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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.6 Coimbra mar. 2012

https://doi.org/10.12707/RIII1151 

Tradução portuguesa, adaptação e validação da Perinatal Bereavement Grief Scale (PBGS) em mulheres com perda de gravidez

 

Cândida Koch*; Célia Santos**; Margarida Reis Santos***

* Mestre em Administração e Planificação da Educação. Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem do Porto [candida@esenf.pt].

** Doutora em Psicologia da Saúde. Professora Coordenadora na Escola Superior de Enfermagem do Porto.

*** Doutora em Enfermagem. Professora Coordenadora na Escola Superior de Enfermagem do Porto.

 

Resumo

A perda precoce de uma gravidez, para muitas mulheres, pode constituir um significativo stressor psicossocial. Fazer o luto deste tipo de perda pode ser complexo e uma avaliação precoce pode permitir intervenções mais eficazes. São poucos os instrumentos existentes para esta avaliação. Assim, neste estudo pretendeu-se traduzir, adaptar, validar e avaliar a aplicabilidade da PBGS em mulheres em situação de perda involuntária da gravidez, analisando as suas capacidades de mensuração. A amostra constituiu-se por 100 mulheres entre as quatro e as seis semanas pós-perda. A análise de componentes principais permitiu confirmar a estrutura dimensional única da escala, proposta pelo autor. O nível de confiabilidade da escala evidenciado no nosso estudo (coeficiente Alpha de Cronbach 0,81), embora um pouco inferior ao apresentado originalmente, é igualmente bom. Apresenta uma boa estabilidade temporal (r = 0,98, p <0,01).

Podemos dizer que este instrumento, neste estudo, mostrou ser uma medida fidedigna e válida, podendo constituir uma ferramenta importante a utilizar pelos enfermeiros na avaliação de mulheres em risco de desenvolver complicados processos de adaptação à perda da gravidez.

Palavras-chave: gravidez; abortamento; pesar

 

Portuguese translation, adaptation and validation of the Perinatal Bereavement Grief Scale (PBGS) in women with pregnancy loss

Abstract

The early loss of pregnancy for many women may be a significant psychosocial stressor. To mourn a loss of this type can be complex and early evaluation can allow more effective interventions. Few instruments exist for this assessment. Therefore in this study we sought to translate, adapt, and evaluate the applicability of the PBGS to women in situations of involuntary pregnancy loss, examining its measurement capabilities. The sample consisted of 100 women between four and six weeks after their respective losses. The analysis of the scale’s primary components confirmed its unique dimensional structure as proposed by the author. Although slightly lower than originally presented, the scale’s level of reliability, as evidenced in our study (Cronbach’s Alpha coefficient 0.81), is also satisfactory. The scale shows good temporal stability (r = 0.98, p <0.01). The scale, applied in this study, was found to be both reliable and valid, and may constitute an important tool to be used by nurses in evaluating women at risk of developing complications while adapting to pregnancy loss.

Keywords: pregnancy; miscarriage; grief

 

Traducción portuguesa, adaptación y validación de la Perinatal Bereavement Grief Scale (PBGS) en mujeres con pérdida gestacional

Resumen

La pérdida precoz del embarazo para muchas mujeres, puede ser un factor estresante psicosocial significativo. Hacer el duelo de este tipo de pérdida puede ser complejo y una evaluación temprana puede permitir intervenciones más eficaces. Existen pocos instrumentos para esta evaluación. Asimismo, en este estudio se ha pretendido traducir, adaptar, validar y evaluar la aplicabilidad de la PBGS en mujeres en situación de pérdida involuntaria del embarazo, analizando sus capacidades de mensuración. La muestra está constituida por 100 mujeres entre las cuatro a seis semanas tras la pérdida. El análisis de componentes principales permitió confirmar la estructura dimensional única de la escala, propuesta por el autor. El nivel de fiabilidad de la escala evidenciado en nuestro estudio (coeficiente Alpha de Cronbach 0,81), aunque un poco inferior al presentado originalmente, es igualmente bueno. Presenta una buena estabilidad temporal (r = 0,98, p <0,01). Podemos decir que este instrumento, en este estudio, demostró ser una medida fidedigna y válida, por lo que podrá constituir una herramienta importante para ser utilizada por los enfermeros en la evaluación de mujeres en riesgo de desarrollar complicados procesos de adaptación a la pérdida del embarazo.

Palabras clave: aembarazo; aborto espontáneo; pesar

 

Introdução

A perda faz parte da vida dos indivíduos e o conceito de luto descreve as emoções e sentimentos que a acompanham.

De acordo com Jacob (1993), podemos dizer que o luto como fenómeno foi, primeiramente, descrito por Freud como uma perda dolorosa, em que toda a energia é direcionada para pensamentos, sentimentos e atividades que se relacionam com o ser/objeto perdido, traduzido num processo gradual de afastamento do indivíduo enlutado face ao objeto perdido ou desejado, revivendo o passado e lidando com as recordações. Ainda de acordo com Jacob (1993), o luto é o processo normal, dinâmico e individualizado que abrange os aspetos físicos, emocional, social e espiritual das pessoas que experienciaram a perda de alguém ou algo significante. Surge como uma resposta universal, inerente a qualquer idade e cultura. É uma reação normal e esperada quando um vínculo é rompido e a sua função é proporcionar a reconstrução de recursos e viabilizar um processo de adaptação às mudanças ocorridas em consequência da perda (Gesteira, Barbosa e Endo, 2006).

Se entendermos a transição para a parentalidade como a construção de uma relação, imbuída de grandes esforços e expetativas, perceberemos melhor quão frustrante pode ser se esse processo for interrompido de forma abrupta e inesperada, como acontece quando uma gravidez é involuntariamente interrompida. Como em qualquer luto, raramente fica claro, com exatidão, o que foi perdido (Parkes, 1998). Não é só a perda da gravidez, mas também uma série de outras perdas inerentes e com enorme significado: perda de uma pessoa amada, real ou imaginária, perda de autoestima, perda de estatuto (maternidade, mulher), perda existencial (projeto de vida, futuro).

A literatura sobre o luto após a perda de gravidez é escassa e, talvez por isso, os resultados evidentes sejam pouco consistentes e claros.

A perda pré-natal foi reconhecida como um evento gerador de luto desde final dos anos sessenta, início dos anos setenta, no entanto, os estudos sobre este tema só surgem na literatura em meados dos anos oitenta (Beutal et al., 1995; Hutti et al., 1998, cit in St John, Cooke e Goopy, 2006). Atualmente é vista como um significativo stressor psicossocial, do qual resulta um elevado nível de disforia e luto (Brier, 2004). Embora as reações afetivas e comportamentais que normalmente ocorrem pareçam similares àquelas que acompanham qualquer outro tipo de perda significativa, em alguns dos seus aspetos únicos necessitam de um suporte emocional adicional (Adolfsson et al., 2004).

A perda precoce da gravidez tem sido vista como perda perinatal. No entanto, fazer o luto deste tipo de perda pode ser complexo, tornando este processo mais difícil por várias razões. Não existe, por exemplo, uma criança visível para “chorar”, não há memórias nem experiências de vida partilhadas, a morte é súbita, existe uma falta de reconhecimento pela sociedade. Nesta situação, o trabalho de luto parece elaborar-se quase ao nível do imaginário. A supressão de um apropriado trabalho de luto pelas inibições sociais pode levar a um aumento do stress e a consequências emocionais a longo prazo (Lee e Slade, 1996).

Diversos estudos referem que as perdas gestacionais, embora o processo de luto se afigure numa estrutura sequencial idêntica ao de outras perdas, apresentam algumas especificidades (Kay et al., 1997, cit in Cabral, 2005, p. 74-75):

«Embotamento emocional, negação, choque – o choque pode ser tanto maior quanto mais avançada for a idade gestacional em que ocorre a perda.

Culpa e raiva – sentimentos de culpa por de alguma forma ter causado ou contribuído para a situação de perda (por exemplo: dieta imprópria, falta de repouso, esforços, atividade sexual frequente, consumo de tabaco ou álcool).

Inveja e ciúmes – direcionado a mulheres grávidas ou mães com bebés. Frequentemente evitam o contacto com mulheres nestas situações.

Retorno menstrual – primeiramente pode ser encarado como positivo para a evolução do trabalho de luto, uma vez que pode significar a manutenção da funcionalidade do aparelho reprodutivo, reforçando a esperança de que uma nova gravidez pode ser conseguida. No entanto, as menstruações seguintes podem significar confirmações de insucesso se houver tentativas de engravidar, podendo acentuar a dor da perda anterior.

O nascimento de um bebé saudável – em muitas situações, é neste momento que a mulher consegue, definitivamente, ultrapassar a perda da gravidez».

Para Worden (1982, cit in Bruce, 2007) o trabalho de luto – adaptação à perda – envolve quatro tarefas básicas, essenciais para que a pessoa/sistema familiar recuperem o equilíbrio e completem o luto: aceitar a realidade da perda, experienciar a dor da perda, ajustar-se/adaptar-se a um ambiente no qual a pessoa/objeto desejado não existe, e transferir a energia emocional investindo-a noutras relações.

De acordo com Prigerson e Jacobs (2001), os indicadores de uma adaptação normal incluem: a capacidade de sentir que a vida ainda tem interesse, sentido de segurança em si próprio, autoeficácia, capacidade de confiar nos outros e, também, para reinvestir noutras relações interpessoais ou atividades.

Não existe um ponto final no luto que, considerando a maioria dos autores, pode fazer-se em dois a quatro meses, ou prolongar-se por um a dois anos. Podemos concluir que está terminado quando é integrado harmoniosamente na vivência do presente.

Alguns estudos (Beutel et al., 1995; Deckhardt et al., 1994; Nickcevic et al., 1999; Hutti et al., 1989, cit in Brier, 2008), que analisam as alterações na intensidade do luto ao longo do tempo, têm tentado responder à questão sobre qual a duração do luto após uma perda gestacional precoce. Todos eles sugerem que há uma significativa redução na intensidade do luto aos seis/sete meses pós-perda, induzindo que a duração do luto subsequente a uma perda gestacional é similar à duração do luto após outros tipos de perdas significativas.

A assunção de que o luto é um processo que varia de indivíduo para indivíduo sugere questões importantes sobre o que constitui um luto normal, complicado ou patológico. Reações de luto normais são aquelas que, apesar de dolorosas, movem o sujeito para a aceitação da perda e para a capacidade de continuar a sua vida (Bonanno e Kaltman, 2001).

Melhorar os cuidados de enfermagem prestados a mulheres em situação de perda de gravidez implica fazer uma avaliação precoce do processo de luto, no sentido de se programarem as intervenções ajustadas a cada caso. Dado que são poucos os instrumentos existentes para esta avaliação precoce, pretendeu-se neste estudo traduzir, adaptar, validar e avaliar a aplicabilidade da PBGS em mulheres em situação de perda involuntária da gravidez, analisando as suas capacidades de mensuração.

 

Objetivo

Traduzir, adaptar culturalmente para a população portuguesa e validar a Perinatal Bereavement Grief Scale (PBGS).

 

Metodologia

O processo de tradução, adaptação cultural e validação da PBGS desenvolveu-se num conjunto de procedimentos de modo a garantir a equivalência linguística, cultural e métrica dos conceitos em estudo.

 

Instrumento

Foram vários os instrumentos que analisámos e que encontrámos descritos na literatura estrangeira. Sobre esta temática, partilhamos a opinião de Loureiro, quando diz que «escasseiam os instrumentos, quer criados de raiz, quer os traduzidos e adaptados de língua inglesa para português» (2010, p. 102). De um modo geral, todos eles abrangem um leque variado de reações à perda perinatal que incluem a depressão, a raiva, a culpa, o apelo à espiritualidade, ou as respostas sociais. Por outro lado, todos nos pareceram muito direcionados para as perdas perinatais, envolvendo as gravidezes tardias, os nados-mortos, ou as mortes pós-nascimento.

A PBGS, desenvolvida por Richard Neugebauer, do New York State Psychiatric Institute and Columbia University, USA (Ritsher e Neugebauer, 2002), destina-se a avaliar o luto e o anseio, ou saudade, pela gravidez e pelo bebé perdidos.

De acordo com os autores, esta escala já se encontra traduzida para Espanhol (América Latina) e está em curso a sua tradução para Italiano e Chinês.

A nossa opção por esta escala prendeu-se com o facto de ela ser específica para avaliar as reações de luto face às perdas envolvidas, bebé e gravidez, valorizando ambas, e porque permite, igualmente, ser usada em situação de perda de gravidez precoce.

A escala apresenta-se sob a forma de afirmações e pretende-se que as participantes respondam sobre a frequência, e não a intensidade, em que ocorreram na última semana, usando uma escala tipo Likert de 4 pontos, em que o valor 1 corresponde a “raramente” ou “nunca” (menos de 1/ dia), o valor 2 corresponde a “às vezes” (1 a 2 dias), o valor 3 a “muitas vezes” (3 a 4 dias) e o valor 4 a “sempre” ou “quase sempre” (5 a 7 dias).

Engloba 15 itens. Do item 1 ao 7, as afirmações relacionam-se com a perda da gravidez, o item 8 pretende avaliar a resposta física à perda, os itens 9 e seguintes, até ao 15, referem-se à perda do bebé.

O score da PBGS é uma soma aritmética simples dos scores individuais dos itens e pode variar entre 15 e 60. Um score elevado representa uma manifestação mais intensa de luto, ou seja, um luto menos resolvido.

 

Processo de tradução e adaptação cultural

Dado que este instrumento não se encontrava traduzido, adaptado culturalmente, nem validado para a população portuguesa, propusemo-nos realizar esse trabalho.

De entre os vários autores que nos falam da metodologia a seguir na tradução e adaptação cultural de instrumentos, optámos por seguir os princípios propostos pela ISPOR (International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research) apresentados por Wild et al. (2005):

1) Preparação – procedemos aos contactos necessários, junto do autor, no sentido de obter permissão para a tradução e adaptação da escala.

Analisámos cuidadosamente a escala no sentido de percebermos todos os conceitos envolvidos.

Contactámos tradutores experientes e com conhecimentos da área temática. Escolhemos dois, pois de acordo com os princípios orientadores da ISPOR este é o número considerado mínimo. Embora nenhum deles fosse nativo na língua inglesa, um deles reside nos Estados Unidos, pelo que o seu domínio da linguística e da cultura americana seria uma mais-valia, considerando a origem do autor.

Clarificámos com os tradutores, individualmente, tudo o que pretendíamos, explicando objetivos, analisando conceitos e esclarecendo dúvidas.

2) Tradução – do inglês para a língua portuguesa.

3) Reconciliação – com o intuito de se resolverem quaisquer discrepâncias, as duas traduções foram, cuidadosamente, analisadas numa reunião por um painel de peritos de que fazia parte a investigadora principal e cinco especialistas na área da saúde materna e obstetrícia, todos conhecedores da língua inglesa. Entre as duas propostas de tradução apresentadas foi escolhida aquela cujos termos melhor se adaptavam culturalmente à população portuguesa. Selecionaram-se alguns termos preferíveis, dado que há expressões idiomáticas que não têm tradução direta em português. Para além da tradução dos termos, foi tida em conta a sua representação, quer sob o ponto de vista científico, quer cultural.

Desta análise emergiu uma primeira versão em português da PBGS.

4) Retroversão – de acordo com o princípio que seguimos para a tradução, também aqui recorremos a dois outros tradutores, independentes, para fazerem a retroversão. Não sendo nativos da língua inglesa, um deles reside no Reino Unido, sendo ambos experientes neste domínio.

As duas retroversões apresentaram-se, na globalidade, muito próximas da versão original.

5) Revisão da retroversão – as duas retroversões foram enviadas ao autor da escala para que desse a sua opinião quanto à sua proximidade à escala original.

O autor mostrou grande apreço pelo trabalho efetuado, manifestando que a escala podia perfeitamente ser usada como se apresentava. No entanto, evidenciou interesse e solicitou alguns esclarecimentos sobre o uso de alguns verbos, clarificando-se o sentido que tinham em português para se compreender o seu uso em inglês. Clarificou um ou outro conceito, o que nos ajudou na escolha dos termos mais adequados.

6) Harmonização – a versão definitiva da escala foi elaborada pela investigadora principal e, ainda, revista por um dos tradutores, conhecedor da linguística americana. A troca de ideias com o autor foi importantíssima para estabilizarmos esta versão, mantendo-nos fiéis, na essência, à versão original, mas com as devidas adaptações à nossa língua e cultura.

 

Participantes

Para a validação da versão portuguesa da PBGS recorremos a uma amostra de conveniência composta por mulheres que estivessem a passar por uma experiência de perda involuntária da gravidez, independentemente da causa e com tempo de gestação até 22 semanas, possuidoras de telefone fixo ou móvel e que, de forma informada e livre, aceitassem participar no estudo.

Das 161 mulheres contactadas obtivemos uma amostra de 100. Embora todas, inicialmente, tivessem concordado participar, algumas desistiram posteriormente, e outras não atenderam nas várias tentativas de contacto seguintes.

Com recurso à estatística descritiva (medidas de tendência central e de dispersão) analisámos as caraterísticas da amostra. Assim, a média da idade das participantes era de 31,59 anos (DP=5,96; intervalo 17- 44). Relativamente ao estado civil 77% eram casadas, 17% viviam em união de facto, as restantes 6% incluíam solteiras e separadas. A idade gestacional média em que ocorreu a perda era de 10,37 semanas (DP=3,59; intervalo 4-22). Para 34% das mulheres esta era a primeira gravidez. Quanto às 60% que responderam à questão sobre o número de gestações anteriores, verificou-se uma média de 2,42 gestações (DP=0,65; intervalo de 2-4). No que se refere aos filhos, o número médio era de um filho para cada duas mulheres (DP=0,72; intervalo 0-2). Sobre o facto da gravidez ter sido planeada, 75% responderam sim. Para 90% das inquiridas, esta tinha sido uma gravidez aceite, enquanto para as restantes 10% que não a aceitaram, especificam como causa: não ter sido aceite no início; nunca ter sido aceite; só saberem da gravidez no momento do abortamento. Do total das participantes, 61% passaram por um processo natural de expulsão do produto de conceção, enquanto 39% necessitaram de algum tipo de ajuda cirúrgica.

 

Procedimentos

O nosso estudo decorreu em três instituições hospitalares públicas da zona norte do país, após obtenção do parecer positivo das respetivas comissões de ética, autorizações das direções de serviço, bem como dos respetivos conselhos de administração.

As possíveis participantes foram contactadas pessoalmente, durante o curto período de internamento por perda de gravidez, de forma a serem informadas sobre os objetivos do estudo e convidadas a participar, respeitando-se todos os procedimentos do consentimento informado, de acordo com a Declaração de Helsínquia.

O segundo contacto foi efetuado entre as quatro e as seis semanas pós-perda da gravidez para, através de entrevista telefónica, podermos avaliar a evolução do processo de luto consequente à perda da gravidez e do bebé, aplicando-se a versão portuguesa da PBGS.

Todos os contactos com as participantes foram feitos pela investigadora principal.

Para o processamento estatístico dos dados obtidos utilizou-se o programa PASW statistics 18.

 

Resultados

Com o intuito de se avaliarem as caraterísticas métricas da PBGS na versão portuguesa, na amostra populacional do nosso estudo, efetuou-se a avaliação da estrutura dimensional e da confiabilidade.

 

Validade de constructo

Com vista a melhor conhecermos a forma como os conteúdos da escala se organizavam conceptualmente, procedemos à análise exploratória dos componentes principais, tendo como critério único que os fatores extraídos apresentassem um eighenvalue superior a 1. Selecionámos, ainda, a apresentação de itens com carga fatorial igual ou superior a 0,30. Os resultados são apresentados no quadro 1.

 

Quadro 1 – Análise dos componentes principais da PBGS, valores próprios e específicos e variância explicada

 

A solução fatorial resultante explica 41,68% da variância total, sendo o fator 1 o que melhor explica a variância da escala (32,44%). Todos os itens apresentam uma carga fatorial elevada, sendo que, com exceção do item 8 “Sentiu que foi fácil pensar noutras coisas que não no bebé que perdeu”, todos apresentam maior carga no fator 1.

Verifica-se, assim, a organização unidimensional da escala, em consonância com os resultados da análise fatorial realizada pelos autores com a versão original.

 

Confiabilidade

De forma a percebermos se a variabilidade nas respostas depende da diferença de opinião dos inquiridos, minimizando a possibilidade de erro aleatório, começámos por testar a fidelidade da escala, através da análise da sua consistência interna, resultando um valor de Alpha de Cronbach de a =0,81 na escala global que, de acordo com Pestana e Gageiro (2008), se pode considerar uma boa consistência interna por se situar entre 0,80 e 0,90. Em comparação com os resultados obtidos nos estudos conduzidos pelos autores (Ritsher e Neugebauer, 2002) na versão original em inglês (a=0,89) e em espanhol (a=0,85), o valor de Alpha no nosso estudo é ligeiramente inferior, considerando-se, no entanto, na mesma categoria.

No quadro 2 apresentamos os resultados por nós obtidos e os do autor.

 

Quadro 2 – Fidelidade da PBGS nas versões em português, inglês e espanhol

 

De forma a avaliarmos a estabilidade temporal efetuámos o teste-reteste, sendo a aplicação da escala repetida a uma amostra de 14 mulheres no espaço de uma semana.

Através da correlação de Pearson obtivemos um valor de r = 0,98 para um nível de significância de p <0,01, o que indica muito boa estabilidade temporal.

Em resultado da aplicação do instrumento em análise, e no sentido de conhecermos sobre as manifestações/resolução de luto que as mulheres expressam neste período pós-perda, calculámos a amplitude, média e desvio padrão na escala global, como se pode analisar no quadro 3.

 

Quadro 3 – Distribuição da amplitude, média e desvio padrão da PBGS (N=100)

 

Discussão

Pretendemos com este estudo traduzir, adaptar e analisar a equivalência de mensuração da PBGS numa amostra de mulheres entre as quatro e as seis semanas pós-perda involuntária de gravidez e do futuro bebé.

No que respeita à estrutura dimensional da escala para a nossa amostra e quanto à validade de constructo, após a análise exploratória a dois fatores, resultou uma estrutura, na qual os itens apresentaram o seu maior peso num único fator, excetuando-se um item (Sentiu que foi fácil pensar noutras coisas que não no bebé que perdeu), que se salientava com carga fatorial superior num fator diferente.

De acordo com os autores, este item pretende avaliar a resposta física à perda, enquanto os outros itens se direcionam para a dor e tristeza pela perda da gravidez e do bebé. Colocou-se a hipótese de retirarmos o item da escala, mas analisando o Alpha de Cronbach se ele fosse eliminado, mantinha-se o mesmo valor, pelo que se decidiu a sua integração na escala total.

Desta forma, e tal como na versão original, considerámos a versão portuguesa da PBGS constituída numa escala única, designada Escala de Luto Perinatal.

Podemos dizer que quanto à confiabilidade da escala, os resultados do nosso estudo, embora um pouco inferiores aos dos autores nas versões em inglês e em espanhol, traduzem, igualmente, uma boa consistência interna, expressa por um valor de Alpha de Cronbach de 0,81.

De igual modo, o teste-reteste mostra uma boa estabilidade temporal. O nosso resultado foi superior àquele obtido pelo autor nas versões em inglês (r =0,69, n = 112) e espanhol (r = 0,49, n = 29), mas isso pode ser explicado pelo menor intervalo de tempo que utilizámos na aplicação do instrumento entre o teste e o reteste. De acordo com alguns autores (Fortin, 2006; Ribeiro, 2010), este intervalo entre as medições não deve ser tão curto que permita decorar as respostas, nem muito longo se for esperado haver alterações na variável, como era o caso do nosso estudo. A opção pelo intervalo de uma semana teve em conta estes dois aspetos e, ainda, o facto de se tornar difícil para quem sofre este tipo de perda, voltar a responder a estas questões numa fase mais tardia, em que já está a tentar esquecer, preferindo guardar essas memórias, dificultando-nos, assim, a obtenção da amostra necessária.

Tendo presente que o luto é um processo individual, com duração variável, de acordo com os resultados observados na média, amplitude e desvio padrão resultantes da aplicação da PBGS, podemos dizer que as mulheres do nosso estudo apresentam reações de luto, pela gravidez e futuro bebé, normais, diríamos até que, de acordo com os vários autores, evidenciam uma boa recuperação neste período de seis semanas pós-perda (Beutel et al., 1995; Deckhardt et al., 1994; Nickcevic et al., 1999; Hutti et al., 1989, cit in Brier, 2008). Embora este evento nunca se esqueça e permaneça um sentimento de tristeza, tentam integrá-lo nas suas vidas, readquirem confiança em si próprias e nos outros, apresentam capacidade para reinvestir noutras atividades e, algumas, numa futura gravidez, mostrando sentir que a vida tem sentido, factos estes que, de acordo com Prigerson e Jacobs (2001), são indicadores de uma adaptação normal.

A maioria das mulheres do nosso estudo apresentava uma relação conjugal estável, se considerarmos as que eram casadas e as que viviam em união de facto e, para 75% delas, a gravidez tinha sido planeada, uma evidência do envolvimento do casal. Estes fatores podem ter contribuído favoravelmente no processo de luto, dado que o suporte social disponibilizado pelas pessoas significativas, neste caso o suporte familiar, pode reduzir ou eliminar as consequências adversas destes eventos, e uma relação afetiva, de confiança, é um fator chave na redução da vulnerabilidade e na recuperação da sensação de segurança e confiança. Podemos, ainda, acrescentar o facto de que nesta fase de seis semanas pós-perda, a maioria destas mulheres havia retomado a atividade profissional, algumas mais precocemente, como estratégia de coping, outras porque a sua licença para tratamento e recuperação, considerada na nossa legislação, para estas situações, é de um mês. Durante a entrevista telefónica, todas elas referiram este fator como benéfico para a resolução do luto.

A Escala de Luto Perinatal (PBGS) mostrou ser uma medida fidedigna e válida, podendo constituir uma ferramenta importante a utilizar pelos enfermeiros na avaliação precoce de mulheres em risco de um luto mais prolongado, ou mais complicado, após uma perda involuntária da gravidez.

 

Conclusão

De acordo com os resultados obtidos, podemos dizer que esta versão da PBGS mostrou ser uma medida fidedigna e válida para a avaliação do luto face à perda da gravidez e do futuro bebé.

Na prática clínica este instrumento apresenta-se fácil e de rápida administração, podendo constituir uma ferramenta importante para distinguir mulheres em risco de desenvolverem processos de luto mais complicados, ou como indicador de uma maior necessidade de cuidados de suporte no período imediato à perda.

Embora responder a estas questões possa parecer ter sido a revisão de um processo doloroso, acabou por constituir um momento de abertura às suas emoções, dúvidas e medos, pelo que as participantes acabaram por reconhecer que este momento de interação lhes trouxe, de algum modo, um certo benefício pessoal.

 

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Recebido para publicação em: 19.05.11

Aceite para publicação em: 18.01.12

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