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Revista de Enfermagem Referência

versión impresa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.8 Coimbra dic. 2012

https://doi.org/10.12707/RIII11119 

Perceção do cuidar de um grupo de estudantes finalistas de enfermagem

 

Maria Amélia Meireles Lima da Costa Peres Correia*; Maria Arminda Mendes Costa**

* Professora Coordenadora. Doutoranda da Universidade Católica Portuguesa [meireles.amelia@gmail.com].

** Professora Coordenadora. Presidente da Assembleia Geral - ESEP. Portugal. Investigadora UNIFAI - ICBAS- UP [arminda@esenf.pt].

 

Resumo

O presente estudo enquadra-se no âmbito do ensino em enfermagem, incidindo sobre o processo ensino/aprendizagem do cuidar. Ao longo do percurso formativo os estudantes adquirem uma conceção do cuidar, que importa seja reveladora de uma posição harmoniosa entre as diferentes dimensões que o cuidar encerra. Foi nosso objetivo - conhecer a perceção do cuidar de um grupo de estudantes finalistas de enfermagem.

É um estudo exploratório – descritivo de natureza quantitativa. A colheita de dados foi efetuada através da aplicação da “ Escala de avaliação do Significado de Cuidar – EASC” da autoria de Bison (2003, p. 26-28). A amostra é constituída por 197 estudantes finalistas de uma Escola Superior de Enfermagem Portuguesa.

Os resultados evidenciam que os estudantes em fase de conclusão do curso, valorizam mais o cuidar enquanto interação interpessoal e como intervenção terapêutica, sendo o cuidar como afeto e o cuidar como imperativo moral ou ideal as dimensões menos valorizadas. Os resultados parecem orientar para a necessidade de uma avaliação sistemática dos resultados obtidos ao longo e no final do processo ensino/aprendizagem de modo a que o processo formativo culmine numa aprendizagem global onde o cuidar seja o resultado da valoração harmonizada das diferentes dimensões que o compõem.

Palavras-chave: estudantes; enfermagem; cuidar.

 

Perception of caring in a group of final year students in nursing

Abstract

The present study falls within the scope of nursing education, focusing on the teaching/learning process of care. In the course of their training, students should gain a conception of care that incorporates the different dimensions of caring. Our goal was to identify the perception of caring in a group of graduate students in nursing.

This is an exploratory, quantitative, descriptive study. Data collection was performed by administering the “Scale to assess the meaning of care – EASC” authored by Bison (2003, p. 26-28). The sample consists of 197 final year students at the Portuguese School of Nursing.

The results show that students nearing completion of the course value caring most when it involves interpersonal interaction and therapeutic intervention, and values less care as affective and caring as a moral imperative or ideal. The results seem to point to the need for a systematic evaluation of these results both during and at the end of the teaching/learning process so that the training process culminates in global learning where care is the result of a harmonious assessment of its different dimensions.

Keywords: student; nursing; caring.

 

La percepción del cuidar a un grupo de pasantes de enfermería

Resumen

El presente estudio se inscribe en el ámbito de la educación de enfermería centrándose en el proceso de enseñanza/aprendizaje del cuidar. A lo largo su trayecto formativo, los estudiantes adquieren una concepción del cuidar, la cual debe revelar una posición armoniosa entre las diferentes dimensiones que comporta el cuidar. Nuestro objetivo fue conocer la percepción del cuidar a un grupo de pasantes de enfermería.

Se trata de un estudio exploratorio – descriptivo de corte cuantitativo. La recolección de datos se realizó mediante la aplicación de la “Escala de evaluación del Significado del Cuidar – EASC”, escrito por Bison (2003, p. 26-28). La muestra consta de 197 estudiantes del último semestre de una Escuela Superior de Enfermería portuguesa.

Los resultados muestran que los estudiantes a punto de concluir la carrera, valoran más el cuidar como interacción interpersonal y como intervención terapéutica, siendo que el cuidar como afecto y como un imperativo moral o ideal revelan ser las dimensiones menos valoradas. Los resultados parecen apuntar hacia la necesidad de una evaluación sistemática de los resultados obtenidos a lo largo y al final del proceso de enseñanza/aprendizaje de modo a que el proceso formativo culmine en un aprendizaje global, donde el cuidar sea el resultado de la valoración armonizada de las diferentes dimensiones que lo componen.

Palabras clave: estudiantes; enfermería; cuidado.

 

Introdução

Consideramos que, resultante do processo formativo em enfermagem, é esperado que no final do curso de licenciatura os estudantes sejam capazes de cuidar de modo global e harmonioso o utente. A ausência de uma didática formal do cuidar assumida pelos educadores de enfermagem leva a que o ensino do cuidar resulte no que Serrano, Costa e Costa (2011, p. 16), e no que diz respeito ao ensino clínico, afirmam verificar-se: uma “falta de sistematização e linhas orientadoras de supervisão de estudantes, entre as várias instituições de ensino e de prestação de cuidados envolvidas; as discrepâncias entre os modelos expostos e os modelos em uso”. Neste sentido, a ausência de um fio condutor entre os diferentes intervenientes no processo ensino/aprendizagem resulta numa diversidade de maneiras de ensinar. Este último aspeto terá como resultado, no final do percurso formativo dos estudantes, a aprendizagem do cuidar? Embora no ensino de enfermagem em Portugal, mais atualmente, se note a preocupação em perceber o efeito de experienciar diferentes metodologias (Melo e Freitas, 2006; Abreu e Loureiro, 2007; Ferreira, 2007; Santos, 2003, 2007, 2009) que promovam no estudante as aquisições necessárias ao desempenho do futuro enfermeiro, a verdade é que, na maior parte das vezes, desconhecemos o significado que os estudantes, no final do curso, atribuem ao cuidar. Moveu-nos a crença de que não é possível formar para o cuidar ignorando este último e, quando tal acontece, percebe-se a hegemonia da técnica e da cientificidade. É a coexistência no cuidar, da técnica, da cientificidade e do relacional que empresta à formação o caráter ontológico e epistemológico, tal como Soares (2009, p.87) refere: “ O cuidado envolve uma dimensão ontológica e epistemológica, por isso, é existencial, relacional, contextual, científico, integrando simultaneamente emoção, intuição, criatividade, conhecimento e técnica.” É nesta perspetiva que o referido autor defende que cuidar “ (…) envolve também elementos não materiais que permeiam a nossa prática, como a compaixão, sensibilidade, consolo, cumplicidade, carinho, amor, não comportando uma visão biologizante que o tolha”. (ib. p. 87). Cuidar implica assim uma conceção complexa do mesmo. Nesta perspetiva, partimos para a investigação com o objetivo de conhecer a perceção do cuidar de um grupo de estudantes, finalista de uma escola de enfermagem portuguesa.

 

Quadro teórico

A questão do ensino/aprendizagem do cuidar não tem merecido, na nossa perspetiva, a primazia na investigação. Por um lado porque a investigação é recente na Europa e no nosso país cujo início verificou-se por volta da década de 60, já com um grande atraso relativamente aos Estados Unidos, uma vez que apenas na década de 70 se verifica, a utilização pelos enfermeiros, de metodologias de investigação oriundas das ciências sociais. Por outro lado, só há relativamente pouco tempo, a investigação é uma exigência da carreira docente. Acresce ainda o facto dos Mestrados e Doutoramentos serem recentes no nosso país.

A investigação, quer ao nível dos Estados Unidos, Canadá, Austrália ou Brasil é mais abundante relativamente a este fenómeno de ensinar/ aprender a cuidar. Um estudo de metasíntese relativo a pesquisas qualitativas, cuja preocupação se centrava nos estudantes e professores, realizada por Beck (2001, p.101-103), identifica 14 investigações: Miller, Haber, Byrne (1990); Appleton (1990); Halldorsdottir (1990); Beck (1991,1992,1993,1994); Wilkes e Wallis (1993); Hughes (1993); Kosowski (1995); Grigsby e Megel (1995); Hanson e Smith (1996) e Grams et al. (1997). Da metasíntese efetuada emergiram os temas: Capacidade de Cuidar; Cuidar professores-estudantes; Cuidar entre estudantes de Enfermagem e Cuidar entre estudantes e doentes. Na discussão de resultados Beck (2001, p. 108) salienta que para os estudantes cuidarem dos clientes é necessário que eles experienciem o cuidar na formação, pois os trabalhos analisados indicavam que, quando os estudantes e professores experienciavam o cuidar aumentava a capacidade e o desejo de cuidarem do outro. Conclui a referida autora que o cuidar precisa ser norteado e estimulado entre o corpo docente, sendo que o cuidar deve ser um modo de estar entre professores e estudantes. Mais recentemente, no âmbito da supervisão de enfermagem em ensino clínico, a revisão sistemática efetuada por Silva, Pires e Vilela (2011, pp. 113-122) dá-nos conta dos trabalhos de Charleston e Happell (2005); Bourbonnais e Kerr (2007); Hyrkäs e Shoemaker (2007); Myall et al. (2008); Moseley e Davies (2008); Nettleton e Bray (2008); Rogan (2009) e Paton e Binding (2009), autores estes oriundos da Austrália, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido.

No nosso país e nos últimos quatro anos as teses de doutoramento no âmbito do ensino do cuidar centram-se em metodologias de ensino, nomeadamente Ferreira (2007) - Validação de um método pedagógico interativo em contexto de ensino clínico e Santos (2009) - Aprendizagem pela reflexão em ensino clínico. Consideramos que, apesar dos inúmeros trabalhos já realizados no âmbito do cuidar, o estudo centrado no modo como se ensina e aprende o cuidar numa perspetiva global, permanece ainda pouco explorado. Por outro lado a perceção dos estudantes sobre o cuidar no final do percurso formativo, na nossa perspetiva, ainda não constitui uma preocupação sistemática de avaliação no ensino de enfermagem. A complexidade de saberes que cuidar implica e que enforma as diferentes dimensões do mesmo deve determinar a existência de uma preocupação avaliativa dos docentes, por forma a melhor garantir que o percurso formativo dos estudantes termine com a aquisição harmoniosa do conceito de cuidar.

Tal como todo o conhecimento também a enfermagem tem evoluído exigindo do docente a mobilização de diferentes saberes, quer relativo ao conhecimento empírico quer no domínio da prática pedagógica. É a própria evolução dos modelos de ensino e mesmo da prática profissional que marcam as diferenças que hoje é possível constatar. As escolas e os docentes que delas fazem parte cumprem o objetivo de formar enfermeiros de elevado nível de competência e capazes de desenvolver uma prática cuidativa onde o utente é o foco da sua atenção e atuação.

É durante o processo ensino aprendizagem que o docente procura que o estudante interiorize o cuidar. Porque a aprendizagem envolve inúmeros fatores não é possível afirmar que no final do curso todos os estudantes terão um desempenho em consonância com o cuidar. A complexidade do cuidar exige do enfermeiro ou do estudante a mobilização de uma multiplicidade de saberes, pois o foco de atenção é o ser humano, existindo num contexto e com uma história de vida única. Lopes (2006, p. 76) concordando com Carper (1978) e Fawcett et al. (2001) salienta que “a enfermagem é constituída por uma totalidade de saberes (empírico, ético, pessoal e estético), que se originam na prática e aí se recriam em cada cuidado.” Nesta perspetiva a apropriação dos diferentes saberes está dependente dos contextos onde se realiza a aprendizagem.

A prática integrada destes padrões de conhecimento tornam possível o cuidar. Hesbeen (2000, p. 65) refere que “centrar o trabalho de enfermagem na tarefa a efetuar é, de facto, centrá-lo no acessório, faltando-lhe a sua dimensão essencial, aquela para a qual são precisos verdadeiros profissionais: a do sentido que todas essas tarefas passam a ter para determinada pessoa.”

Enquanto docente de enfermagem a nossa preocupação centra-se então no que consideramos ser a nossa missão: promover a aprendizagem do cuidar. Faz-nos sentido na medida em que o cuidar é o ideal moral da enfermagem como salientam Bevis e Watson (2005, p. 297) afirmando que ” ensinar a cuidar transformou-se no imperativo moral da educação da enfermagem.” Assim sendo a nossa questão era: Com que perceção do cuidar os estudantes terminam o curso de enfermagem?

Na nossa perspetiva aprender a cuidar requer que os estudantes experienciem um clima de cuidar, para desta forma, mais facilmente, interiorizarem o modo profissional de o fazer. Uma forma profissional que comporte as diferentes dimensões do cuidar, tornando mais possível uma atuação onde a vertente científica, técnica e relacional do cuidar coexistam em equilíbrio.

 

Metodologia

O estudo é exploratório-descritivo e de natureza quantitativa sendo os dados obtidos através da aplicação da “ Escala de avaliação do Significado de Cuidar – EASC” da autoria de Bison (2003, p. 26-28). O questionário sob a forma de escalas de Likert baseia-se no trabalho de Morse (1991) que propõe cinco categorias para a classificação do cuidado: 1- Cuidar como característica pessoal humana; 2 - Cuidar como imperativo moral ou ideal; 3 - Cuidar como afeto; 4 - Cuidar como interação interpessoal e 5 – Cuidar como intervenção terapêutica. A escala oferece como resposta: concordo totalmente, concordo, em dúvida, discordo e discordo totalmente.

A amostra foi constituída por 197 estudantes que aceitaram responder ao questionário, sendo cerca de 80% dos estudantes finalista existentes na escola no ano letivo 2007/2008. O preenchimento da escala foi feito em sala de aula após explicação dos objetivos e assinatura do Consentimento Informado. No estudo que realizamos tivemos em conta o Relatório Belmonte publicado em 1978 e que salienta (...) “três princípios éticos principais, nos quais se baseiam os padrões de conduta ética em pesquisa: princípio da beneficência, respeito à dignidade humana e justiça” Polit, Becker e Hungler, (2004, p. 84). Nesse sentido, foi realizado o pedido de autorização, ao Presidente do Conselho Diretivo da Escola de Enfermagem, para efetuar o estudo. Após resposta positiva, efetuou-se reunião com o coordenador de curso no sentido de encontrar o momento e o local mais adequado à aplicação do instrumento de colheita de dados, sendo explicado os objetivos do estudo. Combinado as estratégias necessárias à menor perturbação do dia-a-dia dos estudantes, os mesmos foram reunidos em sala de aula, após ter sido sinalizado no horário, com a devida antecedência, a colheita de dados. Em sala de aula foi dado a conhecer os objetivos do estudo, salvaguardado o direito à não-participação. Feita uma breve explicação, relativamente ao preenchimento, foi clarificado que só deveriam preencher o questionário após leitura do Consentimento Informado, que merecendo a concordância e não havendo dúvidas deveria ser assinado. Foi assegurado não decorrer qualquer prejuízo inerente ao preenchimento ou não do questionário. Após recolha dos questionários os mesmos foram codificados.

Determinamos o valor de Cronbach da “ Escala de avaliação do Significado de Cuidar – EASC” cujo valor encontrado foi de 0.82. Utilizamos, no tratamento de dados, o programa SPSS (versão13.5).

 

Resultados e discussão

Das cinco categorias, o maior valor encontrado (4.3) é relativo ao “Cuidar como interação interpessoal” seguindo-se “Cuidar como intervenção terapêutica” com (4.2); em terceiro lugar “Cuidar como característica pessoal humana” com (4.1). O “Cuidar como afeto” e Cuidar como imperativo moral ou ideal” obtiveram ambas o valor menor (3.39). Estes achados parecem traduzir uma certa tendência da cultura profissional contemporânea de sobrevalorizar o concreto, o objetivo, porém sabemos que é através do afeto que desenvolvemos a nossa capacidade de olhar para além de, só pelos afetos se torna possível a vinculação ao outro, suporte da relação de ajuda, sem a qual cuidar é esvaziado de sentido. Tal como salienta Bison (2003, p. 94), referindo Buscaglia (1990), “a ação humana é imbuída de sentimento e emoções que dão tom ao comportamento, movimentando o ser humano no rumo de suas querências frente aos questionamentos existenciais que o preocupa”. A intervenção terapêutica é também realçada no estudo efetuado por Oliveira (2009), cujos estudantes respondem que a intervenção que realizam com maior frequência no decorrer do seu dia, em ensino clínico, é a administração de terapêutica (61%).

Em relação ao “Cuidar como interação interpessoal” e como se pode observar no quadro 1, a afirmação “O ato de cuidar exige competência” reúne a total concordância de 90,9% dos estudantes. Seguiu-se a asserção “Ao cuidar o enfermeiro deve valorizar a comunicação” com a concordância total de 71,1% dos estudantes. Os valores menores de concordância são relativos à proposição “Para cuidar o enfermeiro utiliza procedimentos metódicos” tendo 53,3% concordado e 9,1% concordado totalmente. Esta mesma asserção recebe a discordância e dúvida de 37,6% dos estudantes.

 

Quadro 1 – Resumo das asserções de maior e menor concordância na categoria

Cuidar como Interação Interpessoal

 

Se tivermos em conta a proposição “O ato de cuidar exige competência” e a questão “Para cuidar o enfermeiro utiliza procedimentos metódicos”, cuja resposta dada por 37,6% dos estudantes a esta última foi de discordância e dúvida, parece-nos que uma parte dos estudantes do nosso estudo concebe que se pode ser competente sem contudo ser metódico. Se atendermos a que o enfermeiro deve sistematizar a sua atuação e que para o mesmo necessita de ser metódico, parece-nos existir alguma contradição na postura dos estudantes.

Relativamente ao Cuidar como intervenção terapêutica e como se verifica no quadro 2, as proposições de maior concordância são “A relação de empatia com o outro é importante no cuidado” e ”O código de ética da enfermagem deve ser colocado em prática no cuidar” com 74,1% e 72,1%, respetivamente, de concordância total. À proposição “O bom cuidado depende da execução correta das técnicas de enfermagem” os estudantes atribuem 59,4% de concordância e 28,9% discordam ou duvidam.

 

Quadro 2 – Resumo das asserções de maior e menor concordância na categoria

“Cuidar como Intervenção Terapêutica”

 

“O bom cuidado depende da execução correta das técnicas de enfermagem” também mereceu, no estudo de Bison (2003, p. 86), a menor concordância dos estudantes. Este último valor parece revelar que para os estudantes que participaram no nosso estudo é possível cuidar e executar de modo incorreta uma técnica.

A proposição “A perceção que o cliente tem da enfermagem interfere no cuidado”, cuja valoração era invertida, obtém 80,7% da concordância dos estudantes. Ou seja, o estudante assume que os seus cuidados são influenciados pela perceção que o cliente tem da Enfermagem. Em nosso entender o cuidado prestado pelo enfermeiro deverá assegurar que respeita o utente numa perspetiva global e singular devendo ser contudo “imune” às diversas perceções que o utente tem do trabalho do enfermeiro. Tal, leva a que se recuse que o cuidado a prestar esteja na dependência da perceção que outro tenha do mesmo, ainda que o enfermeiro deva ter em conta e respeitar as características individuais de cada utente. Se analisarmos comparativamente a questão “Para cuidar o enfermeiro utiliza procedimentos metódicos” que mereceu 37,6% de discordância ou dúvida e a questão “O bom cuidado depende da execução correta das técnicas de enfermagem” que obteve a concordância de 69% dos estudantes, parece haver uma posição contraditória pois os estudantes admitem que o enfermeiro deve executar corretamente as técnicas, contudo não valorizam do mesmo modo a forma metódica de trabalhar do enfermeiro.

Relativamente ao “Cuidar como característica pessoal humana”, colocada em 3º lugar, as proposições que merecerem maior concordância, como se verifica no quadro 3, foram “Manter as minhas próprias unhas cuidadas é importante” com 70,1% de concordância total e “Reservar algum tempo para próprio lazer é importante”, que recebe a concordância total de 57,9% dos estudantes. A asserção com menor concordância foi “ A minha alimentação diária é equilibrada”, sendo que 32,5% estão em dúvida e 18,8% assumem uma posição de discordância.

 

Quadro 3 – Resumo das asserções de maior e menor concordância na categoria

Cuidar como Característica Pessoal Humana

 

Estes resultados estão de acordo com os achados de Bison (2003, p. 67). Relativamente à alimentação, e pelo que podemos verificar nas entrevistas realizadas durante a segunda fase da nossa pesquisa, os estudantes corroboram este aspeto já que referem não conseguir ter vida pessoal, sendo a falta de tempo para comer um dos aspetos apontados. Cuidar dos outros pressupõe que também o cuidador se sinta bem consigo próprio, pois ao cuidar do outro transmitimos, de forma consciente ou não, o modo como nos sentimos.

Relativo ao Cuidar como imperativo moral ou ideal, como se pode observar no quadro 4, a proposição “Quem cuida precisa ter responsabilidade, respeito e honestidade” teve 76,6% de concordância total, seguida de “Cuidar envolve compromisso de um ser humano para com outro” com 51,8% de concordância total e 45,2% de concordância. A asserção com menor concordância, se atendermos à posição de concordo e concordo totalmente, dos estudantes foi “ Cuidar é um ato de compaixão” com 27,9%. Discordaram, posicionando-se em discordo e discordo totalmente 46,7% e 25,4% manifestaram dúvida. “Cuidar envolve o ideal de servir” obteve 25,4% de discordância, resultante do posicionamento dos estudantes em discordo e discordo totalmente, e 37,6% de dúvida.

 

Quadro 4 – Resumo das asserções de maior e menor concordância na Categoria

Cuidar como Imperativo Moral ou Ideal

 

Relativamente a estes resultados, pensamos que quer a palavra compaixão quer a palavra servir ainda mantêm um sentido pejorativo ligado, de há anos atrás, à ideia de pena e subserviência. No que se refere a esta última asserção, no estudo de Bison (2003, p. 72) verifica-se que 95% dos estudantes concordam. A menor valorização da categoria “Cuidar como imperativo moral ou ideal” onde se inserem as asserções analisadas poderá indiciar uma menor oportunidade dos estudantes desenvolverem uma postura em maior consonância com a ética o que para Waldow (2009, p. 183) é conseguido “Por meio de um ensino centrado no cuidado, alunos terão a oportunidade de desenvolver, com muito maior probabilidade, posturas éticas”.

No que se refere ao Cuidar como afeto, que obteve igual valoração que a categoria anterior, Verificamos que a proposição: “A educação deve fazer parte do cuidado de enfermagem”, apresenta 57,4% de concordância total. Para 36% dos estudantes, “Quem cuida deve estar bem consigo mesmo” mereceu concordância total e 58,4% de concordância. “O enfermeiro não deve expressar seus sentimentos durante o cuidado” teve a concordância de 21,8% dos estudantes, sendo que 37,6% tinham dúvida e 35% discordaram.

 

Quadro 5 -– Resumo das asserções de maior e menor concordância na categoria

Cuidar como Afeto

 

Valores similares foram também encontrados no estudo de Bison (2003, p. 77). A questão da expressividade dos sentimentos durante o cuidado é em regra controversa. Acreditamos que viver uma relação terapêutica não nos obriga, enquanto enfermeiros, a assumir uma postura hermética face à nossa condição humana. Estar com o outro poderá, muitas vezes, resultar na expressão do que indicia estarmos em consonância com, o que poderá traduzir-se pela expressão genuína dos nossos sentimentos face ao utente.

Poderíamos dizer que ao ensino é necessário uma outra abordagem como referem Bevis e Watson (2005, p. 54) “ (…) uma abordagem que permita desenvolver não apenas as capacidades racionais e morais mas as capacidades emocionais, expressivas, intuitivas, estéticas, pessoais e trazer o total do eu para o mundo do trabalho – nesta instância, o trabalho humano do cuidar”.

Verificamos que grande maioria dos estudantes (88,8%) discorda ou tem dúvida que “Ao cuidar, o enfermeiro deva ser imparcial”. Tal não está de acordo com o esperado já que é esta virtude, “imparcialidade”, que suporta o princípio da justiça consignado em qualquer Código de Ética. Parece-nos assim que os estudantes, neste aspeto, não estão em consonância com a filosofia do cuidar enquanto imperativo moral e ideal.

Os estudante em fase de conclusão do curso, que responderam à escala de avaliação do significado do cuidar, valorizam mais o cuidado enquanto interação interpessoal e enquanto intervenção terapêutica sendo o cuidar como afeto e o cuidar como imperativo moral ou ideal o que menos salientam. A menor valorização dada a estas duas últimas categorias, parece colocar o saber empírico na dianteira em desigual importância com os outros saberes necessários ao desempenho do enfermeiro, em consonância com a filosofia do cuidar. Tal facto leva-nos a refletir sobre o quanto ainda há para fazer e a responsabilidade que pesa sobre os professores e tutores do processo de ensino aprendizagem do cuidar.

Afigura-se-nos importante, tal como refere Bison (2003, p. 85), “combinar o valor técnico da produção material com o valor ético da produção social e espiritual da enfermagem é, com certeza a grande arte da profissão, mas inquestionavelmente é também a seu maior desafio”. Um desafio colocado pelas questões ontológicas e epistemológicas de ser e fazer que geram os dados encontrados e que nos fazem ficar apreensivos face ao muito que ainda haverá para mudar, para que o processo ensino aprendizagem verta num desejado equilíbrio de saberes.

É necessário como refere Bevis e Watson (2005, p. 91) alterar o curriculum de modo que promova um ensino que educa em vez do ensino que treina. Uma educação que capacitará o aluno “ (…) a pensar bem como a agir; conhecer, procurar continuamente um melhor conhecimento e discursar sobre o saber; tanto procurar como duvidar da verdade enquanto desenvolve uma sensibilidade e uma grande devoção perante isso; apreciar os valores duradouros que tornam a enfermagem uma atividade moral (…).”

Parece existir ainda a noção de que a afetividade e o espiritual são aspetos secundários ao cuidar, o que leva a que a técnica e a intervenção terapêutica ainda sejam sobrevalorizados. Contrariando esta tendência, Freire (1997) citado por Rojas (2002,p. 3) e enfatizando a importância das componentes afetivas e intuitiva da construção do conhecimento, salienta que “(…) é necessário que evitemos outros medos que o cientifismo nos inoculou. O medo, por exemplo, de nossos sentimentos, de nossas emoções, de nossos desejos, o medo de que ponham a perder nossa cientificidade. O que eu sei, sei com o meu corpo inteiro: com minha mente crítica mas também com os meus sentimentos, com minhas intuições, com minhas emoções. O que eu não posso é parar satisfeito ao nível dos sentimentos, das minhas emoções. Devo submeter os objetos de minhas intuições a um tratamento sério, rigoroso, mas nunca despreza-los”. Esta é porventura uma questão em que os professores terão que refletir.

 

Conclusão

Os dados parecem revelar a construção do significado do cuidar de modo menos harmonizado, já que se verifica, na perspetiva dos estudantes, a supremacia de uma ou outra dimensão do cuidar. A formação para o cuidar requer, na nossa perspetiva, a avaliação sistemática dos resultados obtidos ao longo e no final do processo ensino/aprendizagem, por forma a introduzir as necessárias alterações que levem a que o processo formativo culmine numa aprendizagem global onde o cuidar seja o resultado da valoração harmonizada das diferentes dimensões que o compõem. Assim, pensamos que avaliar sistematicamente o significado atribuído ao cuidar no final do curso poderá levar-nos a detetar alguns dos contrassensos que por vezes se recriam nos estudantes, sendo deste modo possível clarificar e promover as dissonâncias que o cuidar não comporta. Investigar de modo mais frequente e consistente o efeito de diferentes metodologias promotoras da aprendizagem do cuidar poderá vir a resultar no embrião de uma didática formal e professadas pelos diferentes educadores que urge existir no âmbito do ensino de enfermagem e que poderá concorrer para uma aprendizagem do cuidar harmonizada, porque não enfatizando uma ou outra dimensão do cuidar em detrimento de outra.

 

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Recebido para publicação em: 25.10.11

Aceite para publicação em: 21.08.12

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