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Economia Global e Gestão

versão impressa ISSN 0873-7444

Economia Global e Gestão v.16 n.3 Lisboa dez. 2011

 

Cultura organizacional sob o prisma das teorias de cross-culture: um estudo de caso brasileiro

Ana Luiza Lopes* e Adriana Hilal**

 

*Doutoranda em Administração pelo COPPEAD-UFRJ, Mestre em Administração pela PUC-RJ. Atualmente dedica-se à pesquisa nas áreas de relações de trabalho e estudos organizacionais. E-mail: analuiza.szuchmacher@coppead.ufrj.br

**Professora adjunta das áreas de Organizações e Negócios Internacionais e, desde 2008, é vice-diretora de Relações Internacionais do Coppead-UFRJ. Doutorada em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-doutorada, no Instituto IRIC, pela Universidade de Tilburg, Holanda. E-mail: hilal@coppead.ufrj.br

 

RESUMO

As principais teorias de cross-culture têm fornecido importantes subsídios para uma melhor compreensão das diferentes culturas nacionais, como também têm contribuído de forma significativa para as pesquisas sobre cultura organizacional. O presente estudo tem como objetivo analisar a influência da cultura nacional na validação e legitimação de práticas e modelos gerenciais. Para tal, foi feito o mapeamento da cultura organizacional de uma filial numa empresa multinacional no ramo de consultoria financeira e contábil, com presença no Brasil. Como embasamento teórico foram utilizados os arcabouços culturais elaborados por Hofstede (1990, 1991, 1994) e Trompenaars (1994), assim como foram utilizados estudos nacionais na área de gestão que abordam algumas particularidades entre cultura brasileira e gestão organizacional. Utilizou-se o método de pesquisa qualitativa, com a realização de entrevistas em profundidade com funcionários da empresa pesquisada. Os resultados mostram quais os elementos presentes na dinâmica organizacional que são percebidos como mais significativos pelos indivíduos entrevistados, assim como é analisado como as práticas gerenciais desta instituição podem estar relacionadas com a cultura brasileira. Conclui-se que a compreensão, tanto da dinâmica da cultura organizacional, quanto da adequação desta aos valores nacionais, pode se tornar uma importante ferramenta para a gestão organizacional.

Palavras-chave: Cultura Organizacional, Cultura Nacional, Cross-culture, Gestão Brasileira

 

Organizational culture in view of cross-culture theories: a Brazilian case study

ABSTRACT

The main cross-culture theories have provided important foundations for a better understanding of different national cultures, and have also significantly contributed for the research on organizational culture. This study aims to analyze the influence of national culture in the validation and legitimization of practices and management models. To achieve this purpose, the organizational culture of a multinational financial accounting consulting subsidiary, with operations in Brazil was mapped. Hofstede’s (1990, 1991, 1994) and Trompenaars’s (1994) cultural frameworks were used as theoretical foundation, as well as some Brazilian studies that address some peculiarities of Brazilian culture and organizational management. The qualitative research method was used, with the holding of in-depth interviews with the employees of the analyzed company. Results show which elements present in the organizational dynamics are perceived as more significant by the individuals interviewed. The relationship of management practices and Brazilian culture is also analyzed. It follows that the understanding of both the dynamics of organizational culture and its adequacy with the national values can be an important tool for organizational management.

Key words : Organizational Culture, National Culture, Cross-culture, Brazilian Management

 

INTRODUÇÃO

Com a globalização, empresas multinacionais com presença em vários países enfrentam desafios de coordenação, controle e gestão (Holopainen e Bjorkman, 2005). Para manter um maior controle das práticas de gestão, algumas empresas impõem às suas subsidiárias diretrizes padronizadas, independentemente do país onde estas se localizam.

O presente estudo tem como objetivo analisar a influência da cultura nacional na validação e legitimação de práticas e modelos gerenciais, a partir da análise das práticas de uma empresa multinacional no ramo de consultoria financeira e contábil, com presença no Brasil. A filial do Rio de Janeiro foi escolhida para ser o objeto de estudo.

O estudo mostra-se relevante, pois se propõe a abordar o fenômeno em questão sob uma perspectiva abrangente: levou-se em consideração a influência dos valores da cultura nacional na cultura organizacional. Pelo fato da empresa estudada ter origem estrangeira, com a aplicação de práticas importadas, a aderência destas práticas merece ser olhada dentro de uma perspectiva de cultura nacional.

Uma melhor compreensão do fenômeno aqui estudado pode auxiliar o departamento de Recursos Humanos de empresas estrangeiras a considerar as práticas de gestão que podem ser influenciadas pela cultura nacional. Ou, até mesmo, com uma compreensão mais profunda das características principais da cultura organizacional atual, pode-se mapear um plano mais efetivo em direção de práticas mais adaptadas à realidade local.

Não se pretendeu captar toda a complexidade da cultura de uma empresa do porte da estudada por meio do mapeamento de somente uma filial. Teve-se como objetivo, entretanto, entender com profundidade os traços da cultura organizacional dentro desta filial no Rio de Janeiro e, por meio da percepção dos indivíduos que vivenciam esta realidade organizacional, analisar suas particularidades quanto às práticas, ao discurso institucional e aos valores da cultura nacional.

O artigo apresenta, na primeira parte, a revisão da literatura utilizada para a pesquisa. Em seguida é explicada a metodologia utilizada, são apresentados e discutidos os resultados obtidos e, por fim, são apresentadas as considerações finais sobre a pesquisa realizada.

 

REFERENCIAL TEÓRICO

O referencial teórico está dividido em três partes. Na primeira são abordados os estudos cross-cultural, sobre cultura e valores nacionais, nos quais esta pesquisa se baseia. Em seguida é discutido o conceito de cultura organizacional. E, por último, são apresentados alguns estudos que abordam as especificidades da gestão organizacional no âmbito brasileiro.

Cultura e estudos cross-cultural

Nesta sessão serão apresentados os conceitos formulados por dois importantes pesquisadores: Hofstede e Trompenaars. O trabalho de Hofstede é considerado seminal em pesquisa da cross-cultural, enquanto o trabalho de Trompenaars é relevante por abordar os efeitos da cultura na gestão empresarial.

Hofstede (1991) define cultura como a programação mental coletiva das pessoas que distingue os membros de um grupo dos membros de outro. O trabalho de Hofstede (1980 e 1984) identificou inicialmente quatro dimensões que afetavam o pensamento humano, as organizações e as instituições. Baseado em uma publicação mais recente do autor – Hofstede (1991) – estas quatro dimensões serão utilizadas neste trabalho e descritas a seguir:

Distância hierárquica: pode ser definida como «a medida de aceitação, por aqueles que têm menos poder nas instituições e organizações de um país, de uma repartição desigual do poder » (Hofstede, 1991, p. 42). Esta dimensão fala das relações de poder, autoridade e dependência. Culturas com baixa distância hierárquica seriam caracterizadas pela baixa dependência, pela fácil acessibilidade a pessoas com cargos hierárquicos superiores e por chefes mais democráticos. Culturas com alta distância hierárquica seriam caracterizadas pela dependência dos indivíduos em relação aos níveis superiores e pelo poder autocrático, paternalista.

Controle da incerteza: o grau de controle da incerteza de um país estaria relacionado ao «grau de inquietude dos seus habitantes face às situações desconhecidas ou incertas» (Hofstede, 1991, p. 135). Em uma cultura com alto controle de incerteza, os indivíduos necessitariam de regras, políticas detalhadas.

Individualismo e Coletivismo: «o individualismo caracteriza as sociedades nas quais os laços entre os indivíduos são pouco firmes; cada um deve ocupar-se de si mesmo e da sua família mais próxima. O coletivismo, pelo contrário, caracteriza as sociedades nas quais as pessoas são integradas, desde o nascimento, em grupos fortes e coesos, que as protegem para a vida toda em troca de uma lealdade inquestionável» (Hofstede, 1991, p. 69).

Masculinidade e Feminilidade: para o autor «serão ditas masculinas as sociedades onde os papéis são nitidamente diferenciados (o homem deve ser forte, impor-se e interessar-se pelo sucesso material, enquanto a mulher deve ser mais modesta, terna e preocupada com a qualidade de vida); são femininas aquelas onde os papéis sociais dos sexos se sobrepõem (tanto homens como as mulheres devem ser modestos, ternos e preocupados com a qualidade de vida)» (Hofstede, 1991, p. 103).

Trompenaars (1994) assume que todas as pessoas têm que se relacionar com outras pessoas, com o tempo e com a natureza externa do mundo. Para analisar as orientações de valores dos indivíduos, Trompenaars identificou sete dimensões: cinco sobre relacionamento com as pessoas, uma sobre atitudes em relação ao tempo e uma sobre a atitude com relação ao ambiente externo.

Relacionamento com as pessoas

Universalismo versus particularismo: esta dimensão aborda o relacionamento com as regras. Em uma estrutura universalista padrões e normas são gerais e universalmente aceitas; são valorizadas a aderência às regras, as estruturas formalizadas e os procedimentos consistentes e uniformes. Em uma estrutura particularista, apesar da existência de normas, cada caso seria analisado de acordo com as suas especificidades e o relacionamento entre as pessoas influenciaria na tomada de decisões; a flexibilidade e a adaptação são estimuladas neste contexto. Esta dimensão nas empresas estaria manifestada pela estrutura organizacional, pelas normas e pela forma como estas são cumpridas.

Individualismo versus coletivismo : distingue se a orientação do comportamento é baseada por objetivos próprios ou coletivos. Nas organizações, culturas com orientação mais individualista apresentariam o processo decisório rápido e mais individualizado e as campanhas de motivação de funcionários baseadas em incentivos individuais, com programas de bonificação. Nas culturas com características coletivistas, o processo decisório seria mais lento, e haveria a busca de consenso antes de uma decisão.

Específico versus difuso: em uma cultura específica, o gerente só agiria como tal no ambiente de trabalho, mas não em um ambiente informal como um evento social fora e independente da organização. O autor ainda salienta que, nas culturas caracterizadas por valores específicos, haveria uma preocupação com a clareza das regras, com resultados e preocupação de recompensa por desempenho. Nas culturas com orientação difusa existiria uma tolerância à ambigüidade e a gestão focaria na melhoria contínua dos processos ao invés do resultado.

Neutral versus emocional: esta dimensão está relacionada com a comunicação e demonstração de sentimentos. Uma cultura com orientação neutral seria caracterizada pela não demonstração dos sentimentos, já em uma cultura com orientação emocional as demonstrações de alegria, dor e entre outras emoções seriam mais evidentes.

Achievement versus ascription : esta dimensão trata das bases para atribuição de status. Em uma cultura com orientação achievement, o status seria conquistado, o indivíduo é aquilo que ele faz. Nas organizações o gerente seria respeitado pelo conhecimento que possui e não somente pela posição hierárquica, a gestão seria baseada por objetivos e o questionamento das decisões tomadas valorizado. Em uma cultura com orientação ascription o status seria baseado em quem o indivíduo é. O respeito pelos indivíduos estaria associado a fatores como posição hierárquica, tempo de serviço e nível de educacional.

Atitudes em relação ao tempo

Seqüencial versus sincrônico: em uma orientação seqüencial, as atividades seriam organizadas seqüencialmente, os relacionamentos teriam um valor instrumental e o futuro seria visto como uma seqüência de episódios de sucesso e fracassos. Em uma orientação síncrona, as atividades poderiam acontecer simultaneamente, e há uma valorização dos grupos e redes sociais. Nas organizações, esta dimensão poderia ser observada através dos mecanismos de autoridade (achievement ou ascribed), pela organização das atividades cotidianas (rigor dos horários) e pela forma de avaliação de desempenho (desempenho imediatamente anterior ou relacionamento com superiores).

Atitudes em relação o ambiente

Internamente versus externamente controlado: esta dimensão aborda o relacionamento com a natureza, isto é, se as pessoas acreditam que podem controlar a natureza ou se acreditam que fazem parte dela e adaptar-se-iam às suas leis. Nas organizações, esta dimensão poderia ser identificada nas práticas de gestão: em uma cultura orientada para o controle interno, a gestão seria baseada em objetivos claros e as metas estariam ligadas às recompensas. No outro tipo de orientação, a gestão seria caracterizada pela flexibilidade, por concessões, pela busca da harmonia, e pelo foco nos outros (clientes, parceiros).

 

CULTURA ORGANIZACIONAL

Morgan (1997) ressalta que com o surgimento do Japão como líder industrial na década de 1970, teóricos, assim como administradores, passaram a atentar mais para as relações entre cultura e administração. Cultura passou, então, a ser amplamente discutida nas organizações durante a década de 1980 e início da década de 1990 (Hilal, 2002; Morgan, 1997).

Apesar da similaridade do termo «cultura» usado para descrever nações e organizações, Hofstede (1991) ressalta que seu significado é bastante diferente entre esses dois casos, isto é, o mesmo nome falaria de fenômenos de naturezas bem distintas.

Ao analisar estes dois âmbitos, Hofstede observou que, ao nível nacional, as diferenças culturais residiriam mais nos valores do que nas práticas e o inverso ocorreria nas organizações. Os valores (individuais) seriam adquiridos precocemente na vida, na família e, mais tarde, na vida escolar. As práticas organizacionais seriam aprendidas através da socialização no ambiente de trabalho, já em idade adulta, quando todos os valores pessoais já estão fortemente enraizados.

Dentro da cultura organizacional Morgan (1997) pontua que a organização pode ver-se como um grupo bem integrado, ou esta ter esta visão bem fragmentada, dividida em grupos que pensam sobre a realidade de forma distinta. Hofstede (1991) interpreta uma cultura homogênea como sendo uma cultura forte, e fraca uma cultura heterogênea.

Schein (1990) define Cultura Organizacional como sendo as normas compartilhadas, valores e pressupostos de que os grupos e organizações são compostos. Para este autor, a cultura manifestar-se-ia através de: artefatos observáveis – fenômenos que as pessoas vêem, ouvem e sentem; valores manifestos – normas e regras; pressupostos básicos, Ou sejam seriam as realidades assumidas como verdadeiras e que, efetivamente, indicam aos indivíduos como perceber, pensar e agir diante dos fatos.

Nas teorias interculturais, base deste estudo, destaca-se a definição de Hofstede (1991, p. 210) que define cultura organizacional como «a programação coletiva da mente que distingue os membros de uma organização dos de outra». Ainda para Hofstede, apesar de não haver uma definição padrão, ele acredita que a maioria dos autores concordaria que cultura organizacional é: (1) holística: refere-se ao todo como sendo a soma das partes; (2) determinada historicamente: reflete a história da organização; (3) relacionada com estudos antropológicos como rituais e símbolos; (4) construída socialmente: criada e preservada pelo grupo de pessoas que formam a organização; (5) soft; (6) difícil de mudar.

Duas diferenças cruciais nos estudos de Schein e Hofstede devem ser pontuadas. A primeira está na crença da formação dos valores organizacionais, pois enquanto para Schein os valores do grupo seriam os valores dos líderes compartilhados, Hofstede considera a relevância dos valores dos membros da organização para a formação da cultura da organização. E ainda, enquanto para Schein a cultura organizacional é basicamente fundamentada nos valores organizacionais, Hofstede defende que as percepções partilhadas das práticas diárias devem ser consideradas como o centro da cultura organizacional e não os valores.

Para Hofstede (1994), ainda, a cultura seria composta de muitos elementos, os quais poderiam ser classificados em quatro categorias:

Símbolos: são palavras, objetos e gestos os quais derivam seu significado de convenções. No nível das culturas nacionais, os símbolos incluem a linguagem. No nível da cultura organizacional, os símbolos incluem abreviações, gírias, formas de se expressar, códigos de comportamento e símbolos de status, todos reconhecidos somente pelos membros da organização ou insiders.

Heróis: são pessoas reais ou imaginárias, vivas ou mortas, que servem como modelos de comportamento dentro de uma cultura. Os processos de seleção nas organizações freqüentemente se baseiam em modelos de heróis do «empregado ideal» ou do «gerente ideal».

Rituais: são atividades coletivas que são socialmente essenciais dentro de cada cultura específica. Nas organizações, os rituais incluem as celebrações, reuniões, memorandos escritos, e sistemas de planejamento; além das maneiras informais em que atividades formais são desempenhadas (como por exemplo, quem pode chegar atrasado a uma reunião, quem fala com quem).

Valores: representam o nível mais profundo da cultura. São sentimentos amplos, freqüentemente inconscientes e não discutidos abertamente sobre o que é bom e o que é ruim, limpo ou sujo, bonito ou feio, racional ou irracional, normal ou anormal, natural ou paradoxal, decente ou indecente.

Quanto à descrição das práticas organizacionais, Hofstede et al. (1990) obtiveram como resultado de suas pesquisas seis dimensões independentes:

Orientada para processos versus orientada para resultados: na primeira, haveria predominância de rotinas técnicas e burocracia, enquanto na segunda, os resultados seriam mais valorizados.

Orientada para a tarefa versus orientada para as pessoas: na primeira, as culturas assumiriam responsabilidade somente pela performance relativa ao trabalho dos empregados; já a segunda seria caracterizada por uma responsabilidade mais ampla pelo bem-estar dos seus membros.

Profissional versus paroquial: na primeira, os membros com alto nível educacional apresentariam uma identificação profissional com a organização e, na segunda, a identificação seria mais emocional.

Sistema aberto versus sistema fechado: esta dimensão estaria relacionada com o estilo de comunicação interno e externo e com a aceitação e integração de novos membros.

Controle rígido versus controle interno mais flexível: esta dimensão estaria relacionada com o grau de formalidade e pontualidade dentro da organização.

Pragmática versus normativa: esta dimensão estaria relacionada com a forma que a organização lida com o ambiente, em particular com os clientes. Em outras palavras, enquanto na primeira o mais valorizado seria achar a solução para os problemas existentes, na segunda seria mais valorizado o seguimento das normas e regras.

 

CULTURA BRASILEIRA E GESTÃO ORGANIZACIONAL

No caso do Brasil, alguns estudos brasileiros na área de gestão abordam algumas particularidades da cultura nacional e organizacional e ajudam a compreender o fenômeno estudado neste artigo, complementando os conceitos tratados pelas pesquisas cross-cultural.

Freitas (2006) destaca os traços brasileiros mais influentes no âmbito organizacional: (1) hierarquia, que manifestaria pela centralização de poder, passividade e aceitação dos grupos inferiores e distanciamento nas relações entre grupos diferentes; (2) personalismo, que seria a representação das relações sociais nas quais a sociedade brasileira se baseia, da busca de proximidade e afeto nas relações e do paternalismo; (3) malandragem, que seria a adaptabilidade e flexibilidade nos contextos sociais; (4) sensualismo; (5) aventureiro, que seria o símbolo do sonhador com aversão ao trabalho manual.

Prates e Barros (2006) entrevistaram 2500 dirigentes e gerentes de 520 empresas de grande e médio porte do Sudeste e Sul do Brasil e desenharam um modelo da ação cultural brasileira na gestão empresarial, que os autores chamam de um modelo do «estilo brasileiro de administrar». O modelo apresentado fala basicamente das relações de poder (subsistemas dos líderes e dos liderados) e nas esferas formais «rua» e informais «casa» (subsistemas institucional e pessoal). As características de «concentração de poder» e «personalismo» (Freitas, 2006) também são citadas neste modelo. Porém, os autores apresentam o paternalismo como a combinação destes dois fatores e como o estilo brasileiro de liderar. Uma relação paternalista pode ser considerada «uma relação em que o pai (superior), ao mesmo tempo que controla o subordinado e o ordena (relação econômica), também agrada-o e protege-o» (Freitas, 2006). Esta dinâmica ainda é caracterizada pela dependência dos liderados pelos líderes, pela proteção e pela «lealdade» (Freitas, 2006; Prates e Barros, 2006). Outras características apresentadas neste estudo são: «postura de espectador», que fala basicamente de um baixo senso crítico, de uma baixa iniciativa e de transferência de responsabilidade por parte dos liderados; «formalismo»: a necessidade cultural dos brasileiros de regras formais e leis para lidar com riscos e incertezas; «impunidade», onde a lei só aplicada para os indiferentes; «evitar conflito» (no sentido liderado-líder), que fala da busca de alternativas para tratar conflitos latentes de modo a não afetar as boas relações sociais; e «flexibilidade» (Prates e Barros, 2006).

Os traços brasileiros na gestão organizacional identificados pelos autores citados acima vêm a reforçar as conclusões das pesquisas de Hofstede (1991), nas quais a cultura brasileira apresentaria as seguintes características: alta distância hierárquica, alto índice de controle de incerteza, coletivista e masculino.

Além da cultura nacional, outro ponto relevante para a compreensão da dinâmica organizacional no contexto brasileiro é a influência da literatura e práticas importadas de culturas bem distintas da brasileira. Caldas (2006), em sua pesquisa sobre a influência da figura do «estrangeiro» na cultura brasileira, atenta para a maciça importação de ferramentas de gestão usadas nas empresas brasileiras e destaca a predominância da influência norte-americana na sociedade brasileira. Na realidade, esta influência não se limita ao contexto brasileiro, mas também engloba todo o mundo ocidental, após a Segunda Guerra Mundial, quando os EUA se tornaram o mais importante fornecedor de inovações gerenciais (Bultanski, 2002).

No Brasil, Dutra (2006) observou o início do uso no vocabulário gerencial de palavras como «autonomia» e «empreendedorismo» a partir da década de 1990, e observou que, embora os gestores possuíssem este discurso, admitiam que, na prática, o perfil obediente e disciplinado era reforçado.

Observação que está de acordo com Motta (2006) ao criticar que, ao mesmo tempo em que há uma expectativa da sociedade e das organizações para que os indivíduos manifestem suas capacidades de independência e autonomia no ambiente do trabalho, é ressaltada a importância da conformidade e as necessidades de dependência dos indivíduos são desconsideradas.

 

METODOLOGIA

Este estudo teve como objetivo analisar a influência da cultura nacional na validação e legitimação de práticas e modelos gerenciais. Para tal foi feito o mapeamento da cultura organizacional de uma empresa multinacional no ramo de consultoria financeira e contábil, com presença no Brasil, doravante chamada de ABC. Neste trabalho optou-se por analisar a cultura organizacional através de uma de suas filiais, a filial localizada no Rio de Janeiro.

Não se pretendeu captar toda a complexidade da cultura de uma empresa do porte da estudada por meio do mapeamento de somente uma filial. Teve-se como objetivo, entretanto, entender com profundidade os traços da cultura organizacional dentro desta filial no Rio de Janeiro e, por meio da percepção dos indivíduos que vivenciam esta realidade organizacional, analisar suas particularidades quanto às práticas, ao discurso institucional e à influência dos valores da cultura nacional.

Esta é uma pesquisa qualitativa, que utiliza como método o estudo de caso. A escolha desta metodologia deve-se às características da pesquisa: há um interesse na compreensão profunda do fenômeno – o estudo busca examinar, compreender; o evento é contemporâneo e os pesquisadores não possuem controle sobre os fatos (Yin, 1994).

O principal meio de coleta de dados utilizado foi a entrevista em profundidade. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, este método permite uma obtenção de dados mais detalhados e possibilita captar os motivos conscientes para opiniões, sentimentos, sistemas ou condutas (Marconi e Lakatos, 2002).

Foram realizadas sete entrevistas durante o mês de outubro de 2008: uma com a gerente de RH, três com pessoas com nível superior que trabalham diretamente na atividade fim da empresa como especialistas, os «técnicos» e três pessoas com nível superior que trabalhavam na área administrativa.

O roteiro das entrevistas foi inspirado no roteiro sugerido por Hofstede (1991, pp. 216-217), e no roteiro utilizado na pesquisa de Hilal (2002, pp. 341-344), e procurou mapear no discurso dos indivíduos as percepções sobre os símbolos, heróis, rituais, valores e práticas, conforme apresentado na revisão de literatura. Todas as entrevistas foram gravadas e tiveram a duração média de uma hora. Antes de cada entrevista, a pesquisa, seus objetivos e sua relevância eram explicados, assim como era garantida a confidencialidade de todo o relato feito. As entrevistas foram analisadas e categorizadas por temas, de acordo com o referencial teórico.

 

RESULTADOS

Neste item serão descritas algumas das características da cultura organizacional de acordo com a percepção dos funcionários da ABC.

Percepção da Estrutura ABC

Os entrevistados percebem uma divisão na estrutura da ABC. Para eles existe uma estrutura «técnica», composta pelos especialistas, consultores, trainees, enfim, pelas pessoas cujas atividades estão ligadas à atividade fim da empresa. A outra estrutura, a «administrativa» seria composta pelas atividades de suporte ao corpo técnico: gráfica, reprografia, limpeza, contas a pagar, assistentes, suporte TI.

O plano de carreira na área técnica é muito bem estruturado e definido, sendo um processo gradual de aumento de volume de trabalho, responsabilidade sobre tarefas e pessoas, autonomia, comprometimento. O profissional entra como trainee e, após ascender através de promoções em torno de 12 cargos, pode chegar ao cargo máximo de Associado. Na área administrativa não há um plano de carreira como existe na área técnica o que, segundo os relatos dos funcionários administrativos, gera uma sensação de desvalorização.

Desempenho e Recompensas na estrutura «técnica»

Todos os entrevistados relataram uma forte preocupação por parte da empresa com a performance dos funcionários e o sistema de recompensas que, na empresa em estudo, seria a promoção no final do ano, apresenta-se fortemente associado ao desempenho. Porém, apesar da valorização do desempenho individual, são respeitados o tempo de trabalho na empresa e os avanços graduais definidos pelo plano de carreira. Um dos entrevistados definiu a empresa como um mix de plano de carreira e meritocracia (« aqui o tempo de carreira conta muito, a gente tem a meritocracia e o tempo de carreira. A meritocracia aqui existe, mas é controlada, contida» E7).

Processos

Os processos praticados pela empresa são constituídos a partir de orientações internacionais e os mesmos processos são aplicados em todos os escritórios no Brasil.

É importante ressaltar também a relevância dos processos na cultura da ABC. Por fazer parte de um grupo internacional, que deve seguir um rígido controle de qualidade, a empresa é muito voltada para o seguimento de regras, procedimento e processos. (« o que a gente mais tem aqui são regras» E2). Segundo os relatos, a qualidade de um trabalho seria a simples conseqüência do seguimento dos procedimentos e processos. Parte dos entrevistados manifestou um desejo de maior flexibilidade nas normas e regras, ao mesmo tempo em que entendem a importância dos processos existentes.

Símbolos

O grau de ocupação das mesas do escritório é um símbolo da cultura organizacional. Mesas vazias seriam um símbolo positivo, pois significaria que a firma está com muitos contratos e os funcionários estão no cliente, trabalhando.

Um dos símbolos importantes da organização e freqüentemente citado nas entrevistas é a forma de se vestir. Na empresa existe um dress-code que é familiarizado para os membros tão logo eles entram na organização. No cotidiano, sua importância é constantemente reforçada pelos líderes da instituição, seja pelo exemplo de conduta ou pela advertência em casos de não conformidade.

Sobre os símbolos de poder, a senioridade seria, a princípio, um fator de identificação das pessoas mais poderosas dentro da organização, devido ao desenho do plano de carreira que é um processo gradual de acumulo de experiência, volume de trabalho, responsabilidade sobre tarefas e pessoas, autonomia, comprometimento ( «aqui o tempo de carreira conta muito» E7).

Porém, esta não é uma regra, pois, segundo os depoimentos existiriam pessoas na faixa dos 35 anos ocupando cargos de alto poder hierárquico, mesmo tendo seguido o plano de carreira. Seriam pessoas que tiveram grande destaque nas suas trajetórias dentro da empresa. A empresa também é classificada pelos entrevistados como sendo uma empresa jovem ( «essa empresa só tem jovem, ninguém fica aqui com mais de 60 anos» E4).

O layout do escritório ajuda a identificar as pessoas com mais status dentro da organização, por exemplo, os associados e diretores – níveis mais altos da hierarquia – possuem sala fixa. Gerentes e outros funcionários da área técnica possuem baias não fixas, sendo que as dos gerentes são maiores.

A qualificação formal dos funcionários, tanto do corpo técnico quanto administrativo, é extremamente valorizada, sendo que há uma exigência maior de qualificação sobre os funcionários técnicos por causa da própria natureza das funções que executam e da natureza da atividade da empresa («eles precisam ter certificações (...) e isso é fundamental e importante para que eles possam fazer o trabalho» E1).

Para garantir a qualificação dos funcionários, além de treinamentos internos, a empresa auxilia financeiramente os funcionários em cursos de graduação e pós-graduação ligados à área fim da empresa.

Quando indagado sobre a imagem da ABC no mercado, os entrevistados citaram: formalidade, solidez, credibilidade, organização, comprometimento e bom ambiente de trabalho. E quando indagado sobre o que poderia diferenciar o funcionário ABC da concorrência, uma das entrevistadas citou a simpatia:

«Se você tiver quatro consultores (de empresa diferentes), é muito fácil você identificar o profissional da ABC pela simpatia (...) Nós somos humanos, a gente sorri, sabe? (...) Então nós temos essa característica, sem perder a nossa postura profissional» E1).

Chamou a atenção da entrevistadora, ao conviver na empresa durante o período de entrevistas, a boa receptividade dos entrevistados. Outra observação realizada foi o fato de que todos os funcionários cumprimentam todas as pessoas com quem cruzam nos corredores do escritório, mesmo as pessoas desconhecidas, como a própria pesquisadora.

Heróis

As pessoas significativas para a organização podem ser relacionadas às figuras do «aconselhador» e do «associado». O papel da figura do aconselhador seria orientar, ajudar e acompanhar o desenvolvimento do funcionário dentro da empresa. Todos os funcionários teriam um aconselhador. Entre suas atribuições está o feedback da avaliação de desempenho para o funcionário.

(«Você ter uma pessoa que pode te dar um apoio (...) e você não sabe o caminho, você tem uma pessoa que está em um outro cargo, está te olhando de fora, pode ter uma visão diferente de você, te ajudar» E2).

Observou-se que a existência desta figura estimula as pessoas a procurarem aconselhamento, gerando um clima maior de acolhimento.

Os associados são as pessoas no cargo de maior nível hierárquico. Eles começaram como trainee na empresa e seguiram o plano de carreira da empresa. Quando indagado aos profissionais da área técnica se eles gostariam de ser associados, todos responderam que sim («os associados são nossos motivadores» E6) .

Sobre a personalidade dos funcionários, os respondentes usaram os adjetivos: acolhedor, organizado, centrado, comunicativo, ambicioso, arrumado, formal. Segundo os relatos, o comportamento também variaria de acordo com o contexto: «aqui dentro você pode ser caloroso, (...) no cliente, fazendo uma consultoria, o funcionário tem de ser um pouco mais frio em formal» (E4).

Quanto à personalidade humana, o funcionário ABC foi caracterizado como:

«Muiiito ambicioso, muito. Muito muito, eles entram aqui com a idéia de ser um associado, não é? Não que seja aquela ambição de que você tenha que passar por cima de alguém, não tem aquela disputa. Não, porque cada um tem a sua, a sua..., o seu plano de carreira bem definido e depende só de cada um. Então se, se… se eu tenho 10 trainees, eu posso ter 10 assistentes, não é? Então, não vai ser por causa de um, se aquele sobressaiu mais, ele vai ter o mérito dele, ele vai ser um assistente top…» (E1).

A necessidade de honestidade e ética também foram citadas nas entrevistas.

As pessoas com mais chance de fazer carreira de sucesso, segundo os depoimentos, seriam os profissionais extremamente comprometidos, dedicados e que se identificam com o trabalho, com a empresa e que demonstrariam satisfação, mesmo com uma carga excessiva de trabalho. Outras características citadas foram: o perfil de liderança («está ali para fazer funcionar» E4) ; o conhecimento sobre o negócio, sobre o mercado, atualização e network: «O network também é muito importante, não digo só o network aqui, estou falando até do network externo, de você tentar captar cliente, de você tentar desenvolver possibilidade de cliente. Isso também é bem visto» (E7).

Uma entrevistada com cargo de gestão salientou, que além do esforço pessoal, é essencial que o funcionário possa ser orientado e acompanhado por uma pessoa com uma visão mais ampla sobre seu processo de encarreiramento. Este depoimento foi ratificado pelos entrevistados que estão começando carreira na empresa.

As pessoas significativas seriam pessoas que cresceram, e se superaram. E esses casos de «sucesso» seriam usados como exemplo positivo no discurso dos gestores.

Os líderes com perfil comprometido com o trabalho e atencioso com as pessoas também têm significado especial dentro da organização: «são pessoas que, por mais que sofram a pressão do trabalho, conseguem produzir trabalhos de qualidade, sabem o que estão fazendo e tratam muito bem as pessoas sempre, mesmo em momentos críticos» (E5).

Segundo os depoimentos, a liderança do tipo consultiva é a que caracteriza a gestão na ABC. Os funcionários entrevistados acham a comunicação com os níveis hierárquicos superiores bem aberta e acessível.

O discurso do representante do RH enfatiza que os gerentes são cobrados por resultados, mas orientados também a valorizar e motivar pessoas. Durante o período de entrevistas a pesquisadora observou a ênfase dada a este discurso no ambiente de trabalho através de cartazes e mensagens nos quadros de aviso.

Rituais

Os entrevistados relataram que em geral as coisas acontecem de forma planejada e programada:

«Eu costumo falar que aqui é um reloginho, todo ano ali você é promovido e, além disso, você tem todo um procedimento para cumprir (...) os processos determinam os passos das atividades» (E6).

Este depoimento fala da uniformidade das atividades. Tudo seria muito programado, porém de maneira rápida, por causa do volume de trabalho e dos curtos prazos de entrega. Também foi relatado que acontecem imprevistos, que são atendidos, mas sem que o processo seja afetado.

Uma data extremamente importante para empresa é o ano fiscal que começa em outubro e termina em setembro. Nesta data, além do fechamento dos balanços financeiros, são realizadas as avaliações de desempenho e promoções.

Sobre as celebrações, além da festa tradicional de final de ano, anualmente é realizado um evento para todos membros do Rio de Janeiro, que homenageia as pessoas por «tempo de casa»: «Nessa celebração nós destacamos pessoas que tem 10 anos, 5 anos de firma e são, geralmente, são essas pessoas que fazem a diferença aqui dentro?» (E1).

A entrada de novos membros está associada ao programa de trainee ou contratação de outros profissionais dentro da área de atuação da empresa. Segundo um dos entrevistados, para a contratação do profissional fora do processo de trainee, é necessário o conhecimento prévio e experiência dentro da área financeira e contábil.

Quanto à integração de novos membros, algumas práticas são importantes ressaltar. Os novos funcionários ao serem admitidos recebem um «kit boas-vindas», que contém informações sobre a empresa e orientações de comportamento. Estes funcionários passam os primeiros dias na empresa recebendo treinamentos do RH sobre valores, políticas, regras de comportamento (dress-code, etiqueta), benefícios e ferramentas que eles utilizarão no dia-a-dia. Os novos membros também são apresentados para os outros funcionários da firma.

Os trainees logo que entram têm suas atividades acompanhadas por um coach – funcionário mais experiente que orienta o novo membro – durante os primeiros meses.

Sobre as formas de comunicação, o e-mail foi relatado como o principal meio de comunicação entre a instituição e os funcionários. Outra forma de divulgação seriam as reuniões de alinhamento.

Reuniões entre níveis hierárquicos mais altos são realizadas para alinhamento sobre os resultados, andamento do negócio. Reuniões freqüentes entre os níveis hierárquicos mais altos e baixos para exposição das demandas dos funcionários também foram relatados. A exposição deste fato ratifica a afirmação dos entrevistados sobre a abertura de comunicação com os níveis hierárquicos superiores ( «ele falou tudo o que o pessoal tinha colocado na outra reunião (...) interessante, ele deu ouvidos ao que a gente falou» E6).

É importante pontuar que estas reuniões de alinhamento de expectativas e de ampliação de conhecimento sobre a empresa são resultado de iniciativas individuais daqueles que possuem algum poder dentro da organização. Porém, é interessante observar que a cultura organizacional abre espaço para este tipo de iniciativa, que é muito bem visto pelos funcionários da empresa.

Os entrevistados relatam que, durante as reuniões, apesar de se manter presente a questão hierárquica, o clima não é de muita formalidade e há abertura para expressão de opiniões e pontos de vista.

Valores

Os entrevistados relataram gostar das comemorações, de se sentirem valorizados pela empresa e ver isso acontecendo com seus colegas. A possibilidade de participar dos programas de intercâmbio proporcionados pela empresa e das atividades fora da empresa, organizados por esta, como o torneio de tênis ou o torneio mundial de futebol, também são acontecimentos que os funcionários valorizam.

Entre os piores erros que um funcionário ABC pode cometer (citados) estão: agir com falta de ética na tarefa relacionada ao trabalho; não compartilhar informação; não contribuir para o trabalho em equipe; não ter uma boa postura com o cliente; não reconhecer um erro cometido; divulgar informação confidencial da empresa; emitir um parecer errado; ou realizar «uma atitude que coloque em risco o nome da empresa» E5).

Os conflitos dentro das equipes são, na maioria das vezes, resolvidos pelo nível hierárquico imediatamente superior. Caso não haja a resolução, a gerência e o RH são envolvidos na resolução do conflito.

Quando indagado sobre problemas na organização, o representante de RH citou algo bastante interessante. O entrevistado falou da excessiva carga de trabalho sobre os funcionários:

«Como a gente tem uma carga de horário pesada, não é? O que a gente tem mais problema é exatamente, não permitir, as vezes que a pessoa saia pra fazer a tua faculdade, que a pessoa possa estudar seu inglês, que a pessoa tenha uma melhor qualidade de vida» (E1).

Esta preocupação é condizente com uma das principais coisas que incomodam os funcionários, a sobre carga de trabalho: « olha, a gente trabalha muito, muito, muito» (E2), «[a sobrecarga de trabalho] é grande vilão da ABC» (E4).

Para os entrevistados a imagem da empresa no mercado estaria associada à confiabilidade, seriedade, organização e educação. Um dos entrevistados associou a imagem da empresa no mercado com a imagem de um cavalo, «pela imponência e elegância» (E1) .

Quando indagados sobre a imagem que eles possuíam da ABC diante da concorrência, todos de alguma forma disseram: «nós somos melhores». Todos relataram ter orgulho de trabalharem na empresa.

O representante do RH, ao analisar a lealdade dos funcionários afirmou que os integrantes que permanecem na organização são aqueles que gostam da profissão, e também se identificam com a empresa, dado que as empresas concorrentes, por saberem do investimento em formação do funcionário feito pela ABC, constantemente fazem proposta de trabalho com melhor remuneração para os funcionários ABC ( «não tem a história de vestir a camisa? Aqui na ABC a gente [que se identifica com a empresa] tatua» E3).

As principais razões para permanecerem na empresa citadas pelos funcionários entrevistados foram: oportunidade de crescimento, reconhecimento, respeito profissional, desafios, trabalho interessante, benefícios, orgulho da firma, segurança, gosto pelo trabalho, da equipe, da empresa e pela possibilidade de carreira no exterior.

 

DISCUSSÃO

O mapeamento da cultura organizacional revelou os elementos presentes nos discursos dos membros da organização, descritos anteriormente nos resultados. Observou-se que o discurso dos entrevistados mostra-se homogêneo e coerente com o discurso institucional.

Quanto às dimensões de Hofstede (1991) relacionadas às práticas organizacionais, identificou-se que a ABC seria orientada para processos, pela valorização das rotinas técnicas e pela visão compartilhada, conforme apresentada nos relatos, de que um bom resultado seria a conseqüência natural do cumprimento dos procedimentos. A empresa também pode ser considerada orientada para tarefas mais do que para pessoas, pois apesar do discurso do RH sobre a preocupação com o bem-estar do funcionário, há uma forte cobrança por performance, além da demanda por longas horas de trabalho que impactam diretamente nos projetos pessoais e na qualidade de vida dos indivíduos. A identificação com os membros tende a ser mais profissional, pela valorização da qualificação e pela identificação profissional com a organização, pois gostar do trabalho de consultor foi destacado como um fator importante para a construção de carreira de sucesso dentro da empresa. O sistema de comunicação sugere um sistema aberto, pela abertura de comunicação com níveis hierárquicos superiores e pelas práticas que incentivam a integração e aceitação de novos membros. O controle seria marcado pela rigidez, visto a valorização da formalidade junto aos clientes da empresa. Sobre a dimensão de pragmatismo observou-se que o respeito às normas seria mais relevante do que os resultados.

De acordo com as dimensões de Trompenaars, a estrutura da ABC pode ser caracterizada como universalista, pela formalização das estruturas e uniformização dos procedimentos. Apesar dos membros da alta hierarquia proporcionarem um canal aberto de comunicação com os funcionários de níveis hierárquicos mais baixos, as decisões são tomadas de forma individualizada, sem a necessidade do estabelecimento de um consenso. O trabalho não é visto de forma compartimentalizada pelos funcionários ABC e, mesmo fora da empresa, e em ocasiões informais, a identidade funcionário ABC exerce influência no comportamento dos indivíduos. Sobre a demonstração de sentimentos, pode-se considerar a cultura emocional nas relações internas e mais neutral nas relações com os clientes (devido a natureza do trabalho de consultoria). É interessante observar que na ABC o status estaria tanto relacionado a aspectos de uma orientação ascription, como por exemplo, a valorização da senioridade e do histórico profissional, quanto aspectos de uma orientação achievement, pela valorização dos méritos pessoais e pela forte preocupação com o sistema de recompensa que é baseado em performance. O tempo seria orientado de maneira síncrona, pois os funcionários ABC lidam com várias atividades ao mesmo tempo, além de haver uma valorização dos grupos e redes sociais dentro do ambiente de trabalho. A atitude em relação ao ambiente estaria focada tanto no controle interno, pela gestão em torno de objetivos, quanto no controle externo, como por exemplo, a busca de flexibilidade interna para atender às demandas dos clientes. É importante ressaltar que esta flexibilidade não ocorreria na execução dos procedimentos, visto que a empresa é orientada a processos, mas na organização das equipes e das horas trabalhadas pelos funcionários.

Sobre a cultura nacional, para Hofstede (1991) a cultura brasileira apresentaria características como: alta distância hierárquica, alto índice de controle de incerteza, coletivista e masculina.

Sobre a característica de alta distância hierárquica da cultura brasileira, é importante observar que na empresa estudada a hierarquia é reconhecida, respeitada e não foi questionada por nenhum dos entrevistados. Existe a dependência dos indivíduos em relação aos níveis superiores para a tomada de decisões. Este poder, porém, não é exercido de forma autoritária, visto que os subordinados têm acesso aos níveis hierárquicos superiores e se sentem, até certo ponto, à vontade para expressar um ponto de vista. Embora, exista uma maior aproximação entre os diferentes níveis – o que pode abrir mais espaço para o traço personalista (Freitas, 2006) do brasileiro –, não há uma horizontalização da gestão. A hierarquia é bem presente e aceita. A expectativa de construir uma carreira e subir hierarquicamente foi manifestada por todos os entrevistados.

Ainda sobre a questão hierárquica é interessante destacar a figura do Mentor. Apesar do mentoring ser uma prática comum em países com baixa distância hierárquica, no Brasil, a existência de um mentor pode ganhar um aspecto mais paternalista, devido a ação da cultura na gestão empresarial.

A existência de muitas normas e procedimentos na ABC seria compatível com a necessidade de alto controle de incerteza que, segundo Hofstede (1991), caracterizaria a cultura brasileira. O que difere, no caso da ABC, é que as normas, mais do que «formalismo» (Prates e Barros, 2006), têm de ser seguidas. O comprometimento, a dedicação e a afinidade pelo trabalho são valorizados e colocados como elementos-chave para o sucesso dentro da empresa. A dinâmica entre o ritmo de trabalho imposto pelos processos importados pela empresa não é compatível com as características brasileiras de malandragem, aventureiro (Freitas, 2006) e, mesmo assim, os funcionários mostram-se comprometidos e dedicados.

Outras práticas de gestão da ABC como promoções e recompensas vinculadas a méritos e desempenhos individuais, ressaltam o individualismo, uma característica que, apesar de não identificada por Hofstede (1991) como sendo da cultura brasileira, não pareceu causar estranhamento aos funcionários da ABC, muito pelo contrário, as pessoas que cresceram dentro da empresa por esforço pessoal são destacadas como heróis.

Na ABC, porém, a meritocracia é limitada pelo plano de carreira, o que pode conter, de alguma forma, a competição e o individualismo. Assim como as regras, a existência de um plano de carreira consistente e sistemático é uma característica da gestão da ABC que também seria compatível com a característica de alto índice de controle de incerteza da cultura nacional.

Entretanto, o fato de os funcionários aceitarem e não questionarem a meritocracia existente pode ser considerado como uma influência da cultura americana na cultura brasileira, dentro deste ambiente organizacional.

Observou-se também que, apesar do intenso ritmo de trabalho e da valorização dos procedimentos, a simpatia e o bom relacionamento interpessoal são extremamente valorizados na ABC. Característica que pode ser vista como uma manifestação da cordialidade brasileira.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo analisar a influência da cultura nacional na validação e legitimação de práticas e modelos gerenciais. Para tal foi feito o mapeamento da cultura organizacional de uma filial uma empresa multinacional no ramo de consultoria financeira e contábil, com presença no Brasil.

Considerando a análise da cultura organizacional da ABC, pode-se ressaltar a relevância da adequação das práticas de gestão presentes em uma cultura organizacional com a cultura nacional.

Observou-se, no caso estudado, que apesar das práticas de gestão serem importadas e apresentarem algumas dimensões culturais distintas dos valores da cultura nacional brasileira, como o individualismo e o ritmo intenso do trabalho, os funcionários parecem ter assimilado o discurso organizacional, sem demonstrarem questionamentos sobre a ordem estabelecida.

Por outro lado, é interessante observar que as atividades da empresa, que prezam pelo seguimento de processos, e sua estruturação, com hierarquias bem definidas, apresentam características mais próximas à cultura brasileira. Sobre as práticas de gestão é interessante observar ainda que, ao mesmo tempo em que há a demanda por maior individualismo e desempenho, não há demanda por maior autonomia e independência. Logo, as práticas de gestão da ABC não vão contra as características de maior dependência dos níveis hierárquicos superiores, existente na cultura brasileira.

O resultado da análise aqui realizada sugere que, respeitados os valores fundamentais da cultura nacional, os mesmos podem ser canalizados para práticas que vão de encontro com os objetivos da organização. O resultado do estudo também indica que a área de gestão cultural está principalmente no âmbito das práticas e que seu foco deve ser em práticas que, ao mesmo tempo que respeitam valores da cultura nacional e organizacional, viabilizam o alcance dos objetivos organizacionais.

A compreensão dos mecanismos de adequação pode ser uma importante ferramenta de gestão nas organizações e também seria um tema interessante para investigação futura.

Outro estudo promissor poderia averiguar se as características culturais nacionais, como a de malandragem e do aventureiro (Freitas, 2006) são manifestadas de alguma forma, mesmo quando os indivíduos parecem adequados a ambientes organizacionais que valorizam a conformidade e o ritmo de trabalho intenso.

 

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