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Economia Global e Gestão

versão impressa ISSN 0873-7444

Economia Global e Gestão vol.17 no.1 Lisboa abr. 2012

 

Variedade de capitalismo e gestão de recursos humanos. O caso das filiais de três multinacionais no Brasil

Lorenzo Frangi*

 

* Pós-doutorado em Sociologia do Trabalho no CRIMT – HEC – Montreal, pós-doutorado em Sociologia na Università degli studi di Milano, PhD em Sociologia pela Università degli studi di Milan. E-maillorenzo.frangi@hec.ca

 

RESUMO

Ao destacar a relevância das instituições para as dinâmicas econômicas, assume-se a perspectiva das variedades de capitalismo (VdC) e aprofunda-se o modelo de capitalismo hierárquico, ao qual o Brasil pertence. Em seguida é desenvolvido um modelo teórico próprio para uma análise das dinâmicas de gestão dos recursos humanos (GRH) internas às firmas, através da introdução do VdC do protagonismo dos trabalhadores e focando nos subsistemas institucionais mais relevantes, ou seja, nas relações industriais e no sistema educacional. A influência desses âmbitos institucionais nas práticas mais marcantes de GRH – recrutamento, treinamento e políticas compensatórias – é analisada empiricamente nas filiais brasileiras de três multinacionais. Este estudo não proporciona somente um modelo inovador para a análise de práticas de GRH nas filiais, unindo literaturas científicas diferentes, como a sociológica e a de GRH, mas também a sua aplicabilidade empírica.

Palavras-chave: Instituições, Variedade de Capitalismo, Multinacionais, Gestão de Recursos Humanos

 

Varieties of capitalism and human resource management. The case of Brazilian subsidiaries of three multinational corporations

ABSTRACT

The relevance of institutions for the economic dynamics is highlighted, and the varieties of capitalism (VoC) is assumed, and the hierarchical variety of capitalism (to which Brazil belongs) is explored. Afterwards, an own analytical model to study the human resource management (HRM) practices inside firms is developed. In the VoC model the workers’ protagonism is included and a focus is devoted to the most important institutional subsystems: industrial relations and education system. The influence of these institutional areas in the most relevant HRMpractices – recruitment, training and compensation politics – is analysed in the Brazilian subsidiaries of three multinational corporations. This study provides not only an innovative model to analyse HRM practices in subsidiaries – linking different scientific literatures, as the sociological and HRM ones – but also its empirical application.

Key words: Institutions, Varieties of Capitalism, Multinational Corporations, Human Resource Management

 

INTRODUÇÃO

As atuais dinâmicas do trabalho são, por um lado, internacionalmente influenciadas pela globalização econômica e, por outro, continuam mostrando-se específicas de um determinado contexto social. Pois as forças uniformizantes da globalização encontram-se e hibridizam-se com as instituições e os sistemas produtivos nacionais, estabelecidos ao longo de um percurso histórico próprio de modernização e industrialização. Assim, a atual fase do capitalismo global, embora se apresente como um processo socioeconômico unitário no seu funcionamento, pode ser analisado nas variedades de perfis que assumiu em diferentes contextos institucionais. Particularmente através do estudo das multinacionais, um dos maiores atores produtivos da globalização econômica, mostrou-se como, mesmo diante da continuidade organizativa mundial dessas empresas, as relações trabalhistas vivenciadas cotidianamente pelos seus trabalhadores são diferentes entre os países, sobretudo no tocante ao chão de fábrica.

Deste modo, pretende-se desenvolver um modelo analítico para estudar como as características específicas de um contexto institucional, em que se inserem as filiais das multinacionais, influenciam as dinâmicas de gestão de recursos humanos (GRH) no chão de fábrica. Traçar-se-á então um percurso analítico que, do ambiente institucional externo focará nas práticas de GRH internas às empresas, e em seguida, este modelo aplicar-se-á às filiais brasileiras de três multinacionais.

O percurso de análise começará traçando a importância das instituições para as dinâmicas socioeconômicas, analisando em seguida os elementos principais do debate das variedades de capitalismo (VdC), para focar na variedade hierárquica, na qual se insere o Brasil.

O modelo próprio das variedades de capitalismo será aprofundado nas suas dimensões mais importantes para a análise de dinâmicas intraorganizativas de GRH, ou seja, no âmbito das relações industriais e no sistema educacional. Colocam-se os trabalhadores como atores principais do modelo, além da empresa, representada nas filiais pelo management.

Depois de uma breve análise estrutural dos níveis gerenciais de uma multinacional, focar-se-á no nível micro do chão da fábrica, para, enfim, apresentar os resultados empíricos dos estudos de caso, de como a interação entre trabalhadores e management, baseada nos recursos e limites do contexto institucional, tem capacidade de definir o recrutamento, o treinamento e as políticas compensatórias.

A pesquisa destaca um percurso analítico que conjuga literaturas de diferentes disciplinas, como por exemplo, da sociologia econômica, da sociologia do trabalho e da GRH, unindo o debate acadêmico internacional acerca das dinâmicas investigadas com o próprio contexto brasileiro, para proporcionar um enriquecimento teórico e uma interpretação mais refinada do fenômeno em questão.

Ademais, o esforço deste percurso é de não limitar-se somente a desenvolver um modelo analítico, mas de aplicá-lo sucessivamente para observar empiricamente as micro-dinâmicas de GRH nas filiais brasileiras de três multinacionais. Nas conclusões, além de focalizar nos resultados maiores do estudo, propõem-se possíveis desenvolvimentos do mesmo.

 

UMA PERSPECTIVA OUTSIDE-IN: A RELEVÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES

O percurso analítico proposto sublinha primeiramente a relevância das instituições para as dinâmicas econômicas na sociedade, aspecto analisado tanto pelo debate das ciências sociais, como pelo da GRH, particularmente na atual fase de globalização.

A análise das interações econômicas, tendo por referência Polanyi (2000), precisa se distanciar da perspectiva hipossocial do homo economicus, que age segundo uma racionalidade formal custo-benefício, mas necessita recuperar a importância da interação institucionalizada entre o ator e o ambiente social em que opera, pois«(...)a ordem econômica é apenas uma função da [ordem] social, na qual ela está inserida(…)» (Polanyi, 2000, p. 92). Precisa destacar, assim, a dimensão «substancial» da ação econômica, segundo a qual as motivações surgem em relação ao contexto institucional da vida social, opondo-se à falácia economicista smithiana que proporciona uma concepção exclusivamente «formal» e utilitarista da economia (Polanyi, 2000).

Então para um ator econômico, como a empresa, «transformar input de terra, trabalho e capitais em produção de bens e serviços não é uma função exclusiva da tecnologia empregada, mas também das instituições»(North, 1994, p. 97, trad. livre), que desenvolveram-se ao longo de um determinado percurso histórico nacional (Whitley e Kristensen, 1997).

Para analisar o âmbito das interações econômicas, tanto externas como internas às empresas, necessita-se então de uma perspectiva de political economy, que conjugue «o nível da atividade microeconômica com os incentivos macroeconômicos fornecidos pelo sistema institucional» (North, 1994, p. 162, trad. livre).

Os diferentes atores econômicos agem em um determinado contexto segundo uma estratégia de «racionalidade limitada»,definida pelos recursos e os limites próprios do ambiente institucional em que se situam. Essa relevância do contexto institucional foi destacada também pelas diferentes disciplinas científicas que contribuíram ao desenvolvimento dos estudos de GRH ao longo dos anos de 1980. Pois estas reservaram centralidade analítica ao ambiente institucional externo à empresa, qual variável principal para a definição das estratégias gerenciais adotadas pelo management, segundo uma perspectiva outside-in (e.g. Beer et al., 1984; Schuler e Jackson, 1987).

O breve prevalecimento na disciplina, do fim dos anos de 1980 até o começo dos de 1990, de uma atenção analítica maior nos recursos internos às empresas, segundo uma perspectiva inside-out (e.g. Barney, 1991), foi logo depois superado pela retomada do interesse pelo contexto institucional externo, tanto para estudos teóricos quanto para práticas de planejamentos de GRH.

Particularmente com a expansão dos agentes econômico-produtivos internacionais, como as multinacionais, a literatura de GRH detectou como as dinâmicas organizativas variam profundamente entre os diferentes contextos institucionais (e.g. Brewster, 1999; Paauwe e Boselie, 2003), pois destacou-se como muito limitada a possibilidade de definir best practices gerenciais a nível global, dado que o efeito do contexto pode conduzir a mesma política gerencial a performances organizativas muito diferentes. Além do mais, as filiais das multinacionais dependem, para gerenciar e potencializar a organização produtiva, das características que os recursos humanos apresentam, desenvolvidas inicialmente no contexto institucional externo à empresa.

 

O BRASIL: UMA VARIEDADE HIERÁRQUICA DE CAPITALISMO

Ao assumir uma perspectiva outside-in de GRH aprofunda-se o modelo proposto pela literatura de VdC (Hall e Soskice, 2001). Delineiam-se as características da variedade de capitalismo mais próxima ao Brasil, onde se inserem as filiais das multinacionais analisadas empiricamente.

A perspectiva teórica de VdC foi selecionada em virtude do enfoque na relação estratégica que a empresa desenvolve com os recursos e os limites presentes no contexto institucional, unindo de forma interessante os aspectos analíticos micro e macro econômicos, dos estudos de business e da polítical economy comparada. Esta perspectiva analítica oferece também oportunos instrumentos para estudar tanto as dinâmicas extra, quanto intraorganizativas nas empresas, em relação a um contexto institucional específico.

Analiticamente, o sistema institucional nacional foi dividido pelo VdC em cinco subsistemas principais: relações industriais, coordenação com os empregados, sistema educacional, relações entre as firmas e governança corporativa (Figura 1).

 

Figura 1

Esquema analítico de Variedade de Capitalismo

 

O debate acadêmico de VdC sublinha que em cada variedade de capitalismo existe uma complementaridade entre estes cinco subsistemas, conferindo às empresas vantagens competitivas e limites, que explicam as diferentes dinâmicas de especialização nacional em determinadas modalidades de produção, capacidade de inovação e gestão empresarial1

Estudando a relação entre a empresa e as cinco esferas institucionais, Hall e Soskice (2001) definem dois tipos ideais opostos de capitalismo: as Economias de Mercado Coordenadas (EMCs) e as Economias de Mercado Liberais (EMLs), o primeiro tendo a Alemanha e o segundo os EUA como casos nacionais mais representativos.

Nas EMCs, a relação entre as firmas e as cinco esferas institucionais é caracterizada por coordenação e colaboração, devido a um sistema institucional que permite um jogo cooperativo entre os atores econômicos e o alcance do ótimo de Pareto.

Nos EUA, ao contrário, não há características institucionais que possam sustentar a cooperação, então entre os atores econômicos há um comportamento voltado ao máximo ganho momentâneo no mercado, ou seja, de carona (free riding).

Os estudos sucessivos, dentro do marco teórico de VdC, definiram variedades de capitalismo além dos dois tipos ideais apresentados, como as Economias de Mercado de Rede, próprias do Japão, Coreia e dos tigres asiáticos e as Economias de Mercado Hierárquicas (EMHs), qual modelo de capitalismo que interpreta as dinâmicas nos países da América Latina (Schneider, 2008).

Nas EMHs, tipo ideal a que o Brasil pertence, as relações entre a empresa e os cinco subsistemas institucionais são demarcadas pela hierarquia. O subsistema das relações industriais é caracterizado para ter agentes coletivos fragmentados, altamente regulados pelo Estado e pouco eficazes nas negociações coletivas (Murillo, 2001).

No Brasil, particularmente, as relações industriais sofrem historicamente de um «mal de berço» corporativo, que se originou no período varguista, segundo o qual as dinâmicas de classe foram engessadas por uma alta intervenção legislativa e administrativa do Estado (French, 2001). A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelecendo os princípios de «unicidade sindical» e de «imposto sindical», define a profissão e o território enquanto eixos estruturais dos sindicatos de base, sem reconhecer a possibilidade de organizar comissões internas nas firmas2. A esse aspecto acrescenta-se uma baixa capacidade das centrais nacionais de coordenar os vários sindicatos profissionais-territoriais, aprofundando os «egoísmos de facções» das estruturas de base e dificultando uma possível unidade de ação (Cardoso, 2003).

A capacidade de barganha dos sindicatos brasileiros se limita principalmente às convenções coletivas por categoria profissional em cada território, conferindo uma característica de alta fragmentação nas ações de negociação3. Além do mais, merece destacar como o conteúdo dessas convenções, em geral, não apresenta um significativo avanço em relação ao que a lei já predispõe (Noronha, 2000).

O sistema educativo nas EMHs insere no mercado de trabalho, em geral, um capital humano com poucos recursos, devido aos subinvestimentos do Estado. No Brasil, este subsistema institucional é demarcado por profundos dualismos, que incidem desde o começo das trajetórias educativas, proporcionando aos estudantes recursos de capital humano completamente diferente para os que pertencem às elites ou às classes populares. São, então, mais relevantes para os níveis culturais alcançados os elementos secundários do perfil dos estudantes, como classe de pertença, área geográfica de moradia e raça, do que elementos primários, como atitudes pessoais e esforço (Frigotto e Ciavatta, 2006).

Analiticamente pode se distinguir três dualismos que marcam as estruturas do sistema educacional e geram desigualdades cumulativas entre classes populares e elites: ensino básico público, de baixa qualidade e que proporciona um déficit orgânico de capital humano versus ensino particular para as elites; estruturas educativas mais desenvolvidas do Sul e Sudeste do país versus as precárias do Norte e Nordeste; e melhores escolas das capitais versus as mais desestruturadas do interior (Paiva, 2002). Ademais, o sistema educacional brasileiro não se apresenta como fluido, pois há alguns obstáculos relevantes na possibilidade de prosseguir os estudos no nível acadêmico. O acesso às poucas vagas disponíveis nas melhores universidades, geralmente públicas, é restrito pelo exame vestibular, em que são majoritariamente aprovados estudantes provenientes do ensino privado. Para os demais atores sociais pertencentes, sobretudo, às classes populares que querem ingressar no ensino superior, há uma multiplicidade de faculdades particulares, que se expandiram principalmente na época neoliberal, que oferecem, em geral, uma capacidade de formação inferior às universidades públicas e, em vários casos, muito lábil (Frigotto e Ciavatta 2002; 2006).

Merece atenção também como, durante a época neoliberal, o sistema educacional brasileiro foi norteado por políticas governamentais de ensino profissionalizante para requalificar a mão de obra ativa e reinserir os desempregados, estimulando um crescimento de conhecimentos específicos no mercado de trabalho (Handfas, 2006).

Outro subsistema institucional considerado pelo VdC é a coordenação entre a empresa e os empregados. Essa dimensão nas EMHs é marcada por um alto turnover, um relevante nível de informalidade e uma relação direta e personalizada entre empregador e trabalhadores, pelo escasso poder de representação das organizações coletivas (âmbito institucional que será aprofundado em seguida para o caso brasileiro).

A característica hierárquica do capitalismo próprio da América Latina apresenta-se também na grande concentração de propriedade (Benavente e Crespi, 1997), tanto que a área da governança corporativase caracteriza pela presença de propriedade em bloco, como no Brasil, onde poucas empresas multinacionais e multidomésticas detêm uma parcela muito significativa das atividades produtivas formais (Schneider, 2008)4.

No tocante ao subsistema institucional das relações entre as empresas, o caso brasileiro não se distancia dos outros países da América Latina, pois essa é pouco desenvolvida, marcada por dinâmicas hierárquicas entre cliente, fornecedor e competidores, prevalecendo laços verticais dominados pelos grandes grupos.

Depois de ter salientado a perspectiva de VdC, as suas contribuições e as características próprias do capitalismo hierárquico, a que o Brasil pertence, merece destaque como, no debate acadêmico internacional, essa abordagem foi criticada em três pontos principais: os dois tipos ideais (EMLs e EMCs), a centralidade da empresa no modelo e a estaticidade e o funcionalismo dessa perspectiva.

Os tipos ideais são definidos indutivamente e há uma sobreposição entre casos nacionais e ideais. Afora isso, o VdC agrega casos nacionais muitos diferentes no mesmo tipo de capitalismo e desenvolve um modelo aplicado só aos países da área Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE)  (Pountosson, 2005; Boyer, 2005)5.

Os críticos do VdC questionam também a centralidade que a empresa ocupa no modelo, pois esta é simplesmente considerada uma «utilizadora de instituições», subestimando, assim, a sua capacidade criativa (Allen, 2004; Crouch e Farrell, 2004; Martin, 2005). Além disso, o VdC proporciona somente instrumentos para analisar empresas industriais-manufatureiras (Blyth, 2003). A crítica mais forte ao VdC é que o mesmo parece configurar-se como um modelo funcionalista, em razão da estabilidade e complementaridade institucional (Howell, 2003; Streeck e Thelen, 2005). Esse equilíbrio funcional do modelo não inclui uma variável fundamental como a do conflito (Watson, 2003; Puntosson, 2005), e não considera devidamente a dimensão dasdinâmicas trabalhistas (Iversen, 2005).

 

UM MODELO ANALÍTICO PARA O ESTUDO DAS PRÁTICAS DE GRH: OS TRABALHADORES COMO AGENTE ATIVO

A partir dessas últimas críticas, propõe-se uma ampliação do modelo analítico de VdC, através da introdução do protagonismo dos trabalhadores, para um estudo das práticas micro de GRH que possa destacar a relação entre as características do ambiente institucional e as dinâmicas gerenciais internas às empresas.

Por «trabalhadores», ao longo da análise, entende-se todos aqueles que não possuem meios de produção e nem gerenciam o capital (ou uma parte deste) ou os processos produtivos (como, por exemplo, o management nas multinacionais).

Esta ampliação do modelo introduz uma dupla agency, não sendo mais só a empresa, representada nas filiais das multinacionais pelo management, mas também os trabalhadores, sujeito social do modelo. A observação da interação entre management e trabalhadores permite superar a crítica de estabilidade e funcionalidade de VdC e, ao mesmo tempo, possibilita uma análise não somente top-down das dinâmicas gerenciais intraorganizativa, mas também bottom-up.

Ademais, coloca-se o subsistema institucional da «coordenação com empregados», âmbito próprio da definição das práticas de GRH nas filiais das multinacionais, como centro da interação intraorganizativa entre o management e os trabalhadores.

Foca-se, a seguir, nas características dos subsistemas institucionais mais relevantes, quais os recursos e limites para os dois atores sociais dessa interação intraorganizativa de GRH, ou seja, nas relações industriais e no sistema educacional. Do modelo originário de VdC são excluídos os subsistemas institucionais das relações entre as empresas e da governança corporativa: o primeiro, porque é considerado como âmbito principalmente extraorganizativo; o segundo, porque menos influente no chão de fábrica das filiais, enquanto se atesta um maior pertencimento deste ao nível macro de GRH, como destacado em seguida.

De acordo com o argumentado, as características das práticas de GRH nas filiais serão definidas pela interação estratégica entre management e trabalhadores, que depende dos recursos e limites presentes, para cada ator, nos dois subsistemas institucionais selecionados (Figura 2).

 

Figura 2

Modelo analítico da pesquisa

 

Merece destaque como este modelo proposto, sendo o refinamento de um modelo analítico de abrangência global como o de VdC, pode ser aplicado em vários contextos. Nesse caso o modelo desenvolvido aplica-se especificamente às filiais brasileiras de multinacionais, com atenção analítica ao chão de fábrica, nível gerencial em que a relevância da interação dos trabalhadores é máxima.

Nas multinacionais podem ser individuados analiticamente três níveis decisórios de GRH: o macro, o meso e o micro. No nível macro, que atesta-se centralmente no head quarter (HQ), decidem-se os objetivos organizativos gerais da empresa. No segundo, tem-se como alvo a coordenação de macro áreas geográficas ou de macro setores de business. Esses primeiros dois níveis não apresentam uma influência direta nas práticas de GRH no chão de fábrica, pois essas diretivas gerenciais não se difundem significativamente, além do que já é comum em um determinado contexto social (Ferner e Quintanilla, 1998).

No terceiro nível de gestão dos recursos humanos, identificado nas filiais, as práticas cotidianas de trabalho são definidas amplamente pela interação entre os trabalhadores e o management local (Purcell e Ahlstrand, 1994). Este nível micro nas multinacionais, sobretudo para os trabalhadores do chão de fábrica, atesta-se como o menos estandardizado e o mais dependente das características do contexto institucional nacional (Kristensen e Zeitlin, 2005; Gepperet e Williams, 2006). É nesse nível que se foca a análise para poder destacar algumas entre as mais marcantes características específicas das dinâmicas de management dentro das filiais brasileiras de três multinacionais.

 

QUESTÕES METODOLÓGICAS E APRESENTAÇÃO DO CAMPO

Antes de apresentar os resultados empíricos, merece justificar as escolhas metodológicas que têm norteado a pesquisa, descrever as características das multinacionais estudadas e apresentar os testemunhos privilegiados que foram entrevistados.

A abordagem metodológica qualitativa dos estudos de caso é sugerida na literatura como método chave para estudos de práticas de GRH (Kaufman, 1993), particularmente para análises institucionalistas de multinacionais (Ghauri, 2004).

Foram selecionadas três multinacionais, segundo os seguintes critérios: que se coloquem entre as cinco maiores do mundo no seu ramo produtivo e tenham filiais em mais de 50 nações, para destacar a relevância do ambiente institucional brasileiro frente às características amplamente internacionais das multinacionais; que tenham filiais em regiões diferentes do país, para proporcionar uma perspectiva mais ampla das características institucionais e de micro GRH; e que atuem no setor manufatureiro, pois o VdC oferece mais instrumentos analíticos nesse âmbito produtivo. Duas operam no setor químico e uma na produção de material de construção.

A primeira multinacional química é estruturada no Brasil em quatro filiais e emprega cerca de 4000 trabalhadores, dentre os quais 85% são operários. A segunda multinacional química ocupa 770 pessoas, subdivididas em quatro filiais e com um percentual de pessoal administrativo de 20%, em proporção aos operários. A mesma porcentagem foi observada na terceira multinacional, operante na produção de material para construção, e que tem 2000 funcionários subdivididos em cinco filiais.

A entrevista semi estruturada com enfoque organizativo foi assumida como instrumento de destaque na pesquisa empírica, pois possibilita uma flexível relação dialógica que, através de uma «escuta ativa» (Atkinson, 2002), permite detectar em profundidade como as práticas de GRH no chão de fábrica são influenciadas pelo contexto institucional.

Segundo o modelo analítico adotado, foram escolhidos como testemunhos privilegiados do fenômeno em análise, os representantes dos trabalhadores, os gerentes nacionais das multinacionais e um expoente dos seus órgãos coletivos. Especificamente, foram entrevistados: dois dirigentes por cada multinacional, cinco funcionários dos sindicatos mais representativos dos trabalhadores (Sindicato dos Químicos de São Paulo, Sindicato dos Químicos do ABC Paulista, Sindicato da Construção de São Paulo) e o dirigente do sindicato patronal onde se inserem as filiaismais importantes das três multinacionais (FIESP).

O material empírico consta também de pesquisa documental, através da análise das cinco principais convenções coletivas das filiais brasileiras, de três acordos de participação em lucros e resultados (PLR) e dos manuais nacionais de GRH das multinacionais.

No tocante à abrangência temporal, o estudo enfoca desde os meados dos anos de 1990 até 2009, por ser um período em que o Brasil se abre e se insere no mercado global, destacando-se, dentro de uma comparação internacional, como país caracterizado por um capitalismo hierárquico.

 

AS PRÁTICAS DE MICRO DE GESTÃO DOS RECURSOS HUMANOS NAS FILIAIS BRASILEIRAS DE TRÊS MULTINACIONAIS

O percurso analítico proposto, começado pela relevância das instituições sociais, prosseguido com o estudo da perspectiva de VdC, com destaque para as EMHs, desenvolveu em seguida um modelo analítico próprio que incluísse a agency dos trabalhadores. Última etapa desse percurso é a aplicação empírica do modelo nas filiais brasileiras das três multinacionais selecionadas.

Consideradas as baixas fronteiras que existem entre o contexto institucional externo e as dinâmicas internas às filiais, essa parte empírica da pesquisa pretende, então, investigar as práticas micro de GRH como resultado de dinâmicas de interação entre trabalhadores e management que, por sua vez, dependem dos recursos e limites presentes no contexto institucional hierárquico brasileiro e, principalmente, no tocante ao subsistema institucional das relações industriais e do sistema educacional.

Dentro do conjunto de práticas gerenciais que dão forma ao trabalho numa filial, as mais marcantes, como tradicionalmente evidenciado pela literatura de GRH, são: recrutamento, treinamento e políticas compensatórias. Por cada uma dessas práticas serão evidenciadas as principais dimensões analíticas, para depois considerar as características mais marcantes e comuns às filiais das três multinacionais analisadas em relação ao contexto institucional brasileiro.

O recrutamento pode ser definido como o «conjunto de práticas organizativas que tem o objetivo principal de identificar e atrair potenciais trabalhadores» (Barber, 1998, p. 5, trad. livre), para que a empresa possa conseguir o sucesso organizacional.

Analiticamente se podem identificar alguns momentos principais do recrutamento: a definição do candidato ideal, quais as características que ele deve ter para ingressar no sistema organizativo; a demarcação do conjunto de candidatos (pool), destacando o prevalecer de perfis provenientes do mercado de trabalho externo ou interno à empresa; a seleção entre os candidatos e, enfim, o processo se conclui com a conferição de uma tarefa organizacional ao neotrabalhador.

O recrutamento no Brasil é geralmente marcado pela ausência de qualquer interação coletiva dos interesses organizados, atesta-se como dinâmica que, por parte dos trabalhadores, se desenvolve completamente pelos recursos pessoais, sobretudo ligados ao âmbito do sistema educacional no modelo proposto.

Nas filiais brasileiras das três multinacionais estudadas, em primeiro lugar se detectou como os processos de recrutamento são gerenciados por consultorias externas. Isso porque é uma operação muito custosa para as empresas, pois a seleção de trabalhadores para tarefas organizacionaisde baixa qualificação envolve um amplo número de candidatos a ser selecionado. Para recrutar perfis mais estratégicos, a disponibilidade de candidatos é muito restrita, demandando frequentemente ativar processos de «caça-talentos». Um dualismo consequente às características tendencialmente dicotômicas do sistema educativo.

Foram identificadas duas diferentes vias de ingresso ao sistema organizativo. Uma primeira, a «via baixa», que agrega muitos trabalhadores que apresentam um lábil capital humano, candidatos a tarefas de baixa qualificação. Dentro da «via baixa» pode-se destacar uma «via baixa nobre», que envolve os recursos humanos que se formaram nas faculdades privadas de recente instituição, as quais oferecem uma formação que dificilmente se mostra um recurso adequado para acessar aos níveis estratégicos do sistema organizativo empresarial mas, em geral, somente a tarefas administrativas pouco qualificadas.

Uma segunda, a «via alta», é canal de acesso a papéis estratégicos da empresa para um restrito conjunto de candidatos, que apresentam uma sólida formação superior, elemento de destaque no mercado de trabalho brasileiro.

O management geralmente traça o perfil do candidato ideal segundo um alto nível de especificidade das características requisitadas. Este aspecto do recrutamento é complementar seja com as políticas neoliberais de profissionalização da educação, que introduziram no mercado de trabalho muitos conhecimentos e habilidades específicas, como às políticas empresariais de redução de investimento formativo no chão de fábrica.

O material empírico permite também destacar como uma ineficaz atuação sindical para a defesa da estabilidade da relação de trabalho, seja no nível nacional como no territorial, influenciou diretamente o recrutamento tornando-se prática intensamente requisitada, pois o turnover é muito alto, particularmente no chão de fábrica.

Na definição dos conjuntos de candidatos prevalecem fortemente aqueles provenientes do mercado do trabalho externo à empresa. Isso porque, além da ineficaz atuação sindical para a permanência dos trabalhadores (job tenure), acrescenta-se a precariedade de recursos de capital humano de muitos trabalhadores do chão de fábrica, tornando-se difícil prospectar um percurso de crescimento profissional.

Quase todos os trabalhadores recrutados foram destinados a simples tarefas operacionais (87%), e só uma restrita minoria do restante para funções administrativas estratégicas.

A parte final do recrutamento, em que se define a tarefa a ser desenvolvida no sistema organizativo, é influenciada pela baixa independência das dinâmicas trabalhistas frente às disposições legais do Estado. Pois foi observado como um percurso de gestão exclusivamente gerencial, baseado em disposições legais. O management confere, assim, uma profissão ao neotrabalhador, baseado nos princípios legais da Classificação Brasileira das Ocupações (CBO), sem que haja uma interação dos trabalhadores, sobretudo de forma coletiva6.

A segunda prática de gestão dos recursos humanos que se detectou no chão da fábrica das filiais, através da aplicação do modelo analítico desenvolvido, foi o treinamento. Esta prática mostra-se diretamente influenciada, tanto pelas características do contexto institucional, quanto pelo recrutamento.

O treinamento tem como fim criar potência para as capacidades produtivas dos trabalhadores. Isso implica um trade-off, porque ao crescer do nível de treinamento aumentam também os recursos que os trabalhadores dispõem na interação com o management.

O treinamento pode ser dividido analiticamente em dois momentos: o primeiro ocorre após a entrada do trabalhador no sistema organizativo (induction period), e se caracteriza por tentar superar a não-correlação entre os conhecimentos possuídos e os adquiridos pela empresa; e o segundo se estabelece ao longo da carreira profissional do trabalhador, valorizando ulteriormente o capital humano através da aprendizagem de habilidades úteis para o sistema produtivo da empresa.

As características analíticas fundamentais do treinamento são, principalmente, a quantidade de trabalhadores afetados, as modalidades de organização da formação, se prevalentemente formal ou informal, e o conteúdo dos cursos, dentro do continuum general-specific skills.

Enfim dentro do treinamento é preciso considerar também o desenvolvimento (development), a prática formativa que tende a desenvolver amplamente as potencialidades dos trabalhadores, não somente aquelas requeridas pela empresa (Winterton, 2007).

Como no caso do recrutamento, também no treinamento, nas filiais estudadas não foi detectada nenhuma influência intraorganizativa dos atores coletivos das relações industriais, permanecendo uma dinâmica organizativa marcada pela iniciativa exclusivamente gerencial.

Para os trabalhadores ingressos pela «via baixa» foi detectado como o treinamento foi limitado somente ao momento da entrada no sistema organizativo (induction period) ou às poucas obrigações legislativas, limitadas a renovação de licenças para dirigir determinados maquinários (como empilhadeira ou braços mecânicos para movimentação de mercadoria). O management não tem incentivos para investir em formação continuada no chão de fábrica, pois há um alto turnover, muitas carências de capital humano nos trabalhadores e um ciclo produtivo que ainda requer muitas tarefas estandardizadas. Foram identificados alguns treinamentos formais para os trabalhadores ingressos pela «via baixa nobre», os quais têm o exclusivo fim de compensar as lacunas culturais básicas, mas não proporcionam recursos tais que possam efetivamente aumentar o poder de interação com o management destes trabalhadores. Um exemplo disso é o curso de «redação comercial», em que é ensinado «a concordância verbal, a correção gramatical, a pontuação para escrever cartas comerciais». Outro exemplo é o curso de «matemática financeira», com conteúdos pouco complexos, como o cálculo dos juros simples ou compostos, para os trabalhadores administrativos não estratégicos do departamento financeiro.

Ao contrário, para os perfis ingressos pela «via alta» do recrutamento são previstos amplos planos de formação formal, para que possam ser conhecidos os vários âmbitos de atuação da empresa e, sobretudo, desenvolver a capacidade de liderança para gerenciar os outros trabalhadores.

Apresentam-se então nas filiais duas dinâmicas opostas de formação: «círculos viciosos» para trabalhadores não qualificados, que entram com poucos recursos de conhecimentos e não adquirem outras potencialidades, e «círculos virtuosos» para os estratégicos, que ingressam na empresa com um sólido capital humano e são objeto de um amplo treinamento.

Dinâmicas de development destacaram-se, seja na formação ampla para perfis estratégicos, como na prática paternalística e discricional do management de arcar bolsas de estudo para alguns trabalhadores do chão de fábrica poderem frequentar cursos de especialização ou faculdades.

As dinâmicas de treinamento fazem com que se desenvolvam forças centrífugas entre os muitos trabalhadores não qualificados e os poucos estratégicos, acrescentando o diferencial de potencial que os recursos humanos possuem ao entrar na empresa. Merece destacar também como a falta de interação do sindicato nessas dinâmicas gerenciais exclui possibilidades de que se desenvolvam pressões equitativas e que possam limitar o crescente dualismo.

Enfim, observaram-se os elementos comuns das políticas compensatórias nas filiais, como êxito da interação entre trabalhadores e management, diretamente influenciada pelos recursos e limites presentes no contexto institucional e como prática gerencial complementar com as outras analisadas. As políticas compensatórias são particularmente relevantes dentro do conjunto das práticas de GRH porque, distribuindo a riqueza produzida por uma empresa, têm a capacidade de estruturar as diferenças sociais tanto dentro das empresas, como de influenciar amplamente o nível de desigualdade que caracteriza uma específica sociedade.

Analiticamente podem-se individuar três características principais dessa prática de gestão dos recursos humanos: nível de pagamento,sistema de pagamento e estrutura de pagamento.

O nível de pagamento representa o nível salarial retribuído pela empresa por uma determinada tarefa organizacional, em comparação à média de mercado. O sistema de pagamento divide analiticamente as compensações entre econômicas e intrínsecas; dentre as econômicas podem-se destacar as primárias (salariais) e as secundárias (benefícios). As retribuições primárias podem ser prevalentemente baseadas nas características pessoais do trabalhador (person based) ouna tarefa organizativa desenvolvida por ele (job based). Dentro dos arranjos das retribuições primárias é interessante destacar as lógicas que estruturam as políticas de ganhos compartilhados. Enfim, a dimensão analítica da estrutura de pagamento enfoca a dispersão salarial, primariamente interclasse, ou seja, entre os vários níveis organizativos, e secundariamente intraclasse, dentro do mesmo nível organizativo (Guthrie, 2007).

Nas filiais brasileiras das três multinacionais, objeto de estudo, em estrita relação à falta de eficácia da barganha sindical e às características do capital humano presente no mercado de trabalho, desenvolvido primariamente pelo sistema educativo, foi detectada a existência de políticas salariais duais.

Para os trabalhadores do chão de fábrica, não tendo relevante capacidade de negociação dos sindicatos e apresentando frágeis recursos de capital humano individual, o nível de pagamento se atesta no «mínimo» salarial estabelecido por lei, limitadamente implementado pelas convenções coletivas. Ao contrário, para atrair e reter os recursos humanos mais estratégicos, raros no mercado de trabalho brasileiro, as multinacionais aplicam níveis de retribuição superiores à média de mercado.

Para a estrutura compensatória dos trabalhadores do chão de fábrica, a maior parte do salário é definida por dinâmicas legais ligadas à tarefa organizacional, estabelecendo o nível da retribuição em relação à profissão desenvolvida na empresa. Para os poucos perfis estratégicos presentes nas multinacionais estudadas, as dinâmicas da retribuição são definidas por parâmetros internacionais desenvolvidos pelos quartéis gerais, prevalecendo lógicas baseadas nos recursos possuídos, ou potenciais, pelos trabalhadores.

Nas participações nos lucros e resultados (PLR) destaca-se fundamentalmente a falta de ação coletiva de barganha do sindicato nas firmas, pois a porcentagem salarial definida coletivamente representa a minoria do total, pelo contrário a parte mais importante é aquela relativa ao alcance produtivo do team de trabalho e, sobretudo, à avaliação individual, feita subjetivamente pelos supervisores.

O aspecto secundário das retribuições é fundamental para os trabalhadores do chão de fábrica, dado o baixo nível salarial, que se projeta em um contexto social de limitada proteção pelo estado de bem-estar social. Tornam-se então importantes aspectos da compensação as «cestas básicas» (rações de arroz, feijão, açúcar e óleo) e o pagamento de planos de saúde particulares pelas multinacionais. 

Em função das grandes diferenças de recursos institucionais entre a «via alta» e a «via baixa», ulteriormente aprofundada pelas práticas de micro gestão dos recursos humanos presentes no sistema organizativo, as filiais apresentam uma ampla dispersão salarial interclasse, aproximando-se, assim, a um modelo salarial dual e hierárquico, em que as faixas intermediárias são as menos populosas.

 

CONCLUSÕES

O estudo começou sublinhando a importância das instituições para as ações econômicas. Em seguida aprofundou-se a literatura de VdC, com um enfoque na variedade hierárquica de capitalismo, marco específico da produção no contexto brasileiro e, enfim, foi desenvolvido um modelo analítico próprio para a análise da GRH nas empresas.

A análise empírica possibilitou aplicar o modelo desenvolvido e destacar as tendências comuns no recrutamento, treinamento e nas políticas compensatórias nas filiais brasileiras de três multinacionais, podendo-se observar um forte dualismo nas práticas micro gerenciais, altamente influenciadas pelas características institucionais duais do sistema educativo e da limitada relevância dos atores das relações industriais.

Deste modo, a hierarquia que denota a variedade de capitalismo brasileiro foi empiricamente detectada como elemento não somente reproduzido, mas também amplificado, nas dinâmicas gerenciais das filiais, marcadas pelo dualismo entre perfis estratégicos e trabalhadores do chão de fábrica.

Através dessa análise o estudo tem destacado algumas evidências empíricas acerca da relação entre contexto institucional e GRH, que participam para afinar o debate de VdC acerca do caso brasileiro, mas que, ao mesmo tempo, apresentam limitadas possibilidades de generalização, enquanto consequente a um desenho da pesquisa baseado em estudos de caso.

O fortalecimento empírico desse aspecto poderia ser contemplado através de uma ampliação dos casos estudados, avaliando se também nas outras multinacionais inseridas seriam encontradas as mesmas dinâmicas nas filiais brasileiras.

Em seguida, dado que o presente percurso analítico permitiu esclarecer às principais variáveis do fenômeno social, objeto desse estudo, uma análise quantitativa de bancos de dadosnacionais, relativos a essas práticas, permitiria propor uma descrição mais aprofundada das dinâmicas e testar a possível generalização dos resultados encontrados. Enfim, uma análise quantitativa longitudinal das dinâmicas evidenciadas permitiria mapear o desenvolvimento da relação entre a hierarquia que marca a variedade de capitalismo presente no Brasil e as dinâmicas gerenciais internas às empresas ao longo do tempo.

 

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NOTAS

1 O aspecto da complementariedade institucional é desenvolvido por VdC conforme às contribuições de North (1994) e Aoki (1996) ao debate institucionalista.

2 Pelo princípio da unicidade sindical, os órgãos do Ministério do Trabalho reconhecem só um sindicato por cada específica territorialidade, qual representante dos trabalhadores de uma determinada profissão, tendo direito de receber uma taxa (imposto sindical) que recai, independentemente da filiação, sobre todos os trabalhadores da profissão representada, distanciando, assim, a relação entre o número de filiados e os recursos econômicos de que o sindicato dispõe.

3 É um exemplo interessante desta dinâmica como em uma multinacional objeto de estudo, considerando todas as suas filiais, sejam aplicadas mais de 120 convenções coletivas.

4 Definem-se como empresas multidomésticas os grandes grupos nacionais que possuem atividades econômicas em diferentes setores produtivos.

5 Essa última parte da crítica foi superada com o desenvolvimento na literatura de novos tipos ideais de capitalismo, também por países que não pertencem à OCDE (e.g. Lane 2005; Hanché et al., 2007; Schneider, 2008).

6 Merece remarcar como neste momento do recrutamento, ao conferir uma profissão, define-se, ao mesmo tempo, o sindicato de pertencimento do trabalhador.