2004).

Barrera et al. (2003) notaram que o temperamento dos adolescentes pode ser um preditor do ajustamento. Noutro estudo, analisou-se essa relação em crianças em geral e os autores observaram que as crianças temperamentalmente mais negativas (segundo a avaliação dos pais) tendiam a revelar mais ansiedade e depressão (Miller et al., 2009), não sendo porém os resultados suficientemente claros.

A investigação de Manix, Feldman e Mody (2009), por sua vez, apreciou particularmente a relação entre o ajustamento à doença e o otimismo dos adolescentes, concluindo-se que este pode ser um fator moderador e de resiliência face ao impacto das experiências de stresse e que, sendo assim, deve ser objeto de intervenção, no sentido de desenvolver essa característica nos doentes, nomeadamente através dos seus pais e pela atitude positiva dos profissionais.

Um outro resultado relevante foi a associação registada entre o distresse dos adolescentes e o distresse dos pais (Trask et al., 2003), assim como entre as respetivas estratégias de coping (Sanjari et al., 2008; Trask et al., 2003). Estas correlações destacam a importância da funcionalidade familiar e das intervenções de apoio à família, no sentido do ajustamento à doença.

Virando-nos agora para as estratégias de confronto (coping) com a situação de doença, constatamos que os estudos revistos obtiveram resultados de diferente teor, conforme a natureza qualitativa ou quantitativa das investigações.

Os estudos qualitativos, livres das categorizações prévias explícitas nos instrumentos estruturados, permitiram identificar recursos diversos e estratégias complexas e dinâmicas, geridos sob tensão das experiências cíclicas de “perder a confiança” e “reconstruir a esperança” (Wu et al., 2009). Segundo Hinds et al. (2000), o aumento da esperança (conforto cognitivo), resulta numa imagem de si mais positiva e na diminuição dos sintomas de distresse, favorecendo a perceção de um melhor estado físico.

A reconstrução da esperança e o voltar ao “normal” (Kyngas et al., 2001) tornam-se possíveis com a força do apoio social, afetivo e informacional, e do suporte às necessidades e atividades de vida (por parte da família, dos pares, dos profissionais de saúde), assim como da esperança na recuperação. Este processo passa com frequência por estratégias criativas efetivadas ao nível do mundo interior dos adolescentes, incluindo a reestruturação cognitiva e a relativização dos valores, de modo a persistir na crença positiva de recuperação e de satisfação com a vida.

Os estudos quantitativos centrados no coping dos adolescentes em tratamento do cancro, para lá da já referida associação positiva entre os recursos utilizados pelos adolescentes com cancro e pelos seus pais (Sanjari et al., 2008), salientam a eficácia das estratégias coping tendo em conta a correspondência com a perceção de controlabilidade da situação (Sorgen e Manne, 2002), sugerindo mesmo que intervenções profissionais com o propósito de promover nestes doentes a utilização de estratégias de envolvimento e focadas no problema podem ser contraproducentes (Hinds et al., 2000). De facto, alguns estudos têm demonstrado que nem sempre as estratégias de envolvimento e centradas no problema são as mais eficazes como se postulava. Na fase pós diagnóstico, o recurso à negação, à minimização cognitiva e à solicitação de apoio afetivo, diminui o mal-estar emocional e permite ganhar forças para enfrentar a doença. Investir em estratégias ativas de mudança da situação, quando ela é avaliada como incontrolável, resulta em aumento da ansiedade e do sentimento de impotência (Aldridge e Roesch, 2007).

A imagem corporal é um aspeto preocupante para os doentes com cancro de um modo geral e especialmente para os adolescentes, pois está fortemente relacionada com a identidade pessoal e com as relações de intimidade (Fan e Eiser, 2009).

Os artigos analisados efetivamente evidenciam a seriedade das experiências e a complexidade dos mecanismos a que os adolescentes têm de recorrer para lidar com as mudanças da aparência durante os tratamentos. Os processos de gestão da situação de aparência alterada, podem passar por formas de disfarce e inibição de aparecer em público ou por encontrar uma apresentação alternativa e aprender a viver com as reações dos outros. Pode até, superadas as fases de rejeição da diferença e de persistir no regresso à “normalidade”, traduzir-se numa mudança e relativização da aparência como valor (Williamson et al., 2010; Wallace et al., 2007). A sensibilidade, a informação, o apoio técnico dos profissionais, assim como a compreensão e proteção dos pares, especialmente no espaço escolar, são considerados fundamentais.

Os campos de atividades/férias são apreciados como muito importantes e benéficos para a adaptação positiva ao cancro e seus tratamentos. A maioria dos adolescentes participantes sente que podem beneficiar de serem capazes de falar com outros sobreviventes acerca das suas experiências, incluindo a gestão da aparência alterada desde o diagnóstico até depois do tratamento. Necessitam ouvir “histórias de sucesso” e de falar com alguém que genuinamente sinta pelo que estão a passar (Wallace et al., 2007; Ramini, Brown e Buckner 2008).

 

Conclusão

Os resultados da presente revisão da literatura sobre a adaptação dos adolescentes com cancro em fase de tratamento permitem-nos uma visão mais atual e esclarecida acerca dessa experiência crítica de vida e abrem novas perspetivas para investigações futuras.

Fica-se com a ideia de que o modelo comportamentalista de coping (inspirado na escola de Folkman e Lazarus), não sendo rejeitado, tende a ser questionado como referência dominante e complementado a partir de novas perspetivas teóricas, das áreas sócio cognitivista e fenomenológica, ou introduzindo novas argumentos, como a relevância da correspondência entre coping e perceção de controlo, dos estilos adaptativos (repressivos/ansiosos) ou, ainda, do temperamento.

Também se reconhece que é forçoso dar mais atenção ao processo de adaptação, enquanto transição pessoal, acentuando as mudanças intrapsíquicas em situações de ameaça para a vida, nomeadamente ao nível dos valores e das visões do mundo, ou, ainda, à necessidade dos indivíduos alternarem o seu foco existencial, por períodos, ao longo da doença (ora colocando a doença e o sofrimento em primeiro plano, ora abstraindo-se da doença e centrando-se em si como pessoa e na reapreciação da vida e das relações).

Ao nível das implicações para a prática de cuidados o que mais sobressai é a pluralidade de reações dos adolescentes com cancro face aos eventos considerados stressores e que é essencial aceder às avaliações dos adolescentes acerca da sua ameaça e controlabilidade. Parece também estar reunida evidência empírica de que os adolescentes têm elevadas capacidades de resiliência e confronto com a doença e com os tratamentos e que as suas maiores fontes de suporte são uma família funcional e a continuidade das relações positivas com os amigos. Dos profissionais de saúde esperam sobretudo sensibilidade, competência técnica e informação que lhes permita antever o futuro e ter esperança.

É preciso ouvir a voz dos adolescentes e dos seus pais: é essencial que possam expressar as suas sensações e sentimentos de mal-estar, de capacidade ou limitação funcional, assim como indicar formas mais satisfatórias de cuidado, tendo em conta as suas condições, necessidades e expectativas.

 

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Recebido para publicação em: 01.06.12

Aceite para publicação em: 16.09.12

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