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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.8 Coimbra dez. 2012

https://doi.org/10.12707/RIII1294 

Adaptação cultural e propriedades psicométricas da versão portuguesa da escala Pain Assessment in Advanced Dementia

 

Luís Manuel Cunha Batalha*; Cristina Isabel Antunes Duarte**; Raquel Alexandra Fidalgo do Rosário***; Marina Fernanda Simões Pereira da Costa****; Victor Jorge Reis Pereira*****; Tânia Manuel Moço Morgado******

* Doutorado em Biologia Humana. Mestre em ciências de Enfermagem – Pediatria. Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria. Professor adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Av. Bissaya Barreto – Ap. 55 [batalha@esenfc.pt].

** Licenciada. Enfermeira, Serviço de Medicina interna, Ala D, HUC – CHUC, EPE [tinaduartes@gmail.com].

*** Licenciada. Enfermeira, Serviço de Medicina interna, Ala D, HUC – CHUC, EPE [alexia84.raquel@hotmail.com].

**** Licenciada. Especialista em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria. Enfermeira – Chefe, Serviço de Medicina do Hospital Distrital da Figueira da Foz, EPE [marinafspcosta@gmail.com].

***** Licenciado. Enfermeiro, especialista em Enfermagem de reabilitação, Serviço de Neurocirurgia / Neurotrauma, HUC – CHUC, EPE [vjreispereira@gmail.com].

****** Mestre em Bioética. Enfermeira, Serviço de Neurocirurgia / Neurotrauma, HUC – CHUC, EPE [tmorgado@gmail.com].

 

Resumo

As escalas desenvolvidas para a avaliação da dor em idosos não comunicantes estão insuficientemente estudadas para garantir a sua validade e fiabilidade. O objetivo deste estudo foi adaptar culturalmente para o Português a PAINAD e avaliar as suas propriedades psicométricas em doentes idosos (com ou sem demência) internados em serviços hospitalares com patologia médica e/ou cirúrgica.

Estudo descritivo e transversal com o desenvolvimento de painéis e aplicação da escala de forma simultânea e independente a 99 doentes seleccionados de forma acidental.

O processo de validação cultural foi fácil de obter, apesar da necessidade de gerar consenso em relação aos termos: «frigtened», «facial grimacing», «Knees pulled up» e «moan». A análise dos componentes principais revelou um factor com variância explicada de 61,09 %. A consistência interna calculada pelo a de Cronbach foi de 0,84. O nível de concordância variou entre um valor de Kappa de 0,49 e 0,78. O coeficiente de correlação intraclasse foi de 0,89.

A versão Portuguesa da escala PAINAD quando utilizada em doentes idosos (com ou sem demência) e com patologia médica e/ou cirúrgica internados em serviços hospitalares revela ser válida e fiável. Sugere-se o seu uso por profissionais de saúde com formação específica na aplicação da escala.

Palavras-chave: avaliação; dor; validade; idoso.

 

Cultural adaptation and psychometric properties of the portuguese version of the Pain Assessment in Advanced Dementia Scale.

Abstract

The scales developed for pain assessment in non-communicative elderly persons have not been sufficiently tested to ensure their validity and reliability. The aim of this study was to culturally adapt to Portuguese the PAINAD scale and to assess its psychometric properties with elderly patients (with or without dementia) who are hospitalized with medical and/orsurgical conditions.

This descriptive and cross-sectional study was carried out with panels and a simultaneous and independent application of the scale with 99 patients who were both accidentally selected.

The process of cultural validation was easily obtained, in spite of the need to generate a consensus regarding the terms: «frightened», «facial grimacing», «knees pulled up» and «moaning». Analysis of the main components revealed a factor with an explained variance of 61,09%. Internal consistency calculated by Cronbach’s alpha equaled 0,84. The level of concordance varied between a value of Kappa ranged from 0,49 to 0,78. The interclass correlation coefficient was 0,89.

The Portuguese version of the PAINAD scale, when used with hospitalized elderly patients (with or without dementia) and with a medical and/or surgical condition reveals validity and reliability. However, this scale should be used by healthcare professionals with specific training in its application.

Keywords: evaluation; pain; validity; elderly.

 

Adaptación cultural y propiedades psicométricas de la versión portuguesa de la Escala de Valoración del Dolor en la Demencia Avanzada

Resumen

Las escalas desarrolladas para la evaluación del dolor en ancianos con problemas comunicativos no han sido aún suficientemente estudiadas para garantizar su validad y fiabilidad. El objeto de este estudio fue adaptar culturalmente al portugués la PAINAD y evaluar sus propiedades psicométricas en pacientes ancianos (con o sin demencia) ingresados en servicios hospitalarios con patología médica y/o quirúrgica.

Estudio descriptivo y transversal con el desarrollo de paneles y la aplicación de la escala de forma simultánea e independiente a 99 pacientes seleccionados de forma accidental.

El proceso de validación cultural fue fácil de obtener, a pesar de la necesidad de generar consenso con respecto a los términos: «asustado/a», «muecas faciales», «rodillas levantadas» y «gemidos». El análisis de los componentes principales reveló un factor con una varianza explicada de 61,09 %. La consistencia interna calculada por el a de Cronbach fue de 0,84. El nivel de concordancia varió entre un valor de Kappa de 0,49 y 0,78. El coeficiente de correlación intraclase fue de 0,89.

La versión portuguesa de la escala PAINAD, cuando se utiliza en pacientes adultos mayores (con o sin demencia) y con patología médica y/o quirúrgica, ingresados en servicios hospitalarios, resulta ser válida y fiable. Se sugiere que sean los profesionales de la salud con formación específica quienes apliquen la escala.

Palabras clave: evaluación; dolor; validez; anciano.

 

Introdução

Com o envelhecimento aumentam os distúrbios comportamentais, as doenças crónicas (musculoesqueléticas, cardiovasculares, respiratórias e renais), os traumatismos decorrentes de acidentes e instala-se na pessoa uma progressiva perda de raciocínio abstrato e da comunicação verbal (Herr e Decker, 2004; Jordan et al., 2011). Na população idosa, a dor tem sido associada a traumatismos como consequência de acidentes, a alterações da função imunológica, a alterações psicológicas, a comprometimento da função física, a distúrbios no sono, a uma socialização diminuída e a comprometimento da função cognitiva. As suas limitações no auto-relato das experiências de dor comprometem o diagnóstico e a qualidade do controlo da dor. Estima-se que 45 a 80% das pessoas idosas sofram com dor (Zwakhalen, Hamers e Berger 2006; Costardi et al., 2007).

A boa gestão dos cuidados para o alívio da dor exige dos profissionais de saúde um correto e preciso diagnóstico, tarefa particularmente difícil em grupos vulneráveis como os idosos não comunicantes verbais (Jordan et al., 2011). Quando os idosos (com ou sem demência) são incapazes de fazerem o auto-relato da dor é necessário analisar comportamentos típicos deste fenómeno como a expressão facial, verbalizações e vocalizações, movimentos e posturas do corpo, modificações nas relações interpessoais e alterações do seu estado mental (Herr e Decker, 2004). Para além do número reduzido de escalas desenvolvidas para a avaliação da dor em idosos não comunicantes, nem sempre foram suficientemente estudadas para a população para a qual foram desenvolvidas, comprometendo a validade e fiabilidade da avaliação. Cada uma das escalas existentes, apresenta pontos fortes e limitações, necessitando de estudos adicionais (Smith, 2005).

A avaliação das propriedades psicométricas das escalas para avaliar a dor em doentes idosos, com ou sem demência, internados em serviços hospitalares por patologia médica e/ou cirúrgica e incapazes de se auto-avaliarem é ainda escassa (Jordan et al., 2011). Por esta razão, urge encontrar uma escala que avalie a dor nestes doentes, que apresente boas propriedades psicométricas e que seja de fácil uso clínico. A escala PAINAD parece reunir estes requisitos.

O objetivo deste estudo foi adaptar semântica e culturalmente para o Português a escala de dor PAINAD e avaliar as suas propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) em pessoas idosas, com ou sem demência, internados em serviços hospitalares com patologia médica e/ou cirúrgica. Partimos para este trabalho com as seguintes questões: quais os indicadores da escala mais usados para avaliarem a dor?; qual a consistência interna da Pain Assessment in Advanced Dementia – versão Portuguesa (PAINAD-PT)?; haverá concordância entre os avaliadores com a utilização da PAINAD-PT?

 

Quadro teórico

Na base de dados da Revista de Enfermagem Referência não encontramos nenhum artigo sobre escalas de dor para uso em idosos não comunicantes. Todavia, Zwakhalen et al. (2006) identificou doze escalas. Da sua análise psicométrica, concluiu que a maioria apresentava fragilidades na sua validade, fiabilidade e utilidade clínica. No entanto, a Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD), a Pain Assessment Checklist for Seniors with Limited Ability to Communicate (PACSLAC), L’Echelle Comportamentalle pour Personne Agée (ECPA) e a DOLOPLUS-2 mostraram, entre todas, as melhores propriedades psicométricas (Zwakhalen et al., 2006).

A DOLOPLUS avalia a progressão da dor crónica e não a experiencia de dor num determinado momento, sendo considerada complicada de aplicar de forma rotineira na prática dos cuidados (Zwakhalen et al., 2006; Chatelle et al., 2008).

A PACSLAC é uma escala complexa que exige avaliação durante os cuidados e com critérios de interpretação pouco explícitos (Zwakhalen et al., 2006; Chatelle et al., 2008).

A ECPA avalia a dor aguda e crónica em doentes hospitalizados. Apesar de ser mais fácil de aplicar que a DOLOPLUS é ainda complicada (Chatelle et al., 2008).

A PAINAD permite avaliar a dor em repouso e durante os cuidados sem necessidade de conhecer as manifestações habituais da pessoa, sendo indicada para avaliar a dor em idosos não comunicantes com dor aguda ou crónica, sendo fácil de compreender e utilizar após uma curta formação de duas horas (Chatelle et al., 2008) (Bjoro, Bergen e Herr, 2008). Esta escala foi concebida a partir de uma adaptação da escala Discomfort Scale-Dementia of the Alzheimer’s Type (DS-DAT) (Hurley et al., 1992) e da escala Face, Legs, Activity, Cry, Consolability (FLACC) (Merkel et al., 1997) com o propósito de permitir uma fácil quantificação da dor em idosos numa escala métrica de 0 a10 pontos (Warden, Hurley e Volicer 2003). A escala é composta pelos indicadores respiração, vocalização, expressão facial, linguagem corporal e consolabilidade, cada um deles pontuado de 0 a 2 pontos. Os valores mais altos indicam maior intensidade de dor. A PAINAD abrange apenas três das seis categorias de comportamentos não-verbais de dor descritas nas orientações da Sociedade Geriátrica Americana, e que são: a expressão facial; verbalizações/vocalizações; e a linguagem corporal (Zwakhalen et al., 2006).

A escala já foi traduzida e testada em vários países (Singapura, Bélgica, Itália, Países Baixos, Alemanha e Estados Unidos), o que comprova o interesse crescente pela sua utilização. De uma forma geral, as limitações apontadas nestes estudos foram as reduzidas dimensões das amostras, a aplicação da escala em situações não dolorosas (versão Alemã e Italiana) e a não explicitação da formação efectuada por quem as aplicou (Lin et al., 2010).

Os resultados das suas propriedades psicométricas revelam que a variância da dor explicada a um fator varia entre os 41,32% (Lin et al., 2010) e os 63,46% (Basler et al., 2006), a consistência interna medida pelo α Cronbach varia entre 0,50 (Warden, Hurley e Volicer, 2003) e os 0,80 (Basler et al., 2006), a correlação teste-reteste varia entre 0,88 (Costardi et al., 2007) e os 0,90 (Basler et al., 2006), o coeficiente de correlação intraclasse entre 0,80 e 0,86 (Basler et al., 2006) e a correlação entre dois observadores é de 0,87 (Costardi et al., 2007) (Tabela 1).

 

Tabela 1 – Síntese das propriedades psicométricas da escala PAINAD em estudos de validação semântica e cultural

 

Metodologia

Desenho

Estudo descritivo e transversal que decorreu em duas fases: validação semântica e cultural da versão Portuguesa da escala PAINAD (fase I) e estudo das suas propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) (fase II).

 

Procedimentos

Fase I

Após autorização dos autores, procedeu-se à tradução da escala PAINAD por duas tradutoras (Português nativo) de forma independente. Com base nestas duas traduções, um painel de oito elementos, composto por sete peritos em cuidados a pessoas com demência e/ou problemas neurológicos e com formação específica em avaliação da dor (seis enfermeiros e um professor de enfermagem) e um tradutor, validaram semântica e culturalmente uma versão de consenso. Esta versão foi posteriormente retrovertida para o Inglês, de forma independente, por duas tradutoras (Inglês nativo). Um novo painel, composto pelos mesmos elementos, concebeu uma versão de consenso posteriormente comparada com a versão original para se obter a equivalência. Nenhum dos tradutores tinha formação médica ou de enfermagem.

Todas as frases ou palavras em que houve desacordo entre os tradutores foram analisadas pelo painel e o consenso foi obtido sempre que pelo menos 6 (75%) dos elementos do painel estavam de acordo. A análise incidiu sobre a equivalência cultural e semântica dos conceitos, sua relevância para os profissionais de saúde e sobre a coerência gramatical. Houve necessidade de gerar consenso em relação aos termos: «frigtened» traduzido por «assustado» e «amedrontado»; «facial grimacing» traduzido como «careta» e «esgar facial»; «Knees pulled up» traduzido como «joelhos junto para cima» e «joelhos flectidos»; «moan» traduzido por «lamento/carpido» e «queixume». Com base na relevância para os profissionais de saúde, adoptaram-se como sinónimos os termos «assustado», «esgar facial», «joelhos fletidos» e «queixume», que retrovertidos revelaram equivalência (Tabela 2).

 

Tabela 2 – Versão Portuguesa da escala PAINAD (PAINAD-PT)

 

Fase II

Nesta fase procedeu-se ao estudo das propriedades psicométricas da PAINAD-PT. Participaram na colheita dos dados nove enfermeiros que trabalhavam em dois hospitais, nos serviços de medicina e neurocirurgia, com uma média de idades de 35 anos, variando entre 27 e os 45. Todos frequentaram e obtiveram aproveitamento numa formação sobre avaliação da dor com duração de 30 horas.

Após aplicações experimentais da escala foi convocada uma reunião onde se analisaram as dificuldades e dúvidas surgidas e se consensualizaram procedimentos sobre a avaliação da dor com a utilização da PAINAD-PT.

A recolha dos dados decorreu entre outubro de 2010 e junho de 2011, entre as oito e as dezoito horas, e envolveu 99 doentes incapazes de se auto-avaliarem (com ou sem demência), internados em dois hospitais nos serviços de medicina (56 doentes) e neurocirurgia (43 doentes), seleccionados de forma acidental. Foram excluídos os doentes com menos de 65 anos com principal diagnóstico relacionado com alterações da função respiratória, com patologia neurológica (para ou tetraplégico), em ventilação mecânica e/ou sob efeito de medicação sedante ou curarizante. O tamanho da amostra teve em conta as recomendações para a prossecução da análise fatorial de componentes principais com um mínimo 50 observações ou cinco vezes a quantidade de variáveis (Hair et al.,1998).

A aplicação da escala foi realizada de forma independente e em simultâneo por três enfermeiros, dos nove que participaram no estudo e que no momento se mostraram disponíveis. Não tinham, nem obtiveram qualquer informação prévia do doente avaliado, seja por consulta do processo clínico, ou por informação de outros profissionais de saúde ou familiares. Em função da observação do doente e por um período de dois a quatro minutos, pontuou-se cada um dos cinco indicadores da escala, obtendo assim a pontuação total de intensidade da dor.

 

Análise dos dados

Os dados obtidos foram processados e analisados pelo Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 18.0 for Windows®.

Os dados foram duplamente introduzidos na base de dados e analisados quanto à assunção da normalidade através do teste kolmogorov-Smirnov e histograma, tendo-se verificado que nenhuma variável assumiu a distribuição normal.

A análise descritiva das variáveis categóricas foi feita através das frequências absolutas e relativas e as contínuas pelas medidas de localização mínimo, máximo e mediana. A avaliação da validade de constructo foi feita pela análise dos componentes principais com rotação de Varimax. O teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi usado para aferir a prossecução da análise factorial, tendo-se apurado um valor médio de 0,778 (Lohr, 2002).

Para a análise da fiabilidade recorreu-se ao cálculo da consistência interna e concordância inter-avaliadores. Considerou-se a consistência interna aceitável para um valor de α de Cronbach ≥ 0,7, boa ≥ 0,8 e excelente ≥ 0,9 (George e Mallery, 2003). A concordância entre os três enfermeiros (inter-avaliadores) foi avaliada através do coeficiente de Kappa de Cohen para as variáveis ordinais. Os valores entre 0,41 e 0,60 são considerados moderados, entre 0,61 e 0,80 substanciais e entre 0,81 e 1,0 excelentes (Landis e Koch, 1977). O Coeficiente de correlação intra-classe (ICC) foi usado para quantificar a concordância da pontuação total da escala. Admitiu-se uma boa concordância para valores superiores a 0,75 (Kramer e Feinstein, 1981).

 

Considerações éticas

Este estudo foi aprovado pelos Conselhos de Administração e Comissões de Ética dos hospitais envolvidos. Uma vez que os dados recolhidos resultam da observação dos comportamentos de pessoas incapazes de comunicar e sendo esta intervenção inócua e fazendo parte integrante dos cuidados diários, atendeu-se à doutrina do consentimento informado no que se refere ao consentimento presumido e aos princípios éticos e deontológicos dos enfermeiros. No entanto, foram garantidos todos os esforços para se informar e obter o consentimento do representante legal.

 

Resultados

Entre os 99 doentes que participaram no estudo, 68 (68,7%) eram do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 66 e os 100 anos e com uma mediana de 82 anos. O motivo de internamento e/ou patologias associadas mais prevalentes foram as infecções 45 (45,5%); traumatismos cranioencefálicos 33 (33,3%); tumores 6 (6,1%); e outros diagnósticos vários 6 (6,1%). O estado de consciência, avaliado na escala de Glasgow, revelou uma mediana de 14 pontos, variando entre os 6 e os 15 pontos. Tinham sido submetidos a cirurgia 16 (16,2%) doentes, com uma mediana de 8 dias de pós-operatório, variando entre um mínimo de 2 e um máximo de 45 dias. O tempo de internamento variou entre um e 165 dias, com uma mediana de 8 dias (Tabela 3).

 

Tabela 3 – Dados demográficos e clínicos

 

Do total de avaliações de dor realizadas, e por ordem decrescente, os indicadores da escala usados (pontuados) com maior frequência nos doentes com dor foram: a expressão facial em 214 (72,1%); linguagem corporal 188 (63,3%); consolabilidade 150 (50,1%); respiração 126 (42,4); e vocalização 114 (38,4).

Da análise dos componentes principais apurou-se a presença de um factor com valor próprio superior a 1 (valor próprio = 3,054) com uma variância explicada de 61,09%. A linguagem corporal foi o indicador da escala com maior correlação com o factor (0,88) e a respiração com a menor correlação (0,60). (Tabela 4)

 

Tabela 4 – Análise de componentes principais da PAINAD-PT

 

A escala apresentou uma consistência interna com um α de Cronbach de 0,84. O indicador linguagem corporal foi o que melhor se correlacionou com o total da escala (0,79) e o que mais contribuiu para a coerência interna da escala (0,76). Em sentido contrário, o item respiração foi o que menos se correlacionou com o total da escala (0,45) e o que menos contribuiu para a coerência interna da mesma (0,85) (Tabela 5).

 

Tabela 5 – Consistência interna da escala PAINAD-PT

 

O nível de concordância entre os três enfermeiros variou entre 0,49 na vocalização e os 0,78 na respiração. A correlação apurada entre os enfermeiros foi de 0,89 variando, com um intervalo de confiança a 95%, entre os 0,85 e os 0,92 (Tabela 6).

 

Tabela 6 – Reprodutibilidade da escala PAINAD-PT

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi adaptar semântica e culturalmente para o Português a escala de dor PAINAD e avaliar as suas propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) em pessoas idosas, com ou sem demência, internadas em serviços hospitalares com patologia médica e/ou cirúrgica. Procurámos igualmente saber, nos doentes com dor, quais os indicadores da escala PAINAD-P que mais contribuíam para a sua pontuação de dor.

O processo de validação semântica e cultural da PAINAD-P foi fácil de obter. Houve necessidade de gerar consenso na validação semântica e cultural em relação a quatro termos. Com base na linguagem comumente usada pelos enfermeiros e na sua prática clínica facilmente se geraram consensos e os termos retrovertidos revelaram equivalência com a escala original.

O indicador expressão facial foi o que requereu maiores necessidades de consenso. Encontraram-se divergências em dois termos «frigtened» e «facial grimacing». No entanto, a descrição destes itens, na sua definição proposta pelos autores da escala (Warden, Hurley e Volicer, 2003), operacionaliza de forma clara todos os itens, entre os quais a expressão facial. Este é um indicador muito usado na prática clínica para avaliar a dor, mas de forma arbitrária, o que torna a avaliação pouco fiável. Independentemente dos termos adoptados nesta validação, o uso clínico desta escala carece que os enfermeiros conheçam as definições operacionais dos seus itens.

A escala PANAD-PT revelou-se válida ao apresentar na sua estrutura fatorial um factor que explica 61,1% da variância total da dor. Um resultado superior ao da escala original (Warden, Hurley e Volicer, 2003) e da de Lin et al. (Lin et al., 2010) e muito próximo do de Basler et al. (Basler et al., 2006). Todos os indicadores se correlacionaram fortemente com o fator, o que não se verificado nos estudos de Warden, Hurley e Volicer (Warden, Hurley e Volicer, 2003) e Lin et al. (Lin et al., 2010).

Os indicadores da escala pontuados como dor com maior frequência, nas avaliações de dor feitas em doentes com dor, foram, em mais de metade das avaliações, a expressão facial seguido da linguagem corporal. Estes indicadores são descritos pela Sociedade Geriátrica Americana como típicos de pessoas idosas com dor (Zwakhalen et al., 2006). A linguagem corporal é um indicador facilmente observado no doente e associado à dor estando, por isso, presente em muitas escalas de hetroavaliação da dor. Neste estudo foi o indicador que mais se correlacionou com o fator, o que mais contribuiu para avaliar a dor e para a coerência interna da escala, mas o que menor concordância interavaliador apresentou. Este dado sugere a necessidade de conhecimento e treino na aplicação da escala, em particular com este indicador. A expressão facial, apesar de muito usada para avaliar a dor, é mais difícil de interpretar. Esta dificuldade foi igualmente evidente quando não houve um consenso inicial com a tradução dos termos «frigtened» e «facial grimacing». A vocalização, outro indicador associado à dor na pessoa idosa (Zwakhalen et al., 2006), foi o indicador menos vezes usado na pontuação da escala, mas com boa correlação com o fator. Isto apoia a ideia de que todos os indicadores da escala são válidos para a avaliação da dor em doentes internadas em serviços hospitalares com patologia médica e/ou cirúrgica e que não conseguem fazer a autoavaliação da dor. Todavia, sugere-se familiarização dos eventuais utilizadores da escala com a operacionalização dos seus itens.

A consolabilidade foi um indicador adoptado da escala pediátrica FLACC e inserido na escala PAINAD (Zwakhalen et al., 2006). Este indicador não é considerado pela Sociedade Geriátrica Americana como típico de dor em doentes idosos, mas é muito útil na avaliação da dor, sendo por isso, um dos indicadores presente em muitas escalas de dor pediátricas. A interacção que o enfermeiro estabelece com o doente, quando lhe fala ou toca, faz emergir comportamentos subtis em como a pessoa tem um sentimento de bem-estar ou, pelo contrário, está aflita. Estes comportamentos são extremamente úteis na avaliação da dor na população idosa (Zwakhalen et al., 2006). No nosso estudo, este indicador foi o terceiro mais vezes utilizado (pontuado como dor) pelos enfermeiros e o segundo que mais contribuiu para a coerência interna da escala, sua correlação com o fator e o total da escala. Importa referir igualmente que foi o indicador onde os enfermeiros revelaram maiores dificuldades na sua avaliação, o que reforça a ideia da necessidade de formação e treino na aplicação desta escala nesta população específica.

A respiração ao ser o indicador que menos se correlacionou com o fator faz com que o seu uso na avaliação da dor em pessoas idosas seja questionado (DeWaters et al., 2008). A versão original e a versão Chinesa da escala revelaram um segundo factor com a qual o indicador respiração se correlaciona. O facto de termos excluído do estudo doentes com patologia respiratória como principal diagnóstico, não evitou a observação de doentes com compromisso respiratório. Esta é uma patologia frequente em doentes idosos internados. Apesar de ser o indicador que menos se correlacionou com o total da escala e menos contribuiu para a sua coerência interna, apresenta uma boa correlação com o factor e foi o indicador com maior concordância interavaliadores. Ou seja, este indicador parece ser válido e fiável na avaliação da dor neste tipo de doentes.

A PAINAD-PT revelou boa consistência interna (George e Mallery, 2003), apesar de apresentar apenas cinco itens, o que faz baixar este valor. Entre outros estudos conhecidos (Warden, Hurley e Volicer, 2003; Zwakhalen et al., 2006; Costardi et al., 2007; Lin et al., 2010), este é o que apresenta melhor consistência interna. Atribuímos este resultado ao contributo e importância que tem a formação e treino na aplicação desta escala. Os enfermeiros que participaram nesta colheita dos dados frequentaram um curso de avaliação de dor e treino na utilização da PAINAD de 30 horas, o que comparado com o realizado em outros estudos (Lin et al., 2010) foi muito mais valorizado.

Os níveis de concordância entre os três enfermeiros em cada indicador foram considerados substanciais (Landis e Koch, 1977). A menor concordância verificou-se na expressão facial, o que sugere, uma vez mais, um cuidado especial na formação dos enfermeiros na avaliação deste indicador. Os enfermeiros consideraram, de uma forma subjectiva, que no momento da aplicação da PAINAD-PT mais de 4/5 dos doentes estaria com dor. A garantia da heterogeneidade das manifestações de dor (muitas pontuações não nulas) evita uma limitação apontada em estudos anteriores e que conduz a falsas concordâncias interavaliadores (Lin et al., 2010).

A concordância na pontuação total da escala foi boa (Kramer e Feinstein, 1981) e superior ao estudo de Lin et al. (Lin et al., 2010). As autoras da escala PAINAD aconselham apenas um treino mínimo de quinze a 120 minutos (Warden, Hurley e Volicer, 2003) para aplicação da escala na prática clínica. Todavia, se a aplicação da mesma for feita por profissionais de saúde com formação específica em avaliação de dor e com um conhecimento particular da escala, a fiabilidade será seguramente maior.

Existem outras escalas de avaliação da dor que podem ser usadas em idosos incapazes de se auto-avaliarem. Comparativamente a essas, a PAINAD requer um tempo de aplicação mais curto (Storti, Dal e Zanolin, 2008), facto constatado e salientado pelos enfermeiros avaliadores. Por outro lado, consideraram-na fácil de usar, que as suas instruções eram claras e o treino requerido para a sua aplicação simples, excepção feita para a categoria consolabilidade e expressão facial que requerem um treino de interpretação mais cuidado dada a subtileza das suas manifestações e fatores que podem influenciar essas manifestações.

 

Limitações

A escala PAINAD foi até ao momento alvo de poucos estudos de validação. Os que foram realizados utilizaram metodologias diversas dificultando os consensos nas conclusões. Os estudos foram realizados em amostras reduzidas e com predomínio do sexo feminino (Warden, Hurley e Volicer, 2003), (Basler et al., 2006); em doentes com características clínicas diversas e por vezes pouco explícitas (Zwakhalen et al., 2006); a não explicitação da formação de quem aplicou a escala (Basler et al., 2006); e a não inclusão dos familiares na avaliação.

Este estudo apresenta igualmente limitações várias. Como em anteriores estudos, o sexo feminino predominou. Não cremos que esta variável possa influenciar as propriedades psicométricas da escala. As manifestações de dor não diferem de forma significativa quanto ao sexo, mas em futuros trabalhos seria prudente estratificar esta variável na seleção da amostra, dada a sua maior prevalência na população idosa.

O motivo de internamento e/ou patologias associadas nos doentes alvo de observação foram as mais esperadas entre os idosos: infecções; traumatismos cranioencefálicos; tumores; e acidentes vasculares cerebrais. Uma maior prevalência de traumatismos dos cranioencefálicos resultou do estudo ter sido realizado num serviço de neurocirurgia. Foram poucos os doentes que tinham sido submetidos a cirurgia, pelo que futuros estudos devem abranger serviços de cirurgia.

A heterogeneidade das situações clínicas e a amplitude das idades dos doentes observados asseguram a versatilidade da escala quanto à população alvo de aplicação. Todavia, aconselha-se prudência na avaliação de doentes com patologia do foro respiratório por se correr o risco de pontuar erradamente com dor estes doentes (falsos positivos). Apesar de ser o indicador que menos se correlaciona com todos os outros da escala e dos enfermeiros terem formação em avaliação da dor, isso não elimina totalmente o risco de falsas interpretações. Importa salientar que a patologia infecciosa é muito prevalente no doente idoso e acarreta frequentemente compromisso da função respiratória, facto que ocorreu neste estudo, apesar de excluídos os doentes cujo principal diagnóstico era a alteração da sua função respiratória.

Mais trabalhos são necessários para avaliar as propriedades psicométricas da PAINAD-PT, como estudos de validade de critério (doentes com e sem dor e comparação com outras escalas); incluir outros profissionais de saúde nos painéis de validação de conteúdo, nomeadamente médicos especialistas em geriatria e dor; a inclusão dos familiares e/ou cuidadores principais na avaliação da dor; estudar uma população idosa mais heterogénea e representativa das situações clínicas com que os profissionais de saúde são confrontados; e a utilidade clínica da PAINAD-PT.

 

Conclusão

A avaliação da dor é amplamente reconhecida como uma área imprescindível para a melhoria da qualidade dos cuidados e desenvolvimento de pesquisas futuras (Zwakhalen et al., 2006). Para o controlo efetivo da dor é condição necessária que esta seja orientada por uma avaliação e reavaliação precisa e regular, com uso de escalas validas e fiáveis.

O processo de validação semântica e cultural da PAINAD-PT foi fácil de obter e revelou equivalência com a escala original quando retrovertida. A versão Portuguesa da escala apresentou boas propriedades psicométricas, sendo válida e fiável para uso em doentes idosos, com ou sem demência, com patologia médica e/ou cirúrgica internados em serviços hospitalares. No entanto, requerem-se outros estudos que avaliem a validade e fiabilidade da escala numa população mais heterogénea e representativa das situações clínicas mais comuns em doentes idosos internados em serviços hospitalares.

Apesar do pouco tempo que requerido na sua aplicação e das suas instruções serem claras, é necessário formação em avaliação de dor e treino na aplicação da escala. Particular atenção deve ser dada à interpretação dos indicadores expressão facial, linguagem corporal e consolabilidade. A PAINAD-PT não deve ser utilizada como primeira opção na avaliação da dor em doentes não comunicantes verbais com menos de 65 anos, que tenham como principal diagnóstico alterações da função respiratória, patologia neurológica (para ou tetraplégico), estejam em ventilação mecânica e/ou sob efeito de medicação sedante ou curarizante.

 

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O trabalho foi desenvolvido pelo «grupo de investigação em dor», do qual fazem parte as enfermeiras Paula Maria Meirinho de Oliveira e Inês Catarina Damásio Abalroado do CHUC, EPE, Dulce Cláudia Rocha da Silva e Celina Maria Peixoto Ladeira do Hospital Distrital da Figueira da Foz, EPE, a quem agradecemos a dedicada colaboração no planeamento do estudo, colheita de dados e revisão do artigo.

 

Recebido para publicação em: 19.07.12

Aceite para publicação em: 24.09.12

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