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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.6 Coimbra mar. 2012

https://doi.org/10.12707/RIII11100 

Perceções parentais sobre estado nutricional, imagem corporal e saúde em crianças com idade escolar

 

Lúcia Macedo*; Constança Festas**; Margarida Vieira***

* Mestre em Enfermagem, na opção de Saúde Infantil. Enfermeira Especialista em Saúde Infantil e Pediatria. Enfermeira no Hospital S. João do Porto, EPE [luciammacedo@gmail.com]

** Mestre em Ciências em Enfermagem. Professora coordenadora do Instituto de Ciências da Saúde – Universidade Católica Portuguesa do Porto [cmfestas@ics.porto.ucp.pt]

*** Doutora em Filosofia Contemporânea. Coordenadora da Unidade de Ensino de Enfermagem Instituto de Ciências da Saúde – Universidade Católica Portuguesa do Porto [mmvieira@ics.porto.ucp.pt]

 

Resumo

Objetivo: avaliar as perceções parentais sobre estado nutricional, imagem corporal e saúde nas crianças que frequentam o 1º ciclo do ensino básico.

Material e métodos: foi avaliado o IMC e a perceção dos pais sobre a imagem corporal e saúde dos seus filhos, por questionários enviados a todos os pais das crianças matriculadas nas escolas pertencentes aos Agrupamentos Vertical de Anes de Cernache e de Vila d’Este, do Concelho de Vila Nova de Gaia, no início do ano letivo 2008/2009 (n=936) e incluídas 532 crianças e pais que aderiram (57% da população amostral). As perceções parentais foram comparadas com o percentil de IMC da criança para avaliar eventuais discrepâncias. Trata-se de um estudo descritivo-correlacional.

Resultados: verificou-se que 49.9% dos pais apresentaram uma distorção da perceção relativamente ao estado nutricional e 37.9% relativamente à imagem corporal. Constatou-se que apenas a idade da criança tinha relação com a perceção parental sobre a imagem corporal. Os pais referiram ter “boa” perceção de saúde.

Conclusão: estes resultados são congruentes com outros na área e alertam os profissionais para a necessidade de uma intervenção mais efetiva na educação para a saúde para prevenir e detetar precocemente casos de crianças em risco de se tornarem obesas.

Palavras-chave: perceções parentais; obesidade infantil

 

Parental perceptions of nutritional status, body image and health in school-aged children

Abstract

Objective: to evaluate parental perceptions of nutritional status, body image, and health in children attending the 1st cycle of basic education.

Methods: we assessed BMI and parents’ perceptions of body image and health of their children by questionnaires sent to all parents of children enrolled in schools belonging to the Vertical Group of Anes Cernache and Vila d’Este in Vila Nova de Gaia, at the beginning of the academic year 2008/2009 (n = 936); the study included 532 children and parents who completed the questionnaires (57% of the sample population). Parental perceptions were compared with the percentile of the child’s BMI to assess the deviation from the correct perception. This was a descriptive-correlational study.

Results: we found that 49.9% of parents had a distorted perception in relation to nutritional status and 37.9% had this in relation to body image. It was found that only child’s age was related to parental perception of body image. Parents had a “good” perception of health.

Conclusion: these results are consistent with others in the area and alert practitioners to the need for more effective health education to prevent and detect early cases of children at risk of becoming obese.

Keywords: parental perceptions; child obesity

 

Las percepciones de los padres sobre el estado nutricional, la imagen corporal y la salud en niños en edad escolar

Resumen

Objetivo: evaluar las percepciones de los padres sobre el estado nutricional, la imagen corporal, la salud de los niños que asisten al 1 º ciclo de la educación básica.

Métodos: se evaluaron el IMC y la percepción de los padres sobre la imagen corporal y la salud de sus hijos por medio de cuestionarios, enviados a todos los padres de los niños matriculados en las escuelas pertenecientes a los “Agrupamentos Vertical” de Anes de Cernache y de Vila d’Este, del municipio de Vila Nova de Gaia, al inicio del curso 2008/2009 (n = 936) e incluyó a 532 niños y padres que a él adhirieron (57% de la población de muestreo). Las percepciones de los padres se compararon con el percentil del IMC del niño para evaluar eventuales discrepancias. Se trata de un estudio descriptivo correlacional.

Resultados: se comprobó que el 49,9% de los padres presentaron una distorsión de la percepción en relación al estado nutricional y el 37,9% en lo que concierne la imagen corporal. Se constató que sólo la edad del niño estaba relacionada con la percepción de los padres sobre la imagen corporal. Los padres refirieron tener una “buena” percepción de la salud.

Conclusión: estos resultados son consistentes con otros del área, por lo que los profesionales alertan sobre la necesidad de una educación para la salud más eficaz para prevenir y detectar precozmente casos de niños en riesgo de contraer obesidad.

Palabras clave: percepción de los padres; obesidad infantil

 

Introdução

A obesidade está a gerar uma preocupação crescente a nível mundial tanto pelo aumento progressivo do número de indivíduos com excesso de peso, nomeadamente as crianças, como pelos consequentes riscos para a saúde, fazendo-a adquirir o estatuto de problema de saúde pública (Brites et al., 2007; World Health Organization, 2005; Padez et al., 2004; Padez et al., 2005; Fisher, Fraser e Alexander, 2006).

As crianças, dado o risco de se tornarem adultos com excesso de peso, devem ser consideradas a população prioritária para as estratégias de intervenção preventivas no sentido de reduzir valores de IMC elevados e evitar que as mudanças pato fisiológicas associadas ao sobrepeso e obesidade ocorram na fase adulta (Dehghan et al., 2005).

Os diversos estudos sugerem que os programas que visam reduzir a prevalência de crianças obesas (ou em risco) devem capacitar os prestadores de cuidados para identificar de forma correta o estado nutricional das crianças com excesso de peso e das que possuem um peso adequado para não serem subestimadas (Fisher, Fraser e Alexander, 2006).

Neste sentido, considerou-se pertinente desenvolver um estudo referente às perceções parentais sobre o estado nutricional, imagem corporal e saúde das crianças assim como à sua relação com alguns fatores relacionados com o principal responsável pelo cuidado à criança (idade, escolaridade, cuidador principal) e com a própria criança (idade e sexo).

Deste modo, desenvolveu-se uma investigação descritiva e correlacional centrada nos seguintes objetivos:

a) avaliar as perceções parentais sobre o estado nutricional nas crianças que frequentam o 1º ciclo do ensino básico;

b) avaliar as perceções parentais sobre a imagem corporal e saúde nas crianças que frequentam o 1º ciclo do ensino básico;

c) avaliar a distorção das perceções parentais sobre a imagem corporal das crianças;

d) avaliar as perceções parentais sobre a saúde dos seus filhos.

Intervenção do enfermeiro no combate à obesidade infantil

Para que os programas de prevenção e tratamento da obesidade infantil sejam efetivos é necessário que os pais reconheçam que os seus filhos apresentam sobrepeso e que estejam cientes das suas consequências ao nível da saúde (Baughcum et al., 2000). Este reconhecimento conduz ao desenvolvimento da preocupação com a condição da criança (Wald et al., 2007) e pode gerar motivação para procurarem cuidados de saúde e para a mudança de comportamentos (Eckstein et al., 2006), no sentido de prevenir e tratar a criança com excesso de peso.

Manter os pais interessados na adoção de medidas de prevenção da obesidade e doenças associadas envolve educá-los no que respeita aos riscos de saúde associados. É pouco provável que os pais procurem cuidados de saúde pelo estado nutricional da criança se estes não perceberem o impacto do excesso de peso na saúde ou não sentirem preocupação (Wake et al., 2002) e se os pais acreditam que ter uma criança com excesso de peso é detentora de um bom estado de saúde, esta perceção poderá constituir a maior barreira aos esforços de prevenção da obesidade (Baughcum et al., 2000). Reifsnider et al. (2006) constataram que as mães não acreditam que exista algum problema de saúde a curto prazo se as suas crianças forem obesas em idade pré-escolar, contudo, reconhecem os problemas associados à obesidade quando forem mais velhas. Assim, os enfermeiros deverão focalizar-se nos potenciais problemas de saúde que as suas crianças podem vir a experimentar, se possuírem excesso de peso e desenvolverem intervenções relativas aos hábitos de vida saudáveis, no sentido de atenuar o aumento da taxa de crianças com sobrepeso (Maynard et al., 2003).

Proporcionar padrões alimentares saudáveis nas crianças requer uma variedade de competências parentais que incrementem o bem-estar geral da criança (Jain et al., 2001). Estas competências incluem impor limites, estabelecer rotinas, antecipar-se às necessidades das crianças, ler respostas não-verbais, proporcionar desenvolvimento físico e emocional e encorajar comportamentos adequados (Baughcum et al., 2000; Jain et al., 2001). O desenvolvimento e manutenção destes itens é um desafio para qualquer pai/mãe, contudo, deve-se evitar “impor” o peso da criança como sendo uma medida de competência parental ou saúde da criança (Baughcum et al., 2000).

É da competência do enfermeiro (tanto na consulta de saúde infantil quanto na saúde escolar) de prevenir a obesidade e detetar precocemente casos de crianças em risco de se tornarem obesas. Ao fazer educação para a saúde, a intervenção do enfermeiro passa por desmistificar conceitos, encorajar a aquisição de uma dieta saudável, promover hábitos da prática de exercício físico evitando que a criança desenvolva uma preocupação com a “magreza” ou um conceito redutor relacionado com o peso do corpo (Baughcum et al., 2000).

 

Metodologia

Tipo de estudo

Foi realizado um estudo descritivo e correlacional, utilizando uma amostra de conveniência. A escolha desta amostra inseriu-se no âmbito dum projeto a decorrer no Centro de Enfermagem da Católica, do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica no Porto: “Enfermeiro na Escola”.

Estabeleceram-se como critérios de inclusão: frequentar uma das escolas do ensino básico dos Agrupamentos Verticais de Anes de Cernache e de Vila d’Este do concelho de Vila Nova de Gaia; ter autorização dos respetivos pais. Como critério de exclusão: presença de patologia crónica (por exemplo: cardiopatia congénita ou atrasos de crescimento).

Amostra

Dos 936 questionários entregues aos responsáveis pelo cuidado à criança verificou-se uma taxa de retorno de cerca de 66% (n=621). Destes, foram excluídos 86 pela impossibilidade de emparelhamento questionário do cuidador-criança e 3 por apresentarem critérios de exclusão – um caso de deficiência motora grave, doença cardiocongénita e insuficiência renal (Figura 1).

 

Figura 1 – Esquema explicativo da seleção da amostra em estudo.

 

Instrumentos de colheita de dados

Utilizaram-se os seguintes instrumentos:

a) Um questionário fechado, dirigido ao principal responsável pelo cuidado à criança (mãe, pai, avós ou outro) com perguntas relacionadas com as variáveis em estudo nomeadamente o sexo, idade e habilitações literárias. Em relação à criança, também foi questionado qual o seu sexo e sua idade.

b) Avaliação antropométrica das crianças segundo metodologias e técnicas internacionalmente recomendadas:

– determinação do peso em balança eletrónica portátil, modelo Tanita®, com capacidade para 150kg (com precisão de 0,1 kg);

– determinação da estatura efetuada em pé, com os calcanhares unidos, com a cabeça posicionada segundo o plano Horizontal de Frankfurt e com os calcanhares, nádegas, omoplatas e cabeça encostados e paralelos à parede, onde estava inserida uma fita métrica graduada ao milímetro.

A partir dos valores do peso e da altura, foi efetuado o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) [IMC=peso(kg)/altura2(m2)], para posteriormente determinar o percentil de IMC da criança, tendo como padrão de referência as tabelas de crescimento, de acordo com a idade e o sexo, da Direcção-Geral de Saúde (Portugal. Direção Geral da Saúde, 2005). O IMC da criança divide-se em 4 categorias que se baseiam em percentis: abaixo do percentil 5 – subpeso; entre os percentis 5 e 85 – peso adequado; entre os percentis 85 e 95 – excesso de peso; acima do percentil 95 – obesidade (Portugal. Direção Geral da Saúde, 2005).

c) Avaliação da perceção parental relativamente ao estado nutricional da criança, em que foi solicitado aos pais para completar a seguinte frase, com as seguintes respostas pré-definidas: “Eu sinto que a minha criança está…: muito gorda/gorda/peso adequado/magra ou muito magra”. A sustentação teórica desta questão resultou da reflexão crítica sobre os artigos encontrados durante a revisão da literatura.

d) Instrumento de avaliação da perceção da imagem corporal.

Escala constituída por 7 imagens de crianças de ambos os sexos, compreendidas entre a magreza (F1) e a obesidade (F7), que se encontra validada em Portugal (Figura 2) (Silva et al., 2007).

 

Figura 2 – Instrumento de avaliação da perceção da imagem corporal para ambos os sexos.

 

e) Instrumento de avaliação da perceção de saúde - KINDL® (Ferreira et al., 2006).

Trata-se de um questionário com 24 perguntas, para medir a saúde relacionada com a qualidade de vida nas crianças e adolescentes, destinado aos pais. Este instrumento pretende medir 6 dimensões de qualidade de vida (bem-estar físico, bem-estar emocional, autoestima, família, amigos e escola) e está disponível para ser utilizado em 3 grupos etários (4 a 7 anos, 8 a 12 anos e 13 a 16 anos). Foram utilizadas as versões que envolveram as idades da amostra em estudo. A pontuação final é obtida pela soma das pontuações parcelares, transformadas para uma escala de 0 a 100, onde valores mais altos indicam uma melhor qualidade de vida, ou seja, uma perceção de “melhor saúde” (Ferreira et al., 2006).

Procedimentos

Foi solicitada a autorização aos respetivos autores para utilização dos instrumentos de avaliação e aos 2 agrupamentos escolares da freguesia de Vilar de Andorinho (Agrupamento Vertical de Anes de Cernache e de Vila d’Este).

Após a obtenção das autorizações, foi realizada a avaliação antropométrica das crianças, nos casos em que se obteve retorno do questionário enviado, com o consentimento assinado.

Posteriormente analisaram-se dados do principal responsável da criança com a respetiva criança para se proceder à confrontação dos mesmos.

Tratamento de dados

Foi utilizada estatística descritiva, nomeadamente: frequências absolutas (n) e relativas (%), média e desvio padrão.

O teste de Kolmogorov Smirnov foi usado para avaliar a normalidade da distribuição das variáveis. Para efetuar comparações múltiplas entre grupos foi utilizado o teste One-Way ANOVA, suplementada com o Turkey HSD post hoc e para comparações simples, o teste t-Student (se a variável apresentasse uma distribuição normal) e o teste Mann-Whitney U (no caso de uma distribuição anormal).

No cálculo de coeficientes de correlação foi usado o teste de Spearman (se a variável apresentasse uma distribuição anormal) e o de Pearson (se a variável apresentasse uma distribuição normal).

Na comparação de proporções entre grupos foi utilizado o teste de Qui-Quadrado ou o teste de Fisher.

A análise foi efetuada através da utilização do programa de análise estatística SPSS® v.17.0 (Statistical Package for the Social Sciences).

 

Resultados

Caracterização da população parental

Na maior parte dos casos, o principal cuidador da criança foi a mãe (79%), seguida do pai (19%). Neste contexto, a mãe foi a principal prestadora de cuidados, em que a idade variou entre os 21-73 anos, com uma mediana de idades de 36 anos.

No que concerne às habilitações literárias, 376 cuidadores (72%) apresentavam escolaridade até ao 9º ano [114 (22%) apresentaram até 4 anos de escolaridade, 150 (29%), 6 anos; 112 (21%), 9 anos de escolaridade], 107 (20%) até ao 12º ano e apenas 39 (7%) tinham um curso superior.

Através da referência do peso e da altura pelos pais, foi determinado o seu IMC e verificou-se que 194 cuidadores (37%) tinham um peso adequado. Contudo, 140 (26%) possuíam um IMC correspondente ao subpeso, 138 (26%) ao sobrepeso e 57 (11%) à obesidade.

Caracterização da população infantil

A amostra foi composta por 532 crianças com uma idade média de 8 anos e um desvio-padrão de 1 ano, das quais 270 (51%) eram do sexo feminino e 262 (49%) do masculino. Relativamente ao ano escolar, 123 (23%), 113 (21%), 160 (30%) e 136 (26%) frequentavam o 1º, 2º, 3º, 4º ano do ensino básico, respetivamente.

Através da avaliação do peso e da altura, determinou-se o respetivo percentil do IMC da criança, tendo em conta as tabelas de crescimento, recomendadas pela Direção Geral de Saúde (2005), segundo o sexo e a idade, e verificou-se que 313 (59%) apresentavam um percentil considerado adequado e que apenas 17 (3%) possuía um percentil tradutivo de subpeso. Contudo, 202 (38%) crianças apresentavam um percentil de sobrepeso [99 (19%) situavam-se no percentil entre 85-95 e 103 (19%) situavam-se no percentil> = a 95].

Caracterização das perceções parentais relativamente ao estado nutricional e imagem corporal das crianças que frequentam o 1º ciclo do ensino básico

No que se refere ao estado nutricional, a grande maioria dos pais considerava que os seus filhos tinham um peso adequado (n=396; 74%). Já 74 (14%) e 62 (12%) cuidadores percecionaram que a sua criança estava muito gorda/gorda e muito magra/magra, respetivamente (Figura 3).

 

Figura 3 – Distribuição da perceção parental sobre o estado nutricional das crianças (n=532).

 

Verificou-se que existe uma correlação estatisticamente significativa entre a perceção parental sobre o estado nutricional e o percentil do IMC da criança (r= 0.501; p <0.001), em que 50.1% dos casos da perceção estava correta (coincidente ao percentil do IMC, determinado pela nossa avaliação antropométrica), ou seja, 49.9% apresentavam uma distorção da perceção relativamente ao estado nutricional do/a seu/sua filho/a.

Relativamente à perceção sobre a imagem corporal, a maioria dos pais, ou seja 276 (52%), escolheram as imagens correspondentes ao percentil [50-75] (Figura 4).

 

Figura 4 – Distribuição da perceção parental sobre a imagem corporal das crianças (n=532).

 

Verificou-se a existência de correlação estatisticamente significativa entre a perceção parental sobre a imagem corporal dos filhos e o seu percentil de IMC (0.621; p <0.001). De facto, em 62.1% dos pais a perceção era correta, verificando-se distorção apenas nos 37.9% restantes.

Diferença entre a perceção parental sobre a imagem corporal e o percentil do IMC da criança

No que diz respeito às perceções parentais sobre a imagem corporal, verificou-se que uma percentagem elevada de pais atribuiu uma figura que não correspondia à realidade. Esta distorção foi maior no caso das crianças no canal de percentil 50-75, 85-95 e superior a 95. Dos 277 pais que atribuíram uma imagem correspondente ao percentil [50-75], apenas 123 tinham a perceção correta. Das 99 crianças que se situavam no percentil [85-95], ou seja, em risco de obesidade, apenas 27 pais atribuíram uma figura correspondente a esse mesmo percentil. Ainda das 102 crianças obesas, apenas 1 atribuiu uma figura correspondente a esse mesmo percentil (Figura 5).

 

Figura 5 – Diferença entre a perceção parental relativamente à imagem corporal e o percentil do IMC da criança.

 

Tendo em conta a idade e o sexo da criança, verificou-se que a distorção da perceção parental é maior, isto é, estatisticamente mais significativa, no caso das crianças mais novas (p <0.0001) (Figura 6)

 

Figura 6 – Intervalos de confiança a 95%, para a idade da criança, segundo as perceções parentais sobre a imagem corporal dos seus filhos.

 

Também se verificou que não existem diferenças estatisticamente significativas quando analisado o sexo da criança (p=0.833) (Tabela 1).

 

Tabela 1 – Distribuição das perceções (in) corretas segundo o sexo da criança (n=532).

 

Analisando algumas variáveis relacionadas com o cuidador verificou-se que não existe diferença estatisticamente significativa entre os pais que tinham a perceção (in) correta e a sua idade (t = 0.663; p = 0.508) bem como no facto do mesmo ser mãe, pai, avó(ô) ou outro (p=0.481). Tendo em conta a sua escolaridade, na globalidade, não existem diferenças estatisticamente significativas (c2=11.156; p= 0.265).

Caracterização das perceções parentais sobre a saúde das crianças

Analisando as diversas dimensões do questionário da qualidade de vida verificou-se que, globalmente, os pais têm uma boa perceção acerca da saúde das suas crianças, com pontuações mais altas na dimensão ‘Contactos Sociais’ (84.25) e mais baixas na dimensão ‘Autoestima’ (66.46) (Tabela 2).

 

Tabela 2 – Distribuição da média e desvio-padrão das pontuações das dimensões que compõem o questionário, transformadas em 100.

 

Igualmente, não se encontrou correlação estatisticamente significativa entre a pontuação final obtida (no global e em cada uma das dimensões) e a perceção parental sobre a imagem corporal dos seus filhos (r= -0.006; p=0.897) bem como o percentil de IMC das crianças (r=-0.069; p=0.113).

 

Discussão

À semelhança de outros estudos, nesta pesquisa o principal cuidador foi a mãe (79%; n=421). Este resultado demonstra a importância da inclusão da mãe da criança nos programas de promoção de saúde e combate à obesidade infantil, uma vez que esta, tipicamente, assume um papel importante na determinação dos vários tipos de alimentos disponibilizados em casa e nos comportamentos relacionados com os padrões alimentares e atividade física (Padez et al., 2005).

De acordo com a classificação da obesidade recomendada pela Direção Geral de Saúde (2005), 59% das crianças estudadas (n=313) apresentavam um percentil de IMC adequado, 3% (n=17) subpeso e 38% (n=202) sobrepeso; destas metade (19%) situava-se no percentil 85-95 e igual número acima do percentil 95. Este estudo vai ao encontro dos estudos epidemiológicos de Padez et al. (2004; 2005) que se depararam com uma prevalência de sobrepeso de 31.4% (20.3% de excesso de peso e 11.3% de obesidade) em crianças com idades entre os 7-9 anos de idade. No estudo agora realizado a taxa de sobrepeso (38%) parece afastar do referido anteriormente e estar já acima da encontrada em crianças de outros países europeus, como Espanha e Itália, onde se verificou uma prevalência de 34% e 36% respetivamente (World Health Organization, 2005).

No que diz respeito às perceções parentais sobre o estado nutricional das suas crianças, verificou-se que 74% dos pais (n=396) percecionaram que a sua criança apresentava um percentil de IMC adequado, 14% (n=74) percecionaram excesso de peso e 12% (n=62) subpeso. Verificou-se que em 49.9% dos casos a perceção parental encontrava-se distorcida. Relativamente às perceções parentais sobre a imagem corporal constatou-se que a maioria dos pais (52%; n= 276) escolheu a imagem correspondente ao percentil do IMC 50-75 e que em 37.9% dos casos a perceção estava incorreta. Além disso, constatou-se que a distorção da perceção parental é maior para as crianças mais novas, não se encontrando qualquer relação com o seu sexo. Este resultado foi ao encontro dos dados do estudo de Young-Hyman et al. (2000) que concluiu que os pais identificaram o excesso de peso como um sendo um risco tanto maior quanto maior fosse a idade da criança. Contudo, autores como Wald et al. 2007 concluíram que é mais frequente os pais reconhecerem o excesso de peso nas raparigas que nos rapazes.

Com base na revisão da literatura efetuada determinou-se a relação entre algumas variáveis relacionadas com o principal responsável pelo cuidado à criança e a sua perceção e não se encontrou qualquer relação com o facto de ser mãe, pai, avós ou outro, a sua idade, bem como as suas habilitações literárias. No estudo de Carnell et al. (2005) a perceção do excesso de peso não esteve associada com a idade do progenitor, IMC e nível de formação do cuidador. Todavia, Fisher, Fraser e Alexander (2006) constataram que as mães tinham uma perceção correta (em relação aos progenitores do sexo masculino). Ainda, noutros estudos, verificou-se que a presença de um nível de escolaridade elevado esteve associado a uma perceção parental sobre o estado nutricional correta (Baughcum et al., 2000).

Quando analisada a diferença entre a perceção parental relativamente à imagem corporal e o respetivo percentil do IMC da criança, a maioria dos pais atribuíram uma figura que não correspondia à realidade, sendo a perceção incorreta (distorção) mais evidente nos casos das crianças que se situavam no percentil 50-75, 85-95 e superior a 95. Este resultado vai ao encontro do estudo de Reifsnider et al. (2006), em que verificaram não haver congruência entre as perceções maternais e a realidade.

No que concerne à perceção parental sobre a saúde da criança, globalmente, os pais tiveram uma “boa” perceção acerca da saúde, independentemente do sexo e percentil do IMC da criança, da sua perceção sobre a imagem corporal dos seus filhos e do facto do responsável pelo cuidado à criança ser mãe, pai, avós ou outro. Uma das razões que poderá explicar este resultado é o facto do excesso de peso na infância não ser encarado como um problema se a criança transparecer felicidade (Crawford et al., 2004) e a crença de que a criança “gordinha” é saudável e que recebe melhor cuidado dos pais (Baughcum et al., 2000). Assim, o excesso de peso da criança é visto como um sinal de sucesso parental (Reifsnider et al., 2006) e indicador de um bom estado de saúde (Jain et al., 2001). As mães frequentemente reportam que as crianças são saudáveis quando “o seu cabelo está saudável e brilhante e a sua pele está cheia de vida” e “tem uma expressão muito feliz perto da família” (Crawford et al., 2004). Sendo assim, a educação alimentar deve ter por base uma estrutura cultural e um sistema de crenças da população a que se destina, uma vez que o paradigma do aconselhamento alimentar tradicional pode não ser efetivo. Desta forma, a assistência pode ser melhorada se forem estabelecidas conexões entre saúde e felicidade e se focarem nas consequências de saúde positivas ao adotar uma alimentação e atividade física adequada ao invés de se focarem nas consequências do excesso de peso (Crawford et al., 2004).

 

Conclusão

Apesar da significativa atenção dada à obesidade infantil na literatura como sendo um problema de saúde pública, a incidência de crianças com excesso de peso e obesas continua a aumentar e a ação para reduzir este problema não tem sido efetiva até à data (Padez et al., 2005; Carmo et al., 2007).

A avaliação das perceções parentais sobre o estado nutricional, imagem corporal e saúde é importante na medida em que o seu conhecimento permite a implementação de estratégias de intervenção mais realistas e eficazes e, a partir da sua consciencialização é possível iniciar um processo de prevenção, deteção precoce e tratamento da obesidade infantil. Neste estudo verificou-se que em 49.9% e 37.9% dos casos a perceção parental sobre o estado nutricional e a imagem corporal estava incorreta (respetivamente). Constatou-se que a distorção da perceção parental é maior nas crianças mais novas, não se encontrando qualquer relação com o seu sexo. Também, se verificou que o facto de a sua perceção estar (in) correta não teve qualquer relação com o facto de ser mãe, pai, avós ou outro, a sua idade bem como, com as suas habilitações literárias.

No que concerne à perceção parental sobre a saúde, globalmente, os pais têm uma boa perceção acerca da saúde dos seus filhos, independente do seu sexo, percentil do IMC, da perceção parental relativamente à imagem corporal e do facto do responsável ser mãe, pai, avós ou outro.

Manter os pais interessados na adoção de medidas de prevenção da obesidade e co-morbilidade, exige informá-los sobre os riscos de saúde associados. Os pais não irão procurar pelos cuidados de saúde se não perceberem o impacto do excesso de peso na saúde da criança ou não sentirem preocupação (Wake et al., 2002). Por outro lado, se os pais acreditarem que uma criança com excesso de peso é detentora de um bom estado de saúde, esta perceção poderá constituir a maior barreira aos esforços de prevenção da obesidade (Baughcum et al., 2000).

A prevenção e combate à obesidade infantil dependerão dum suporte contínuo e reforço por parte dos profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros, da família, bem como das escolas e políticas da comunidade que influenciem os estilos de vida mais saudáveis. Estas medidas associadas aos esforços para ajudar os pais a reconhecerem a obesidade ajudarão a controlar o crescimento desta epidemia presente nas crianças.

Os enfermeiros, como são detentores de uma confiança por parte dos pais pela proximidade dos vários contextos sociais (em contexto comunitário, na consulta de saúde infantil e em contexto escolar), particularmente nos primeiros anos de vida, têm um papel significativo nas intervenções preventivas na obesidade infantil.

Propõe-se que sejam realizados mais estudos que permitam efetuar uma comparação entre as perceções parentais com as das crianças, no sentido de avaliar as suas diferenças. Igualmente, deve-se sujeitar esta população a planos de intervenção no sentido de modificar comportamentos erróneos. Deste modo, previnem-se e tratam-se casos de excesso de peso/obesidade antes que essas crianças cheguem à fase adulta, evitando assim as consequências irreversíveis associadas a esta pandemia.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 13.09.11

Aceite para publicação em: 06.12.11

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