SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número2Da propriedade intelectual à economia do conhecimento (Segunda parte) (conclusão do artigo publicado na edição anterior)Determinantes e implicações da satisfação dos médicos face aos medicamentos genéricos índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Economia Global e Gestão

versão impressa ISSN 0873-7444

Economia Global e Gestão v.15 n.2 Lisboa set. 2010

 

Estratégias das grandes empresas para o mercado brasileiro da base da pirâmide

 

Silvia Novaes Zilber* e Francisco Lourenço da Silva**

*Doutora em Administração de Empresas, Universidade UNINOVE. Engenheira pela Escola Politécnica da USP, PhD pela Faculdade de Economia, Contabilidade e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), Brasil. Professora Titular e Pesquisadora do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da UNINOVE. Engineer by Escola Politécnica da USP. PhD by FEA/USP, Brazil. Professor and Researcher from Master and Doctoral Program in Business Administration – UNINOVE University. silviazilber@gmail.com

**Mestre em Administração de Empresas, Universidade UNINOVE. Engenheiro pela Faculdade de Engenharia São Paulo (1988), Mestre em Administração pela UNINOVE, pesquisador pelo Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da UNINOVE. Engineer by Faculdade de Engenharia São Paulo (1988), Master in Business Administration by UNINOVE, researcher from Master and Doctoral Program in Business Administration – UNINOVE University. francisco.lourenco@aes.com

 

Resumo

O objetivo deste trabalho foi entender se ocorreram mudanças nas estratégias das grandes empresas multinacionais que atuam no mercado brasileiro das classes “A” e “B” prioritariamente, quando essas empresas passam a focar também o mercado da Base da Pirâmide (Bottom of Pyramid-BOP). O referencial teórico utilizou conceitos da teoria Resource-based View (RBV), Posicionamento Estratégico, e a caracterização deste mercado. Utilizou-se o método de estudo de casos múltiplos, com entrevistas em profundidade para coleta de dados, e análise de conteúdo com auxílio do software Atlas-TI. Investigaram-se três grandes empresas multinacionais, selecionadas por conveniência e observou-se que estas não estão atuando de fato na BOP, preferindo penetrar na classe “C”, pois a estratificação econômica abaixo não é atrativa devido ao volume. Verificou-se também a combinação entre estratégia genérica de liderança por custo com aspectos da teoria da RBV.

Palavras-chave: Mercado da Base da Pirâmide,Visão Baseada em Recursos, Estratégia

 

Big companies strategies to the bottom of the pyramid Brazilian market

Abstract

The objective of this work was to understand if there were changes in the strategies of the great companies in the Brazilian market focused in medium and upper classes in order to attend the market of the “BOP”. The theoretical point of reference adopted was the Resource Based View and Strategic Positioning. The research employed the multiple case study method, using interviews in depth for the collection of data and analysis of content using software Atlas TI. Three great multinationals companies had been investigated, selected for convenience. It was observed that the great companies studied are not really acting in the bottom of the pyramid. It was observed the combination between cost leadership strategy and resources from RBV theory.

Key words: Bottom of Pyramid Market, Resource Based View, Strategy

 

INTRODUÇÃO

Até recentemente, a maior parte dos produtos e serviços desenvolvidos e oferecidos por grandes empresas multinacionais era direcionada para os segmentos sociais mais abastados. Este fato surge no início da concepção da estratégia dessas empresas, a qual parte do pressuposto de que a população de baixa renda não tem poder de aquisição destes produtos e serviços. Sendo assim, a camada social de baixa renda não era focada como mercado-alvo e, deste modo, direcionavam-se todos os esforços destas empresas para os mercados que apresentassem potencial de consumo elevado. Segundo Chan Kim e Mauborgne (2004), os altos níveis de competição nesses mercados desenvolvidos têm levado à redução das margens de lucro das grandes empresas, pois existe uma saturação natural do mercado. Esses autores, dentre outros, defendem a estratégia de busca de novas oportunidades em novos mercados onde a concorrência inicial não é tão acirrada quanto nos mercados já estabelecidos.

Devido à saturação de mercado e sua conseqüente redução natural das vantagens competitivas, conforme Penrose (1979), Chan Kim e Mauborgne (2004), as empresas buscam, a partir de novas oportunidades, diversificarem produtos, mercados, ou ambos, sendo que, de acordo com Hitt, Hoskisson e Ireland (1995), a diversificação pode aumentar a sustentabilidade da empresa. Como opção de diversificação, a sugestão de Prahalad e Hart (2002), Prahalad e Hammond (2002), é de que as grandes empresas poderiam explorar a oportunidade do mercado de baixa renda, pois este concentra uma quantidade de riqueza equivalente ao existente no mercado de média e alta renda.

Desta forma, com o crescimento do mercado global, as grandes empresas passaram a focar os países emergentes como oportunidade de crescimento; no entanto, as mesmas necessitam quebrar paradigmas para poder explorar esses mercados de forma mais eficaz, uma vez que, uma das principais características desses mercados é justamente a grande quantidade de pessoas que se situam nas camadas mais pobres da população, o que torna a criação de bens e serviços para esse mercado um desafio para as grandes empresas (London e Hart, 2004).

Ao analisar o mercado considerando-se a população total existente no mundo, verifica-se que quase 80% dela encontra-se nos mais diversos níveis de pobreza e não são considerados como mercado-alvo pelas grandes empresas. No entanto, segundo relatório anual da International Finance Corporation, cinco bilhões de pessoas que vivem nessa condição de pobreza também são consumidores e, apesar de consumirem pouco individualmente, concentram cerca de cinco trilhões de dólares anuais quando analisados coletivamente como mercado (Hammond et al., 2007).

Esse fato já foi estudado por Prahalad e Hart (2002) e Prahalad e Hammond (2002), que entendem como necessário as grandes empresas verem a população pobre como consumidores a serem inseridos no mercado. Para isso, segundo esses autores citados, as grandes empresas devem desenvolver produtos e serviços para essa população mais pobre, com preços e condições de pagamento adequado a este público e, na medida do possível, empregando-os na produção e distribuição desses bens. Desse modo, as empresas gerariam crescimento econômico nos mercados emergentes, trabalho para a população mais pobre e conseqüente mobilidade social.

No entanto, segundo Barros (2006), apesar do interesse acadêmico recente pelo mercado de baixa renda, normalmente encontram-se muitas publicações na mídia de negócios com dados conflitantes e carentes de validação. Ao mesmo tempo, existem alguns trabalhos de cunho acadêmico sobre ações de empresas voltadas para a baixa renda, porém, prioritariamente na área de Marketing, sendo que trabalhos acadêmicos focados na área de estratégia empresarial para baixa renda são escassos. Buscando aumentar o conhecimento na área estratégica sobre esse fenômeno no Brasil, surge a seguinte questão de pesquisa: como e quais mudanças podem ocorrer nas estratégias das grandes empresas que atuam no mercado brasileiro focadas prioritariamente nas classes econômicas«A» e «B» para atender também ao mercado de baixa renda?

Para responder à questão formulada têm-se, como objetivos neste trabalho, entender como algumas das grandes empresas que atuam no mercado brasileiro focadas prioritariamente nas classes «A» e «B»:

· Identificam oportunidades no mercado de baixa renda;

· Transformam essas oportunidades em ações estratégicas;

· Posicionam-se estrategicamente para atender o mercado de baixa renda;

· Utilizam recursos estratégicos existentes ou novos para atender ao mercado de baixa renda;

· Adotam estratégias de crescimento para atender ao mercado de baixa renda.

 

ANTECEDENTES TEÓRICOS

Prahalad e Hart (2002) abordam a necessidade das grandes empresas dirigirem suas operações para o que estes autores popularizaram como «BOP» (Bottom of the Pyramid) ou «Base da Pirâmide», ou seja, o estrato mais pobre da população. Estes autores quantificaram o tamanho deste potencial mercado em 4 bilhões de pessoas com base em fontes do World Development Reports (Nações Unidas). Entretanto, existem vários níveis de pobreza na base da pirâmide, sendo o mais crítico o das pessoas que se encontram abaixo da linha da pobreza, definido pelo Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) como sendo as pessoas com renda per capita inferior a 1,25 dólar por dia, representando 1,4 bilhões de miseráveis no mundo. Portanto, a chamada BOP proposta por Prahalad e Hart (2002) é composta pela população pobre, sendo 35% composta pelas pessoas que se encontram abaixo da linha da pobreza, sendo que as demais possuem renda per capita que varia de 2 a 4 dólares por dia.

Segundo Burkhauser, Feng e Jenkins (2007) foram criados diversos índices estatísticos para analisar estas questões de distribuição de renda na economia, tais como o «P90/P10», «coeficiente de Gini», «T de Theil», entre outros indicadores como, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Neste estudo, utilizam-se como referência para classificação do mercado consumidor os valores adotados pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), que leva em conta o «Critério de Classificação Econômica Brasil» (CCEB). Este critério segmenta a população segundo seu poder de compra avaliando as classes econômicas por critério de pontuação atribuído de acordo com a posse de determinados bens de consumo e o grau de instrução do chefe de família. No entanto, não há relação direta entre a BOP de Prahalad e o mercado brasileiro, pois a estratificação apresentada por esse autor é baseada na renda per capita e não na renda familiar média. Neste estudo, considera-se o tamanho médio das famílias brasileiras, segundo dados de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apresenta tendência desde a década de 1980 de redução do tamanho das famílias, a qual atualmente encontra-se em torno de 3,5 a 4 pessoas por família. Esse dado permite estabelecer estimativa de renda per capita para comparar a realidade brasileira com a BOP estabelecida por Prahalad e Hart (2002).

Segundo London e Hart (2004) o mercado de baixa renda representa uma enorme oportunidade para as organizações multinacionais considerando-se o volume deste mercado. Entretanto para Anderson e Billou (2007), e SandreGhazi e Duysters (2008), apesar das oportunidades existentes, as empresas multinacionais possuem um longo histórico de fracasso ao tentarem entrar em mercados de baixa renda, principalmente por tentarem reproduzir suas estratégias habituais originalmente concebidas para mercados de alto padrão.

Seelos e Mair (2007) apontam a necessidade das grandes empresas desenvolverem recursos e capacidades para adentrar no mercado de baixa renda, sendo que a idéia da utilização adequada de recursos como elementos estratégicos não é nova. Wernerfelt (1984), usou pela primeira vez em um artigo o termo «Resource Based View» (RBV), no qual apresentou a visão da empresa como agrupamento de recursos, permitindo avaliar as forças e as fraquezas a partir desta visão. No entanto, o conceito de vantagem competitiva atrelada ao RBV só foi estabelecido pela primeira vez por Barney (1986), e outros autores passaram a estudar a vantagem competitiva a partir da RBV, entre eles destacam-se Prahalad e Hamel (1990), que identificam nas competências essenciais uma fonte potencial de vantagem competitiva.

Segundo Barney (1991), para que os recursos sejam considerados fonte de vantagem competitiva, os mesmos devem seguir os pressupostos de heterogeneidade e imobilidade, entendendo por heterogeneidade os recursos que são considerados diferentes e de difícil aquisição no mercado e, por imobilidade, a dificuldade de transferir esses recursos para outras empresas.

Com a grande competição de mercado, muitas organizações buscam estratégias de crescimento como forma de obter aumento de lucratividade e diversos autores apresentam a estratégia de diversificação como sendo uma oportunidade de agir no mercado de baixa renda. Entre eles Mahoney e Padian (1992), e Markides e Williamson (1996), encontraram na RBV uma forte afinidade com a estratégia de diversificação. Para Ansoff (1958) a estratégia de crescimento baseada na matriz produto-mercado constitui-se na oportunidade de ampliação das vendas através de estratégias de expansão da empresa ou na busca de novas oportunidades: tanto em novos produtos e mercados, visando também à redução de riscos; e através da diversificação pura definida como uma estratégia empresarial na qual se pretende oferecer novos produtos ou serviços destinados a diferentes mercados. Penrose (1979) coloca que a diversificação da produção inicia-se pelas incertezas no mercado no qual a empresa atua, geralmente caracterizado pela competição imperfeita. Essa imperfeição intrínseca do mercado exige atenção e atuação constantes do empresário, no sentido de tirar proveito da situação de risco e eliminar ou, pelo menos reduzir, a possibilidade de prejuízos.

Várias são as teorias usadas pelos pesquisadores para analisar o processo de diversificação das empresas. Segundo Montgomery (1994), as análises para explicar a diversificação podem ser classificadas em três grupos: poder de mercado, baseado na Teoria de Organização Industrial; a diversificação como interesse pessoal dos administradores, segundo a Teoria da Agência e uso dos estoques de recursos partilháveis ou não específicos conforme a Teoria da RBV.

Segundo Seelos e Mair (2007), a dificuldade de atender ao mercado da base da pirâmide aumenta à medida que este mercado possui grande quantidade de pessoas abaixo da linha da pobreza. Nestas condições adversas, além de construir este mercado, é necessário incorporar o mesmo dentro da empresa e, segundo esses autores, a distância das empresas (física e cultural) em relação aos consumidores de baixa renda, torna-se um obstáculo e devem-se desenvolver novas parcerias para a devida aproximação com o mercado, devendo estas já estar contidas no mercado em questão.

Ao analisar os fatores que estabelecem a competitividade da empresa, verifica-se que os setores produtivos são segmentados por indústria e, mesmos estes, por sua vez, podem possuir áreas específicas de atuação. O conceito de «Indústria» neste texto é o adotado por Porter (1986) que se refere aos segmentos produtivos por tipo de ramo de atividade econômica. Esse autor faz a análise estrutural das indústrias a partir do que ele chama de forças competitivas, sendo que o mesmo identifica cinco variáveis: ameaça de novas empresas; ameaça de novos produtos e serviços; poder de barganha dos fornecedores; poder de barganha dos compradores e rivalidade entre competidores existentes. A intensidade destas cinco forças varia conforme a indústria e determina sua lucratividade a longo prazo, porque fixam os preços que as empresas podem cobrar, os custos que têm de suportar e o investimento necessário para competir.

Porter (1986) afirma que poucas estratégicas genéricas são as responsáveis pela vantagem competitiva obtida pela empresa, sendo normalmente norteadas por liderança em custo, por diferenciação ou por enfoque. Por estratégia genérica de liderança em custo entende-se a estratégia adotada por empresas que buscam ter custo total inferior ao de seus concorrentes. Isto não quer dizer, necessariamente, praticar menor preço, mas pode usá-lo como mecanismo de defesa contra a rivalidade de concorrentes, ou mesmo como uma vantagem em relação a: novos entrantes; diminuição do efeito de produtos substitutos ou até margem para negociação com fornecedores e compradores. Quanto à estratégia de diferenciação, a mesma é baseada na criação de valor único aos seus clientes, ou seja, os compradores possuem a percepção de valor agregado ao serviço ou produto e estão dispostos a pagar por esse um valor que pode não ter relação direta com o seu custo de produção. Por fim, a terceira estratégia genérica denominada por estratégia de enfoque está relacionada com um alvo estreito do mercado, ou seja, a empresa foca de forma mais eficaz um segmento específico do mercado, especializando-se neste. Neste caso, o enfoque pode ser condicionado a preço mais baixo ou a diferenciação, mas sempre associados a um mercado mais restrito e específico.

Porter (1989) estabelece também o conceito de sistema de valor e cadeia de valor, pois, segundo este autor, as empresas são constituídas por diversas áreas que agregam valor ao produto ou serviço, ou seja, está organizada por uma cadeia de valor. Ao mesmo tempo, a empresa está envolvida em cadeias produtivas mais amplas que envolvem a cadeia de valores de outros agentes que fazem parte da indústria. A este sistema maior é dado o nome de Sistema de Valor, extremamente importante, pois ele afeta diretamente a empresa, ou seja, a vantagem competitiva da empresa não depende só da sua cadeia de valor, mas também da cadeia de valor de seus fornecedores, distribuidores e compradores.

 

METODOLOGIA

A subjetividade e complexidade do assunto levaram-nos a procurar processo de pesquisa flexível que permitisse ser corrigido à medida que evoluíam os trabalhos, sendo a orientação voltada mais para o entendimento do processo. Segundo Eisenhardt (1989), a pesquisa qualitativa apresenta essa flexibilidade, pois a mesma não é linear, o que implica «vais-e-vens» entre as diferentes etapas da pesquisa.

Neste trabalho, além da escolha da abordagem qualitativa, decidiu-se pela pesquisa exploratória por meio de estudo de casos múltiplos, nos quais os dados secundários foram obtidos através de pesquisa bibliográfica e os dados primários por entrevistas semi-estruturadas. Conforme Selltiz et al. (1965), os estudos exploratórios são conduzidos quando se pretende ganhar familiaridade com o fenômeno que se deseja estudar, ou para definir problemas que ainda não são muito claros, assim como criar novas hipóteses a serem testadas em estudos subseqüentes. De acordo com Collis e Hussey (2005), o uso da pesquisa exploratória justifica-se também por haver poucos estudos anteriores para o problema de pesquisa em questão, visando buscar padrões, idéias, ou hipóteses, por meio de estudos de caso, observação, análise histórica e entrevistas em profundidade.

Quanto ao meio utilizado para a pesquisa, a opção por estudo de casos múltiplos deveu-se à constatação da baixa quantidade de empresas com o perfil a ser pesquisado. Segundo Eisenhardt (1989) e Yin (2001), o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa focada no entendimento da dinâmica atual dentro de um cenário único, podendo envolver um único caso ou múltiplos casos e, além disso, níveis diferenciados de análises. No desenvolvimento de estudo de caso com abordagem qualitativa, existe o risco de superficialidade do estudo, em limitar-se exclusivamente a uma análise descritiva de processos, no entanto, Eisenhardt (1989), sugere que não se deve trabalhar com hipóteses, mas pressupostos de pesquisa, amostra teorética e não randômica, e coleta de dados utilizando múltiplos métodos para permitir a triangulação das informações.

Neste trabalho, estabeleceu-se como unidade de pesquisa as empresas de grande porte que normalmente atuam no mercado brasileiro com foco prioritariamente nas classes econômicas «A» e «B» e que nos últimos anos passaram a fazer investidas no mercado de baixa renda. Para eleger as empresas que se enquadravam neste universo, buscou-se por pesquisas na Internet de reportagens em mídia eletrônica sobre negócios que citassem empresas que representassem nossa unidade de pesquisa. Estabeleceu-se um corte transversal selecionando apenas reportagens entre 2003 a 2008. Este levantamento preliminar resultou que muitas reportagens foram escritas usando termos como mercado da base da pirâmide, mercado de baixa renda, classe «C», entre outros, porém, poucas empresas com o perfil procurado eram citadas nestas reportagens. Verificou-se assim que o universo de pesquisa era inferior a uma dezena de empresas (principais citações: Nestlé, Unilever, Johnson & Johnson, Oi, Casas Bahia, Nokia, Procter & Gamble, Sadia, Telefônica, e outras com baixa freqüência). Foram selecionadas três empresas que, por solicitação, não tiveram seus nomes divulgados, fato esse que não afetou os objetivos desse trabalho. As três empresas estudadas nesta pesquisa foram selecionadas por estarem entre as que mais tiveram citações nas mídias pesquisadas como empresas que possuem ações voltadas para a baixa renda e, além deste critério comum às três, os outros critérios foram: a empresa denominada como «A» foi selecionada por ser a que mais aparece relacionada na mídia com relação aos esforços para adequar suas operações para atender ao mercado de baixa renda, além do fato de ser uma das maiores empresas alimentícias do mercado brasileiro, sendo essa categoria de produto considerada essencial para a baixa renda; a empresa denominada como «B» foi selecionada pelo seu amplo histórico de desenvolvimento de soluções para o mercado de baixa renda no setor de alimentação, limpeza e higiene, segmento no qual alcançou tal grau de maturidade que, atualmente lhe permite disseminar o conhecimento para suas unidades de negócio, não necessitando assim de estruturas centralizadas para tratar o mercado de baixa renda; e, por fim, a empresa denominada como «C» foi selecionada por atuar no setor de produtos de higiene pessoal, além do interesse despertado pelo fato de ter entrado tardiamente no processo de focar o mercado de baixa renda, razão pela qual perdeu participação no mercado e está buscando atualmente reverter essa situação.

Os dados secundários foram coletados através de pesquisa bibliográfica, coletando-se artigos acadêmicos e dissertações/teses, bem como material publicado em revistas e jornais sobre as empresas selecionadas para a pesquisa, materiais obtidos no site da empresa, ou fornecidos diretamente pela mesma, artefatos baseados em documentários e material de propaganda.

Para a coleta dos dados primários, optou-se pela entrevista semi-estruturada por entender que a mesma tem como vantagem a possibilidade de redução do tempo da entrevista, não permitindo divagação para assuntos que não contribuam para o estudo, além do fato de garantir uma estrutura mínima que permita comparar entrevistas distintas. Após contatos com diversas pessoas de cada empresa que atuam especificamente no mercado de baixa renda, foi definido como público-alvo das entrevistas os gerentes que participaram diretamente no processo para atender ao mercado de baixa renda, por serem elementos mais significativos devido à visão mais ampla do processo e à quantidade de informações que possuíam sobre o processo. As entrevistas com esses gerentes totalizaram mais de oito horas de gravação, sendo estabelecidos posteriormente mais contatos complementares. Com o intuito de garantir a validade dos dados coletados, adotou-se a estratégia de triangulação, sendo que Flick (2004) relaciona quatro tipos de triangulação: dos dados; dos pesquisadores; da teoria e da metodologia. Neste estudo, considerou-se o uso de triangulação dos dados.

Todos os dados, com cerca de 200 páginas, foram inseridos em um único documento no software Atlas TI, utilizado como ferramenta suporte na gestão das documentações, facilitando o processo de análise, armazenagem e controle, além de permitir a codificação de trechos do texto, inclusão de notas, comentários, citações, esquemas gráficos de inter-relacionamento entre codificações e agrupamento de codificações em famílias.

Quanto à análise dos dados secundários e primários, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo que, conforme definição de Bardin (2008), é realizada em três momentos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados por meio de inferência e interpretação.

Na «pré-análise» é organizado o material selecionado que, neste trabalho, foi agrupado em um único documento que, no software Atlas TI, é denominado de unidade hermenêutica. Esta seleção do material obedeceu em princípio aos critérios de exaustividade, representatividade, homogeneidade, pertinência e exclusividade.

De acordo com Bardin (2008), na «exploração do material» ocorre a fase mais longa, na qual é feita a codificação, processo em que os dados brutos passam para forma organizada, agregados em unidades, permitindo uma descrição das características pertinentes do conteúdo. A codificação compreende três fases distintas: escolha de unidades de registro; seleção de regras de contagem e escolha de categorias.

A «unidade de registro» é a unidade de significação a codificar, podendo ser o tema, palavra ou frase (palavras-chave, palavras-tema, palavras plenas, categorias de palavras, substantivos, adjetivos, verbos, etc.). O texto contido na unidade hermenêutica é recortado em função da unidade de registro e, nesta pesquisa, estabeleceram-se as unidades de registro conforme relacionadas no Quadro 1.

 

QUADRO I

Relação de unidades de registro

 

Após a segmentação do texto estruturada pelas unidades de registro, o software Atlas TI permite filtrar os trechos apreendidos por unidade de registro, ou seja, pode-se constatar a freqüência com que aparecem no texto. Segundo Bardin (2008), essa é fase de «seleção das regras de contagem», na qual se verifica a presença de elementos que podem ser significativos, assim como também a ausência, que pode significar bloqueios ou traduzir vontade escondida.

De forma geral, a freqüência com que aparece uma «unidade de registro» mostra sua importância considerando todos os itens de mesmo valor e, a regularidade com que aparecem, indicará os mais significativos. Ainda segundo Bardin (2008), a «categoria» é uma forma geral de conceito ou de pensamento que reúne um grupo de unidades de registro em razão de características comuns. O Quadro II apresenta as relações de categorias estabelecidas neste trabalho, alguns como resultados de agrupamentos textuais e outras como o agrupamento de «unidades de registro».

 

QUADRO II

Relação de categorias

 

O «tratamento dos resultados» pode ser dividido em duas fases: a inferência e interpretação. A inferência na análise de conteúdo se orienta por diversos pontos de atenção, que são os elementos da comunicação. Segundo Bardin (2008), a mensagem pode transmitir claramente o seu conteúdo e, muitas vezes, não, sendo necessário ler a mensagem dentro da mensagem, ou seja, procurando o real significado. Para a interpretação dos dados na análise de conteúdo, é preciso voltar atentamente aos marcos teóricos, pertinente à investigação, pois eles dão o embasamento e as perspectivas significativas para o estudo. A relação entre os dados obtidos e a fundamentação teórica é que dará sentido à interpretação.

 

RESULTADOS E ANÁLISES

A seguir apresentamos as principais características e dados obtidos em cada empresa estudada e a análise com base na revisão da literatura.

Empresa «A»

A empresa «A» pertence a um grupo multinacional de origem européia, considerado como a maior empresa mundial de alimentos e bebidas presente no mercado mundial com mais de 500 fábricas, em 86 países e com amplo leque de marcas internacionalmente consagradas. Há quase 90 anos, a empresa «A» passou a produzir em território brasileiro em sua primeira fábrica instalada no interior de São Paulo e, atualmente, em volume de produção é o segundo maior mercado do grupo a qual pertence e o quinto no faturamento. No Brasil, a empresa é líder no setor alimentício, contando com 15 filiais de vendas espalhadas por todo o território nacional, além de cinco centros de distribuição e quatro depósitos. A infra-estrutura da empresa «A» no Brasil possui também 26 unidades fabris.

A seguir apresentamos o Quadro III com as codificações encontradas no levantamento conforme estabelecido na metodologia desta pesquisa.

 

QUADRO III

Codificações encontradas no Caso «A»

 

Não foram encontradas na empresa «A» evidências da presença de unidades de registro de «Liderança por Enfoque», «Desenvolvimento de Mercado» e «Diversificação».

A análise da empresa «A» apresentou várias evidências de identificação de oportunidades no segmento alimentício, relacionados tanto ao volume de mercado, como ao fato de possuir muitos produtos considerados relevantes pelo mercado de baixa renda. Essas oportunidades promoveram várias ações estratégicas concentradas nas categorias de posicionamento, estratégia de crescimento e visão baseada em recursos.

A seguir apresentamos a Figura 1 com as relações encontradas no levantamento conforme estabelecido na metodologia desta pesquisa.

 

FIGURA 1

Evidências encontradas no Caso «A»

 

Conforme a Figura 1, a estratégia de crescimento adotada pela empresa «A» está centrada na penetração de mercado, conforme Ansoff (1958), e para o sucesso da mesma, verifica-se grande freqüência no uso de recursos e competências, assim como esforços na redução de custo. Foram encontradas menções quanto a produtos diferenciados pela qualidade, assim como considerados aspiracionais, mas a estratégia principal de posicionamento foi de redução de custo. Quanto ao desenvolvimento de produtos inteiramente novos, foram encontradas poucas evidências e essas estavam relacionadas mais à adequação de produtos existentes.

 

Empresa «B»

A empresa teve origem na Inglaterra, no Séc. XIX, com a criação de uma fábrica de sabão. Nessa época o sabão era um produto genérico, vendido por peso e a empresa inovou com a criação de embalagem com marca do produto. Com o sucesso da marca, a empresa expandiu e, em 1929, uniu-se a um grupo holandês da área de alimentos. Dentro da sua estratégia de expansão, no mesmo ano a empresa chega ao Brasil, na cidade de São Paulo, cujo escritório importava da matriz da Inglaterra o sabão para lavar roupas delicadas. Entretanto, no mesmo ano, devido à quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, surgiram dificuldades para a importação, o que levou a empresa a investir na instalação de fábrica no Brasil.

A empresa «B» sempre esteve, desde a sua origem, envolvida em processos de inovação e passou por grandes modificações em sua estrutura, ao longo do tempo, devido a sucessivos processos de compras e fusões com outras empresas. Em 2000, a empresa realizou fusão internacional com uma empresa americana que resulta em um salto na participação no mercado de alimentos, com um portfólio renovado por marcas de grande penetração e tradição no Brasil. Acompanhando o conjunto de mudanças internas que se inicia após esta última aquisição, a empresa «B» adota seu nome internacional e reorganizando seu portfólio de marcas, saindo das mais de 1600 ao redor do mundo para a faixa de 400. Elas representam 93% de seus negócios, foram definidas como «leading brands» e estão sendo trabalhadas nesse sentido, ao lado de 250 outras que estão em processo de desaparecimento (ou venda). O grupo é um dos fornecedores líderes de produtos de bens de consumo no mundo, sendo estruturado em três ramos de negócios globais: Alimentos; Higiene e Beleza. Atualmente, a empresa «B» conta no Brasil com 13 fábricas, 4 das quais são as maiores operações que a companhia tem no mundo. A seguir, apresentamos o Quadro IV com as codificações encontradas no levantamento conforme estabelecido na metodologia desta pesquisa. Não foram encontradas na empresa «B» evidências da presença de unidades de registro de «Liderança por Diferenciação», «Liderança por Enfoque», «Desenvolvimento de Mercado» e «Diversificação».

 

QUADRO IV

Codificações encontradas no Caso «B»

 

A seguir apresentamos a Figura 2 com as relações encontradas no levantamento conforme estabelecido na metodologia desta pesquisa.

 

FIGURA 2

Evidências encontradas no Caso «B»

 

A empresa «B» possui largo histórico de iniciativas de atuação no mercado de baixa renda e apresentou várias evidências de identificação de oportunidades nos diversos segmentos em que atua, relacionados principalmente ao fato de possuir muitos produtos considerados relevantes pelo mercado de baixa renda. Essas oportunidades promoveram várias ações estratégicas representadas pelas categorias de posicionamento, estratégia de crescimento e visão baseada em recursos. De acordo com a Figura 2, a estratégia de crescimento adotada pela empresa «B» também está centrada na penetração de mercado, conforme conceito estabelecido por Ansoff (1958) e verificou-se também grande freqüência no uso de recursos e competências, assim como esforços na redução de custo. Foram encontradas evidências quanto a produtos considerados aspiracionais, mas a estratégia principal de posicionamento foi a de redução de custo. Quanto ao desenvolvimento de produtos inteiramente novos, foram encontradas poucas evidências e essas estavam relacionadas mais com a adequação de produtos existentes ou o uso de sua larga competência no conhecimento dos produtos tradicionalmente desenvolvidos pela empresa.

 

Empresa «C»

A empresa «C»nasceu há mais de 120 anos em uma pequena cidade nos EUA, a partir da idéia de criar a primeira fábrica no mundo para produzir uma compressa cirúrgica asséptica pronta para o uso, que reduziria a ameaça de infecção. Fabricando compressas e desenvolvendo novos processos de esterilização, a empresa «C» iniciou sua expansão internacional na década de 1920, com a abertura de filial no Canadá. O primeiro passo na diversificação de seus produtos foi com o lançamento da compressa patenteada, promovendo o crescimento da empresa e sua organização em divisões e subsidiárias e hoje está presente em 51 países, nos cinco continentes, com produtos comercializados em mais de 175 países. No Brasil, a empresa «C» é uma das maiores afiliadas do Grupo, fora dos EUA. Sua chegada ao país aconteceu na década de 1930, para suprir o mercado brasileiro com produtos de uso hospitalar e doméstico, como algodão, gaze, esparadrapo e compressas cirúrgicas, entre outros. No Brasil, ela conta com um dos quatro centros de pesquisa existentes no mundo, sendo o único a realizar pesquisas sobre determinados produtos, como o protetor solar e fraldas. O centro de pesquisa brasileiro supre todo o mercado latino-americano na busca de novos produtos, métodos de trabalho e processos de análise e fabricação.

A seguir apresentamos o Quadro V com as codificações encontradas no levantamento conforme estabelecido na metodologia desta pesquisa.

 

QUADRO V

Codificações encontradas no Caso «C»

 

A seguir apresentamos a Figura 3 com as relações encontradas no levantamento conforme estabelecido na metodologia desta pesquisa.

 

FIGURA 3

Evidências encontradas no Caso «C»

 

Não foram encontradas na empresa «C» evidências da presença de unidades de registro de «Liderança por Enfoque», «Desenvolvimento de Mercado», e «Diversificação». A empresa «C» apresentou várias evidências de identificação de oportunidades no segmento de higiene pessoal, relacionados ao fato de possuir muitos produtos considerados relevantes pelo mercado de baixa renda. Do mesmo modo que as outras empresas analisadas, essas oportunidades promoveram várias ações estratégicas concentradas nas categorias de posicionamento, estratégia de crescimento e visão baseada em recursos. Conforme a Figura 3, a estratégia de crescimento adotada pela empresa «C» está centrada na penetração de mercado, conforme Ansoff (1958), e verificou-se grande freqüência no uso de recursos e esforços na redução de custo. Foram encontradas menções quanto a produtos diferenciados pela qualidade, assim como considerados aspiracionais, mas a estratégia principal de posicionamento foi de redução de custo. Quanto ao desenvolvimento de produtos inteiramente novos, foram encontradas poucas evidências e essas estavam relacionadas mais a adequação de produtos existentes.

 

ANÁLISES

Considerando-se as codificações de categorias «Identificação de Oportunidades» e «Ação Estratégica» relacionadas no Quadro II, constante na metodologia, verifica-se que as empresas de bens de consumo, por serem multinacionais, abordam o mercado por regiões e não países, sendo que, no caso do Brasil, o mercado é visto em âmbito de América Latina. Entretanto, verifica-se que os principais países dessa região que concentram unidades fabris e centros de pesquisas das empresas analisadas, estão na Argentina, Brasil, Chile e México e que possuem poucas pessoas na camada mais baixa da base da pirâmide proposta por Prahalad e Hart (2002) e Prahalad e Hammond (2002). O principal ganho de escala na produção de bens para a chamada base da pirâmide não se justifica em termos de investimentos e, no caso específico do mercado brasileiro, que é foco desta pesquisa o interesse volta-se para a chamada classe «C».

Conforme a Figura 4, no caso do mercado brasileiro observa-se graficamente que se tem um losango e não uma pirâmide, no qual o vértice inferior representa a classe «E» composta por famílias com cerca de 4 pessoas. Isso resulta num rendimento médio individual de 1,25 dólares por dia, ou seja, encontram-se abaixo da linha da pobreza e, portanto, não possuem condições financeiras e não é foco das empresas. Do mesmo modo, a chamada classe «D» também representa um poder aquisitivo muito baixo da ordem de 2,5 dólares por dia por indivíduo. O principal foco das grandes empresas instaladas no Brasil é justamente a classe «C» com rendimento médio por pessoa de 5 dólares por dia, representando mais de 42% da população. Considerando-se a faixa de pessoas que estão na classe «D» na iminência de entrarem na classe «C», isso representa cerca de 50% da população e uma movimentação de riqueza da ordem de 460 milhões de dólares diariamente.

 

FIGURA 4

Representatividade da classe «C»

 

No entanto, apesar desse fato já ser conhecido pela área de Marketing, sob a ótica da estratégia empresarial proposta por Prahalad (2005), o mesmo gera, por si só, uma alteração da aplicação dos conceitos da literatura. Aqui, o mercado de baixa renda está diretamente associado à camada da classe «C» e parte da camada da classe «D», que já fazem parte do mercado formal de consumo. Dessa forma, o foco estratégico das grandes empresas no Brasil é aumentar a escala de consumo da população de baixa renda por meio da adoção de posicionamento estratégico baseado em preço competitivo, alinhado assim aos conceitos de Porter (1986), não havendo grandes desenvolvimentos de produtos numa estratégia de diferenciação e, sim, adequações de formulação, embalagens e fracionamento de produtos para redução do preço.

Nas entrevistas com os representantes das empresas estudadas observa-se preocupação inicial de pesquisar o mercado. Entretanto, eles apontam dificuldades iniciais nestas pesquisas devido às diferenças de linguagem e cultura das empresas e das classes de baixa renda, confirmando os argumentos de Anderson e Billou (2007) e SandreGhazi e Duysters (2008) em relação às dificuldades das grandes empresas frente ao mercado de baixa renda. São usadas expressões como necessidade de «pesquisa etnográfica», ou «pesquisa in loco», ou ainda «pesquisa observacional» porém, de forma geral, essas pesquisas envolvem a presença do pesquisador no local onde as pessoas vivem. O objetivo é conhecer a cesta básica de produtos essenciais consumidos por essa classe e verificar se dentro do portfólio de produtos da empresa existem categorias relevantes que podem ser identificadas como oportunidades.

Quanto às principais evidências relacionadas à categoria «Visão Baseada em Recursos», considerando os recursos e competência observa-se alta freqüência relacionada a:

· Marca: ter marcas tradicionalmente associadas a ícones aspiracionais;

· Produto: ter produtos que compõem a chamada «categoria de produtos relevantes»;

· Recursos Humanos: ter quadro com pessoas que conheçam ou adquiram conhecimento na elaboração e condução de projetos para baixa renda;

· Conhecimento de Mercado:

· Necessidade de pesquisa específica para a identificação das oportunidades;

· Organização: capacidade rever estrutura logística de distribuição e capacidade de estabelecer novas parcerias.

Essas evidências confirmam as proposições de Prahalad e Hamel (1990) quanto às competências distintivas, e de Barney (1991) e Seelos e Mair (2007) em relação aos recursos estratégicos como fonte de vantagens competitivas.

A categoria «Posicionamento» apresenta forte evidência de foco na liderança por custo e as empresas necessitam adotar adequações no «mix de marketing para reduzir ao máximo o preço. Assim, envolvem tanto a análise dos elementos internos relacionados à produção como a formulação de produto, alterações de embalagens, alteração do fracionamento do produto, assim como elementos externos. Neste último, considera-se a ampliação do canal de distribuição ou mesmo a construção ou aquisição de plantas fabris nas regiões com maior concentração de população de baixa renda, visando à redução de custo de transportes, assim como incentivos fiscais. Desse modo, as empresas, além de agirem em sua cadeia de valor, alteram também o sistema de valor, conforme Porter (1989), para buscar a liderança por custo.

Outra característica fundamental do mercado de baixa renda brasileiro é o anseio consumista como forma de aspiração de elevação social. Estudos mostram que para o consumidor da classe «C» é importante confiar em uma marca porque assim ele não corre o risco de errar na compra, evitando o desperdício de verba. A questão cultural que envolve as «marcas aspiracionais» no mercado de baixa renda brasileiro também influencia a adoção da estratégia pois, apesar do posicionamento por preço, este não é necessariamente o menor do mercado. Segundo alguns dos entrevistados, podem existir margem de 20 a 25% acima da média do mercado local aceita pelo consumidor de baixa renda, sustentada pelo poder do «valor aspiracional da marca». Dessa forma observa-se que existe uma combinação entre a estratégia de posicionamento por liderança em preço, segundo Porter (1986), combinada com a teoria da Visão Baseada em Recursos, conforme Wernerfelt (1984) e Barney (1986).

Quanto à categoria «Estratégia de crescimento», em função da diretriz de aumentar a oferta de categorias de produtos considerados relevantes para o mercado de baixa renda, as quais normalmente já são marcas conhecidas e consumidas por esse mercado, implica na estratégia de ampliação do patamar de consumo que Ansoff (1958) define como «estratégia de penetração de mercado». Sendo assim, a estratégia de crescimento para o mercado brasileiro de baixa renda não apresentou a configuração do modelo de diversificação conforme Mahoney e Padian (1992) e Markides e Williamson (1996).

O Quadro VI a seguir apresenta uma síntese dos objetivos traçados para entender o fenômeno estudado e as evidências encontradas com base na análise de conteúdo dos casos estudados.

 

QUADRO VI

Síntese dos resultados encontrados

 

Cabe destacar algumas limitações deste estudo, entre elas a delimitação social do fenômeno relacionado ao mercado de baixa renda, pois o foco desta pesquisa restringe-se à análise do ponto de vista da estratégia empresarial para conquistar e manter este mercado. Lembramos aqui que este mercado, apesar de não ser totalmente novo para organizações que sempre estiveram estruturadas para atender mercados de relativo poder aquisitivo, apresenta peculiaridades que dificultam a ação dessas grandes empresas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As empresas de grande porte que atuam globalmente na produção de bens de consumo já constataram a importância do mercado de baixa renda ao redor do mundo, principalmente com a abertura do mercado de países emergentes, após o advento da globalização, confirmando as expectativas de London e Hart (2004). Essas empresas estão buscando novas alternativas para atuarem tanto no mercado de alto e médio poder aquisitivo como no de baixo poder aquisitivo. No caso do primeiro mercado, os esforços são para desenvolver produtos a exemplo dos alimentos funcionais, destinados a melhorar o metabolismo e a prevenir problemas de saúde ou produtos de higiene pessoal que reduzem o envelhecimento. Já no caso do mercado de baixa renda, cabe a suas subsidiárias avaliar como adequar estratégias para esse segmento em função das características do país ou região onde estão instaladas.

Apesar de Prahalad e Hart (2002) e Prahalad e Hammond (2002) apresentarem a BOP como uma oportunidade de diversificação a ser explorada pelas empresas de grande porte, no presente estudo verificou-se que essas empresas, no Brasil, não focam as classes «D» e «E», que corresponde no mercado brasileiro a BOP citada por esses autores.

No caso específico do mercado brasileiro que é objeto deste estudo, verifica-se que a classe «C» é o foco das grandes empresas multinacionais produtoras de bens de consumo como ampliação do mercado já estabelecido das classes «A» e «B», sendo que essas empresas buscam identificar, através de pesquisas de observação dos hábitos de consumo da classe «C», se já possuem categorias de produtos relevantes para esse segmento de mercado e agem operacionalmente alterando o Mix de Marketing para atender a esse segmento. Quanto aos recursos estratégicos utilizados, os mais freqüentes foram Recursos Humanos, Marca e Produtos relevantes, além da capacidade da organização da empresa em adequar sua cadeia logística para redução de custos de distribuição. Essa adequação operacional visa reduzir os custos, de modo a tornar seus produtos acessíveis aos consumidores de baixa renda, porém, por mais que esses esforços sejam ampliados, é difícil competir por preço junto aos concorrentes locais. Dessa forma, apesar de adotar a estratégia genérica de posicionamento por custo, conforme Porter (1986), essas empresas conseguem, no máximo, aproximar-se do valor praticado no mercado pelos concorrentes locais de menor porte e o diferencial competitivo se dá pelo valor da marca e a associação dessas aos anseios aspiracionais do consumidor de baixa renda. Nos casos observados, produtos tradicionais que antes eram amplamente desenvolvidos para a classe «média» e «alta», agora são adequados aos consumidores de baixa renda enquanto o desenvolvimento de novos produtos, com todos os seus custos de pesquisa estão focados para atender à nova demanda dos consumidores de maior poder aquisitivo preocupados com qualidade de vida e produtos considerados benéficos a saúde.

Observa-se que a utilização do poder da marca é um dos recursos estratégicos que as grandes empresas combinam com a estratégica genérica de posicionamento por custo para obter vantagens competitivas no mercado de baixa renda. Conforme Barney (1991), esses recursos são estratégicos por serem valiosos, raros, imperfeitamente imitáveis e não substituíveis, a exemplo de produtos e marcas que são registradas e patenteadas, assim como competências organizacionais de reagir e adequar a estrutura e logística da empresa para adequar sua cadeia de valor e atuar, se possível, no sistema de valor para poder alterar seu Mix de Marketing.

Quanto às estratégias de crescimento utilizadas por grandes empresas estabelecidas no mercado brasileiro, para atender também ao mercado de baixa renda, observou-se que as empresas buscam, por meio de produtos existentes com pequenas alterações, atenderem ao mercado de baixa renda, no qual já atuam e buscam ampliar o patamar de consumo desse mercado caracterizando assim, de acordo com Ansoff (1958), a estratégia de penetração de mercado.

Como limitações do estudo, podemos citar o fato de não terem sido estudadas questões político-sociais que envolvem os países emergentes, assim como fatores como a má distribuição de renda, que também não foram objeto deste estudo, podendo, porém, influenciar as decisões estratégicas das empresas estudadas. Outro fator limitante importante quanto a esta pesquisa exploratória é com relação à pequena amostra de empresas envolvidas com o perfil previsto nesta pesquisa que, em geral, atuam em atividades industriais diversas, dificultando a possibilidade de generalizações dos resultados. É preciso registrar que esse fato está condicionado à disponibilidade de colaboração das empresas-alvo que, seja por desinteresse, instinto de preservação de segredo industrial ou simplesmente à priorização das enormes pressões advindas da crítica conjuntura financeira global, cujo surgimento coincidiu com a fase de coleta de dados primários deste trabalho, foram refratárias à abordagem.

Durante a realização deste trabalho verificou-se que as grandes empresas que atuam no mercado de bens de consumo para as classes «A» e «B», quando passam a atender também ao mercado de baixa renda, possuem dificuldades de averiguar de forma mais precisa a real participação desse último segmento de mercado no resultado final da empresa. Portanto, uma sugestão para trabalhos futuros seria a busca de uma proposta de métricas que permitam mensurar o desempenho obtido com o mercado de baixa renda, em relação ao total dos negócios das empresas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSON, J. e BILLOU, N. (2007), «Serving the world’s poor: innovation at the base of the economic pyramid». Journal of Business Strategy, vol. 28, n.º 2, pp. 14-21, Março.

ANSOFF, H. I. (1958), «A model for diversification». Management Science , vol. 4, n.º 4, pp. 392-414, Julho.

BARDIN, L. (2008), Análise de Conteúdo. 4.ª ed. Lisboa, Edições 70.

BARNEY, J. B. (1986), «Organizational culture: can it be a source of sustained competitive advantage?». Academy of Management Review, vol. 11, n.º 3. pp. 656-665, Julho.

BARNEY, J. B. (1991), «Firm resources and sustained competitive advantage». Journal of Management , vol. 17, n.º 1, pp. 99-120, Março.

BARROS, C. (2006), «A invisibilidade do mercado de baixa renda nas pesquisas de marketing: as camadas populares consomem ou sobrevivem?». In II Encontro de Marketing da ANPAD – II EMA 2006, Rio de Janeiro. Resumo dos trabalhos do II Encontro de Marketing da ANPAD – II EMA 2006. Rio de Janeiro, Gráfica Editora Polotti.

BURKHAUSER, R.V.; FENG, S. e JENKINS, S. P. (2007), «Using the P90/P10 index to measure US inequality trends with current population survey data: a view from inside the Census Bureau Vaults». ECINEQ – Society for the Study of Economic Inequality, Working Papers Series, n.º 72, Julho.

CHAN KIM, W. e MAUBORGNE, R. (2004), « Blue ocean strategy». Harvard Business Review, vol. 82, n.º 10, pp. 76-84, Outubro.

COLLIS, J. e HUSSEY, R. (2005), Pesquisa em Administração: Um Guia Prático para Alunos de Graduação e Pós-Graduação. 2.ª ed. Porto Alegre, Bookman.

EISENHARDT, K. M. (1989), «Building theories from case study research». Academy of Management Review , vol. 14, n.º 4, pp. 532-550, Outubro.

FLICK, U. (2004), Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa. 2.ª ed. Porto Alegre. Bookman.

HAMMOND, A. L.; KRAMER, W. J.; KATZ, R. S.; TRAN, J. T. e WALKER, C. (2007), «The next four billion: market size and business strategy at the base of the pyramid». World Resources Institute and International Finance Corporation. Washington, Março.

LONDON , T. e HART, S. L. (2004), «Reinventing strategies for emerging markets: beyond the transnational model». Journal of International Business Studies, Agosto.

MAHONEY, J T.e PADIAN, J. R.(1992), « The resource based view within the conversation of strategic management». Strategic Management Journal. vol. 13, n.º 5, pp. 363-380, Junho.

MARKIDES, C. C. e WILLIAMSON, P. J. (1996), «Corporate diversification and organizational structure: a resource-based view«. Academy of Management Journal. vol. 39, n.º 2, pp. 340-367, Abril.

MONTGOMERY , C. A. (1994), «Corporate diversification». Journal of Economic Perspectives, St. Paul, vol. 8, pp. 163-178, Verão.

PENROSE, E. E. T. (1979), «A economia da diversificação». Revista de Administração de Empresas, vol.19, n.º 4, pp. 7-30, Out./Dez.         [ Links ]

PORTER, M. (1986), Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da Concorrência. 3.ª ed. Rio de Janeiro, Elsevier.

PORTER, M. (1989), Vantagem Competitiva: Criando e Sustentando um Desempenho Superior. 13.ª ed. Tradução de Elizabeth Maria de Pinho Braga. Rio de Janeiro,Campus.

PRAHALAD, C. K. e HAMEL, G. ( 1990), «The core competence of the corporation». Harvard Business Review, vol. 68, n.º 3, pp. 79-81, Maio/Junho.

PRAHALAD, C. K. e HART, S. (2002), «The fortune at the bottom of the pyramid». Strategy + Business, n.º 26, pp. 54-67.

PRAHALAD, C. K. e HAMMOND , A. (2002), «Serving the world´s poor, profitably». Harvard Business Review , vol. 80, n.º 9, pp. 48-57, Setembro.

PRAHALAD, C. K. (2005), A Riqueza na Base da Pirâmide: Como Erradicar a Pobreza com o Lucro. Tradução de Bazán, Tecnologia e Lingüística. Porto Alegre, Bookman.

SANDREGHAZI, S. e DUYSTERS, G. (2008), «Serving low-income markets: rethinking multinational corporations’ strategies». UNU-MERIT Working Paper Series – United Nations University, n.º 24.

SEELOS, C. e MAIR, J. (2007), « Profitable business models and market creation in the context of deep poverty: a strategy view». Academy of Management Perpectives , vol. 21, n.º 4, pp. 49-63, Novembro.

SELLTIZ, C. et al. (1965), Métodos de Pesquisa nas Relações Sociais. Tradução de Inah de Oliveira Ribeiro. São Paulo , Editora Herder, EDUSP.

WERNERF ELT, B. (1984), «A resource-based view of the firm». Strategic Management Journal , vol. 5, n.º 2, pp. 171-180, Abr/Jun.

YIN, R. K. ( 2001), Estudo de Caso: Planejamento e Método. 2.ª ed. Tradução de Daniel Grassi. Porto Alegre, Bookman.