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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. serIII n.4 Coimbra jul. 2011

 

Importância e aplicabilidade aos cuidados de enfermagem do método de Cuidados de Humanitude Gineste - Marescotti®

 

Mário Simões*; Manuel Rodrigues**; Nídia Salgueiro***

* Enfermeiro Chefe - Hospitais da Universidade de Coimbra [simoes3m@gmail.com].

** Professor Coordenador com Agregação - Coordenador Científico da Unidade de Investigação da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra [demar7@gmail.com].

*** Enfermeira Professora Aposentada.

 

Resumo

Contexto: A filosofia dos cuidados de Humanitude enfatiza o valor da ligação relacional e fator humano (Simões, Rodrigues e Salgueiro, 2008). Gineste e Marescotti, destacam-se pelo contributo do seu método de cuidados de Humanitude publicado por Gineste e Pellissier (2007).

Objetivos: conhecer a importância que os enfermeiros atribuem aos cuidados baseados na filosofia da Humanitude e no método de Gineste e Marescotti; Identificar em que medida os enfermeiros referem que aplicam na prática os princípios do método de Gineste e Marescotti.

Metodologia: Estudo descritivo desenvolvido com dados recolhidos numa amostra de 160 enfermeiros, da população abrangida pela Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros e que voluntariamente responderam ao inquérito eletrónico. O instrumento de colheita de dados construído e validado, é constituído por 28 itens nas dimensões “aproximação sintonia” e “consolidação proação”.

Resultados: Os enfermeiros inquiridos indicam ser muito e muitíssimo importantes os procedimentos de “aproximação sintonia” (90,31%) e de “consolidação proação” (85,47%). Apenas 2,21% desvalorizam o método. Na prática de cuidados, os enfermeiros dizem aplicar frequentemente, ou sempre, os princípios de “aproximação sintonia” (83,05%) e “consolidação proação” (69,69%).

Conclusões: Seguindo uma estratégia observacional em contexto, pretende-se verificar em futura investigação a coerência entre a opinião expressa e a prática efetiva.

Palavras-chave: filosofia da Humanitude; cuidar em Humanitude; cuidados de enfermagem; idosos.

 

Importance and applicability to nursing care of the Humanitude Gineste -Marescotti® methodology of care

Abstract

Context: The philosophy of care Humanitude emphasizes the value of relational connection and the human factor (Simões, Rodrigues e We focus on the important contribution of the Gineste Salgueiro 2008). and Marescotti Humanitude method of care published by Gineste and Pellissier (2007).

Objectives: to understand the importance that nurses attach to the Humanitude philosophy of care based on Method and Humanitude by Gineste and Marescotti; to identify the extent to which nurses report that they apply the principles of the Method of Gineste and Marescotti in practice.

Methods: Descriptive study developed from data collected from a sample of 160 nurses, the population covered by the Regional Section of the Center of the Order of Nurses and who voluntarily answered the survey online. The instrument for data collection, developed and validated, consists of 28 items in the dimensions “approach tuning” and “proactive consolidation".

Results: The nurses interviewed stated that consistent approach procedures (90.31%) and proactive consolidation (85.47%) were important or very important. Only 2.21% downplayed the Method. In care practice, nurses said that they often or always applied the principles tuning approach (83.05%) and proactive consolidation (69.69%).

Conclusions: Using a strategy of observation in context, we intend to verify in future research the consistency between the views expressed and actual practice.

Keywords: philosophy of Humanitude; Humanitude caring; nursing; elderly.

 

Importancia y aplicabilidad en la atención de enfermería del Método de Cuidados de Humanitude Gineste -Marescotti®

Resumen

Contexto: La filosofía de los cuidados de Humanitude enfatiza el valor de la conexión y del factor humano (Simões, Rodrigues e Salgueiro, 2008). Gineste y Marescotti, se destacaron por la importante contribución de su método de cuidados de Humanitude publicado por Gineste y Pellissier (2007).

Objetivos: conocer la importancia que los enfermeros atribuyen a los cuidados basados en la filosofía de la Humanitude y en el Método de Gineste y Marescotti; Identificar en qué medida los enfermeros refieren que aplican en la práctica los principios del Método de Gineste y Marescotti.

Metodología: Estudio descriptivo desarrollado a partir de datos recogidos en una muestra de 160 enfermeros, de la población abarcada por la Sección Regional Centro del Colegio de Enfermeros y que voluntariamente respondieron a la encuesta en línea. El instrumento de recolección de datos construido y validado está constituido por 28 ítems en las dimensiones “aproximación sintonía” y “consolidación pro-acción”.

Resultados: Los enfermeros inquiridos indican que los procedimientos of de aproximación sintonía (90,31%) y de consolidación pro-acción (85,47%) son muy importantes e importantísimos. Apenas 2,21% desvalorizan el método. En la práctica de la atención, los enfermeros refieren aplicar frecuentemente o siempre los principios de aproximación sintonía (83,05%) y consolidación pro-acción (69,69%).

Conclusiones: Siguiendo una estrategia observacional en contexto, se pretende verificar en una futura investigación la coherencia entre la opinión expresada y la práctica efectiva.

Palabras clave: filosofía de la Humanitude; cuidar en Humanitude; atención de enfermería; adultos mayores.

 

Introdução

O crescimento dos problemas de saúde das populações, resultantes do processo de envelhecimento, tem sido acompanhado da complexidade das respostas clínicas especializadas, bem como, do predomínio da tecnologia. Este caminho tem afastado os profissionais de saúde da ação centrada em valores humanistas, com prejuízo para a dignidade da pessoa que cuidam. Archer (2002, p. 8) escreve que na atualidade esta dignidade passa pelo regresso informado e competente do científico-tecnocosmos à Humanitude. Os enfermeiros, enquanto gente que cuida de gente, têm um mandato social determinante na construção da consciência ética de cuidar, ao colocar a ligação relacional com a pessoa em sofrimento profundo no centro dos cuidados (Simões, 2005). Em Portugal, são diversos os estudos desenvolvidos por enfermeiros para salientar a importância dos conceitos do humano e humanização (Simões, Rodrigues e Salgueiro, 2008). O conceito de Humanitude emerge atualmente com grande relevância para os cuidados de enfermagem. Todo o ser humano participa de um grande desígnio coletivo na construção da Humanitude. Este princípio filosófico foi enunciado pela primeira vez por Jacquard (1986), na sua obra L´Héritage de la liberté: de l´animalité à l´Humanitude.

Uma revisão sistemática da literatura permitiu identificar um corpus de trabalhos desenvolvidos em torno do conceito filosófico de Humanitude e da sua aplicação aos cuidados de pessoas doentes em sofrimento profundo (Simões, Rodrigues e Salgueiro, 2008). Uma parte das obras apresenta uma reflexão crítica e filosófica sobre Humanitude, outra parte coloca questões centradas nos enfermeiros e nos cuidados de enfermagem a pessoas vulneráveis, dando evidência ao valor da Humanitude nos cuidados. A Humanitude é, para Jacquard (1986), uma construção da humanidade, e filosofia e práxis para Archer (2002). O cuidar não começa na pessoa do cuidador para acabar na pessoa cuidada, mas antes conjuga subtilmente estas pessoas, os outros e o mundo numa ação responsável, sensata, respeitadora e comprometida com a liberdade (Hesbeen, 2006). Os cuidados de enfermagem assimilam a filosofia da Humanitude e aplicam-na na prática clínica de acordo com Phaneuf (2007) e assentam em pilares de ação (olhar, palavra, tocar, verticalidade, vestuário) (Gineste e Pellissier, 2007).

Os cuidados de Humanitude dirigem-se de forma prioritária às pessoas dependentes vulneráveis e em situação crítica, crónica ou paliativa (Rappo, 2007). Os enfermeiros centram a sua perícia na arte de ajudar as pessoas doentes a conservar padrões de humantitude, mesmo nos momentos de mais elevado grau de limitação e dependência. Fazem-no através de um processo que implica uma aproximação ao espaço de intimidade da pessoa doente, onde se valorizam os mais subtis sinais de pedidos de ajuda destas pessoas, e se convertem em ajuda terapêutica os mais finos e delicados gestos técnicos e relacionais do enfermeiro. Entre estas obras emerge com significativa relevância o estudo de Gineste e Pellissier (2007) “Humanitude, comprendre la vieillesse prendre soins des hommes vieux”, sobre a Humanitude, a compreensão da velhice e como prestar cuidados aos mais dependentes e com demência. Estes autores demonstram esta preocupação de “mise en Humanitude” que se manifesta no ser humano desde o nascimento, através da estimulação sensorial e emocional, quando se iniciam trocas de intimidade, através do toque, olhar, sorriso, palavra, cuidado com o vestuário, apoio na verticalidade. Os autores denominam estes gestos como pilares de Humanitude, “(....) qui puísse lier science et conscience; qui nous interrogue sur ce qu´est une relationde prendre-soin entre des personnes, pour ne jamais oublier ces précieuses caractéristiques qui permettent à un homme de se sentir humain et de rester un humain dans le regard de ses semblables”(op. cit, 2007, p. 194). Durante vários anos Gineste e Marescotti trabalharam em conjunto, no cuidado a pessoas geriátricas e com demências, aplicando os princípios da filosofia da Humanitude. Criaram a sua própria metodologia de cuidados (la Métho) assente em 7 eixos (Filosofia da Humanitude, captura sensorial, rebouclage, cuidados de higiene, tocar, ternura, manutenção relacional, viver e morrer de pé), com base nos pilares: palavra, toque e olhar.

O estudo do método de Gineste e Marescotti (MGM) e o contacto com os autores desde 2008, bem como, a verificação dos resultados obtidos pelo seu trabalho em diferentes países (França, Canadá, Bélgica e Suíça) motivou esta investigação pioneira em Portugal. Numa primeira fase, pretende-se conhecer a importância que os enfermeiros atribuem aos cuidados baseados na filosofia da Humanitude e no MGM, como também, identificar em que medida os enfermeiros referem que os aplicam na prática clínica, quando cuidam de doentes dependentes, em sofrimento profundo, por vezes sofrendo de elevado grau de demência, rejeitando os cuidadores com gestos desadaptados e agressivos.

 

Metodologia

Estudo descritivo desenvolvido a partir de dados recolhidos numa amostra de 160 enfermeiros, da população abrangida pela Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros (SRC/OE), e que voluntariamente responderam ao inquérito online. Foram incluídos apenas os enfermeiros com 2 ou mais anos de experiência profissional, com resposta integral a todas as questões. Seguindo preceitos éticos e legais, os enfermeiros foram contactados pela Direção da Secção Regional do Centro, afirmando o seu acordo com a investigação, pela sua pertinência e utilidade para a enfermagem e apelando ao preenchimento voluntário do inquérito. O instrumento de colheita de dados, ficou disponível online de maio a outubro de 2009, tendo os enfermeiros recebido por correio eletrónico os endereços de acesso. Durante este período de tempo, foi efetuado um segundo alerta e apelo à resposta, pela própria SRC/OE. Depois da análise dos inquéritos recebidos, em função dos critérios de inclusão e exclusão, a amostra ficou constituída por 160 enfermeiros (124 enfermeiras e 36 enfermeiros). O instrumento de colheita de dados (ICD) foi construído e validado a partir dos dados da literatura sobre filosofia da Humanitude e os princípios do MGM, seguindo um rigoroso processo que incluiu um grupo de peritos e a validação pelos autores que a consideraram conforme o MGM.

O ICD tem uma parte com questões de estatuto e sociodemográficas e uma segunda parte com duas escalas em resposta ordinal, uma relativa à importância atribuída ao método e outra sobre a percepção de aplicarem estes comportamentos na prática de cuidados de enfermagem. Os itens das escalas foram validados a partir das melhores evidências científicas que o metodo de cuidados de Humanitude tem construído com base nos resultados obtidos nos cuidados a pessoas dependentes e vulneráveis em sofrimento profundo. Cada item é uma representação objectiva e clara de um procedimento que pode ser realizado e claramente observado. No seu conjunto, os itens representam uma estrutura de procedimentos organizados numa lógica sequencial. No processo de execução sequencial, estes procedimentos de aparente fácil compreensão, ganham complexidade técnica, científica e relacional, ganhando a dimensão de cuidados. Ao longo desta acção cuidativa construída, espera-se que se processe uma transformação mútua da pessoa cuidada e da pessoa do cuidador.

Na fase de pré teste os itens estavam organizados em 3 categorias: “captura sensorial”, “processo de rebouclage sensorial” e “processo de consolidação”. Depois do pré teste, estas categorias foram conceptualmente reorganizadas e reduzidas a “aproximação sintonia” e “consolidação proação”. A discussão entre peritos implicou esta tomada de decisão de fundir o conceito de “captura sensorial” e o “processo de rebouclage sensorial” na denominação de “aproximação sintonia”, isto porque, a captura sensorial é uma dinâmica de aproximação à linguagem dos sentidos da pessoa, no entanto, quando essa pessoa está afetada na sua emoção e cognição, defendendo-se e reagindo aos estímulos e às pessoas com agitação/agressão, a relação terapêutica durante os cuidados, exige uma sintonia com as boas memórias afetivas, através de linguagens integradas, íntimas e subtis, explicitadas nos pilares da Humanitude. A “aproximação sintonia” é assim um processo integrado, progressivo de construção da ligação relacional, cuidado na intimidade e aproximação às boas memórias afetivas; por outro lado, “consolidação proação” é um processo de valorização da experiência e progressos da pessoa doente, assegurando o compromisso de continuidade dos cuidados. Após o pré teste foram também introduzidas mudanças, sugeridas pelos enfermeiros e pelos peritos, validadas pelos autores. Mudanças na ordem dos itens (os quais descrevem procedimentos finos e precisos que se enquadram numa lógica de ordenação sequencial), no conteúdo dos itens (para clarificar a linguagem na sua relação conceptual e aplicada) e no número de itens (de 24 para 28, para responder exaustivamente aos pilares do método). Na sua versão final o ICD ficou assim constituído:

 

APROXIMACÃO/SINTONIA

Processo progressivo de ligação relacional e cuidado, estimulando progressivamente os pilares da Humanitude palavra, olhar, toque, no desenvolvimento do procedimento; Objetivo: estabelecer ligação aos órgãos dos sentidos; Estratégia: estimulação da memória afetiva.

 

Preliminar

Início da aproximação física entre as pessoas na relação de cuidados; Objetivo: estabelecer ligação aos órgãos dos sentidos (audição, visão, tato); Estratégia: estimulação pela palavra, olhar e toque.

1 – Aproxima-se e coloca-se à distância de contacto (proteger o espaço de intimidade) com uma postura ligeiramente inclinada para a pessoa doente.

2 – Olha de frente nos olhos da pessoa doente, com uma expressão facial sorridente.

3 – Chama a pessoa doente pelo seu nome, saudando-a, com tom de voz calmo e firme.

4 – Anuncia-se à pessoa doente (eu sou o(a) enfermeiro(a)…).

5 – Diz à pessoa doente que está ali para lhe dispensar atenção e ajudar nos cuidados.

6 – Inicia o toque suavemente, com a polpa dos dedos, em zona neutra do corpo (mão, braço, ombro), como que a pedir autorização.

7 – Espera por um sinal da pessoa doente que acuse a aceitação da relação (ex: olhar, falar …).

 

Rebouclage

Início do procedimento específico (exp. cuidados de higiene); Objetivo: manter a ligação aos órgãos dos sentidos (audição, visão, tato) e estabelecer ligação afetiva (memória afetiva); Estratégia: intensificação do estímulo pela palavra, olhar e toque.

8 – Dá continuidade ao toque pousando delicadamente a palma da mão.

9 – Tem o cuidado de não tocar/segurar com os dedos em pinça ou a mão em garra.

10 – Depois de iniciar contacto físico mantémno durante todo o procedimento (Se tiver de o suspender recomeça o toque como em 6).

11 – Evita começar o procedimento pelo rosto (especialmente no banho).

12 – Anuncia cada gesto que vai executar (ex: Sra. Maria, vamos lavar a sua mão direita).

13 – Pede à pessoa doente que inicie os movimentos (ex: Sra. Maria, levante o seu braço direito).

14 – Executa os gestos com movimentos muito suaves.

15 – Descreve pormenorizadamente os gestos que executa (ex: Sra. Maria, estou a ensaboar a sua mão direita, o seu dedo polegar …).

16 – Observa sinais de aceitação e adesão da pessoa doente ao cuidado anunciado e descrito.

17 – Evita o uso de palavras que possam estimular sentimentos conflituosos na pessoa doente.

18 – Retoma com frequência o nome da pessoa doente (quem não tem nome não existe).

19 – Olha com frequência de frente nos olhos da pessoa doente.

20 – Responde-se continuamente em voz alta a si próprio(a) quando a pessoa doente não tem capacidade de resposta verbal (auto feedback).

21 – Procura ajudar a pessoa doente a tomar uma postura de verticalidade (ex: erguer o tronco, o segmento torácico da cama, sentar no cadeirão).

22 – Dá atenção à apresentação física (ex: vestuário…) da pessoa doente, de acordo com as suas preferências.

23 – Utiliza as capacidades restantes da pessoa doente, estimulando-lhe gestos e dando-lhe reforços positivos.

24 – Está atento às respostas de satisfação da pessoa doente com os cuidados recebidos (ex: sem rigidez muscular, sem agitação, fácies sereno, fácies sorridente, lágrima de emoção …).

 

CONSOLIDAÇÃO/PROAÇÃO

Processo de valorização da experiência e progressos da pessoa doente assegurando o compromisso na continuidade de cuidados; Objetivo: realçar os bons momentos da relação e cuidado; Estratégia: consolidação da boa memória afetiva estimulada.

 

Consolidação emocional. Início após o término do procedimento específico (exp. cuidados de higiene); Objetivo: valorizar a experiência e progressos da pessoa doente; Estratégia: estimulação pela palavra, olhar e toque.

25 – Fala à pessoa doente da experiência agradável que foi prestar-lhe aquele cuidado.

26 – Reforça positivamente os esforços da pessoa doente, por mínimos que tenham sido.

 

Proação. Início após o término da consolidação emocional; Objetivo: assegurar compromisso na continuidade de cuidados; Estratégia: estimulação pela palavra, olhar e toque.

27 - Diz à pessoa doente que tem todo o interesse em ajudá-la nos cuidados.

28 -Agradece à pessoa doente aquele momento de relação no cuidado e despede-se.

O instrumento de colheita de dados tem a especificidade de requerer uma avaliação qualitativa de cada procedimento, quanto ao valor teórico e prático, bem como, uma compreensão do seu significado numa lógica encadeada e integrada de gestos, percecionados numa lógica transversal e sequencial. Esta cadeia de procedimentos evolui, da fase de aproximação/ sintonia, para a fase de consolidação/proação, num progressivo movimento técnico e relacional de estímulo dos pilares da Humanitude, dos órgãos dos sentidos até à memória afetiva.

 

Resultados

De acordo com a Tabela 1, a amostra é constituída por 124 enfermeiras (77,5%) e 36 enfermeiros (22,5%), maioritariamente com idades compreendidas entre 30 e 40 anos, com grau académico de licenciatura (84,4%) e na categoria de enfermeiro e enfermeiro graduado (66,3%).

 

TABELA 1 – Dados sociodemográficos relativos aos 160 enfermeiros da amostra

 

Na tabela 2, podemos verificar que os enfermeiros exercem funções em 14 áreas distintas, em maior número em Gestão (19,77%), Centro de saúde (14,97%), Medicina (11,65%) e Cuidados continuados (11,30%).

 

TABELA 2 – Dados relativos a funções atuais, experiência de cuidados a idosos dependentes e conhecimento prévio da Filosofia de Cuidados de Humanitude relativos aos 160 sujeitos da amostra

 

Os procedimentos do MGM descritos são importantes para os cuidados de enfermagem segundo os dados recolhidos, pois demonstram que 143 enfermeiros (89,62%) os consideram a um nível de muita e muitíssima importância e 17 enfermeiros (10,38%) os consideram pouco importantes incluindo 3 enfermeiros (2,21%) que desvalorizam o método, considerando-os sem importância.

Dos 160 enfermeiros inquiridos, 145 (90,31%) indicam ser muito e muitíssimo importante os procedimentos de “aproximação sintonia” e 137 (85,47%) indicam o mesmo para a “consolidação proação”.

A tabela 3, permite verificar os itens “olha de frente nos olhos da pessoa doente, com uma expressão facial sorridente”, “chama a pessoa doente pelo seu nome saudando-a com tom de voz calmo e firme”, “evita o uso de palavras que possam estimular sentimentos conflituosos na pessoa doente”, “reforça positivamente os esforços da pessoa doente por mínimos que tenham sido” têm percentagens de respostas igual ou superior a (80,00%) a um nível de muitíssima importância. Os 3 primeiros itens integram a categoria “aproximação sintonia” e o último na categoria “consolidação proação”. Os itens “evita começar o procedimento pelo rosto”, “descreve pormenorizadamente os gestos que executa”, da categoria “aproximação sintonia”, são classificados de alguma ou baixa importância, por cerca de 73 (45,60%) e 57 (36,65%) dos enfermeiros, chegando mesmo o primeiro a ser classificado sem importância por 27 dos 160 enfermeiros (14,97%).

 

TABELA 3 – Importância atribuída pelos 160 enfermeiros aos procedimentos do MGM

 

Os procedimentos do MGM descritos são aplicados nos cuidados de enfermagem segundo os dados recolhidos, pois demonstram que 130 enfermeiros (81,14%) os efetuam com muita frequência e sempre, e 30 enfermeiros (18,86%) os efetuam poucas vezes, incluindo 5 enfermeiros (3,24%) que nunca os efetuam.

Na prática de cuidados, de acordo com a tabela 4, dos 160 enfermeiros, 133 dizem aplicar, frequentemente ou sempre, os princípios de “aproximação sintonia” (83,05%), e 112 os princípios de “consolidação proação” (69,69%). Todos os itens são classificados ao mais alto nível de execução, sendo que, em relação ao item “evita começar o procedimento pelo rosto”, 27 enfermeiros (16,87%) refere nunca o efetuar e 60 enfermeiros (37,47%) efetuar algumas vezes. O item “fala à pessoa doente da experiência agradável que foi prestar-lhe aquele cuidado”, também não é efetuado por 18 enfermeiros (11,30%) e é efetuado algumas vezes por 66 enfermeiros (41,30%).

 

TABELA 4 – Percepção da aplicação à prática clínica dos procedimentos do MGM pelos 160 enfermeiros

 

Discussão

Como primeira apreciação, podemos considerar o tamanho da amostra de 160 enfermeiros como uma limitação em relação à população dos enfermeiros inscritos na Secção Regional do Centro da Ordem dos Enfermeiros. No entanto, segundo a tendência das respostas dos inquiridos, os dados parecem indicar uma constância em relação ao valor e aplicabilidade dos princípios do MGM. A metodologia do estudo não prevê uma análise inferencial com valor de generalização de resultados, antes visa perceber a posição dos enfermeiros, do ponto de vista teórico e aplicado, quanto a uma lógica estruturada de cuidados. Os enfermeiros que aderiram ao estudo, aos quais estamos gratos, deram um importante contributo para a discussão científica da problemática dos cuidados de Humanitude e ajudaram a retomar na atualidade, aquilo que Archer (2002) descreve como sendo o digno retorno do científico-tecnocosmos à Humanitude. Trata-se de um retorno, na medida em que os enfermeiros sempre foram autores de excelência nos cuidados centrados na pessoa, na sua dignidade holística e no respeito íntimo pela sua condição fragilizada no processo saúde/doença. Um estudo fenomenológico, realizado já em 1997, concluiu que através da capacidade de se aproximar ao espaço vida das pessoas, os enfermeiros demonstram competências de estar, tocar e verbalizar, no processo de intervenção de ajuda holística (Rodrigues, 1995).

Com este estudo exploratório e descritivo, e de acordo com a apreciação subjetiva dos enfermeiros, fundamentada na sua experiência prática, ficamos a perceber a importância da problemática e do valor e aplicabilidade dos princípios da Humanitude aos cuidados de enfermagem, pois como refere Phaneuf (2007), os cuidados de enfermagem assimilam a filosofia da Humanitude e aplicam-na.

O instrumento de colheita de dados, importante contributo científico deste estudo, traduz a organização da teoria e da prática da filosofia da Humanitude e do MGM; tem a especificidade de requerer uma avaliação qualitativa de cada procedimento, quanto ao valor teórico e prático, bem como, uma compreensão do seu significado numa estrutura encadeada e integrada de gestos, percecionados numa lógica transversal e sequencial. Esta cadeia de procedimentos implica gestos minuciosos, finos e delicados, de toque ternura «toucher tendresse» e evolui, da fase de “aproximação/ sintonia”, para a fase de “consolidação/proação”, num progressivo movimento técnico e relacional de estímulo dos pilares da Humanitude, dos órgãos dos sentidos até à memória afetiva (Simões, Rodrigues e Salgueiro, 2011).

De forma global, verifica-se que a maioria dos enfermeiros diz valorizar e aplicar, rigorosamente, a cadeia de procedimentos das duas categorias de “aproximação sintonia” e “consolidação proacção”. No entanto, a teoria da filosofia da Humanitude alerta para a necessidade de refletir pedagógica e científicamente em profundidade, sobre a complexidade de cada um dos conceitos operacionalizados e validar nos cuidados, os pilares de ação (olhar, palavra, tocar, verticalidade, vestuário) identificados por Gineste e Pellissier (2007). Em boa verdade, os enfermeiros centram a sua perícia na arte de ajudar as pessoas doentes a conservar padrões de Humantitude, mesmo nos momentos de mais elevado grau de limitação e dependência. No entanto, os cuidados de Humanitude dirigem-se de forma prioritária às pessoas dependentes vulneráveis e em situação crítica ou paliativa, como refere Rappo (2007), o que implica um mais elevado nível de competência na demonstração da competência relacional, técnica e clínica. Os resultados apontam assim, para a necessidade de confirmar na clínica, se a apreciação subjetiva está em coerência com a ação concreta.

Uma análise mais apurada das respostas, permite gerar pensamento crítico em torno do valor teórico em que se baseiam alguns itens. Por exemplo, o item “evita começar o procedimento pelo rosto (especialmente no banho)”, é fundamentado na evidência científica que nos diz que as mãos e o rosto são as zonas do corpo mais sujas e de maior sensibilidade. No entanto, quanto à importância atribuída, 73 dos enfermeiros (45,60%) não consideram relevante este procedimento; na prática pedagógica e clínica é corrente observar-se um procedimento contrário, iniciando os cuidados precisamente por essa área corporal. Sequência encéfalo-caudal com base no principio do mais limpo para o mais sujo o que os autores verificaram ser falso. Uma outra proposta importante do método é explícita no item “descreve pormenorizadamente os gestos que executa (ex: Sr.ª Maria estou a ensaboar a sua mão direita, o seu dedo polegar (…)”, justificada pela evidência da dificuldade de entendimento e escuta da palavra, por parte da pessoa doente em confusão cognitiva e da ajuda à retoma do esquema corporal. No entanto, 57 enfermeiros (35,65%) referem valorizar pouco este procedimento. O recurso ao auto feedback, expresso no item “responde-se continuamente em voz alta a si próprio(a) quando a pessoa doente não tem capacidade de resposta verbal (auto feedback)” é considerado fundamental pelo método. A sua vantagem é manter a presença do cuidado de palavra estimulando a resposta da pessoa doente. Em relação a este procedimento 34 enfermeiros (21,30%) consideram-no pouco importante. De uma forma geral os itens menos valorizados e menos aplicados são: “evita começar o procedimento pelo rosto (especialmente no banho)”, “descreve pormenorizadamente os gestos que executa”, “responde-se continuamente em voz alta a si próprio quando a pessoa doente não tem capacidade de resposta verbal”, “fala à pessoa doente da experiência agradável que foi prestar-lhe aquele cuidado”, “agradece à pessoa doente aquele momento de relação no cuidado e despede-se”. Os 3 primeiros procedimentos são da categoria “aproximação sintonia” e os dois seguintes da categoria “consolidação proação”.

Embora as curvas sejam bastantes semelhantes do ponto de vista da importância e da percepção da aplicabilidade, alguns itens sugerem um relativa discrepância entre valor atribuído e ação, como seja o caso dos itens “evita começar o procedimento pelo rosto (especialmente no banho)”, “descreve pormenorizadamente os gestos que executa”, “responde-se continuamente em voz alta a si próprio quando a pessoa doente não tem capacidade de resposta verbal”, “fala à pessoa doente da experiência agradável que foi prestar-lhe aquele cuidado”.

Um dos maiores desafios da enfermagem é, por um lado, demonstrar a evidência científica dos métodos e técnicas que utiliza e, por outro lado, dar linguagem científica a essas ações, gerando especificidade no discurso científico da profissão. A opinião de Gineste e Marescotti, autores do método de cuidados de Humanitude, é que cabe aos enfermeiros gerir os cuidados fundamentais e imprescindíveis aos doentes, com relevo para os mais limitados e excluídos. Os enfermeiros sempre foram os melhores peritos, na gestão dos cuidados de intimidade, que se desenvolvem no contexto das atividades de banho, higiene, mobilização, comunicação. Deste modo, as propostas de Ginest e Marescotti não apresentam teorias que sejam desconhecidas dos enfermeiros, no entanto, ao longo dos anos, em função da complexidade em saúde, os enfermeiros afastaram-se bastante dos cuidados de proximidade, considerados como facilmente delegáveis. Ora, as técnicas e procedimentos que estes cuidados implicam não são menores, mas sim determinantes da evolução da saúde dos doentes, implicando capacidade de regulação da informação, habilidade para aproximação às janelas da expressividade do doente, abrir canais de comunicação e muita competência para lidar com o corpo e a mente de quem sofre profundamente (Rodrigues e Martins, 2004). Através da consecução deste estudo, foram trazidos a Portugal, pela primeira vez, os autores do método de cuidados de Humanitude, Ginest e Marescotti, promoveu-se o estudo e prática da filosofia de cuidados de Humanitude, geraram-se novas ferramentas de investigação aplicada aos cuidados de enfermagem, e implementaram-se estratégias em contexto que darão por certo, no futuro, importantes ganhos em saúde.

 

Conclusão

Nas categorias de “aproximação sintonia” e “consolidação proação” do MGM, os enfermeiros reconhecem a importância de todos os procedimentos e afirmam aplicá-los no seu quotidiano de trabalho. A discussão colocou em relevo a complexidade das ações e procedimentos dos cuidados de Humanitude a doentes em sofrimento profundo. Levantam-se novas questões que implicam uma reflexão epistemológica dos cuidados de enfermagem e abrem-se novas problemáticas de investigação. Dados de observação em contexto de prática de cuidados, especialmente cuidados continuados, vão no sentido da necessidade de devolver aos enfermeiros, a gestão dos cuidados de enfermagem. As políticas e recursos das instituições tendem, por vezes, a desvalorizar os cuidados de Humanitude e a importância da relação nos ganhos em saúde.

Em próximo estudo, seguindo uma metodologia observacional e de investigação ação, procurar-se-á saber como aplicam os enfermeiros, na sua prática clínica os princípios dos cuidados de Humanitude e do MGM. Existe uma forte expectativa positiva quanto ao impacto que os resultados destas investigações podem ter na dignidade dos cuidados de enfermagem e nos ganhos em saúde.

 

Referências bibliográficas

ARCHER, L. (2002) – Profecias do gene ético: confronto entre tecnocosmos e Humanitude. Cadernos de Bioética. Ano 12, nº 30.

GINESTE, Yves ; PELLISSIER, Jérôme (2007) - Humanitude, comprendre la vieillesse, prendre soin des Hommes vieux. Paris : Armand Colin.

HESBEEN, Walter (2006) – Trabalho de fim de curso, trabalho de Humanitude, emergir com o autor do seu próprio pensamento. Loures : Lusociência.

JACQUARD, Albert (1986) - L´héritage de la liberté: de l´animalité à l´Humanitude. Paris : Éditions Seuil.

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Recebido para publicação em: 04.04.11

Aceite para publicação em: 24.06.11

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