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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIII no.6 Coimbra mar. 2012

https://doi.org/10.12707/RIII1150 

Conhecimentos e práticas de Terapia Compressiva de enfermeiros de cuidados de saúde primários

 

Paulo Jorge de Jesus Martinho* ; Pedro João Soares Gaspar**

* Mestre em Feridas e Viabilidade Tecidular. Enfermeiro, Santa Casa da Misericórdia de Leiria [martinho.pj@gmail.com]

** Mestre em Comunicação e Educação em Ciência. Doutor em Engenharia Multimédia. Professor adjunto, Escola Superior de Saúde de Leiria [pedro.gaspar@ipleiria.pt]

 

Resumo

Contexto: a terapia compressiva (TC) é amplamente recomendada para a úlcera venosa porque aumenta as taxas de cicatrização e reduz custos, mas exige conhecimentos e competências específicas.

Objetivos: descrever práticas e avaliar conhecimentos em TC dos enfermeiros e relacioná-los com a experiência profissional e formação.

Método: estudo observacional, correlacional e transversal, numa amostra acidental de 112 enfermeiros, mediante questionário construído para o efeito com questões relativas aos conhecimentos e às práticas em TC.

Resultados: a maioria dos enfermeiros não possui formação formal em TC. Apenas 25,00% aplicam TC. A Escala de Conhecimentos em Terapia Compressiva apresentou boa consistência interna (KR20=0,759) e reportou baixos níveis de conhecimentos. Quanto mais anos de experiência profissional, menos conhecimentos de TC são reportados. Ao contrário, quanto mais formação em TC mais conhecimentos são reportados. Na prática, os erros mais frequentes foram: não avaliar o IPTB durante a TC, evitar aplicar TC a doentes acamados e diagnosticar a úlcera como venosa baseado apenas nas suas características. No entanto, de realçar que os enfermeiros têm cuidados adequados antes de aplicar o sistema compressivo, respeitam as contraindicações da TC e apostam nos ensinos ao doente.

Conclusão: os conhecimentos em TC estão mais relacionados com formação formal do que com experiência profissional. Os enfermeiros possuem pouca formação e baixos conhecimentos em TC. Poucos a aplicam e são reportados vários erros no processo.

Palavras-chave: úlcera varicosa; bandagens compressivas; conhecimentos, atitudes e prática em saúde; educação continuada em Enfermagem

 

Community health care service nurses’ knowledge and practice of Compression Therapy

Abstract

Background: compression Therapy (CT) is widely recommended for venous ulcers as it increases healing rate and reduces costs. However, nurses need to have knowledge and technical expertise of CT before applying the treatment.

Objectives: to describe the practices and assess knowledge of CT and relate these to professional experience and training.

Method: observational, correlational and cross-sectional study, with a sample of 112 nurses, by administering a purpose-built questionnaire testing knowledge and practice of CT.

Results: most nurses have no formal training in CT and only 25.00% apply CT. The CT knowledge scale showed good internal consistency (KR20=0,759) and low level of knowledge. Nurses with more years of professional experience showed lower knowledge of CT. Conversely, those with a higher level of training in CT showed a greater knowledge base. The most common incorrect practices were: no assessment of ABPI during CT; avoidance of use of CT in bedridden patients; and diagnosis of the ulcer as venous based solely on the wound characteristics. However, nurses give adequate care before applying the compression system, respect the contraindications of CT and invest in patient education.

Conclusion: knowledge of CT is more related to formal training than to professional experience. Nurses have little training in and low knowledge of CT. Few use CT with patients and several errors in the process are reported.

Keywords: varicose ulcer; compression bandages; health, knowledge, attitudes, practice; continuing education, nursing

 

Conocimientos y prácticas de Terapia Compresiva de enfermeros en atención primaria de salud

Resumen

Contexto: la terapia compresiva (TC) se recomienda ampliamente en úlceras venosas ya que aumenta las tasas de cicatrización y reduce los costes. Sin embargo, exige conocimientos y cualificaciones específicas.

Objetivos: describir prácticas y evaluar los conocimientos en TC de los enfermeros y relacionarlos con su experiencia profesional y con su formación.

Método: estudio observacional, correlacional y transversal, en una muestra accidental (112 enfermeros), por medio de un cuestionario elaborado para ese fin con preguntas relacionadas con los conocimientos y las prácticas en TC.

Resultados: La mayoría de los enfermeros no cuenta con una formación formal y solo el 25% aplica TC. La Escala de Conocimientos en Terapia Compresiva presentó una buena consistencia interna (KR20=0,759) y reportó bajos niveles de conocimientos entre los enfermeros. Entre más años de experiencia profesional se reportaron, menos conocimientos de TC se evidenciaron. Al contrario, mientras más formación en TC hay, se reportan más conocimientos. Los errores más frecuentes fueron: no evaluar el IPTB durante la TC, evitar aplicar TC en enfermos acamados y diagnosticar la úlcera basándose únicamente en sus características. Sin embargo, se destaca que los enfermeros realizan cuidados adecuados antes de aplicar el sistema compresivo, que respetan las contra indicaciones de la TC y que apuestan en la educación del paciente.

Conclusión: los conocimientos en TC están más relacionados con la formación formal que con la experiencia profesional. Los enfermeros poseen poca formación y bajos conocimientos en TC. Pocos aplican TC y se han reportado varios errores en el proceso.

Palabras clave: úlcera varicosa; vendajes de compresión; conocimientos, actitudes y práctica en salud; educación continua en Enfermería

 

Introdução

É nossa perceção de que existem, em muitos enfermeiros, lacunas de conhecimentos na área da viabilidade tecidular. Verifica-se que o mundo e a ciência estão em constante mutação e que se não houver uma atualização permanente, as práticas de hoje tornam-se obsoletas amanhã. Especificamente no tratamento da úlcera venosa, ainda se usam muito ligaduras que não produzem qualquer compressão. Os doentes vivem com a úlcera e respetivas implicações bio-psico-sociais durante muito tempo, alguns durante muitos anos, sem nunca atingir a cicatrização. Muitos recursos são consumidos e a qualidade de vida destes doentes também fica prejudicada.

A terapia compressiva é há muito tempo altamente recomendada no tratamento da úlcera venosa devido a altas taxas de cicatrização e baixos custos. No entanto, a sua implementação em Portugal tem sido lenta e ainda é insuficiente em muitos locais.

A curiosidade que motiva este estudo tem a ver com a tentativa de resposta a questões como: Será a TC, prática imprescindível na cicatrização de úlceras venosas, amplamente usada? Os enfermeiros conhecem os seus princípios? Aplicam-na corretamente? Que formação em TC têm?

Assim, a questão de investigação que se coloca é: “Quais os conhecimentos e as práticas de terapia compressiva de enfermeiros de Cuidados de Saúde Primários?”.

Com esta questão, iniciou-se um estudo cujos objetivos foram: (1) Identificar o nível de conhecimentos sobre a terapia compressiva de enfermeiros de Cuidados de Saúde Primários; (2) Identificar as áreas de défice de formação no âmbito da terapia compressiva; (3) Descrever a sua prática de terapia compressiva; (4) Relacionar os seus conhecimentos de terapia compressiva com outras variáveis como experiência profissional e formação.

 

Quadro teórico

 

A úlcera venosa

Num estudo realizado em vários Centros de Saúde portugueses, a úlcera de perna revelou-se o tipo de úlcera mais frequente, sendo a maioria de etiologia venosa (42% eram úlceras de perna, sendo 35,6% de origem venosa) (Pina, 2007).

O diagnóstico da etiologia da úlcera de perna é de extrema importância porque vai determinar o tipo de tratamento a aplicar. Um diagnóstico inicial de úlcera venosa é obtido através de uma história clínica cuidadosa, de uma observação dos membros inferiores, ferida e pele circundante e através da exclusão de doença arterial periférica. A exclusão de compromisso arterial é possível através da determinação do Índice de Pressão Tornozelo-Braço (IPTB) (Pina, Furtado e Albino, 2007).

No tratamento da úlcera venosa, existem alguns estudos que comparam vários produtos, no entanto, não há provas suficientes para recomendar um produto em vez de outro. Como a causa-base da úlcera venosa é a hipertensão venosa, o tratamento recomendado é a terapia compressiva, sendo mais importante do que o material de penso utilizado (CONUEI, 2009; Marston e Vowden, 2003; Pina, Furtado e Albino, 2007; RCN, 2006; WUWHS, 2008).

 

A terapia compressiva

A terapia compressiva (TC) consiste na aplicação de um sistema compressivo próprio no membro inferior, através de ligaduras específicas, meias de compressão ou equipamento de compressão pneumática intermitente (Clark, 2003; Marston e Vowden, 2003; WUWHS, 2008).

A revisão sistemática de O’Meara, Cullum e Nelson (2009) indicou que a TC possui maiores taxas de cicatrização comparando com a não-compressão e que a compressão elevada é mais efetiva que a compressão reduzida.

Apesar dos sistemas de compressão serem mais dispendiosos que o tratamento sem compressão, o custo por semana e o custo total do tratamento da úlcera com TC tornam-se muito menores devido a taxas de cicatrização elevadas e a mudanças de penso apenas semanais com a maioria dos tipos de TC (Franks e Posnett, 2003).

A TC assenta em princípios baseados na Lei de Laplace, segundo a qual, para a mesma tensão na aplicação da ligadura, a pressão será tanto maior quanto maior a sobreposição das várias camadas e menor o diâmetro da perna. Assim, numa perna morfologicamente normal, ao aplicar uma ligadura sempre com a mesma tensão e com a mesma sobreposição de camadas, a pressão é máxima nos maléolos (menor diâmetro) e vai gradualmente diminuindo ao longo da perna, no sentido do joelho (porque vai aumentando o diâmetro da perna). Assim, é criado um gradiente de pressão que facilita o retorno venoso (Clark, 2003).

A TC devidamente aplicada aumenta o retorno venoso, reduz a hipertensão venosa, promove a drenagem de metabolitos, reduz mediadores inflamatórios, reduz o edema, reduz o exsudado da ferida e, assim, promove a cicatrização da úlcera venosa (Partsch, 2003).

Nas principais contraindicações da TC (CONUEI, 2009; Marston e Vowden, 2003; Pina, Furtado e Albino, 2007) inclui-se a doença arterial (exceto com prescrição e supervisão da cirurgia vascular, para um IPTB inferior a 0,8 não se deve aplicar TC pelo risco de isquemia), a insuficiência cardíaca não compensada (devido ao aumento do preload cardíaco há o risco de sobrecarga cardíaca), doença dos pequenos vasos ou vasculite, dermatite em fase aguda e pele friável ou delicada (pelo risco de úlceras de pressão, sobretudo nas proeminências ósseas e em locais onde o diâmetro da perna é inferior).

 

Conhecimentos e prática em Terapia Compressiva

Nestes últimos anos tem sido dado grande ênfase à prática baseada na evidência científica. No entanto, verifica-se que, sobretudo na área da viabilidade tecidular, são identificadas lacunas de conhecimentos que colocam em causa a boa prática e a eficiência na utilização dos recursos (Gaspar et al., 2010; Pina, 2007).

Apesar de ser a melhor prática reconhecida no tratamento da úlcera venosa há alguns anos, a terapia compressiva não se encontra muito divulgada e implementada em Portugal. Tal pode dever-se a uma insuficiente formação dos profissionais (Miguéns, 2006).

Para uma aplicação eficaz e sem riscos da TC, é exigido ao enfermeiro que possua conhecimentos, experiência e competência técnica (Beldon, 2008; CONUEI, 2009; RCN, 2006). A compreensão limitada dos princípios da TC constitui um problema prático major na aplicação de uma compressão eficaz, assim como a falta de treino na aplicação (WUWHS, 2008).

 

A formação em TC

A formação profissional contínua em enfermagem tem-se evidenciado um pilar importante na atualização de conhecimentos e práticas, de modo a garantir um elevado nível de qualidade nos cuidados. A formação promove, ainda, a satisfação profissional do enfermeiro, a implementação de novos métodos de trabalho e o desenvolvimento de novas competências (Botelho, 1998).

A formação e treino dos enfermeiros em TC têm demonstrado efeitos positivos em vários estudos realizados, nomeadamente maiores taxas de cicatrização, diminuição da prevalência da úlcera venosa, redução dos custos e aumento da qualidade de vida dos doentes (Clarke-moloney, Keane e Kavanagh, 2008; Dealey, 2006).

 

Metodologia

Este trabalho consistiu num estudo observacional, analítico-correlacional e transversal, cuja população se constituiu pelos enfermeiros de Cuidados de Saúde Primários do Distrito de Leiria e foi autorizado pela Direção da Unidade de Apoio à Gestão dos Agrupamentos dos Centros de Saúde (ACES) onde foi realizado. A amostra, acidental, ficou composta pelos enfermeiros que responderam voluntariamente ao instrumento de colheita de dados, tendo sido usado como critério de inclusão a prestação de cuidados a doentes com úlcera venosa.

Todos foram previamente informados dos objetivos do estudo, da garantida de anonimato e confidencialidade dos dados; e consideramos como consentimento informado para a participação no estudo o preenchimento voluntário dos questionários.

O instrumento de colheita de dados consistiu num questionário constituído por uma primeira parte para caracterização sociodemográfica e dados relativos a formação e experiência profissional. Numa segunda parte constava um teste de conhecimentos com 24 questões de escolha múltipla (construídas com base no que é considerado pelos autores e nas guidelines consultadas como o mais importante a saber e fazer em TC) para avaliar os conhecimentos em terapia compressiva, e que serviram para a construção e validação da Escala de Conhecimentos em Terapia Compressiva (ECTC) ao ser transformada numa escala dicotómica (certo/errado) codificando a base de dados para que em cada questão a resposta certa assumisse o valor “1-certo” e as restantes opções assumissem o valor “0-errado”.

Para os enfermeiros que referiram aplicar TC, o questionário apresentou ainda um conjunto de questões, com 5 opções de resposta e que pretende avaliar a frequência com que o inquirido realiza cada uma das práticas descritas.

O questionário foi submetido a um pré-teste com enfermeiros que fazem parte da população-alvo, que sugeriram alterações a duas questões para melhor compreensão.

 

Resultados e discussão

 

Caracterização sociodemográfica e experiência profissional

A amostra ficou constituída por 112 enfermeiros, com média de idade de 38,21 anos (DP=10,06 anos), sendo a maioria do género feminino (91,07%).

O tempo de exercício profissional dos enfermeiros apresenta uma média de 15,40 anos (DP=9,89 anos). A média de experiência profissional na área das feridas crónicas é de 10,25 anos (DP=7,78 anos). Todos os enfermeiros cuidam de utentes com úlcera venosa (critério de inclusão) e a maioria dos enfermeiros cuidam destes utentes diariamente (5 dias por semana).

 

Formação e experiência em TC

Observámos que 38,74% dos enfermeiros não possui qualquer formação em TC. O tipo de formação em TC mais referido foi a formação em serviço (29,73%), logo seguida da aprendizagem com colega mais experiente (25,23%), congresso(s)/jornada(s) (18,92%) e autoformação (18,92%).

Estes resultados convergem com Barrett, Cassidy e Graham (2009) que referiram também, como principais fontes de conhecimento em TC dos enfermeiros, outros enfermeiros experientes na área e a própria experiência na área (o que pode colocar em causa a prática baseada na evidência e nas guidelines).

Analisando o tipo de formação (formal/informal), verifica-se que apenas 45,05% dos enfermeiros possui formação formal em TC e os restantes 54,95% não possuem formação ou possuem apenas formação informal (aprendizagem com colega mais experiente e/ou autoformação). Tal como refere Miguéns (2006), os enfermeiros apresentam uma deficiente formação em TC.

Da amostra, apenas 25,00% (28 enfermeiros) aplicam TC. A experiência em aplicar TC situa-se entre 0,4 e 5 anos, com uma média de 2,13 anos (DP=1,30 anos). Portanto, poucos enfermeiros aplicam TC, apesar de contactarem frequentemente com a úlcera venosa. E os que utilizam a terapia aplicam-na há relativamente pouco tempo.

Dos enfermeiros que aplicam terapia compressiva, 4 (14,29%) referem ter apenas formação informal. Os restantes possuem algum tipo de formação formal em TC.

A maioria dos enfermeiros inquiridos não possui formação para avaliar o IPTB (79,05%), não possui equipamento para isso (86,41%) e ainda menos possui prática em avaliar o IPTB (92,31%).

 

Escala de Conhecimentos em Terapia compressiva (ECTC)

No quadro 1 apresentam-se os resultados da análise da homogeneidade dos itens e fidelidade da ECTC, assim como algumas medidas de tendência central e dispersão.

 

Quadro 1 – Itens da ECTC: média, desvio padrão, intervalo de confiança, frequência das respostas certas, correlação item-total e KR20

 

A consistência interna da escala foi avaliada pelo coeficiente de fidelidade de Kuder-Richardson-20 (KR-20), por ser o mais indicado na análise de escalas com resposta dicotómica em cada item. Este coeficiente é análogo do alpha de Cronbach, e quanto mais próximo da unidade maior é a consistência interna do instrumento. Adicionalmente foram calculadas as correlações dos itens com a pontuação total da escala sem o item.

A escala apresentou uma boa consistência interna (KR-20 = 0,759). Para todos os itens as correlações item-total foram positivas e em apenas um item não foi próxima ou superior a 0,20 (item 10). Também se observou que o KR-20 retirando o item foi (à exceção do observado no item 10) inferior ao valor observado para o total da escala (0,759). Não obstante decidiu-se não eliminar estes itens por se considerarem importantes do ponto de vista teórico nas várias referências bibliográficas consultadas e porque a sua remoção não melhorou substancialmente a consistência interna da escala.

As questões com correlações item-total superiores foram questões relacionadas com técnica de colocação das ligaduras, valores de IPTB e efeito de guttering, o que se pode dever ao facto de estas questões abordarem assuntos muito específicos da TC, conseguindo assim distinguir os enfermeiros que possuem mais conhecimentos nesta área.

A média das pontuações totais na ECTC foi de 8,97 (DP=4,21). Tendo em conta que a pontuação total pode variar entre 0 e 24, observa-se, em média, baixos níveis de conhecimentos em TC. Verifica-se, ainda, que apenas 28,57% dos enfermeiros acertou em mais de metade das questões.

As questões mais pontuadas, e portanto onde os inquiridos revelaram mais conhecimento, foram: questões relativas a diagnóstico da úlcera venosa (questões 1, 2 e 4), questão relativa à indicação das meias de compressão (questão 20) e questões referentes à técnica de aplicação das ligaduras (questões 13 e 15). No entanto, noutra questão importantíssima para a correta aplicação das ligaduras, a questão “14. Na terapia compressiva, para a mesma tensão/força na aplicação da ligadura: a pressão subligadura diminui com o aumento do diâmetro da perna”, que aborda um princípio da TC baseado na Lei de Laplace (Clarck, 2003), a taxa de respostas certas foi bastante baixa (16,07%). Também a principal lacuna identificada por Barret, Cassidy e Graham (2009) foi o desconhecimento sobre a Lei de Laplace e sobre o princípio da compressão gradual ao longo do membro.

Houve, também, um maior número de respostas certas à questão “9. O tratamento da úlcera venosa com terapia compressiva: está amplamente comprovada a sua efetividade” (53,57%), portanto, os enfermeiros parecem ter noção que a TC está amplamente comprovada como custo-efetiva. No entanto, na questão “12. A eficácia do tratamento da úlcera venosa deve-se principalmente: à terapia compressiva”, a taxa de respostas certas foi de 38,39%, ou seja, muitos enfermeiros (61,61%) sugeriram que o efeito terapêutico da terapia compressiva seria idêntica ou inferior ao material de penso e/ou aos procedimentos de irrigação da ferida, ao contrário do que está amplamente comprovado (CONUEI, 2009; Marston e Vowden, 2003; Pina, Furtado e Albino, 2007; RCN, 2006; WUWHS, 2008).

As questões menos pontuadas foram a questão “11. A terapia compressiva: pode ser usada em patologias não venosas” (5,36% de respostas certas) e a questão “5. Na avaliação do IPTB, devem ser pesquisadas no pé: A artéria tibial posterior e a pediosa” (6,25% de respostas certas). A questão 11 refere-se às indicações da TC. Muitos enfermeiros associam a TC exclusivamente às úlceras venosas, no entanto, existem outras indicações para a TC. A questão 5 é muito específica da técnica de avaliação do IPTB e, por isso, torna-se mais difícil, sobretudo para quem não possui formação em IPTB (que é o caso de 79,05% dos enfermeiros).

A questão “16. Antes de aplicar as ligaduras compressivas, deve-se aplicar camada de almofadamento para: adaptar a forma da perna” também teve uma taxa de respostas certas baixa (13,39%), o que sugere que os enfermeiros têm alguma incompreensão da importância de adaptar a forma da perna para manter o gradiente de pressão, erro frequente segundo Beldon (2008).

 

Conjunto de questões relativas às práticas em TC

As questões relacionadas com as práticas em TC são baseadas nas recomendações dos autores consultados e podem ser pontuadas de 1 a 5, sendo que 1 corresponde à prática nunca ser realizada e 5 à prática ser sempre realizada. Pontuações mais elevadas conotam-se com práticas mais adequadas. Os itens 1, 4, 7, 8, 11, 12, 18, 19, 20 e 21 são de cotação invertida. A este conjunto de questões só responderam os enfermeiros que aplicam TC (28 enfermeiros).

Analisando o quadro 2, constata-se que em todas as práticas descritas a pontuação média é igual ou superior a 3 (exceto a prática “5. Certifica-se que o IPTB é avaliado durante a terapia compressiva”) e que há muitas práticas com pontuações médias superiores a 4. Assim, parece haver uma tendência para boas práticas na aplicação da TC por parte destes enfermeiros.

 

Quadro 2 – Conjunto de questões relativas às práticas em TC: média, desvio padrão e intervalo de confiança

 

As práticas onde os enfermeiros, em média, apresentaram melhores resultados foram “21. Aplica terapia compressiva em doentes com insuficiência cardíaca não compensada” (questão invertida) (M= 4,64; DP=0,81), e a prática “9. Aconselha meias de compressão para prevenir recidivas, após a cicatrização” (M=4,64; DP=0,54). Estes resultados sugerem que os enfermeiros reconhecem a insuficiência cardíaca descompensada como contraindicação da TC e não a aplicam nestes casos. Os enfermeiros, frequentemente, após a cicatrização da úlcera aconselham as meias de compressão, uma medida recomendada para prevenção de recidivas e do edema (WUWHS, 2008).

As práticas referentes aos ensinos ao doente em TC (práticas 15, 16 e 17) encontram-se, em média, igualmente bem pontuadas (médias superiores a 4,20). Portanto, os enfermeiros parecem investir na educação para a saúde destes doentes, o que tem efeitos muito positivos na adesão ao tratamento e mesmo na sua efetividade, tal como referem Pina, Furtado e Albino (2007) e a WUWHS (2008).

Os enfermeiros também evidenciam pontuações elevadas no que se refere aos cuidados a prestar antes da aplicação do sistema compressivo: “10. Quando muda o penso, presta cuidados de higiene a todo o membro” (M=4,39; DP=0,67) e “13. Aplica almofadamento de algodão ou espuma em toda a perna, antes de aplicar as ligaduras compressivas” (M=4,39; DP=0,98). Como refere Dealey (2006), o tratamento da úlcera venosa também passa por uma adequada irrigação da ferida e higiene da pele circundante. O almofadamento antes da aplicação das ligaduras é importante para absorção do exsudado, prevenção de lesões por pressão e para adaptação da forma da perna, tal como refere Beldon (2008).

A obtenção de uma história clínica adequada (prática 2) é importante para o diagnóstico e tratamento adaptado ao doente (Pina, Furtado e Albino, 2007). Esta colheita de dados é uma prática comum dos enfermeiros inquiridos (M=4,15; DP=0,70).

Como seria de esperar, relativamente à prática “6. Perante uma úlcera venosa diagnosticada devidamente e não existindo contraindicações, aplica terapia compressiva”, verifica-se que os enfermeiros aplicam frequentemente terapia compressiva quando indicado (M=4,15; DP=0,97).

A prática menos pontuada foi a “5. Certifica-se que o IPTB é avaliado durante a terapia compressiva” (M=2,89; DP=1,07). A avaliação do IPTB durante a TC é recomendada devido à possibilidade de se desenvolver uma doença arterial ao longo do tempo de tratamento (RCN, 2006), no entanto parece ser uma prática pouco frequente.

Outra prática igualmente pouco pontuada foi a “1. Classifica uma úlcera como sendo venosa apenas através das suas características típicas, como a localização, aspeto, tecido” (questão invertida) (M=3,00; DP=1,22), o que sugere que muitos enfermeiros que aplicam TC consideram uma úlcera de perna como sendo venosa, observando apenas as suas características típicas, o que poderá levar à aplicação de TC em úlceras venosas que têm também componente arterial (Pina, Furtado e Albino, 2007).

A baixa pontuação na questão “7. Evita aplicar terapia compressiva a doentes acamados com úlcera venosa, mesmo que sem contraindicações” (questão invertida) (M=3,00; DP=1,22), sugere que os enfermeiros evitam aplicar TC a doentes acamados, apesar de estes poderem realizar TC com ligaduras elásticas, por exemplo, desde que sem contraindicações (Morison, Moffatt e Franks, 2010).

As questões relativas à técnica de aplicação das ligaduras (questões 11 e 12) apresentam igualmente pontuações baixas. Estes erros na aplicação das ligaduras foram também identificados por Beldon (2008), que refere que aumentar a extensão das ligaduras à medida que sobem no membro, sobreposição das camadas superior a 50% e enchimento de proteção insuficiente ou não adaptado para a forma da perna são os erros mais frequentes.

A referenciação dos doentes para a cirurgia vascular (questões 23 e 24), quando indicado segundo as guidelines consultadas, parece ser relativamente pouco frequente.

Na análise da relação entre os conhecimentos em TC e variáveis como a experiência profissional e a formação optámos pela utilização de testes não paramétricos pois a variável ECTC não apresentou uma distribuição normal, conforme revelou o teste Kolmogorov-Smirnov (K-S =0,87; p=0,035).

 

Relação entre conhecimentos em TC e a experiencia profissional

Neste estudo verificamos que a pontuação total na ECTC é inversamente proporcional ao tempo de exercício profissional e à experiência em feridas crónicas, com correlações de Spearman de -0,319 e de -0,219 respetivamente (p<0,05). Estes resultados indiciam que quanto mais anos de experiência profissional genérica (tempo de serviço) e quanto mais anos de experiencia específica (em tratamento de feridas crónicas), menos conhecimentos são reportados.

Por outro lado, os enfermeiros que aplicam TC apresentam uma média de experiência profissional (M=11,48; DP=7,84) inferior aos enfermeiros que não aplicam TC (M=16,74; DP=10,20) e as diferenças são estatisticamente significativas (U=811,5; Z= -2,309; p=0,021). Estes dados podem dever-se ao facto de a TC só recentemente ter sido mais divulgada em Portugal, estando os enfermeiros mais jovens mais atualizados nesta área, e ao facto de enfermeiros mais experientes se encontrarem menos recetivos a mudanças nas suas práticas.

Observámos também que a média de pontuações totais na ECTC é superior no grupo de enfermeiros que aplicam TC (M=11,14; DP=4,13) em relação ao grupo de enfermeiros que não aplicam TC (M=8,97; DP=4,21) e as diferenças são estatisticamente significativas (U=694; Z= -3,248; p=0,001). No entanto, a média de pontuações contínua abaixo de 12 (M=11,14; DP=4,13) e apenas 50,00% acertaram em mais de metade das questões.

 

Relação entre conhecimentos em TC e a formação

Quanto à formação em TC, verificamos no quadro 3 que quem não tem nenhuma formação possui uma média de pontuação na ECTC mais baixa do que os enfermeiros que possuem algum tipo de formação e que quem possui formação formal em TC apresentou, em média, pontuações na ECTC mais elevadas do que quem possui apenas formação informal (p<0,05).

 

Quadro 3 – Conhecimentos em TC em função do tipo de formação em TC

 

Analisando cada tipo de formação formal, verificamos no quadro 4 que cada um dos tipos tem impacto positivo nos conhecimentos, sobretudo a formação em serviço e a pós-graduação em viabilidade tecidular (p<0,05).

 

Quadro 4 – Conhecimentos em TC em função do tipo de formação em TC

 

Quem tem formação e prática em avaliar o IPTB parece possuir mais conhecimentos em TC (p<0,05), conforme se pode analisar no quadro 5. Isto pode dever-se ao facto de os conhecimentos e prática em avaliar o IPTB surgirem de formações muito específicas e intensivas em TC, bem como de uma dedicação a esta terapia por parte do enfermeiro, o que poderá refletir-se num aumento dos conhecimentos.

 

Quadro 5 – Conhecimentos em TC em função da formação e prática em IPTB

 

Em síntese, observámos neste estudo que a pontuação da ECTC diminui com a experiência profissional, mas aumenta quando a formação se torna mais consistente. Estes dados sugerem que a formação é mais importante na construção de conhecimentos adequados em TC do que a experiência profissional. Esta conclusão vai ao encontro do que referem, em 2005, Fabião e colaboradores, segundo os quais a formação é o principal meio gerador de competências, o que vai melhorar a qualidade dos cuidados prestados e obter ganhos em saúde. Deste modo, o desenvolvimento dos recursos humanos através da formação profissional contínua deve ser prioritário na mudança das práticas (Fabião et al., 2005).

 

Conclusão

Este estudo permitiu um conhecimento mais profundo acerca das práticas e do nível de conhecimentos de enfermeiros em TC e dos fatores com eles relacionados. Não obstante a amostra não ser representativa, permitiu-nos compreender que a terapia compressiva não está ainda devidamente implementada em todos os locais e que muitos enfermeiros não possuem os conhecimentos adequados, sobretudo por falta de formação.

Por outro lado, os resultados indiciam que a formação formal temática, mais do que a experiência profissional, tem um impacto positivo mais determinante no nível de conhecimentos dos enfermeiros acerca da TC.

A úlcera venosa é o tipo de ferida crónica mais frequente nos centros de saúde portugueses e possui múltiplas implicações psicossociais e económicas, sobretudo para os doentes que a têm há vários anos. Sendo a terapia compressiva o tratamento recomendado por todas as guidelines, porque aumenta significativamente a taxa de cicatrização e reduz os custos, seria importante todos os enfermeiros de Cuidados de Saúde Primários que cuidam destes doentes terem formação e aplicarem a TC como tratamento padrão. No entanto, através deste estudo, verifica-se que a maioria dos enfermeiros inquiridos não aplica regularmente a TC e que muitos deles possuem défice de conhecimentos e de formação nesta área. Por estas razões defendemos uma aposta clara na formação e incentivo à aplicação da TC, porque, como podemos constatar neste mesmo estudo, os enfermeiros com formação e experiência em TC apresentam mais conhecimentos e práticas mais adequadas em TC. Assim, com a implementação efetiva desta terapia será possível incrementar a qualidade dos cuidados de enfermagem à pessoa com úlcera venosa e obter ganhos para os doentes (mais qualidade de vida, menos sofrimento), ganhos para os serviços de saúde (sobretudo a nível económico) e ganhos para a enfermagem.

Como principais limitações deste estudo destacamos a não representatividade da amostra e a reduzida dimensão da subamostra de enfermeiros que aplicam terapia compressiva. Por outro lado o facto de se abordar exclusivamente o problema de falta de conhecimentos e de formação dos enfermeiros em terapia compressiva, não considerando outros fatores que possam condicionar o pouco uso desta terapia, limita o alcance do estudo.

Como trabalho futuro sugere-se uma replicação numa maior e mais representativa amostra de enfermeiros que aplicam terapia compressiva de modo a validar o conjunto de práticas aqui estudadas como uma escala, e sobretudo incluir outras variáveis, para além da formação e experiência profissional, que possam constituir barreiras à implementação da TC.

 

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Recebido para publicação em: 16.05.11

Aceite para publicação em: 20.12.11

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