SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número3Saúde pública no Brasil: rede social, pacto de gestão e o Programa Mais Saúde Direito de Todos 2008-2011Planejamento e gestão de parques científicos e tecnológicos: uma análise comparativa índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Economia Global e Gestão

versão impressa ISSN 0873-7444

Economia Global e Gestão v.15 n.3 Lisboa dez. 2010

 

Proposição do conceito Fit Strategy: estratégia de adequação para produtos populares

 

Fábio Lotti Oliva1, Maria Cecília Sobral2, Abraham Sin Oih Yu3, Martinho Isnard Ribeiro de Almeida4, Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi5 e Hubert Drouvot6

1 fabiousp@usp.br Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo e Fundação Instituto de Administração. Pesquisa e atuação relacionada com gestão internacional e estratégia competitiva. PhD degree in Business Administration from University of São Paulo and Administration Institute Foundation. Research and professional experiences related to international management and competitive strategy.

2 mcsobral@usp.br Doutora em Administração pela Universidade de São Paulo. Universidade de Santo Amaro. Pesquisa e atuação relacionada com o desenvolvimento de produtos e inovação tecnológica. Master and PhD degree in Business Administration from University of São Paulo. University of Santo Amaro. Research and professional experiences mainly related to product development, popular products and technological innovation.

3 abraoyu@ipt.br Mestre e Doutor pela Universidade de Stanford e livre docente pela Universidade de São Paulo. Universidade de São Paulo e Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Pesquisa e atuação relacionada com análise decisória, produtos populares e inovação tecnológica. Master and PhD degrees from Stanford University and free docent from University of São Paulo. University of São Paulo and São Paulo State’s Technological Research Institute. Research and professional experiences related to decision analysis, popular products and technological innovation.

4 martinho@usp.br Doutor e livre docente em Administração pela Universidade de São Paulo. Pesquisa e atuaçãorelacionada com gestão estratégica e planejamento estratégico. Universidade de São Paulo. Master and PhD degree in Business Administration from University of São Paulo. Free docent degree in Business Administration from University of São Paulo. Research and professional experience related to strategic management and strategic planning.

5 cchgfea1@usp.br Mestre e Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo e Fundação Instituto de Administração. Pesquisa e atuação relacionada com sistemas de informação de marketing e marketing estratégico. Master and PhD degree in Business Administration from University of São Paulo and Administration Institute Foundation. Research and Professional experience related to marketing information systems and strategic marketing.

6 hubert.drouvot@iae-grenoble.fr Doutor pela Université Pierre Mèndes France em Ciências de Gestão. Université Pierre Mendes France e Institut d’Administration des Entreprises. Pesquisa e atuação relacionada com administração estratégica e marketing estratégico. PhD degree in Management Science from Université Pierre Mèndes France. Université Pierre Mendes France and Institut d’Administration des Entreprises. Research and professional experience related to strategic management and strategic marketing.

 

RESUMO

O interesse empresarial pelo mercado de baixa renda tem aumentado nos últimos anos nos países emergentes. Para atendê-lo, é necessária uma postura inovadora no desenvolvimento de novos produtos e na compreensão de suas especificidades. Estudar quais são os atributos mais importantes na decisão de compra do consumidor e como as empresas estão se organizando para atender este segmento da população é o foco deste trabalho. Analisa-se o caso do consumo de um eletrodoméstico – tanquinho (máquina de lavar menos sofisticada) pela população de baixa renda. Assim, realizou-se uma pesquisa de campo em lojas de varejo com consumidores de baixa renda na cidade de São Paulo, no último trimestre de 2005. Os dados primários assim obtidos foram submetidos à análise através da utilização de técnicas estatísticas. Os resultados do trabalho mostram que o atendimento aos mercados populares não se consubstancia apenas com a adoção de estratégias genéricas de baixo custo. Necessita-se adotar uma estratégia de adequação, fit strategy, que se configura pelo equilíbrio entre a busca por ofertar melhores preços e o atendimento das necessidades do consumidor de baixa renda.

Palavras-chave: Produtos Populares, Fit Strategy, População de Baixa Renda, Varejo, Decisão de Compra do Consumidor

 

Proposing the concept of a fit strategy for low-end products

ABSTRACT

The interest of businesses in the low-income market has increased in recent years in emerging countries. In order to serve this market, there is a need of an innovative approach in the development of new products and in understanding their specificities. The focus of this paper is to assess crucial attributes in consumer purchase decision and how companies are organizing themselves to serve this population segment. It examines the case of the consumption of an electrical appliance – tanquinho (a less sophisticated washing machine) by low-income population. Thus, a field research was conducted in retail stores with low-income consumers in the city of São Paulo, in the last quarter of 2005. Primary data obtained were subjected to analysis using statistical techniques. The results show that to serve popular markets is not simply a matter of adopting low-cost generic strategies. There is also a need of an adequacy strategy, a fit strategy, which configures the balance between the search for the best price bid responses and addressing the needs of low-income consumers.

Key words: Popular Products, Fit Strategy, Low Income Population, Retail, Consumer Purchasing Decision

 

INTRODUÇÃO

A cidade de São Paulo é uma metrópole de aproximadamente 12 milhões de habitantes, possui um PIB equivalente a 319 bilhões de reais e que corresponde ao quarto maior PIB do Brasil, inferior apenas aos PIB das unidades federativas de SP, RJ e MG (PMSP, 2010). Dentre suas contradições, pode-se destacar a desigualdade social que se manifesta, por exemplo, na falta de moradia: aproximadamente 30% da população vive em assentamentos precários em uma cidade que possui 14,25% dos seus domicílios sem ocupação. Da população total da cidade, quase 58% pode ser classificada como pertencente às classes C, D e E. Ao longo dos últimos 10 anos, o poder de compra de seus moradores tem crescido gradativamente, o que constitui um mercado significativo para as empresas. O rendimento médio dos chefes de família da cidade de São Paulo é de 1742 reais (PMSP, 2010) e as subprefeituras/bairros possuem características distintas entre si.

A partir de 1998 começam a despontar alguns trabalhos internacionais que tratam do tema relacionado ao atendimento das demandas das camadas mais carentes da população. Prahalad e Lieberthal (1998) abordam o assunto e identificam este mercado como a base da pirâmide econômica. Nos seus trabalhos até agora, nota-se uma forte preocupação com as políticas públicas e com o comportamento das empresas multinacionais. O foco é fazer com que as grandes corporações descubram este mercado e, de uma maneira lucrativa e socialmente responsável, ajudem as organizações e os governos a oferecer uma vida mais saudável e justa para esta população tão carente, estimada em mais de 4 bilhões de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia (Prahalad e Hammond, 2002). Kotler e Lee (2009) sugerem que as corporações globais deveriam olhar para o mercado de produtos populares como uma forma de utilização racional da capacidade ociosa mundial de produção para redução de custos dos produtos atuais e para a conquista de novos mercados ávidos por consumir.

Em realidade, os países emergentes têm sido motivo de muitos estudos e pesquisas de instituições acadêmicas, empresas de consultoria e organizações governamentais. Podem-se citar alguns trabalhos nesta área: Khanna et al. (2005), Prahalad (2009), Prahalad e Hammond (2002), Prahalad e Hart (2002), Kotler e Lee (2009).

O que ainda não aparece nas publicações internacionais é a visão desta situação a partir das empresas que atendem ou pretendem atender este mercado. Pelas características da população, é de se esperar que as empresas precisem oferecer produtos e condições de comercialização atraentes. Mas como desenvolver e entregar novos produtos que atinjam as necessidades desta população e, que ao mesmo tempo, caibam no orçamento familiar? A literatura acadêmica nacional tem demonstrado interesse crescente em entender o comportamento deste consumidor. No entanto, faltam trabalhos focados no entendimento e análise das práticas de gestão das empresas para atender este mercado, que possui interesses e necessidades diferentes das daqueles das classes A e B.

Os objetivos principais deste estudo consistem na identificação dos atributos mais importantes na decisão de compra de um produto popular na cidade de São Paulo e na análise do impacto destes atributos na estratégia das empresas. A organização deste trabalho é a seguinte: o próximo item apresenta o referencial teórico utilizado como base para o estudo e, na seqüência, são apresentados o método, os procedimentos de pesquisa adotados e os principais resultados são analisados. Na última secção, são ressaltadas as conclusões e recomendações para estudos futuros.

 

REFERENCIAL TEÓRICO

Esta secção apresenta o referencial teórico utilizado neste trabalho. O primeiro tema abordado é a definição de um produto popular com seus principais atributos. Na seqüência, são apresentados alguns conceitos referentes à estratégia e a compatibilidade da mesma com a estratégia operacional das empresas.

Produto popular

Segundo Kotler (2004), um produto é algo que pode ser oferecido a um mercado para satisfazer uma necessidade ou desejo. Um produto pode ter até cinco níveis, sendo que cada nível agrega mais valor para o cliente. Estes níveis são:

· Benefício central: o serviço ou benefício fundamental que o cliente está comprando;

· Produto básico: é a transformação do benefício em um produto;

· Produto esperado: é o conjunto de atributos e condições que os compradores normalmente esperam ao comprá-lo;

· Produto ampliado: é aquilo que excede as expectativas do cliente;

· Produto potencial: abrange todos os aumentos e transformações a que o produto deve ser submetido no futuro.

Vale lembrar que a cada ampliação de valor se agrega também custo ao produto. Deve-se, portanto, avaliar corretamente se os clientes pagarão por estas agregações de valor. No caso de mercados desenvolvidos, a competição ocorre no nível de produto ampliado e potencial.

Sobral et al. (2005) discutem que uma das características de um produto popular é o atendimento das classes sociais de baixa renda. Desta forma, fica excluído do conceito o «carro popular» que, apesar de ser o mais barato da categoria, está longe do alcance da camada mais pobre da população. Os autores argumentam que o conceito de produto popular deve estar relacionado prioritariamente a atender aos consumidores das classes de menor renda (renda familiar inferior a 10 salários mínimos ou pertencentes às classes C, D ou E, no caso da população brasileira). Deve oferecer condições (crédito, pontos de venda, atendimento às necessidades do consumidor) que facilitem e viabilizem a sua aquisição pelo público-alvo.

Em relação a produtos populares, Nascimento et al. (2005) salientam a importância de alguns de seus atributos: confiabilidade, utilização fácil e conveniente, simplicidade dos controles, facilidade de manutenção, facilidade e requisitos para a instalação, suporte para instalação, tempo de entrega, facilidade de acesso.

Para efeito deste estudo, produto popular é aquele que atende prioritariamente os consumidores de menor renda (renda familiar inferior a 10 salários mínimos). Seus principais atributos estão relacionados à qualidade durante todo seu ciclo de vida, atendimento das necessidades dos clientes, preço baixo e condições comerciais que facilitem e viabilizem a sua aquisição pelo público-alvo.

A partir da análise de artigos e estudos de casos publicados recentemente (Quadro I), foram identificados os principais atributos que um produto popular deve ter para atender seus consumidores. O produto popular escolhido para a pesquisa de campo foi o tanquinho, uma máquina de lavar sem centrifugação, que possui um esfregador manual. Os atributos identificados são: a) qualidade; b) requisitos do cliente e c) condições de comercialização acessíveis.

 

QUADRO I

Publicações utilizadas para identificação dos atributos de um produto popular

 

Em relação à durabilidade, os produtos podem ser classificados em produtos não duráveis e produtos duráveis. Os produtos não duráveis são tangíveis, normalmente consumidos ou usados uma ou poucas vezes. Já os produtos duráveis são usados durante certo período de tempo. Em relação aos hábitos de compra, os produtos de consumo podem ser classificados em: a) Produtos de conveniência; b) Produtos de compra comparada ou aqueles em que o cliente durante o processo de seleção e compra compara características em termos de adequação, qualidade, preço e modelo; c) Produtos de especialidade ou produtos com características singulares ou identificação de marca; d) Produtos não procurados, que são produtos que o cliente não conhece ou normalmente não pensa em comprar. O tanquinho, objeto desta pesquisa, caracteriza-se como um produto de compra comparada.

Estratégia

O conceito das estratégias genéricas de Michael E. Porter é bastante utilizado para classificar as estratégias competitivas. As estratégias genéricas são: a) Liderança em custo; b) Diferenciação e c) Enfoque em baixo custo ou na diferenciação . Porter (1983) argumenta que a estratégia tecnológica é uma ferramenta poderosa para alcançar cada uma destas estratégias, mas cada uma requer estratégias diferentes em relação à tecnologia de produtos e processos, que podem servir tanto para propósitos de diferenciação como de baixo custo. O Quadro II mostra a ligação entre as mudanças tecnológicas de produto e de processo com as estratégias genéricas.

 

QUADRO II

Políticas tecnológicas e estratégias genéricas

 

No caso dos produtos populares pode-se dizer que a estratégia de custo com foco segmentado é a que mais se aproxima das estratégias utilizadas pelas empresas que atuam no mercado de baixa renda, embora o conceito de segmentação/nicho de mercado não se adapte totalmente ao mercado de baixa renda. Porter (1983) sugere que o desenvolvimento do produto tente atender aos requisitos necessários e suficientes para o mercado-alvo. Em relação à tecnologia de processo, propõe balancear as necessidades de produção e entrega dos produtos, mostrando assim a importância da cadeia de suprimentos na viabilização do acesso dos consumidores aos produtos da empresa.

Treacy e Wiersema (1995) definem valor para o cliente como a soma de benefícios recebidos menos os custos incorridos (tangíveis ou intangíveis) pelo cliente na aquisição de produtos ou serviços. Preço, qualidade do produto, funcionalidades do produto, confiabilidade e assistência técnica podem criar ou destruir valor para o cliente. Tudo vai depender de como estes fatores afetam a expectativa do cliente. Os autores argumentam que são líderes de mercado aquelas empresas que definiram o mercado a ser atingido e que conseguiram criar nos consumidores um conjunto de expectativas que não são suplantadas pelos seus concorrentes. Para tal, é necessário que a empresa escolha uma dimensão na qual quer ser superior e fazer de tudo para exceder as expectativas do cliente nessa direção. Segundo os autores, uma empresa não consegue ser excepcional em todas as disciplinas. Sugerem que os líderes devem escolher entre três opções: a) Liderança em produtos – «o melhor produto»; b) Excelência operacional – «melhor custo total» e c) Relacionamento com o cliente – «melhor solução total». Não escolher entre uma das três opções pode trazer confusão, tensão e perda de energia através de complexidade gerencial. Vale ressaltar, no entanto, que a base de pesquisa dos autores é o universo norte-americano.

Skinner (1969, p. 139) define estratégia como um conjunto de planos e políticas com o qual uma empresa almeja obter vantagens sobre seus competidores. Geralmente uma estratégia inclui planos de produto e de marketing desses produtos para um mercado determinado. A vantagem que a empresa precisa ter pode ser, por exemplo, canais de distribuição, propaganda, preço, embalagem, disponibilidade e garantia. O que muitas empresas não compreendem é que estratégias diferentes de marketing e obtenção de determinada vantagem competitiva significam diferentes demandas para a função manufatura dentro de uma empresa.

Skinner (1969, p. 140) foi um dos pioneiros no estudo e definição da estratégia da manufatura. Para ele, o propósito da manufatura é auxiliar a empresa a alcançar sua necessidade de sobrevivência, lucro e crescimento. A manufatura é parte do conceito estratégico que relaciona as forças e recursos da empresa com as oportunidades do mercado, sendo que cada estratégia determina tarefas específicas na manufatura. A habilidade na gestão da manufatura é a medida-chave do sucesso da empresa. Há algumas áreas de decisão com as quais o gestor da manufatura deve lidar para sincronizar a estratégia operacional com a estratégia da empresa. Decisões relativas a essas diferentes áreas podem viabilizar ou inviabilizar a execução da estratégia da empresa. Os gestores precisam avaliar os diversos trade-offs existentes em cada uma das decisões e escolher as que melhor contribuam para a execução da estratégia. Skinner (1969, p. 145) sugere que as mesmas sejam tomadas em conjunto com a direção da empresa, isto é, uma abordagem top-down e, a partir da estratégia competitiva da empresa, definir as metas da estratégia de manufatura. Para alcançar vantagem competitiva, as estratégias de marketing e manufatura devem estar relacionadas e incorporadas à estratégia corporativa.

Wheelwright e Hayes (1985) elaboraram um modelo de quatro estágios para descrever como a estratégia de manufatura pode contribuir para o alcance das metas da empresa. A empresa vai evoluindo de maneira contínua. Isto não quer dizer que um estágio necessariamente começa quando termina o anterior. Enfatizam que a manufatura pode contribuir significativamente com o sucesso de um negócio. No entanto, isto requer determinação, visão e habilidade para se manter focado durante um longo período de tempo. Não se ganha a batalha no último minuto. É necessário que a empresa seja persistente para continuamente expandir suas competências. Argumentam que para alcançar a excelência (manufatura de classe mundial), as empresas precisam atuar nas diversas áreas de decisão: capacidade, instalações, equipamentos e processos tecnológicos, integração vertical, fornecedores, novos produtos, recursos humanos, qualidade e sistemas de informação.

Uma empresa pode ter múltiplos objetivos e, eventualmente, progressos em uma direção podem dificultar avanços em outra. O gestor precisa então avaliar os benefícios em uma área e os custos da outra (Clemen e Reilly, 2001).

Ferdows e De Meyer (1990) sugerem que as empresas podem alcançar seus melhores indicadores de desempenho operacional de maneira cumulativa, contradizendo a visão tradicional de trade-offs, isto é, que só se pode alcançar determinada competência em detrimento de outra. Propõem para tal o modelo de cone de areia no qual qualidade, confiabilidade, velocidade de resposta (flexibilidade - quão rápido uma produção pode reagir a novos requisitos do cliente, mudanças de volume de produção, introdução de novo produto) e eficiência em custos são indicadores de desempenho que são atingidos sequencialmente e, mais importante, cumulativamente.

 

MÉTODO DE PESQUISA

Esta secção dedica-se a descrição do método de pesquisa adotado neste trabalho. Primeiramente são descritos os procedimentos relativos à identificação das variáveis de pesquisa e, em seguida, a determinação do tamanho da amostra. As técnicas estatísticas utilizadas para tratamento e análise dos dados são apresentadas no terceiro sub-item.

Identificação das variáveis de pesquisa

A pesquisa realizada buscou identificar quais são os atributos considerados mais importantes na decisão de compra de produtos populares. Para tal, partiu-se como base de que os atributos de um produto popular são aqueles que foram detectados nos estudos de casos publicados, conforme referencial teórico adotado. Vale lembrar quais são os atributos (e suas respectivas características) associados a tanquinhos:

· Qualidade: desempenho, durabilidade, segurança;

· Requisitos do cliente: assistência técnica, capacidade (kg de roupas), facilidade de uso;

· Acessibilidade: fácil acesso, vendas a crédito (parcelização) e preço.

Para dar maior abrangência à pesquisa, incluíram-se além dos três atributos já mencionados, outros dois não identificados a priori como fundamentais na decisão de compra: marca (confiança, fidelidade, prestígio) e valores da empresa fabricante (responsabilidade em relação ao meio ambiente, saúde, social). O objetivo era testar se alguns atributos não imediatamente associados a produtos populares eram importantes para este mercado.

Definidos atributos e características, passou-se à próxima fase da pesquisa que foi a elaboração do questionário. Este era composto de duas partes distintas: a primeira possuía perguntas que permitissem a qualificação do respondente e a outra parte era composta pelas questões sobre o tanquinho.

A população pesquisada pertencia às cinco zonas urbanas paulistanas (Centro, Zona Leste, Zona Norte, Zona Oeste e Zona Sul) e os entrevistados deveriam pertencer às classes sociais C, D e E. A pesquisa tomou lugar nos seguintes bairros: Aricanduva, Butantã, Cambuci, Campo Limpo, Capão Redondo, Consolação, Raposo Tavares, Rio Pequeno, Santana, Tucuruvi, Vila Carrão, Vila Formosa, Vila Guilherme, Vila Maria e Vila Sonia. Para evitar o constrangimento que perguntas relativas à renda geralmente ocasionam nas pessoas, utilizou-se o Critério de Classificação Econômica Brasil (2005) para se efetuar a posteriori a classificação dos entrevistados em relação às classes sociais. As perguntas do questionário foram elaboradas de forma que não deixassem dúvidas para os respondentes, tentando-se utilizar linguagem o mais coloquial possível. Para a maioria das questões pertinentes ao tanquinho foi solicitado ao respondente que atribuísse notas de um a cinco.

Determinação do tamanho da amostra

Lojas de varejo e supermercados distribuídos pelas zonas urbanas da cidade de São Paulo foram os locais escolhidos para as entrevistas. Dentro de cada zona urbana, foram escolhidos os bairros que tinham renda familiar média compatível com as classes sociais C, D e E. Considerando-se a população da cidade em aproximadamente 12 milhões de pessoas e as características do questionário, calculou-se o tamanho da amostra aleatória simples da seguinte forma:

Ou seja, adotando-se um nível de confiança de 99%, um erro amostral de 0,15 e uma estimativa de desvio padrão de 1,35, deve-se realizar no mínimo 535 entrevistas para que o estudo possa ser representativo para a população da cidade de São Paulo. Os parâmetros para cálculo do tamanho da amostra levam em consideração as características do questionário. Tomando como base as características das 38 questões, considerou-se o erro amostral como uma pequena fração da escala de resposta entre um e cinco e considerou-se como estimativa do desvio padrão das respostas um terço da escala, 1,35, conforme Teorema de Tchebycheff (Stevenson, 2001 e Martins, 2008).

Técnicas estatísticas aplicadas na pesquisa

Realizaram-se 810 entrevistas, em que 51 dos entrevistados não tinham e não pretendiam ter um tanquinho. Dos restantes, 150 entrevistados pertenciam à classe A e B, não pertencentes ao universo desta pesquisa. Além disso, foram detectados 34 registros com dados não preenchidos, missing, que foram descartados na análise. Por fim, obteve-se 575 registros válidos para a análise quantitativa.

A partir do questionário elaborado, foram identificadas as variáveis de pesquisa em relação aos cinco atributos associados ao tanquinho (qualidade, requisitos, acessibilidade, marca e valores). Devido ao número de variáveis envolvidas, decidiu-se aplicar a técnica de Análise Fatorial para se trabalhar com um número menor de variáveis (fatores).

Segundo Hair (2006), os benefícios do uso da análise fatorial são explicar relações entre variáveis e sumarizar os dados por meio de combinação linear entre as variáveis. As principais premissas para a aplicação desta técnica são: variáveis estão na escala razão (Pestana e Gajeiro, 2000); correlações entre as variáveis são devidas aos fatores que elas compartilham; cada variável pode ser expressa como uma combinação linear dos fatores não observados e os fatores obtidos na analise fatorial podem ser usados como variáveis independentes na técnica de regressão linear.

Após a aplicação da técnica, identificaram-se cinco fatores, associados a 13 variáveis originais, que representam a base de dados original. Para identificar quais dessas variáveis são as mais importantes para a decisão de compra de produtos populares, no caso, o tanquinho, aplicou-se a técnica de regressão múltipla. Ou seja, criou-se uma variável dependente chamada «importância» que consiste da média das 13 variáveis padronizadas, intervalo entre 0 e 1. Como variáveis independentes foram consideradas tanto os cinco fatores como as 13 variáveis que os compõem. Não se verificou diferença significativa no resultado da regressão linear processada no método stepwise.

Segundo Hair (2006), a análise de regressão múltipla é uma técnica estatística utilizada para analisar a relação entre a variável dependente pesquisada e as variáveis independentes conhecidas. O objetivo é encontrar uma relação entre as variáveis independentes que possa predizer o valor da variável dependente.

A partir da análise da regressão, identificou-se as seis variáveis mais importantes para a decisão de compra do tanquinho e tornou-se natural tentar visualizar os casos e os entrevistados, segundo a distribuição das mesmas. Novamente a análise fatorial mostrou-se mais adequada para este intento. Dois fatores foram obtidos, um associado a preço e outro associado à qualidade, que permitiram a visualização dos casos nestas duas dimensões.

A partir de algumas constatações, desenvolveu-se uma extensão do referencial teórico associado às definições de produtos e estratégias para produtos populares. Colocando-se em prática os princípios dedutivos propostos pela pesquisa de boa qualidade (Eisenhardt, 1989 e Éden e Huxham, 2001).

 

ANÁLISE DOS DADOS

Esta secção está direcionada para a análise dos resultados obtidos através da pesquisa de campo. Primeiramente é analisado se, de fato, os atributos sugeridos pela teoria foram comprovados na prática. Na seqüência é analisada a importância destes atributos, identificando os dois fatores que mais contribuem na decisão de compra. É feito um mapeamento da distribuição dos consumidores em relação a estes dois fatores. Para concluir esta secção, os autores propõem uma discussão sobre uma estratégia de adequação para atender o mercado de baixa renda.

Análise dos atributos dos produtos populares

O questionário foi elaborado com questões que permitissem captar a importância de determinados atributos detalhados segundo suas características. O Quadro III apresenta os atributos e as características associados ao tanquinho.

 

QUADRO III - Atributos e características

 

Elaboraram-se pelo menos duas questões associadas a cada característica, totalizando 38 questões para os cinco atributos. Para tanto, buscou-se um arcabouço teórico que relaciona cada tipo com características mensuráveis da organização, segundo revisão bibliográfica apresentada (Quadro I). Utilizou-se de mnemônicos «QQ» para as questões relativas à qualidade, «QR» para as questões relativas aos requisitos do cliente, «QA» para as questões relativas à acessibilidade, «QM» para as questões relativas à marca e «QV» para as questões relativas a valores. Cada questão gerou uma variável no banco de dados.

A quantidade de questões deve estar relacionada com a intenção de maximizar o potencial para captura da importância dos atributos dos produtos na decisão de compra. No entanto, a quantidade excessiva de questões e variáveis dificulta a análise dos dados que objetiva obter a essência das empresas incubadas. A análise fatorial é um dos recursos de Data Reduction disponível no software (SPSS, 2010) que permite reduzir o número de variáveis por meio da geração de fatores que as substituem. No entanto, reduzem o poder explicativo anterior, ou seja, existe um trade-off entre o número de variáveis e o poder de explicação dos fatores.

Atendendo às recomendações de Pestana e Gajeiro (2000), referentes às condições necessárias para que a análise fatorial gere soluções credíveis, verificou-se que a maioria das correlações entre as variáveis é superior a 0,30; utilizou-se o Teste de Esfericidade de Bartlett para analisá-la estatisticamente. Além disso, constatou-se que a medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) é superior a 0,5. Os dados da pesquisa apresentaram significativos índices quanto às suposições acima. O teste de Bartlett levou à rejeição da hipótese da matriz de correlações das variáveis ser igual à matriz de identidade, ou seja, rejeita a existência de correlação baixa entre as variáveis pesquisadas. Na tentativa de melhorar o «KMO», adotou-se o procedimento de remover a variável com o menor «MSA» e processar novamente o teste. Também tomou-se o cuidado de verificar se a sua comunalidade e o impacto da mesma nos fatores também não eram elevados. Obteve-se assim os resultados apresentados no Quadro IV.

 

QUADRO IV - Indicadores da análise fatorial

 

Segundo Pestana e Gajeiro (2000), os critérios de scree plot e de «KMO», valores próprios maiores que um, geram soluções credíveis para a escolha de fatores, quando o número de variáveis é maior que 250 ou a comunalidade das variáveis é maior que 0,6. Por fim, analisando-se a Matriz de Rotação pelo método VARIMAX (SPSS, 2010), obtêm-se cinco fatores relacionados com as questões fundamentadas para as quatro características, como se pode ver no Quadro IV.

 

QUADRO V - Descrição dos factores

 

Verifica-se que o fator F1 está associado às questões de qualidade e marca. Mesmo a questão QA18, questão formulada para o atributo acessibilidade, menciona a relação acesso à marca. Pode-se constatar que a associação da qualidade com a marca é muito forte. Tentou-se por outros métodos obter uma configuração diferente dos fatores, qualidade e marca em fatores distintos, mas a tentativa foi inglória. O fator F2, claramente associado aos valores, no caso, questões relativas ao meio ambiente e saúde, respectivamente. Os fatores F3 e F4, pertinentes aos requisitos do cliente, mantiveram-se em separado ao longo da análise. Pode-se suscitar ser necessário a criação de mais atributos para explicar a necessidade do consumidor.

Por fim, o fator cinco parece estar fortemente associado a preço, devido às questões. Mesmo a associação com a questão QQ4, referente à qualidade, reflete de forma similar a importância do preço e o tempo de duração do bem. Pode-se afirmar que a análise fatorial confirmou a presença dos atributos dos produtos no processo de decisão de compra do tanquinho e produziu uma base mais reduzida de variáveis que facilitou a análise dos resultados.

Análise da importância dos atributos na decisão de compra

Com base nas 13 variáveis representantes associadas aos cinco fatores obtidos na análise fatorial, criou-se uma variável chamada «IMP», com o objetivo de calcular a importância que cada variável representante possui na decisão de compra do produto popular (tanquinho). Assim sendo, criou-se para cada variável representante uma variável padronizada no intervalo entre 0 e 1 e calculou-se a «IMP» como sendo a média das 13 variáveis padronizadas. Adotou-se «IMP» como variável dependente e as 13 variáveis representantes como variáveis independentes para o processamento da regressão múltipla. No Gráfico 1, apresentam-se os principais resultados obtidos.

 

GRÁFICO 1 - Gráfico de dispersão

 

QUADRO VI - Indicadores da regressão múltipla

 

Nota-se que os sinais dos coeficientes são todos positivos, ou seja, as 6 variáveis contribuem positivamente para a construção da variável «importância dos atributos na compra». Verifica-se que as variáveis escolhidas como mais importantes para a decisão de compra do produto popular (tanquinho) estão associadas a apenas dois fatores. Ou seja, QM26, QQ8, QA18 e QQ6 relativas ao fator F1 («Qualidade-Marca») e QA24 e QA22 relativas ao fator F5 («Preço»).

Mapeamento da distribuição dos consumidores

Identificadas as variáveis mais importantes para decisão de compra e verificada sua associação com os dois fatores «Qualidade-Marca» e «Preço». Julgou-se interessante representar a distribuição dos casos (consumidores) segundo estes dois eixos. Para tanto, novamente utilizou-se a análise fatorial para recompor os fatores com apenas 6 variáveis, não mais as 13 variáveis representantes obtidas da primeira análise fatorial.

Com base nos fatores F1a e F2a, padronizados no intervalo entre 0 e 1, respectivamente «Qualidade-Marca» e «Preço», gerou-se o gráfico de dispersão amostral (Gráfico 1).

 

QUADRO VII - Descrição dos Fatores para Mapeamento

 

Nota-se uma concentração dos pontos na dimensão «Preço» mais centrada na proximidade da média 0,5. Enquanto os pontos na dimensão «Qualidade-Marca» apresentam-se concentrados em duas áreas próximos de 0,2 e próximos de 0,7. Dada a não homogeneidade da distribuição, buscou-se encontrar uma justificativa, que parece estar relacionada ao poder aquisitivo das classes sociais analisadas. Apenas obtivemos dois respondentes da classe E, desconsiderados, mas obtivemos 138 respondentes da classe D e 435 respondentes da classe C. Realizando os gráficos de dispersão em separado, verifica-se que existe uma migração da necessidade por qualidade e marca dos níveis mais baixos da classe D para níveis mais elevados pleiteados pela classe C.

A distribuição de freqüência colabora para visualizar as diferenças nas distribuições dos fatores «Qualidade-Marca» e «Preço», segundo as classes D e C.

Alguns autores definem produtos populares como produtos baratos (Zancul et al., 2004). No entanto, o que esta pesquisa mostra é que a dimensão «Preço» não apresenta um grau de importância, independentemente da classe social, tão elevado quanto se supunha. Por outro lado, verifica-se que a pressão por qualidade e marca, nestes casos revelados pela pesquisa de campo como quase sinônimos, apresenta níveis menos elevados para a classe D, mas, de forma mais significativa, mais elevados para classe C. De tal forma suscitando que os produtos populares apresentam uma pressão por atendimento aos requerimentos de seus consumidores mais elevado (Sobral et al., 2005).

Apesar desta pesquisa de campo focar um produto específico, ao se analisar os Gráficos 1, 2 e 3, fica claro que requisitos de qualidade assumem peso importante no momento da decisão de compra pelo consumidor de baixa renda. Como definir, então, o que é um produto popular? Quais as pressões que uma empresa sofre ao desenvolver um produto popular?

 

GRÁFICO 2 - Gráfico de dispersão - classe D

 

GRÁFICO 3 - Gráfico de dispersão - classe C

 

Indicador de pressão de adequação em relação a um produto

Em função das evidências apresentadas pelo levantamento realizado com uma amostra representativa, fundamentado no arcabouço teórico da pesquisa sobre estratégias e produtos, baseado na literatura acadêmica focada em produtos populares, apesar de escassa, e seguindo os preceitos da pesquisa acadêmica de boa qualidade, que observa a realidade pelo prisma teórico subjacente e propõe novos conceitos como resultados da intervenção, apresenta-se um quadro conceitual dedutivo para a abordagem estratégica de produtos populares (Eisenhardt, 1989).

Sendo assim, este trabalho propõe uma discussão sobre as pressões que uma empresa sofre ao desenvolver produtos de maneira geral. Para efeitos didáticos, serão adotados três tipos de produtos bem distintos: commodity, premium e popular.

Na pesquisa de campo foram identificados dois fatores mais importantes na decisão de compra dos consumidores: F1 – «Qualidade-Marca» e F2 - «Preço». Pode-se dizer, então, que o mercado exerce pressão de preços e de qualidade em relação a um produto. Generalizando-se tem-se:

Onde:

= pressão por adequação

= pressão por alteração de preço do produto

= pressão por atendimento das necessidades do consumidor

t = tempo

Com o intuito de ilustrar como seria a tendência da pressão ao longo do tempo para cada um dos tipos de produtos mencionados (commodity, premium e popular), elaborou-se alguns gráficos representativos das funções α e β.(Figura 1)

 

FIGURA 1 - Indicador de pressão por preço e necessidade em relação a um produto/mercado

 

Nos produtos ditos commodity, isto é, com baixo valor agregado, a pressão por redução de preço ao longo do tempo é crescente, o que representaria para as empresas uma estratégia baseada em redução de custos (Porter, 1983). Já a pressão por uma diferenciação no produto, «novas necessidades», não é significativa, podendo-se assumir que ela fica relativamente constante por períodos de tempo [Figura 1a].

Nos produtos classificados como premium, existe uma pressão crescente por novas funcionalidades, atualização tecnológica e grande diversidade de modelos (Treacy e Wiersema, 1995). Segundo as estratégias genéricas de Porter (1983), caracteriza-se esta situação como a estratégia de diferenciação dos produtos e serviços. Pode-se dizer que a função «pressão por aumento de preço» é relativamente constante por períodos de tempo embora o preço seja invariavelmente alto [Figura 1c].

Desta forma, pode-se considerar que os produtos populares possuem tendências distintas ao longo do tempo. Conforme os dados da pesquisa, os fatores preço e qualidade são dois itens importantes na decisão de compra do consumidor. Pode-se associar o fator «Qualidade-Marca» às necessidades evolutivas que precisam ser atendidas ao longo do tempo. Note-se que não se busca inovações constantes como no caso dos produtos premium, mas identifica-se que, depois de algum tempo, o mercado demanda novas funcionalidades. Há uma pressão, mas ela não é contínua. O mesmo raciocínio vale para a pressão por preços. Embora o preço de um produto popular precise estar em um patamar adequado para atender a população de baixa renda, a partir do momento que a indústria disponibiliza novas funcionalidades e/ou novas tecnologias, existe uma leve pressão para aceitação de uma pequena elevação no preço. Além disso, a pesquisa realizada mostrou que o preço assume papel secundário com relação ao atendimento aos requisitos do cliente (Gráficos 1, 2 e 3) [Figura 1b)].

Pensando agora em χ, como seria a soma destas duas pressões («Preço» e «Qualidade-Marca»)? Como o indicador de pressão por adequação se configura para cada um dos tipos adotados de produtos? No caso de produtos commodity e premium, somando-se as duas funções, têm-se a seguinte situação:

A pressão por adequação χ é crescente no tempo. No entanto, o vetor responsável pelo crescimento nos produtos commodity é o preço e, nos produtos premium, a pressão crescente é no vetor necessidade.

Analisando-se o indicador de adequação para os produtos populares, identifica-se que o χ é constante por períodos significativos de tempo, refletindo que tem de haver um equilíbrio entre preço e qualidade para se atender o mercado. Ou seja, a empresa precisa trabalhar simultaneamente em mais de um indicador de desempenho e conquistar melhorias (Wheelwright e Hayes, 1985 e Ferdows e De Meyer, 1990) para entregar ao mercado um produto adequado às necessidades do consumidor de baixa renda. Ou seja, comparando-se os três tipos de produtos em função da pressão por adequação tem-se:

 

QUADRO VIII - Pressão por preço e necessidade

 

Estratégia de adequação para um produto

Retomando-se o referencial teórico sobre estratégia (Porter, 1983 e Treacy e Wiersema, 1995) e comparando-se com a realidade sobre produtos populares, parece existir alguma incompatibilidade. Não se pode pensar em uma estratégia voltada apenas para custos baixos quando se identificou na pesquisa de campo um papel secundário para os preços. De outro lado, pensar em uma estratégia de diferenciação ou de inovação em produtos também não faz sentido, pois existe um conjunto de necessidades que o consumidor espera ver atendida. Não há aqui uma demanda por inovação constante, grande diversidade de modelos.

Adotando-se o conceito de Kotler (2004) para produto esperado, pode-se dizer que para um produto popular, a competição entre as empresas ocorre no nível de produto esperado, isto é, no atendimento das necessidades que os clientes esperam ver satisfeitas.

Propõe-se, então uma discussão sobre uma estratégia específica para as empresas que pretendem atender o mercado de produtos populares: estratégia de adequação – fit strategy. Seus componentes principais seriam:

· Ter um produto de qualidade. Para o consumidor, itens como segurança e desempenho mostraram-se fundamentais no tanquinho. Conforme a pesquisa de campo efetuada, o quesito «Marca» ficou bastante associado à qualidade. Sugere-se, portanto, o desenvolvimento de marca;

· Ser acessível: dentro deste item deve-se destacar a questão do preço ser baixo e a possibilidade de acesso a crédito, conhecido atualmente como parcelização. Conforme Prahalad (2009), um produto para atender a base da pirâmide econômica precisa ter um preço que o consumidor consiga adquiri-lo (Affordability), estar à venda em lojas de fácil acesso (Access) e estar disponível no momento que o cliente quiser/puder comprá-lo (Availability);

· Atender aos requisitos do cliente. No caso específico do tanquinho, questões como assistência técnica e facilidade de uso;

· Alinhar os valores da empresa com os valores do mercado consumidor.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma primeira conclusão da pesquisa foi a comprovação da existência de cinco fatores relacionados com um produto popular: qualidade, acesso, requisitos do cliente, marca e valores. Uma segunda conclusão importante se refere à identificação das variáveis que mais contribuíam para a decisão de compra do consumidor fator F1a – «Qualidade-Marca» e fator F2a – «Preço». A pesquisa demonstrou, então, que o preço é importante, mas não é o único fator que explica um produto ser popular.

Convém tecer alguns comentários sobre as variáveis que se sobressaíram nesta análise:

· As variáveis relativas à qualidade mostraram a preocupação dos consumidores com as características «Segurança» e «Desempenho». Por se tratar de população de baixa renda, o gasto excessivo de energia é algo que pode afetar o orçamento familiar. A importância que o tanquinho tivesse mecanismo para desligar automaticamente reflete esta preocupação. Falando ainda do contexto, é comum a presença de crianças dentro de casa na maioria das vezes sem a supervisão de um adulto. Explica-se assim o receio em relação à segurança;

· A variável «Marca» foi fortemente associada à qualidade;

· Conforme esperado, o preço e condições de comercialização mostraram-se características importantes nos critérios de decisão da população da base da pirâmide econômica;

· Valores como a responsabilidade social das empresas fabricantes aparecem na pesquisa, mas de forma ainda tímida.

Uma contribuição importante deste trabalho é a discussão sobre a estratégia que as empresas deveriam adotar para desenvolver e ofertar um produto popular no mercado. Conforme mencionado acima, os dois fatores mais importantes na decisão de compra do consumidor foram «Qualidade-Marca» e «Preço». Foi desenvolvida uma função matemática que tenta representar as diferentes pressões que as empresas enfrentam para atender o mercado. No caso dos produtos populares, o indicador de pressão assume um valor constante ao longo do tempo mostrando o equilíbrio entre preço e necessidades. Com o resultado da análise fatorial que confirmaram os atributos (qualidade, requisitos do cliente, acessibilidade, marca e valores) de um produto popular e desta equação, pode-se dizer que uma estratégia de adequação – fit strategy - teria os seguintes componentes:

· Ter qualidade de produto;

· Atender aos requisitos do cliente;

· Ser acessível;

· Alinhar valores da empresa com os do mercado consumidor.

A partir dos resultados obtidos através da análise dos dados com técnicas estatísticas, pode-se contribuir com uma nova proposição do que é ser um produto popular: «produto popular é aquele direcionado prioritariamente ao consumidor de baixa renda e que respeita o equilíbrio entre o atendimento das necessidades fundamentais do cliente e preço baixo».

Conforme já mencionado anteriormente, a pesquisa de campo que propiciou os dados aqui analisados foi realizada com moradores da cidade de São Paulo. Seria interessante que a mesma fosse aplicada em outras cidades para se identificar semelhanças ou diferenças com os resultados obtidos. Na mesma linha de raciocínio, a aplicação do roteiro de trabalho aqui proposto e executado poderia ser feita para outros eletrodomésticos de consumo popular.

Além da confirmação das informações aqui obtidas para um produto popular, poderia ser aplicada uma pesquisa semelhante para os ditos produtos commodity e premium. Desta forma, poderia ser ampliada a discussão sobre o indicador de pressão e a estratégia de adequação aqui discutida.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Critério De Classificação Econômica Brasil. Fonte: http://www.somatorio.com/criteriobrasil.asp. Acesso em 14/08/2005 .

CLEMEN, R. T. e REILLY, T. (2001), Making Hard Decisions with Decision Tools. Duxbury.

EDEN, C. e HUXHAM, C. (2001), «Pesquisa-ação no estudo das organizações». In CLEGG, S. R.; HARDY, C. e NORD, W. R. (Orgs.), Handbook de Estudos Organizacionais. Atlas, São Paulo, pp. 93-117.

GARCEZ, M. P.; GUIMARAES, A. F.; CARDOSO, M. V. e YU, A. (2004), «Estratégia de inovação em produtos e processos para obtenção de liderança em custos no mercado popular de bebidas: o caso da Refrigerantes Convenção». XVII Congresso Latino-Americano de Estratégias. Itapema, SC.

EISENHARDT, K. M. (1989), «Building theories from case study». Research Academy of Management. The Academy of Management Review, vol. 15(4), pp. 532-550.

FERDOWS, K. e DE MEYER, A. (1990), «Lasting improvements in manufacturing performance: in search of a new theory». Journal of Operations Management, vol. 9(2), pp. 168-194.

HAIR, JR., J.F. et al. (2006), Multivariate Data Analysis. Prentice Hall, Upper Saddle River, N.J.

KHANNA, T.; PALEPU, K. G. e SINHA, J. (2005), «Strategies that fit emerging markets». Harvard Business Review, vol. 83(6), pp. 63-76.

KOTLER, P. (2004), Administração de Marketing : A Edição do Novo Milênio, 10.ª ed. Prentice Hall, São Paulo.

KOTLER, P. e LEE, N. R. (2009), Up and Out of Poverty: The Social Marketing Solution, Wharton School Publishing.

MARINO, M. K.; MIZUMOTO, F. M. e GONÇALVES, M. L. (2004), «Inovação no segmento de produtos populares: o caso da Scala na produção de massas». VII SEMEAD - Seminários em Administração. São Paulo, SP.

MARTINS, G. A. (2008), Estatística Geral e Aplicada. Atlas, São Paulo.

NASCIMENTO, P. T. S.; YU, A. S. O. e SOBRAL, M. C. (2005), «Estratégia de negócios e inovação em mercados de produtos populares». XI Seminario De Gestión Tecnológica – ALTEC. Salvador.

PESTANA, M. H. e GAJEIRO, J. N. (2000), Análise de Dados para Ciências Sociais – A Complementaridade do SPSS. Edições Sílabo, São Paulo.

PORTER, M. E. (1983), «The technological dimension of competitive strategy». In Rosenbloom, R. S. (Ed.), Research on Technological Innovation, Management, and Policy . JAI, Greenwich, pp. 1-33.

PRAHALAD, C. K. (2009), The Fortune at the Bottom of the Pyramid: Eradicating Poverty Through Profits. Wharton School Publishing.

PRAHALAD, C. K. e HART, S. L. (2002), « The fortune at the bottom of the pyramid». Strategy and Business, vol. 26, pp. 1-14.

PRAHALAD, C.K. e HAMMOND A. (2002), «Serving the world's poor, profitably». Harvard Business Review , vol. 80(9), pp. 48-57.

PRAHALAD, C. K. e LIEBERTHAL, K. (1998), « The end of corporate imperialism». Harvard Business Review , vol. 76(4), pp. 69-79.

Prefeitura do Município de São Paulo (PMSP), acesso em 04/06/2010.

SKINNER, W. (1969), «Manufacturing – missing link in corporate strategy». Harvard Business Review , vol. 47(3), pp.136-145.         [ Links ]

SOBRAL, M. C.; ASSIS, E. E. e FARIAS NETO, J. J. (2005), «O processo decisório no lançamento de um produto popular. O caso Ideale». Relatório de estudo de caso. VIII SEMEAD – Seminários em Administração. São Paulo , SP.

SPSS, Statistical Package for the Social Sciences. Fonte: http://www.spss.com.br. Acesso em 04/06/2010.

STEVENSON, W. J. (2001), Estatística Aplicada à Administração. Harbra, São Paulo.

TREACY, M. e WIERSEMA, F. (1995), The Discipline of Market Leaders . Perseus Books Group, Nova Iorque.

WHEELWRIGHT, S. C. e HAYES, R. H. (1985), «Competing through manufacturing». Harvard Business Review , vol. 63(1), pp. 99-109.

ZANCUL, E. S.; RODRIGUES, F. Z.; ANSELMO JUNIOR, J.; YU, A. S. O. e NASCIMENTO, P. T. S. (2004), «Desenvolvimento de produtos populares: estudo de caso em uma empresa de eletrodomésticos». XI Simpósio de Engenharia de Produção. Bauru, SP.

http://www.spss.com.br. Acesso em 04/06/2010.

STEVENSON, W. J. (2001), Estatística Aplicada à Administração. Harbra, São Paulo.

TREACY, M. e WIERSEMA, F. (1995), The Discipline of Market Leaders . Perseus Books Group, Nova Iorque.

WHEELWRIGHT, S. C. e HAYES, R. H. (1985), «Competing through manufacturing». Harvard Business Review , vol. 63(1), pp. 99-109.

ZANCUL, E. S.; RODRIGUES, F. Z.; ANSELMO JUNIOR, J.; YU, A. S. O. e NASCIMENTO, P. T. S. (2004), «Desenvolvimento de produtos populares: estudo de caso em uma empresa de eletrodomésticos». XI Simpósio de Engenharia de Produção. Bauru, SP.