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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.6 Coimbra mar. 2012

https://doi.org/10.12707/RIII1171 

Famílias com um idoso dependente: avaliação da coesão e adaptação

 

Isabel Araújo* ; António dos Santos**

* Professora Coordenadora sem Agregação. Diretora do Departamento de Enfermagem da Escola Superior de Saúde de Vale do Ave, Instituto Politécnico de Saúde do Norte – Vila Nova de Famalicão. Doutora em Ciências de Enfermagem [isabel.araujo@ipsn.cespu.pt].

** Professor Coordenador sem Agregação. Docente da Escola Superior de Saúde de Vale do Ave, Instituto Politécnico de Saúde do Norte – Vila Nova de Famalicão. Doutor Matemáticas Aplicadas [antonio.santos@ipsn.cespu.pt].

 

Resumo

Este estudo teve como objetivos descrever o perfil tipológico e fase de desenvolvimento de famílias que acolhem um idoso dependente; identificar o grau de dependência dos idosos em contexto familiar; avaliar a coesão e adaptação de famílias com um idoso dependente. Metodologicamente, posiciona-se no paradigma quantitativo, reportando-se a um estudo exploratório descritivo. Foi aplicado um questionário, onde incluímos FACES III e Índice de Barthel, a um grupo de famílias registadas em centros de saúde ou unidades de saúde familiar de um distrito do norte de Portugal. Optamos por uma amostra intencional de 108 famílias, com um idoso dependente. A colheita de dados ocorreu no período de outubro 2007 a junho de 2008. Pela análise de dados aferimos que as famílias que acolhem idosos em grau elevado de dependência, são famílias nucleares e estão na última fase de desenvolvimento do ciclo vital. Consideram-se famílias coesas e adaptadas mas idealizam mais coesão e adaptação.

Palavras-chave: família; idoso dependente; relações familiares

 

Families with a dependent elderly member: assessment of adaptation and cohesion

Abstract

The aim of this study was to describe the typological profile and developmental stage of families that take care of an elderly dependent person; to identify the degree of dependency of the elderly person in the family context; and to evaluate cohesion and adaptation in families with a dependent elder. Methodologically, the study is positioned in the quantitative paradigm, and is a descriptive exploratory study. We administered a questionnaire, which included FACES III and the Barthel Index, to a group of families registered at health centers or family health clinics in a district in the North of Portugal. We chose a purposive sample of 108 families with an elderly dependent member. Data collection occurred from October 2007 to June 2008. From data analysis, we verified that families that include an elderly person at a high level of dependence are nuclear families and are in the final phase of development of the life cycle. They consider themselves cohesive and adapted families but ideally would like more cohesion and adaptation.

Keywords: family; frail elderly; family relations

 

Las familias con un adulto mayor dependiente: evaluación de la cohesión y de la adaptación

Resumen

Este estudio tuvo por objetivos describir el perfil tipológico y la etapa de desarrollo de las familias que acogen a un adulto mayor dependiente; identificar el grado de dependencia de los mayores en el contexto familiar; evaluar la cohesión y la adaptación de las familias con un adulto mayor dependiente. Metodológicamente se sitúa dentro del paradigma cuantitativo, y se basa en un estudio exploratorio descriptivo.

Se administró un cuestionario, en el que incluimos FACES III y el índice de Barthel, a un grupo de familias registradas en los Centros de Salud o Clínicas de Salud Familiar de un distrito del norte de Portugal. Elegimos una muestra intencional de 108 familias con un adulto mayor dependiente. La recolección de datos ocurrió entre octubre de 2007 a junio de 2008. Mediante el análisis de los datos se comprobó que las familias que acogen a mayores con un elevado nivel de dependencia, son familias nucleares y se encuentran en la etapa final del desarrollo del ciclo vital. Se les consideraron familias cohesivas y adaptadas aunque idealizan una mayor cohesión y adaptación.

Palabras clave: la familia; anciano frágil; relaciones familiares

 

Introdução

Uma família saudável promove o crescimento dos seus membros e mantém a coesão, prioriza as necessidades básicas, reconhece, valoriza e concilia as diferenças, apresenta flexibilidade para mudanças e, quando enfrenta uma crise, consegue funcionar adaptando-se à nova realidade.

Atualmente, a família responsabiliza-se pela prestação de cuidados na saúde e na doença dos seus membros. É na família que se aprende o autocuidado, adquire-se comportamentos de bem-estar, prestam-se cuidados a diferentes membros ao longo do seu desenvolvimento e durante as diferentes transições do ciclo vital. Habitualmente, os diferentes membros que a compõem apoiam-se uns aos outros em atividades de promoção de saúde e nos processos de doença aguda e/ou crónica.

 

Quadro teórico

A família é uma realidade complexa nos seus variados significados, de ordem psicológica, sociológica, cultural, económica, política e religiosa. Complexa também na sua mutabilidade e continuidade. Por muito diferentes que sejam os povos, todos têm uma identidade familiar, o que nos leva a pensar que, enquanto o ser humano existir, a família será uma realidade na diversidade dos modelos culturais existentes.

A família é, indubitavelmente, um pilar fundamental para qualquer pessoa. É a primeira unidade social onde ela se insere e também a primeira instituição que contribui para o seu desenvolvimento e socialização. É uma realidade de chegada, permanência e, muitas vezes, de partida. A pessoa encontra, normalmente, na família um espaço de liberdade e afirmação, lugar estável de segurança e de paz, onde se identifica e faz valer os seus direitos essenciais (Martins, 2002).

A família quando conceptualizada como um sistema aberto é organizada por um conjunto de elementos que se constituem em subsistemas em interação, sendo uma complexidade organizada de partes distintas e com determinados atributos, funções, papéis, cuja finalidade última é promover o desenvolvimento físico e psicossocial de todos os seus membros, ou seja, atingir o bem-estar do grupo, bem como transmitir os padrões de cultura da própria família. Desta forma, a família é um sistema de relações organizado em função de determinados objetivos comuns que, separadamente, não seriam atingidos pelos diferentes membros (Minuchin et al., 1990; Anderson, 2000).

Com recurso à teoria sistémica compreendemos que o que constitui a realidade da família é um conjunto de relações e emoções, laços que mantêm a unidade do sistema (amor, relações conjugais, parentais, fraternais…), expressos pelas interações ao longo do desenvolvimento da sua história. Sabe-se, também, que uma mudança num dos membros do sistema familiar produz modificações ou flutuações nos outros membros, que deve levar a um novo equilíbrio, embora diferente do anterior. Deste modo, cada pessoa deverá saber assumir-se e adaptar-se, aceitando os limites e assumindo responsabilidades, pois, só assim se contribui para a manutenção do sistema familiar.

Da revisão bibliográfica a que tivemos acesso, constatamos que, por mais transformações a que a família esteja sujeita na sua estrutura, funções e processos, esta adapta-se às crises naturais e acidentais, sofrendo constantemente influências de diferentes subsistemas. Assim, a família não é uma instituição estática, nem uma noção abstrata, nem um sujeito neutro. É uma entidade viva, que funciona em realidades específicas e muito concretas (Decesaro et al., 2006; Mendosa-Solís et al., 2006; Relvas, 2006; Areosa et al., 2008; Pinto et al., 2008; Araújo, 2010).

A família pode ser perspetivada como um “conjunto de seres humanos considerado como unidade social ou o todo coletivo composto de membros unidos por consanguinidade, afinidades emocionais ou relações legais, incluindo as pessoas significativas. A unidade social constituída pela família como um todo é vista como algo mais do que os indivíduos e as suas relações pelo sangue, afinidades emocionais ou relações legais, incluindo as pessoas significativas, que constituem as partes do grupo” (CIPE, 2002, p. 65).

Assim, a família engloba todos os grupos cujas relações assentam na confiança, no apoio mútuo e num projeto e destino comuns. Como os elementos de uma família não mudam ao mesmo tempo, as diferenças, semelhanças, ruturas vão emergindo e gerando desafios constantes ao sistema familiar que dinamiza novos desenvolvimentos ao longo do ciclo vital da mesma.

O ciclo vital da família configura-se como num conjunto de acontecimentos universais previsíveis, apesar das variações culturais, impulsionadoras de mudança e adaptação da organização familiar. O casamento, a maternidade, a entrada dos filhos na instituição escolar, os problemas da adolescência, a permanência cada vez mais prolongada dos filhos adultos na família e a experiência do «ninho vazio», a morte de um dos cônjuges, são exemplos destes acontecimentos marcantes que caracterizam o ciclo de vida familiar. O desenvolvimento da família processa-se em função da interação dos membros que a constituem e da forma como lidam com as diferentes transições do ciclo de vida familiar. São os processos inerentes às transições que definem o desenvolvimento familiar (Relvas, 2006).

Relvas (2006) conceptualiza o ciclo vital da família em cinco diferentes etapas, tendo como referência a família nuclear tradicional: 1) nascimento da família nuclear; 2) nascimento dos filhos; 3) adolescência dos filhos; 4) partida dos filhos; 5) morte ou partida de um dos pais. Este modelo do ciclo vital de vida familiar tem de ser encarado como uma estrutura flexível, possível de se adaptar à diversidade, cada vez maior, das famílias da sociedade atual.

Para caracterizarmos tipologicamente as famílias temos que ponderar a sua estrutura. Por estrutura entende-se a forma de organização ou disposição de um número de elementos que se inter-relacionam de maneira específica. Deste modo, a estrutura familiar compõe-se de um conjunto de pessoas com condições e em posições socialmente reconhecidas e com uma interação regular e recorrente, também ela socialmente aprovada. A família tradicional pode, então, assumir uma estrutura nuclear ou conjugal que consiste num homem, numa mulher e nos seus filhos, biológicos ou adotados, habitando num ambiente familiar comum; família de três gerações, referenciada muitas vezes como família alargada, constituída pelos avós, pais e seus filhos; a família unipessoal, a que se restringe a uma pessoa; a família reconstruída, composta por um homem e uma mulher, dos quais, pelo menos um foi casado anteriormente (Martins, 2002).

Nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), referentes às dimensões e à estrutura familiar, sobressai o facto de, em Portugal, o número de famílias ter aumentado de 3.483.800, em 1999, para 3.839.300, em 2006. O aumento do número de famílias foi influenciado pelo acréscimo do número de famílias constituídas por uma e/ou duas pessoas, facto que, conjuntamente com a redução do número de famílias com quatro ou mais pessoas, contribuiu para a redução da dimensão média da família de 2,9 para 2,8 pessoas por família, entre 1999 e 2006. Em termos proporcionais, assiste-se ao aumento da percentagem de famílias de uma só pessoa e de duas pessoas, em simultâneo com o decréscimo da proporção de famílias com quatro ou mais pessoas (INE, 2008). Estimativas com base nos resultados dos Censos 2001 apontam que nas famílias clássicas, em 32,5% das famílias residia pelo menos um idoso e as famílias constituídas apenas por um idoso representavam 17,5% do total de famílias. Assiste-se ao envelhecimento individual e social. Entre 1991 e 2001, a proporção de famílias clássicas com idosos (incluindo as famílias com idosos e outros e as de só idosos) aumentou cerca de 2%, passando de 30,8% para 32,5%. Pode-se verificar que, enquanto as famílias compostas por idosos e outros viram a sua importância relativa diminuir ligeiramente, as famílias compostas apenas por idosos aumentaram cerca de 36% no período intercensitário (INE, 2008).

Da evidência produzida por diferentes autores, a família é a maior provedora de cuidados dos seus familiares com doença crónica e a sua atual missão é a de lidar com a condição de fragilidade dos idosos com doença crónica no seu ambiente familiar (Carreira et al., 2006).

O termo “fragilidade”, na prática geriátrica, liga-se a “dependência”. A fragilidade é vista como uma vulnerabilidade que a pessoa apresenta face aos desafios próprios do ambiente. Essa condição é observada, comummente, em pessoas com uma combinação de doenças ou limitações funcionais que reduz a capacidade de adaptar-se ao stress causado por doenças agudas, crónicas, hospitalizações ou outras situações de risco (Caldas, 2003).

A avaliação funcional é aplicada na prática geriátrica e tem-se mostrado um indicador sensível e relevante para avaliar necessidades e determinar a utilização de recursos, concretamente para a planificação de cuidados de saúde. Neste trabalho, a funcionalidade do idoso é expressa na necessidade de auxílio na execução das Atividades de Vida Diárias (AVD), e foi avaliada pelo Índice de Barthel, um instrumento utilizado para mensurar o grau de dependência. A dependência pode ocorrer em todas as idades, mas a sua prevalência cresce quando a idade aumenta, porque o envelhecimento, não sendo uma doença, favorece o aparecimento e desenvolvimento de doenças crónicas que podem conduzir a diferentes níveis de dependência (Areosa, 2008).

A saúde da família constitui-se num desafio para os profissionais de saúde, em particular para os enfermeiros. Espera-se que o foco central de intervenção seja a família, com a finalidade de manutenção de famílias saudáveis, as quais correspondem a um grupo de pessoas que convivem e que possuem reservas biológicas, mentais, socioculturais e ambientais para se manterem em equilíbrio (Martins et al., 2008).

Para dispor de índices mais pormenorizados do funcionamento familiar, nomeadamente em duas áreas importantes, para este trabalho, procuramos avaliar a coesão e a adaptabilidade familiar recorrendo a FACES III (Olson, 1988). Olson e colaboradores desenvolveram um modelo de avaliação familiar que procurou integrar a teoria e a investigação sistémica e a prática clínica com famílias. Por coesão familiar os autores consideram os laços emocionais que os membros da família têm entre si e que resultam do equilíbrio dinâmico entre as necessidades de individualização/autonomia e as de afiliação/identificação (Olson et al., 1983, cit. por Olson, 1988). A família funcional, ao nível da coesão, será então aquela em que cada pessoa é simultaneamente autónoma e íntima em relação aos restantes elementos. Por adaptabilidade familiar os autores consideram a capacidade que o sistema familiar ou conjugal tem para mudar a sua estrutura, o poder e as regras de relação face a um stress natural (relativo ao ciclo vital) ou acidental. Por outras palavras, encaram como uma habilidade que a família usa para mudar a sua estrutura, papéis e regras familiares em resposta a uma situação de stress (Olson et al., 1983, cit. por Olson, 1988). A família é considerada como funcional se tiver flexibilidade para mudar. A importância de uma potencial mudança recebe uma mínima atenção, visto que os sistemas precisam igualmente de estabilidade e mudança, sendo a habilidade para mudar, quando apropriada, o que distingue as famílias funcionais das disfuncionais (Olson, 1988).

Perante o exposto, o presente trabalho tem por objetivos: descrever o perfil tipológico e fase de desenvolvimento de famílias que acolhem um idoso dependente; identificar o grau de dependência dos idosos em contexto familiar; avaliar a coesão e adaptabilidade de famílias com um idoso dependente em contexto familiar.

 

Metodologia

Este estudo é uma parte da Tese de Doutoramento em Ciências de Enfermagem apresentada à Universidade do Porto – Instituto Ciências Biomédicas Abel Salazar (Araújo, 2010). Este extrato apenas responde às seguintes questões: Que tipologia de família acolhe idosos dependentes? Em que fase do ciclo vital se posicionam as famílias com um idoso dependente? As famílias são coesas e estão adaptadas a nova condição de ter um dos membros dependentes?

De acordo com a problemática, realizamos um estudo exploratório descritivo, posicionamo-nos, analiticamente, nas metodologias quantitativas. Utilizamos um questionário para a colheita de informação. Este instrumento foi organizado com: a componente “A” para a colheita de informação para identificar a tipologia e fase do ciclo vital das famílias (realização de genograma); a componente “B” para avaliação do grau de dependência do idoso (Índice Barthel); e a componente “C” para avaliação da dinâmica das famílias (FACESIII).

Elegemos como população-alvo famílias com um idoso dependente, pertencentes a um concelho da região norte de Portugal. A colheita de informação decorreu no período compreendido entre outubro 2007 e junho 2008. Definimos como critério de inclusão famílias com um idoso dependente em pelo menos um autocuidado e dependente há pelo menos um ano.

Para minimizar as dificuldades de identificação, seleção e acesso às mesmas, tivemos o contributo das equipas de enfermagem dos centros de saúde e das unidades de saúde familiar onde as famílias estavam registadas. Selecionamos uma amostra intencional composta por 108 famílias. Ficamos com uma amostra de 108 idosos dependentes e 177 familiares pertencentes aos diferentes agregados familiares. Estabelecemos como critério de inclusão dos familiares, para responder ao inquérito, pessoas com idade superior a 12 anos.

A colheita de informação realizou-se em casa das famílias após a autorização da comissão ética da Direção Geral dos Cuidados de Saúde Primários onde os idosos estavam registados e o consentimento informado das famílias. Foi garantido o respeito de todos os pressupostos deontológicos inerentes à ética da investigação com seres humanos. Cada família e cada participante foram identificados com uma letra e com um número. A informação recolhida foi analisada recorrendo a análise estatística descritiva e inferencial. No tratamento estatístico recorremos ao teste de t-student para observações emparelhadas e correlação de Pearson para avaliar a relação entre as variáveis.

 

Resultados e discussão

Para facilitar a apresentação e discussão dos resultados, vamos fazer referência a cada objetivo que definimos anteriormente. Assim, os primeiros resultados descrevem o perfil tipológico e fase de desenvolvimento de famílias que acolhem um idoso dependente.

Quando partimos para este trabalho estávamos conscientes que cada família tinha a sua peculiaridade e singularidade. Assim, da leitura dos genogramas, de entre as várias tipologias de famílias representadas, sobressaiu a família nuclear (65,7%), família caracterizada por marido e mulher casados e com filhos. Seguida da família de três gerações (29,6%), referenciada, muitas vezes, como família alargada, onde coabitavam pais, filhos e netos. Em menor representatividade, identificamos a família unipessoal, a que se encurtou à pessoa dependente no seu singular e foi representada em apenas quatro famílias (3,7%). Em último lugar, representada apenas por dois agregados familiares, identificamos famílias recasadas (1,9%), isto é, famílias que se caracterizaram pela ocorrência de um segundo casamento. Famílias em que o seu agregado familiar era composto por duas pessoas, das quais pelo menos uma foi casada anteriormente.

Aferimos, ainda, com recurso ao genograma, a composição do agregado familiar destas famílias. Este foi afigurado por um diminuto número de elementos. Repercutiu, essencialmente, para famílias formadas por um conjunto de dois ou três elementos. Reconhecemos em menor número famílias formadas pelo conjunto de quatro e cinco elementos e apenas seis famílias com mais de cinco. Embora estas famílias se representem, sobretudo, como famílias nucleares ou de três gerações, foi possível verificar que tiveram mais filhos do que aqueles que atualmente compõem o agregado familiar do idoso dependente. Esta alteração na estrutura familiar reconhece o desenvolvimento da família referenciado na literatura.

O desenvolvimento da família processa-se em função da interação dos membros que a constituem e da forma como lidam com as diferentes transições do ciclo de vida familiar (Relvas, 2006). Assim, o interesse em conhecer melhor estas famílias levou-nos a identificar a fase de desenvolvimento em que as mesmas se encontravam.

Como referimos, Relvas (2006) conceptualiza o ciclo vital da família em cinco diferentes etapas: formação da família; nascimento dos filhos; adolescência dos filhos; partida dos filhos e por fim morte ou partida de um dos progenitores. No entanto, este modelo do ciclo vital de vida familiar tem de ser encarado como uma estrutura flexível, possível de se adaptar à diversidade, cada vez maior, das famílias da sociedade atual. Para um enquadramento mais real das famílias com quem contactámos, com um idoso dependente em contexto familiar, tivemos necessidade de adaptar esta classificação. Assim, considerámos a seguinte classificação: nascimento da família; filhos em idade pré-escolar; filhos adolescentes; filhos adultos; filhos adultos idosos; partida dos filhos “ninho vazio” e morte do cônjuge.

Pela análise dos genogramas verificamos que as famílias posicionam-se, predominantemente, na fase de famílias com filhos adultos (38,0%), partida dos filhos “fase de ninho vazio” (25,9%) e famílias com filhos adultos velhos (17,6%). Com uma percentagem muito mais reduzida identificamos as famílias com filhos adolescentes (8,3%) e famílias com filhos em idade pré-escolar (5,6%). Com muito pouca representatividade reconhecemos as famílias a viverem a morte do cônjuge (2,8%) e famílias posicionadas na fase de nascimento da família (1,9%).

Pelo supracitado, as 108 famílias que acolhem um idoso dependente, de uma região norte de Portugal, sobressai que são também elas idosas e posicionam-se nas últimas etapas do ciclo vital. Estão a viver a fase do “ninho vazio” ou vivem com filhos adultos ou filhos também eles já velhos. Estes resultados estão em sintonia com outros estudos que refletem o efeito do envelhecimento individual e coletivo assim como mutações na estrutura das famílias. Confirmam a tendência para a nuclearização da família, de casais idosos, vivendo sozinhos depois dos filhos terem formado a sua família (Mendoza-Solís et al., 2006; Arruda et al., 2008).

Depois de descrever e caracterizar as famílias tivemos interesse em identificar o perfil dos 108 idosos dependentes que faziam parte do agregado familiar das famílias anteriormente descritas. Pela análise das variáveis sóciodemográficas, verificámos que a grande maioria era do género feminino (62%), com o estado de viúvo (52%) e casado/união de facto (44%), quase não existindo solteiros (4%), com idade compreendida entre os 65 e 95 anos sendo a média de 80 anos.

Pela análise estatística dos dados obtidos com a aplicação do Índice de Barthel, apresentados no quadro 1, podemos afirmar que a grande maioria destes idosos é totalmente dependente em todos os itens da escala, ou seja, em todos os autocuidados, uma vez que grau de dependência total é sempre maioritário, chegando a atingir mais de três quartos dos idosos, seguindo-se o grau de grave dependência ocupando quase sempre o segundo lugar. Existem muito poucos idosos com moderada dependência e muito poucos com leve dependência.

 

Quadro 1 – Descrição do grau de dependência do idoso

 

Estes resultados validam dados estatísticos apresentados pelo INE quando se reporta a estimativas da população residente em Portugal, e estudos nacionais e internacionais que versam o idoso dependente (Thober et al., 2005; Aires et al., 2008; INE, 2008; Araújo et al., 2009).

Reconhecendo que as famílias incluídas neste estudo caracterizam-se por estruturas frágeis e a viver a última fase do ciclo vital com um elemento com dependência, procuramos avaliar a coesão e adaptabilidade destas famílias.

Como já referimos, a amostra dos participantes do agregado familiar das famílias com um idoso dependente foi constituída por 177 pessoas. A grande maioria do sexo feminino (67,3%), sendo o sexo masculino representado por apenas (32,7%). Grupo de pessoas com o estado civil de casado/união de facto dominante (69,4%), seguindo-se o estado de solteiro (24,5%), o estado de viúvo (4,1%) e, por fim, divorciado/separado mas com uma baixa representatividade (2,0%). A distribuição da idade mostra que o número de elementos jovens é muito baixo. Predominam as idades intermédias, apesar de as idades encontradas variarem entre os 13 e os 90 anos, como podemos ver no quadro 2.

 

Quadro 2 – Caracterização da idade dos familiares

 

O nível de escolaridade dos familiares era baixo, mais de metade referiu ser habilitado com o 1º Ciclo (51,8%), seguindo-se o 2º Ciclo (18,7%) e o 3º Ciclo (17,3%). Muito poucos tinham habilitações superiores, Bacharelato (2,2%) ou Licenciatura (3%). Salientou-se, ainda, uma percentagem considerável de pessoas sem escolaridade (7%).

Após caracterização dos elementos pertencentes aos agregados familiares foi nossa intenção avaliar a coesão e adaptação das famílias que vivem com um idoso dependente. Pela leitura da tabela que se segue compreendemos que as famílias são coesas e estão adaptadas.

 

Tabela 1 – Coesão e adaptação das famílias com um idoso dependente

 

Como descrito, a adaptação é entendida como a capacidade que o sistema familiar tem para mudar a sua estrutura, o poder e as regras de relação face a um stress relativo ao ciclo vital ou a uma crise acidental (Olson et al., 1983, cit. por Olson, 1988). As famílias em estudo tiveram capacidade para se adaptar à condição de viver com um dos seus elementos dependentes. Mas, salientamos que quando questionadas “como gostariam que fosse a sua família?”, ou seja, como idealiza a família, as suas respostas apontam que gostariam que as suas famílias estivessem mais adaptadas.

Resultados semelhantes são encontrados na avaliação da dimensão coesão. A coesão familiar reporta-se aos laços emocionais que os membros da família têm entre si e que resultam do equilíbrio dinâmico entre as necessidades de individualização-autonomia e as de afiliação-identificação. Os resultados encontrados permitem-nos afirmar que as famílias são coesas, no entanto, também idealizam mais coesão. Corroborando com Marcon et al. (2007), onde referem que a doença leva a um comprometimento da unidade familiar e que a coesão familiar vai depender da flexibilidade dos seus membros e da sua capacidade de adaptação. Sendo assim, a colaboração de todos promove o bem-estar do grupo.

 

Conclusão

Pelo descrito, fazemos sobressair que as famílias que acolhem um idoso dependente são famílias envelhecidas, tipologicamente caracterizadas como famílias nucleares, com poucos elementos a pertencerem ao seu agregado familiar.

Pelas opiniões dos familiares que vivem com o idoso dependente, verificamos que consideram-se famílias adaptadas e coesas. Relativamente à “idealização da família”, gostariam que a sua família estivesse um pouco mais adaptada, ou seja, a idealização da família foi marcada com valores mais elevados, sempre superiores ao real. Estes resultados levam-nos a pensar que as famílias gostariam de ter mais tempo para momentos de partilha, para estarem juntos, para se apoiarem e para orientação nos momentos onde é necessário tomar decisões.

As famílias são consideradas como funcionais se tiverem flexibilidade para mudar. A importância de uma potencial mudança recebe uma atenção mínima, visto que os sistemas precisam igualmente de estabilidade e mudança, sendo a habilidade para mudar o que distingue as famílias funcionais das disfuncionais. Assim, podemos afirmar que as famílias que fizeram parte deste trabalho estão adaptadas e são coesas. Temos que ponderar que as mesmas evoluem ao longo do ciclo vital, sendo mais ligadas-estruturadas aquando do nascimento do primeiro filho e mais separadas-flexíveis aquando da saída dos filhos. Por essa razão, é importante não perder de vista esta dimensão desenvolvimental, ainda mais, quando avaliamos famílias com um idoso dependente. Deste modo, verificamos que as famílias de uma região norte de Portugal, com um dos seus membros dependentes, no mínimo há um ano, e com níveis elevados de dependência, apresentam níveis de adaptação e coesão moderados.

Esperamos que este trabalho seja um suporte para os profissionais de saúde, concretamente para os enfermeiros que colocam a família como o seu foco de atenção, evidenciando a necessidade de adaptação dos cuidados à especificidade de cada família e de um trabalho em parceria com as mesmas. Realçamos que o trabalho com famílias tem sido percebido como uma atividade desafiadora, sendo essencial que se implemente uma prática diferenciada no contexto da saúde e da doença promovida a partir da realidade na qual a família está inserida, levando em consideração a sua estrutura e processos familiares.

Os resultados por nós encontrados não podem ser confrontados com outras investigações dado que não tivemos acesso a resultados de investigação de estudos similares a este. Julgamos pertinente a realização de estudos análogos recorrendo a outros instrumentos de avaliação e em famílias de outra região do país.

 

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Recebido para publicação em: 07.07.11

Aceite para publicação em: 18.01.12

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