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Economia Global e Gestão

versão impressa ISSN 0873-7444

Economia Global e Gestão v.15 n.1 Lisboa abr. 2010

 

Da propriedade intelectual à economia do conhecimento (Primeira parte)

 

Ladislau Dowbor

ladislau@dowbor.org

Doutor em Ciências Económicas (Escola Central de Planeamento e Estatística de Varsóvia), Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de Democracia Econômica (Vozes), O que É Poder Local (Brasiliense) e de numerosos estudos sobre desenvolvimento. Os seus trabalhos estão disponíveis na íntegra, em regime copyleft, em http://dowbor.org. / Phd in Economic Sciences (Central School of Planning and Statiscs of Varsovia), Professor of Economics at the Catholic University of São Paulo, consultant to various United Nations agencies, and author of Democracia Econômica (Vozes), O que É Poder Local (Brasiliense). Books and papers can be found (copyleft) on http://dowbor.org.

 

 

RESUMO

O eixo central de geração de valor desloca-se do conteúdo material para o conteúdo de conhecimento incorporado aos processos produtivos. Com isso criou-se uma batalha ideológica e econômica em torno do direito de acesso ao conhecimento. O acesso livre e praticamente gratuito ao conhecimento e à cultura que as novas tecnologias permitem é uma benção e não uma ameaça. Constitui um vetor fundamental de redução dos desequilíbrios sociais e da generalização das tecnologias necessárias à proteção ambiental do planeta. Tentar travar o avanço deste processo, restringir o acesso ao conhecimento e criminalizar os que dele fazem uso não faz o mínimo sentido. Faz sentido, sim, estudar novas regras do jogo capazes de assegurar um lugar ao sol aos diversos participantes do processo. Vale a pena atentarmos para o universo de mudanças que se descortina: são os trabalhos de Lawrence Lessig sobre o futuro das idéias, de James Boyle sobre a nova articulação dos direitos, de Joseph Stiglitz sobre a fragilidade do sistema de patentes, de André Gorz sobre a economia do imaterial, de Jeremy Rifkin sobre a economia da cultura, de Eric Raymond sobre a cultura da conectividade, de Castells sobre a sociedade em rede, de Toffler sobre a terceira onda, de Pierre Lévy sobre a inteligência coletiva, de Hazel Henderson sobre os processos colaborativos e tantos outros inovadores. Nestas propostas, veremos que as mudanças não estão esperando que se desenhem utopias e que um outro mundo está se tornando viável.

Palavras-chave: Sociedade do Conhecimento, Propriedade Intelectual, Sistema de Patentes, Sociedade em Rede

 

From the intellectual property to the knowledge based economy

ABSTRACT

As the value of goods and services moves from material to knowledge content, the rules of the game are changing. Knowledge can be easily shared, for the benefit of all, and trying to prevent the natural curiosity we all feel in understanding how things happen, as well as the pleasure of creating and sharing cultural innovation, simply makes no sense. The different stakeholders of the creative process have a very legitimate right to earn their living, but certainly not by placing tollbooths at every step of innovation. We need more creativity in the rules of innovation. The present paper is an attempt to make good sense of the contributions of Manuel Castells on the network society, of Alvin Toffler on the megatrends of the knowledge society, of Lawrence Lessig on the future of ideas, of André Gorz on the creative economy, of Jeremy Rifkin on the era of access, of Eric Raymond on the connectivity culture, of Pierre Lévy on the concept of collective intelligence, of Joseph Stiglitz on the limitations of the patent system, of Hazel Henderson on the “Win-Win” collaborative process, of James Boyle on the rules of the new game, for it is a new game, and just looking for “pirates” and “criminals” is not helping.

Key words: Knowledge Based Society, Intellectual Property, Patent System, Network Society

 

 

«If nature has made any one thing less susceptible than all others of exclusive property, it is the action of the thinking power called an idea.» 1

Thomas Jefferson, 1813

 

«The goal of copyright is to encourage the production of, and public access to, cultural works. It has done its job in encouraging production. Now it operates as a fence to discourage access.» 2

James Boyle, The Public Domain

 

 

OS TERMOS DO DEBATE

É importante deixar claro desde o início que, na visão deste artigo, não vivemos tempos normais, do business as usual. Vivemos o tempo do caos climático, da exclusão efetiva de 4 bilhões de pessoas, ao que o Banco Mundial chama simpaticamente de «benefícios da globalização», da fase final do petróleo e da necessidade de mudança do paradigma energético-produtivo, de uma injustiça planetária que se foi acumulando e agravando – 1 bilhão de pessoas com fome, um terço da população mundial ainda cozinhando com lenha, 10 milhões de crianças morrendo a cada ano de fome, de falta de acesso à água limpa e semelhantes, de meio milhão de mães que morrem anualmente de parto quando técnicas baratas e elementares são conhecidas, de 25 milhões de pessoas que já morreram de Aids enquanto as corporações discutem as vantagens das patentes - isto só para mencionar alguns dos nossos dramas, pois as soluções não pertencem ao passado bucólico, mas ao futuro denso em conhecimento e tecnologias que temos pela frente. As tecnologias e o conhecimento em geral devem servir, antes de tudo, para construir respostas a estes desafios.

A questão do acesso ao conhecimento, portanto, um dos vetores básicos da democratização da economia e do reequilibramento planetário, tornou-se central. Restabelecer o equilíbrio entre a remuneração dos intermediários, as condições de criatividade dos que inovam, e a ampliação do acesso planetário aos resultados – objetivo estratégico de todo o processo – é o desafio que temos de enfrentar.

As novas tecnologias permitem que o conhecimento adquirido pela humanidade, sob forma de ciência, obras de arte, música, filmes e outras manifestações da economia criativa seja universalmente acessível, a custos virtualmente nulos. Trata-se evidentemente de um imenso bem para a humanidade, para o progresso educacional, científico e cultural de todos. Mas, para os intermediários do acesso aos bens criativos, que controlavam a base material da sua disponibilização, houve uma mudança profunda. Em vez de se adequarem às novas tecnologias, sentem-se ameaçados, e buscam travar o uso das tecnologias de acesso, acusando quem as usa de pirataria e até de falta de ética. Geram-se, assim, duas dinâmicas, uma que busca aproveitar as tecnologias para generalizar o enriquecimento cultural, e outra que busca através de leis, da criminalização e do recurso ao poder do Estado, travar a sua expansão. A tecnologia torna os bens culturais cada vez mais acessíveis, enquanto as leis, por pressão organizada dos intermediários, evoluem simetricamente para cada vez mais dificultar o acesso.

O mundo corporativo está avançando de maneira dura e organizada: «Em setembro de 1995, a indústria de conteúdos, trabalhando com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos, começou a mapear uma estratégia para proteger um modelo de negócios frente às tecnologias digitais. Em 1997 e 1998, esta estratégia foi implementada através de uma série de novas leis destinadas a estender o tempo de copyright da obra, reforçar as penalidades criminais para infringimento de copyright, e para punir o uso de tecnologias que tentavam evitar os entraves digitais colocados em conteúdo digital»3. Hoje já não podemos ligar o rádio ou a TV sem ouvir denúncias de pirataria e apelos à «ética».

O resultado prático é conhecido: somente teremos acesso digital a uma obra 70 anos depois da morte do autor (por exemplo, após 2050 para Paulo Freire). O que significa que 90% das obras do século passado ficarão indisponíveis para pesquisa digital, isto quando a realização de lucros sobre o copyright se limita quase integralmente aos 5 ou, quando muito, 10 anos depois da publicação. Imenso prejuízo social para pequenos lucros privados. A solução não é liquidar os direitos de propriedade intelectual, mas limitá-los a 5 anos prorrogáveis por mais 5 pelo dono dos direitos, caso ache que vale a pena. Grande parte das obras se tornaram indisponíveis, porque não se consegue sequer identificar o dono dos direitos, isto para quem está disposto a pagar para reeditar.

O argumento apresentado é que se trata de proteger os direitos do pobre músico que está lutando para sobreviver (help struggling musicians). A figura comove, mas uma olhada no tamanho das corporações que se arvoram em defensores dos humildes, tende a mudar o enfoque. Trata-se, como o qualifica um dos juristas mais importantes da área nos Estados Unidos, James Boyle, de proteger uma renda de monopólio (monopoly rent). E a culpa é jogada em cima de quem acessa e propaga cultura sem pagar. O autor, na realidade, pouco tem a ver com esta história. Os direitos autorais são amplamente assumidos por quem detém o copyright ou as patentes e, neste caso, trata-se quase sempre de intermediários. A realidade é que ao aplicar à economia criativa leis derivadas da propriedade de bens físicos, desequilibramos radicalmente o processo de criação, que precisa de novas regras do jogo.

Diversas pesquisas no mundo universitário mostram que a esmagadora maioria dos estudantes recorre a formas de acesso aos bens científicos e culturais que podem ser consideradas ilegais. Devemos criminalizar a juventude4? Para uma pessoa que descobre uma linda música na Internet, enviá-la para um amigo é a reação mais imediata, porque a felicidade não se goza sozinho. Vamos criminalizar isto? Lessig constata uma coisa óbvia: uma lei que parece idiota não é respeitada. E levar jóvens a perder o respeito pela lei pode sim, ser coisa muito séria. Na realidade, devemos enfrentar este hiato crescente entre o que as tecnologias permitem e o que a lei proíbe. Provavelmente, de maneira menos ideológica, ou menos histérica. O uso educacional e científico sem fins lucrativos deve ser liberado. O uso pessoal e interpessoal não comercial deve ser facilitado.

Segundo James Boyle, «a maior parte das gravações de som feitas há mais de quarenta anos atrás estão comercialmente inacessíveis. Depois de cinquenta anos, apenas uma minúscula porcentagem ainda está sendo comercializada. É extremamente difícil encontrar os donos de direitos dos restantes. Podem ter morrido, fechado o negócio, ou simplesmente se desinteressado. Mesmo se o compositor puder ser encontrado, ou pago por meio de uma associação colecionadora, sem o consentimento do dono do copyright sobre a gravação musical, a obra tem de ficar na biblioteca. Estas são as «obras órfãs», uma categoria que provavelmente constitui a maior parte dos produtos culturais do Séc. XX. No entanto, como já mencionado, sem a autorização do dono do copyright é ilegal copiar ou redistribuir ou executar estas obras, mesmo sobre uma base sem fins lucrativos. O objetivo do copyright é de encorajar a produção e acesso a obras culturais. Desempenhou o seu papel encorajando a produção. Agora opera como uma cerca para impedir o acesso. Conforme passam os anos, continuamos a trancar até 100 por cento da nossa cultura registrada de um determinado ano para beneficiar uma porcentagem cada vez menor – os ganhadores na loteria – numa política cultural grotescamente ineficiente»5.

Em outro nível, é curioso constatar a fragilidade dos argumentos segundo os quais a livre disponibilização dos livros impede a sua venda. Paulo Coelho, que recentemente passou a disponibilizar online na íntegra os seus livros, gratuitamente, constatou não a redução mas o aumento das vendas6. Em ótimo artigo, Cédric Biagini e Guillaume Carnino lembram que «o livro de papel, em sua linearidade e finitude, em sua materialidade e presença, constitui um espaço silencioso que põe em xeque o culto da velocidade e a perda do senso crítico. Ele é um ponto de ancoragem, um objeto de registro para um pensamento coerente e articulado, fora da rede e dos fluxos incessantes de informações e de solicitações: ele permanece sendo um dos últimos pontos de resistência»7. Uma pessoa que gostou do livro após a leitura de algumas páginas, provavelmente se sentirá estimulada a comprá-lo. Há espaço para todos, sem monopolizar os frutos.

No caso das músicas, os prejuízos são significativos mas limitados: as corporações calculam quantos downloads gratuitos estão sendo feitos, multiplicam a cifra pelo preço que cobram pelos discos (absolutamente exorbitantes frente ao custo de produção e promoção), imaginando que se não houvesse downloads toda esta gente compraria os discos. A cifra que resulta é imaginária, mas soa bem na propaganda que ouvimos todos os dias.

No caso de patentes, a questão é ainda mais lastimável, e cada vez mais se constata, conforme veremos abaixo, que o emaranhado de restrições legais chegou a um nível tal que mais atrapalha do que estimula a pesquisa. Um monopólio de 20 anos sobre uma idéia podia ser concebido há meio século, mas não no ritmo moderno de inovação.

A verdade é que o contexto da economia criativa mudou radicalmente, pois ainda que haja custos na produção de uma obra criativa, uma vez criada, esta obra pode se tornar em fator de enriquecimento de toda a humanidade, já que a disponibilização é praticamente gratuita. Quando a disponibilização exigia suporte material – o livro impresso, o disco, a fita – era natural que fosse cobrado o custo incorporado. Sem a editora, sem a emissora de TV, as pessoas não saberiam da criação. A disponibilização e generalização do conhecimento se fazia graças a elas. Hoje, estas mesmas corporações tentam evitar a disponibilização, pois com a era digital, podemos apreciar um livro, uma música, um filme, sem precisar de suporte material. Em vez de se adaptar às novas tecnologias e buscar outra forma de agregar valor, as mesmas corporações buscam travar o seu acesso e criminalizar o seu uso.

A IBM, para dar um exemplo de evolução, tentou impedir que se disseminasse o «clone» (assim era designado o PC «pirata») através da tecnologia proprietária microchannel, no final dos anos 1980. Achou que o padrão IBM seria a opção de todos, pela dominação que tinha do mercado. Mas viu que todos fugiram para os «clones», para a livre criação tecnológica. A IBM assimilou a lição, e passou a vender software. Com o software se tornando um bem livre (a própria empresa hoje usa o Linux), passou a vender serviços de arquitetura de informação para empresas. Adaptou-se. Travar o avanço tecnológico através de monopólios não dá bons resultados, e não está dando no nosso caso.

O que temos pela frente são menos apelos dramáticos à lei e à ética, e mais bom senso na redefinição das regras do jogo que protejam o autor de inovações, os diversos intermediários e, sobretudo, o interesse final de toda criação, que é o enriquecimento cultural e científico de toda a população. O fato de bens culturais e educacionais se tornarem quase gratuitos graças às novas tecnologias, não deve constituir um drama e sim uma imensa oportunidade. Numa era em que se destinam imensos recursos para a educação no mundo, tentar travar o acesso não só não é legítimo, nem ético, como constitui um contrasenso.

 

A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Para as grandes corporações, as novas tecnologias implicam uma pirâmide mais alta, com o poder central estendendo dedos mais compridos para os lugares mais distantes, graças ao poder da conectividade de transmitir ordens mais longe. Implicam também uma forte presença planetária de poder repressivo visando o controle da propriedade intelectual crescentemente apropriada pelas próprias empresas transnacionais. Às «tele-comunicações» corresponde uma «tele-gestão», gestão à distância, global, que gerou, por exemplo, o poder descontrolado dos grandes intermediários financeiros. A corporação da informação e do conhecimento, que, por definição, trabalha com uma matéria-prima não material, navega com conforto neste ambiente. Vistas por este ângulo, as novas tecnologias aparecem como uma oportunidade maior de controle e de apropriação.

Olhando de outra perspectiva, as mesmas tecnologias que favorecem a globalização podem favorecer os espaços locais, as dimensões participativas, uma conectividade democrática. Para nós usuários não corporativos, estas tecnologias permitem uma rede mais ampla e mais horizontal, com cada localidade – mesmo pequena – recuperando a sua importância ao cruzar a especificidade dos interesses locais com o potencial da colaboração planetária. Dedos mais longos das mesmas corporações não descentralizam nada, apenas significam que a mesma mão tem alcance maior, que a manipulação se dá em maior escala. A apropriação local do potencial de conectividade representa uma dinâmica de democratização. A base tecnológica é a mesma, a materialização política é inversa. Donde o choque, as denúncias de «pirataria», ou até curiosos apelos para a «ética» e às forças repressivas do Estado, por parte de quem o Estado sempre foi apresentado como um impecilho e a falta de ética coisas praticadas pelos outros.

A mudança nas tecnologias da informação e da comunicação que abre as novas opções, no entanto, está articulada com mudanças tecnológicas mais amplas, que estão elevando o conteúdo de conhecimento de todos os processos produtivos, e reduzindo o peso relativo dos insumos materiais que outrora constituiam o fator principal de produção.

O conhecimento é um fator de produção? Como se desenvolve a teoria do que Castells chamou de «novo paradigma sócio-técnico»? Castells introduz a categoria interessante de fatores informativos de produção, o que nos leva a uma questão básica: o conhecimento se regula de maneira adequada através dos mecanismos de mercado, como por exemplo os bens e serviços no quadro de uma economia industrial8?

O deslocamento do eixo principal de formação do valor das mercadorias do capital fixo para o conhecimento, nos obriga a uma revisão em profundidade do próprio conceito de modo de produção. André Gorz coloca o dedo no ponto preciso ao considerar que «os meios de produção se tornaram apropriáveis e suscetíveis de serem partilhados. O computador aparece como o instrumento universal, universalmente acessível, por meio do qual todos os saberes e todas as atividades podem, em princípio, ser partilhados»9.

Yochai Benkler traz com força esta compreensão de que na sociedade da informação muito mais gente pode gerar o seu espaço de criação, não precisando de uma «fábrica» para ser produtiva: «A economia da informação articulada em rede melhora as capacidades práticas dos indivíduos em tres dimensões: 1) melhora a sua capacidade de fazer mais para e por si mesmos; 2) aumenta a sua capacidade de fazer mais em conexões soltas com outros, sem se sentir contrangidos a organizar os relacionamentos através de um sistema de preços ou nos modelos hierárquicos tradicionais de organização social e econômica; e 3) melhora a capacidade dos indivíduos de fazer mais em organizações formais que operam fora da esfera de mercado»10.

A teoria que corresponde à economia do conhecimento está apenas nascendo. Lawrence Lessig, no seu The Future of Ideas, nos traz uma análise sistemática e equilibrada deste desafio maior que hoje enfrentamos: a gestão da informação e do conhecimento, e a distribuição equilibrada dos direitos. Focando de maneira precisa como se desenvolve a conectividade planetária, o autor leva cada questão – a da apropriação dos meios físicos de transmissão, a do controle dos códigos de acesso, a do gerenciamento dos conteúdos – a um nível que permite uma avaliação realista e a formulação de propostas práticas. O livro anterior dele, Code, já marcou época. O The Future of Ideas é simplesmente brilhante em termos de riqueza de fontes, de simplicidade na exposição, de ordenamento dos argumentos em torno das questões-chave11.

Andamos todos um tanto fracos na compreensão destas novas dinâmicas, oscilando entre visões tétricas do Grande Irmão, ou uma idílica visão da multiplicação das fontes e meios que levariam a uma democratização geral do conhecimento. A realidade, como em tantas questões, é que as simplificações não bastam, e que devemos fazer a lição de casa, estudar o que está acontecendo.

Tomemos como ponto de partida o fato que hoje, quando pagamos um produto, 25% do que pagamos é para pagar o produto, e 75% para pagar a pesquisa, o design, as estratégias de marketing, a publicidade, os advogados, os contadores, as relações públicas, os chamados «intangíveis», e que Gorz classifica na ampla categoria de «o imaterial». É uma cifra vaga mas razoável, e não é a precisão que nos interessa aqui. Interessa-nos o fato do valor agregado de um produto residir cada vez mais no conhecimento incorporado. Ou seja, o conhecimento, a informação organizada, representam um fator de produção, um capital econômico de primeira linha. Não basta, portanto, referir-se de maneira tradicional à terra, capital e mão de obra como fatores de produção. Formas mais inteligentes da sua integração e articulação, permitidas pelas novas tecnologias, passam a constituir o principal fator de valorização dos processos produtivos. A que parâmetros teóricos pertence o valor «conhecimento» incorporado nos produtos?

A lógica econômica do conhecimento é diferente da que rege a produção física. O produto físico entregue por uma pessoa deixa de lhe pertencer, enquanto um conhecimento passado a outra pessoa continua com ela, e pode estimular na outra pessoa visões que irão gerar mais conhecimentos e inovações. O conhecimento faz parte do que chamamos em economia de bens «não rivais». Em termos gerais, portanto, a sociedade do conhecimento acomoda-se mal da apropriação privada: envolve um produto que, quando socializado, se multiplica. É por isso, inclusive, que nos copyrights e patentes, só se fala em propriedade temporária. No entanto, o valor agregado ao produto pelo conhecimento incorporado só se transforma em preço, e consequentemente em lucro maior, quando este conhecimento é impedido de se difundir. Quando um bem é abundante, só a escassez gera valor de venda. A batalha do Séc. XX, centrada na propriedade dos meios de produção, evolui para a batalha da propriedade intelectual do Séc. XXI.

De certa maneira, forma-se uma grande tensão, entre a sociedade realmente existente cada vez mais centrada no conhecimento e o sistema de leis baseado em produtos materiais característicos do século passado. O essencial aqui, é que o conhecimento, uma vez desenvolvido, é indefinidamente reproduzível e, portanto, só se transforma em valor monetário quando alguém dele se apropria, impedindo que outros possam ter acesso sem pagar um pedágio, «direitos». Para os que tentam controlar o acesso ao conhecimento, este só adquire valor de venda ao se criar artificialmente, por meio de leis e repressão e não por mecanismos econômicos, a escassez. Por simples natureza técnica do processo, a aplicação à era do conhecimento das leis da reprodução da era industrial trava o acesso. Curiosamente, impedir a livre circulação de idéias e de criação artística tornou-se um fator, por parte das corporações, de pedidos de maior intervenção do Estado. Os mesmos interesses que levaram a corporação a globalizar o território para facilitar a circulação de bens, levam-na a fragmentar e a dificultar a circulação do conhecimento. É, sem dúvida, liberdade econômica para a corporação, mas às custas da liberdade do usuário.

 

DIREITOS DE QUEM?

A questão central de como produzimos, utilizamos e divulgamos o conhecimento envolve, portanto, um dilema: por um lado, é justo que quem se esforçou para desenvolver conhecimento novo seja remunerado pelo seu esforço. Por outro lado, apropriar-se de uma idéia como se fosse um produto material termina por matar o esforço de inovação. Lessig nos traz o exemplo de diretores de cinema nos Estados Unidos que hoje filmam com advogados na equipe: filmar uma cena de rua onde aparece por acaso um outdoor pode levar imediatamente a que a empresa de publicidade exija compensações; filmar o quarto de um adolescente exige uma longa análise jurídica, pois cada flâmula, poster ou quadro pode envolver uso indevido de imagem, gerando outras contestações. A propriedade intelectual não tem limites?

Numa universidade americana, com a compra das revistas científicas por grandes grupos econômicos, um professor que distribuiu aos seus alunos cópias do seu próprio artigo foi considerado culpado de pirataria. Poderia, quando muito, exigir dos seus alunos que comprem a revista onde está o seu artigo. Todos conhecem a absurda tentativa da Amazon, de proibir outras empresas de utilizar o «one-click» para compras. Um raciocínio de bom senso é que se o «one-click» é bom, deve ter dado lucro à Amazon, que é a forma normal de uma empresa se ver retribuída por uma inovação, e não impedindo outras de utilizar um processo que já era de domínio público. Estamos, na realidade, travando a difusão do progresso, em vez de facilitá-la.

Lessig parte da visão – explícita na Constituição americana – de que o esforço de desenvolvimento do conhecimento deve ser remunerado, mas o conhecimento em si não constitui uma «propriedade» no sentido comum. Por exemplo, numerosas patentes são propriedade de empresas que, por alguma razão, não têm interesse em utilizar ou desenvolver o conhecimento correspondente, ficando assim uma área congelada. Em outros países, prevalece o princípio de «use it or lose it», de que uma pessoa ou empresa não pode paralisar, através de patentes ou de copyrights, uma área de conhecimento. O conhecimento tem uma função social. O meu carro não deixa de ser meu se eu o esqueço na garagem. Mas idéias são diferentes, não devem ser trancadas, o seu desenvolvimento por outros não deve ser impedido. Isto porque o direito de propriedade intelectual não está baseado no direito natural de propriedade, mas no seu potencial de estimular a criatividade futura.

Este argumento deve ser bem entendido pois, apesar dos profissionais da área terem em geral a clareza do referencial jurídico diferenciado que os bens intelectuais representam, na argumentação joga-se com a confusão das pessoas quanto ao que é propriedade intelectual. Um bem físico, a minha bicicleta por exemplo, é uma propriedade que se justifica pelo fato de eu a ter adquirido, não expira depois de 20 anos, não é condicionada. No caso dos bens intelectuais, a premissa básica é de que se trata de bens de domínio público, que devem circular para o enriquecimento da sociedade, e a figura da apropriação privada (via copyrights ou patentes) assegura apenas direito temporário, e só se justifica porque se considerou que conceder um título temporário de propriedade estimularia as pessoas a produzir inovações e, portanto, a enriquecer ainda mais a sociedade em termos culturais e científicos. Todo o conceito de propriedade intelectual repousa, portanto, não no conceito de propriedade em si – com o qual tenta-se inculcar um sentimento de culpa em quem «furta» uma música ao ouvi-la na Internet – mas na utilidade do controle em termos de gerar mais riqueza cultural para todos. Hoje, com copyrights assegurados até 70 anos depois da morte do autor (em alguns casos até 90 anos), e patentes de 20 anos indefinidamente extendidos através de adendos, este direito está ajudando a produzir e difundir cultura e inovações ou, ao contrário, está travando o processo? Esta é a questão central.

Segundo o jurista James Boyle, «mais direitos de propriedade, mesmo quando se supõe que ofereçam maiores incentivos, não necessariamente levam a mais e melhor produção e inovação – às vezes justamente o contrário é verdadeiro. Pode ser que direitos de propriedade intelectual restrinjam a inovação, ao colocar múltiplos entraves no caminho de inovações subsequentes. Usando uma boa inversão da idéia da tragédia dos comuns, Heller e Eisenberg se referem a estes efeitos – os custos de transação causados por uma miríade de direitos de propriedade sobre os necessários componentes de alguma inovação subsequente – como ‘a tragédia dos anti-comuns’»12.

É importante lembrar que o conceito de copyright nasceu para regular relações comerciais de empresas. Se uma empresa imprime o livro, como fica se outra empresa também o imprime? «No mundo dos anos 1950, estas considerações faziam algum sentido – ainda que possamos discordar da definição de interesse público. Muitos assumiam que o copyright não precisava e, provavelmente não devia, regular atos privados não comerciais. A pessoa que empresta um livro a um amigo ou leva um capítulo para a aula é muito diferente da empresa com máquinas impressoras que decide reproduzir mil cópias e vendê-las. A máquina fotocopiadora e o VCR tornaram a distinção mais confusa, e o computador em rede ameaça apagá-la completamente. (...). Numa sociedade em rede, copiar não somente é fácil, é uma parte necessária da transmissão, do armazenamento, do caching, e alguns até diriam, da leitura»13.

Na base desta visão está o fato de que o conhecimento não nasce isolado. Toda inovação se apoia em milhares de avanços em outros períodos, em outros países, e com o crescente encalacramento jurídico multiplicam-se as áreas ou os casos em que realizar uma pesquisa envolve tantas complicações jurídicas que as pessoas simplesmente desistem, ou a deixam para mega-empresas com seus amplos departamentos jurídicos. A inovação, o trabalho criativo, não é só um output, é também um input que parte de inúmeros esforços de pessoas e empresas diferentes. Precisa de um ambiente aberto de colaboração. A inovação é um processo socialmente construído, e deve haver limites à sua apropriação individual.

A empresa que desenvolveu um processo tende a dizer: este processo é meu, durante os próximos 20 anos ninguém pode utilizar o que eu desenvolvi. Gar Alperovitz e Lew Daly fazem um excelente contraponto a esta visão. Como se desenvolvem os processos de inovação? Trata-se de uma ampla construção social, da criação de um ambiente denso em conhecimento e pesquisa, que envolve todo o nosso sistema educacional, imensos investimentos públicos, e um conjunto de infra-estruturas que permitem que estes avanços se generalizem, envolvendo desde a produção de eletricidade, até os sistemas modernos de comunicação e assim por diante. Ou seja, o progresso produtivo que verificamos constitui uma gigantesca maré que levanta todos os barcos.

Levanta todos os barcos, mas a remuneração vai para alguns proprietários, que colocam uma cerca e dizem ter direitos exclusivos, no que tem sido chamado de novo «enclosure movement». As minorias que se apropriam de uma exorbitante parcela da riqueza gerada pela sociedade, apresentam-se como «inovadores», «capitães da indústria», «empreendedores» e outros qualificativos simpáticos, mas a realidade é que conforme cresce de maneira impressionante, durante o último século, o conhecimento acumulado e o nível científico geral da sociedade, a porcentagem de idéias que estas elites acrescentam no estoque geral é mínimo, enquanto a sua apropriação tornou-se absolutamente gigantesca, porque colocam um pedágio no produto final que vai ao mercado.

A apropriação dos intangíveis tanto se dá na mão de poucas corporações, ao nível, por exemplo, dos Estados Unidos, como de poucos países no mundo. Este processo está diretamente ligado às formas modernas de concentração de renda. O 1% de famílias mais ricas dos Estados Unidos se apropria de mais renda do que os 120 milhões na base da sociedade14. No mundo, 97% das patentes está na mão de empresas de países ricos.

Ou seja, há um imenso enriquecimento no topo da pirâmide, baseado não no que estas pessoas aportaram, mas no fato de se apropriarem de um acúmulo historicamente construído durante sucessivas gerações. Trata-se de enriquecimento sem os aportes produtivos correspondentes. Na terminologia do livro, Unjust Deserts, trata-se de uma apropriação não merecida (not deserved), e que está deformando cada vez mais as dinâmicas econômicas e a funcionalidade do que temos chamado de mercado15.

Para dar um exemplo trazido por Alperovitz e Daly, quando a Monsanto adquire controle exclusivo sobre determinado avanço na área de sementes, como se a inovação tecnológica fosse um aporte apenas dela, esquece o processo que sustentou estes avanços. «O que eles não precisam considerar – nunca – é o imenso investimento coletivo que levou a ciência da genética dos seus inícios isolados ao ponto em que a empresa toma a sua decisão. Todo o conhecimento biológico, estatístico e outro sem o qual nenhuma das sementes altamente produtivas e resistentes a doenças poderiam ser desenvolvidas – e todas as publicações, pesquisas, educação, treinamento e instrumentos técnicos relacionados sem os quais o aprendizado e o conhecimento não poderia ter sido comunicado e fomentado em cada estágio particular de desenvolvimento, e então repassado durante o tempo e apropriado, também numa força de trabalho treinada de técnicos e cientistas – tudo isso chega à empresa sem ônus, um presente do passado». Ao colocar um gargalo no produto final, cobra-se um pedágio sobre o conjunto dos conhecimentos anteriormente desenvolvidos16.

É importante ressaltar que não se trata aqui de criticar nem as tecnologias nem a justa remuneração de quem contribui para o seu avanço. Os técnicos nas mais variadas áreas estão desenvolvendo, nesta era da revolução tecnológica, instrumentos impressionantes de progresso. Mas não são os técnicos, nem os cientistas, nem os artistas que desenvolvem as leis que regem a comercialização, a propriação e uso dos aportes criativos: são grupos de pressão, lobbies políticos, escritórios de advocacia, especialistas em marketing e outros negociadores que ditam regras do jogo sem muita preocupação com a utilidade final em termos de sociedade ou com a motivação dos criadores. E estes intermediários, ao tentar maximizar os interesses de um grupo apenas de atores, não estão prestando um bom serviço17.

 

A LIBERDADE DO ACESSO

O problema se agrava drásticamente quando não só as idéias como os veículos da sua transmissão passam a ser controlados. Quando uma produtora de Hollywood controla não só a produção de conteúdos (o filme), mas também os diversos canais de distribuição e até compra as salas de cinema, o resultado é que a liberdade de circulação de idéias se desequilibra radicalmente. Lessig constata que filmes estrangeiros nos Estados Unidos, que representavam, há poucos anos, 10% da bilheteria, hoje representam 0,5%, gerando uma cultura perigosamente isolada do mundo. O que está acontecendo, com o controle progressivo dos três níveis – infra-estrutura física, códigos e conteúdos – é que a liberdade de circulação das idéias, inclusive na Internet, está se restringindo rapidamente. Grandes empresas não param de vasculhar os nossos computadores, através dos «spiders» ou «bots», para ver se, por acaso, não mencionamos sem as devidas autorizações o nome ou um grupo de idéias protegidas.

Um texto de 1813 de Thomas Jefferson é, neste sentido, muito eloquente: «Se há uma coisa que a natureza fez que é menos suscetível que todas as outras de propriedade exclusiva, esta coisa é a ação do poder de pensamento que chamamos de idéia... Que as idéias devam se expandir livremente de uma pessoa para outra, por todo o globo, para a instrução moral e mútua do homem, e o avanço de sua condição, parece ter sido particularmente e benevolentemente desenhado pela natureza, quando ela as tornou, como o fogo, passíveis de expansão por todo o espaço, sem reduzir a sua densidade em nenhum ponto, e como o ar no qual respiramos, nos movemos e existimos fisicamente, incapazes de confinamento, ou de apropriação exclusiva. Invenções não podem, por natureza, ser objeto de propriedade» 18.

Uma empresa que instala uma das infraestruturas importantes que é o cabo de fibra ótica é proprietária deste cabo. Mas ela pode ditar quem pode ou quem não pode ter acesso para transmitir neste cabo? Uma empresa pode encontrar incentivo econômico em fazer acordos com outras empresas, garantindo exclusividade, um tipo de curral de comunicação. A Disney batalhou duramente, por exemplo, para ter este tipo de exclusividade. A crueza das batalhas empresariais neste plano abre pouco espaço para o fim último de todo o processo, tão bem expresso por Thomas Jefferson, que é a utilidade social da circulação das idéias. Um governo pode até privatizar a manutenção de uma estrada e autorizar a cobrança de um pedágio, mas assegura o seu caráter público e nenhuma administradora pode impedir o livre acesso de qualquer pessoa a esta estrada. E na infovia, como funciona? Em muitas cidades americanas, como Chicago, a prefeitura está instalando cabos públicos, para assegurar que os usuários possam receber e transmitir o que querem, reduzindo a pressão de empresas privadas para fazer acordos de acesso exclusivo para determinado tipo de clientes. No Canadá, o processo está se generalizando, em reação aos controles que as empresas estão instalando. Como as estradas, as infovias devem constituir os chamados commons, espaços comuns que permitem que os espaços privados comuniquem, interajam com liberdade.

A análise detalhada do uso do espectro de ondas de rádio e TV é, neste sentido, muito significativa. Na prática, o governo americano concede faixas do espectro a gigantes da comunicação, como o fazemos no Brasil, eliminando virtualmente a possibilidade de cada comunidade ter os seus meios de comunicação, coisa hoje técnicamente perfeitamente possível e barata. O que nos repetem sempre, é que o espectro é limitado, e portanto deve ser atribuído a alguns, e estes alguns naturalmente buscam monopolizar o acesso. Na prática, geramos uma patética «Berlusconi society» .

O primeiro fato é que a emissão de curto alcance (low power radio service) é perfeitamente possível e não deveria ser condenada como pirataria. O segundo, mais importante, é que a idéia do espectro ser limitado é apresentada como argumento pelas empresas, mas é verdadeira apenas porque utilizam tecnologias que desperdiçam o espectro: como têm o monopólio, não se interessam por exemplo pelo compartilhamento de faixas (software defined radios) que permitem utilizar as ondas da mesma forma que em outros meios, aproveitando os «silêncios» e subutilizações de espectro para assegurar diversas comunicações simultâneas, como hoje acontece em qualquer linha telefônica. Lessig é duro com esse impressionante desperdício de uma riqueza tão importante – e natural, não foi criada por ninguém, tanto assim que é concedida por licença pública – que é o espectro eletromagnético: «Poluição é precisamente a maneira como deveríamos considerar estas velhas formas de uso do espectro: torres grandes e estúpidas invadem o éter com emissões poderosas, tornando inviável o florecimento de usos em menor escala, menos barulhentos e mais eficientes… A televisão comercial, por exemplo, é um desperdiçador extraordinário de espectro; na maior parte dos contextos, o ideal seria transferi-la do ar para cabos» 19.

Lessig é um pragmático. No caso do espectro, por exemplo, propõe que se expanda em cada segmento do espectro uma faixa de livre acesso, equilibrando a apropriação privada. Nas várias áreas analisadas, busca soluções que permitam a todos sobreviver. Mas a sua preocupação é clara. Em livre tradução, «a tecnologia, com estas leis, nos promete agora um controle quase perfeito sobre o conteúdo e a sua distribuição. E é este controle perfeito que ameaça o potencial de inovação que a Internet promete»20.

 

O CUSTO DO ACESSO

Rifkin analisa o mesmo processo de outro ponto de vista, pondo em evidência em particular o fato da economia do conhecimento mudar a nossa relação com o processo econômico em geral. O argumento básico é que estamos passando de uma era em que havia produtores e compradores, para uma era em que há fornecedores e usuários. A mudança é profunda. Na prática, não compramos mais um telefone (ou a compra é simbólica). Mas pagamos todo mês pelo direito de usá-lo, de nos comunicarmos. Pagamos também para ter acesso a programas de televisão um pouco mais decentes. Já não pagamos uma consulta médica: pagamos mensalmente um plano para ter direito de acesso a serviços de saúde. A nossa impressora custa uma bagatela, o importante é nos prender na compra regular do toner exclusivo21.

Os exemplos são inúmeros. Rifkin define esta tendência como caracterizando «a era do acesso». No nosso A Reprodução Social já analisamos esta tendência, que caracterizamos com o conceito de «capitalismo de pedágio». Basta ver o montante de tarifas que pagamos para ter direito aos serviços de um banco, ou como os condomínios de praia fecham o acesso a um pedaço de mar, e na publicidade nos «oferecem», como se as tivessem criado, as suas maravilhosas ondas. O acesso gratuito ao mar não enche os bolsos de ninguém. Fechemos pois as praias22.

Assim o capitalismo gera escassez, pois a escassez eleva os preços. Nesta lógica do absurdo, quanto menos disponíveis os bens, mais ficam caros, e mais adquirem valor potencial para quem os controla. Nada como poluir os rios para nos obrigar a um «pesque-pague», ou a nos induzir a comprar água «produzida». Nada como impedir ou dificultar o nosso acesso ao Skype para obrigar-nos a gastar mais na telefonia celular tradicional.

Com isto, vão desaparecendo os espaços gratuitos, e ficamos cada vez mais presos na corrida pelo aumento da nossa renda mensal, sem a qual nos veremos privados de uma série de serviços essenciais, inclusive a participação na cultura que nos cerca. Viver deixa de ser um passeio, ou uma construção que nos pertence, para se transformar numa permanente corrida de pedágio em pedágio. Onde antes as pessoas tinham o prazer de tocar um instrumento, hoje pagam o direito de acessar a música. Onde antes jogavam uma pelada na rua, hoje assistem a um espetáculo esportivo, enquanto mastigam salgadinhos no sofá, tudo graças ao «pay-per-view». O que estamos construindo, é um permanente «pay-per-life».

O deslocamento teórico é significativo. O proprietário de meios de produção tinha a chave da fábrica, bem físico que constituia uma propriedade concreta: hoje é dono de um processo e cobra pela sua utilização. E como os processos tornam-se cada vez mais densos em informação e conhecimento, assumem maior importância a propriedade intelectual, as patentes e os copyrights. O conhecimento constitui um bem que não deixa de pertencer a alguém quando o passa a outros, – e estamos na era da tecnologia da conectividade. Assim a sua facilidade de disseminação torna-se imensa, e a apropriação privada gera entraves. Vemos assim todo o peso da constatação de Gorz vista acima, de que «os meios de produção se tornaram apropriáveis e suscetíveis de serem partilhados». Em termos técnicos, o conhecimento é um bem cujo consumo não reduz o estoque. Não é à toa que a negociação TRIPs (Trade Related Intellectual Property) constitui o principal debate na Organização Mundial do Comércio e está no centro das lutas por uma sociedade livre. Onde no século passado a batalha era em torno da propriedade dos bens de produção, hoje se deslocou para a área da economia da criatividade.

 

O ACESSO DESIGUAL

Como escreve Stiglitz, «a inovação está no coração do sucesso de uma economia moderna. A questão é de como melhor promovê-la. O mundo desenvolvido arquitetou cuidadosamente leis que dão aos inovadores um direito exclusivo às suas inovações e aos lucros que delas fluem. Mas a que prêço? Há um sentimento crescente de que algo está errado com o sistema que governa a propriedade intelectual. O receio é que o foco nos lucros para as corporações ricas represente uma sentença de morte para os muito pobres no mundo em desenvolvimento»23.

Por exemplo, explica Stiglitz, «isto é particularmente verdadeiro quando patentes tomam o que era previamente de domínio público e o ‘privatizam’ – o que os juristas da Propriedade Intelectual têm chamado, como vimos, de novo «enclosure movement». Patentes sobre o arroz Basmati (que os indianos pensavam conhecer havia centenas de anos), ou sobre as propriedades curativas do turmeric (gengibre) constituem bons exemplos».

Segundo o autor, «os países em desenvolvimento são mais pobres não só porque têm menos recursos, mas porque há um hiato em conhecimento. Por isto o acesso ao conhecimento é tão importante. Mas ao reforçar o controle (stranglehold) sobre a propriedade intelectual, as regras de PI (chamadas TRIPS) do acordo de Uruguay reduziram o acesso ao conhecimento por parte dos países em desenvolvimento. O TRIPS impôs um sistema que não foi desenhado de maneira ótima para um país industrial avançado, mas foi ainda menos adequado para um país pobre. Eu era membro do Conselho Econômico do presidente Clinton na época em que a negociação do Uruguay Round se completava. Nós e o Office of Science and Technology Policy nos opunhamos ao TRIPS. Achávamos que era ruim para a ciência americana, ruim para o mundo da ciência, ruim para os países em desenvolvimento» Stiglitz (2006).

A questão assumiu uma dimensão mais dramática quando, com o colapso climático mundial, torna-se necessário assegurar ao mundo inteiro acesso às mais avançadas tecnologias que permitam substituir práticas intensivas em emissão de gazes de efeito de estufa. A recomendação do relatório das Nações Unidas World Economic and Social Survey 2009, considera essencial, para reduzir a pressão dos desastres ambientais no terceiro mundo, buscar um «regime equilibrado de propriedade intelectual para a transferência de tecnologias». Além de sugerir de se aproveitar ao máximo as «flexibilidades» existentes no sistema, o Survey sugere que «opções como permitir que os países em desenvolvimento possam excluir setores críticos do controle de patentes, bem como um ‘pool’ global de tecnologia para enfrentar a mudança climática, merecem séria consideração, já que estas opções permitiriam ter segurança e previsibilidade no acesso às tecnologias e, além disso, estimulariam a tão necessária pesquisa e desenvolvimento para uma adaptação local e difusão, o que reduziria os custos das tecnologias. Além do mais, modalidades de acesso às tecnologias com financiamento público para empresas de países em desenvolvimento precisam ser exploradas»24. Vemos aqui, num relatório de grande importância internacional, explicitada a necessidade de se ir além do protecionismo das patentes. É igualmente curioso constatar que isto não significaria um entrave, e sim um estímulo à «tão necessária pesquisa e desenvolvimento», além de uma redução de custos.

É uma tomada de posição importante, nesta época em que é bom tom respeitar a propriedade intelectual, sem que as pessoas se dêm conta que estamos essencialmente respeitando a sua monopolização e controle por intermediários. Precisamos de regras mais flexíveis e mais inteligentes, e sobretudo reduzir os prazos absurdos de décadas que extrapolam radicalmente o tempo necessário para uma empresa recuperar os seus investimentos em novas tecnologias. Quanto a patentear bens naturais de países pobres para em seguir cobrar royalties sobre produções tradicionais, já é simplesmente extorsão. A pirataria, neste caso, vem de cima25.

Assim, a economia do conhecimento desenha uma nova divisão internacional do trabalho, entre os países que se concentram nos intangíveis – finanças internacionais, pesquisa e desenvolvimento, design, advocacia, contabilidade, publicidade, sistemas de controle – e os que continuam com tarefas centradas na produção física. Onde antigamente tínhamos a produção de matérias-primas num pólo, e produtos industriais no outro, hoje passamos a ter uma divisão mais fortemente centrada na divisão entre produção material e produção imaterial.

Uma leitura particularmente interessante sobre este tema é o livro de Chang, Chutando a Escada, que mostra como os países hoje desenvolvidos se apropriaram dos conhecimentos gerados em qualquer parte do mundo, por meio de cópia, roubo ou espionagem, sem se preocuparem na época com a propriedade intelectual. Utilizaram a escada para subir, e agora a chutaram para o lado, impedindo outros de seguirem o seu caminho. O que seria do Japão, ou da Coréia, se tivessem sido obrigados a fechar pudicamente os olhos sobre as inovações no resto do mundo, ou a pagar todos os royalties? O livro de Chang é extremamente bem documentado, e mostra como, antes dos asiáticos, os Estados Unidos já adotaram as mesmas práticas relativamente à Inglaterra, bem como a Inglaterra as adotou relativamente à Holanda. O livre acesso dos países pobres ao conhecimento, condição essencial do seu progresso e do reequilibramento planetário, é hoje sistematicamente travado, quando deveria ser favorecido e subvencionado, para reduzir as tragédias sociais e ambientais que se avolumam26.

(A concluir no próximo número)

 

O presente artigo baseia-se em parte no capítulo «Economia do conhecimento» do nosso Democracia Econômica, Ed. Vozes, 2008.

 

 

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NOTAS

1«Se a natureza fez alguma coisa menos suscetível do que qualquer outra de constituir propriedade exclusiva, é a ação do poder do pensamento que chamamos de idéia».

2«O objetivo do copyright é de encorajar a produção e acesso a obras culturais. Desempenhou o seu papel encorajando a produção. Agora opera como uma cerca para impedir o acesso» (Boyle, p. 224).

3LESSIG, Lawrence, Remix, p. 39.

4«As a recent survey by the market research firm NPD Group indicated,‘more than two-thirds of all the music college students acquired was obtained illegally’, citado por Lawrence Lessig, em Remix, p. 111. Lessig considera que devemos «reformar leis que tornam criminosa a maior parte do que os nossos filhos fazem com os seus computadores» (p. 19).

5BOYLE, James (2008), The Public Domain: Enclosing the Commons of the Mind, Yale University Press, New Haven & London, , p. 224. No original em inglês: «The majority of sound recordings made more than forty years ago are commercially unavailable. After fifty years, only a tiny percentage is still being sold. It is extremely hard to find the copyright holders of the remainder. They might have died, gone out of business, or simply stopped caring. Even if the composer can be found, or paid through a collection society, without the consent of the holder of the copyright over the musical recording, the work must stay in the library. These are ‘orphan works’ – a category that probably comprises the majority of twentieth-century cultural artifacts. Yet as I pointed out earlier, without the copyright holder’s permission, it is illegal to copy or redistribute or perform these works, even if it is done on a nonprofit basis. The goal of copyright is to encourage the production of, and public access to, cultural works. It has done its job in encouraging production. Now it operates as a fence to discourage access. As the years go by, we continue to lock up to 100 percent of our recorded culture from a particular year in order to benefit an ever-dwindling percentage – the lottery winners – in a grotesquely inefficient cultural policy» (p. 224).

6Ver o artigo de Jorge Machado sobre a adesão de Paulo Coelho à «Carta de São Paulo» sobre propriedade intelectual, em http://www.gpopai.usp.br/boletim/article88.html. «Pensei que isto é fantástico. Dar ao leitor a possibilidade de ler o nosso livro e escolher se o quer comprar ou não», diz Paulo Coelho, que criou o blog www.piratecoelho.wordpress.com. Paulo Coelho é, sem dúvida, um «ganhador na loteria», mas entendeu o absurdo do processo.

7BIAGINI, Cédric e CARNINO, Guillaume (2009), «Biblioteca de Bolso», Le Monde Diplomatique Brasil, Setembro, p. 38.

8CASTELLS, Manuel, The Rise of the Network Society, vol. I, p. 75. Castells considera que este novo fator de produção exige intervenção pública: «Deregulation and privatization may be elements of states’ development strategy, but their impact on economic growth will depend on the actual content of these measures and on their linkage to strategies of positive intervention, such as technological and educational policies to enhance the country’s endowment in informational production factors» (idem, ibid., p. 90).

9GORZ, André (2005), O Imaterial: Conhecimento, Valor e Capital, Ed. Annablume, São Paulo, p. 21. O original fra ncés, L’Immatériel, foi publicado em 2003. Yochai Benkler, em particular, insiste muito no fato de que hoje uma pessoa não precisar de investimentos pesados para ser produtiva na era do conhecimento.

10BENKLER, Yochai, (2009), The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets And Freedom, Yale University Press, New Haven, Londres, p. 8, no original: «The networked information economy improves the practical capacities of individuals along three dimensions: (1) it improves their capacity to do more for and by themselves; (2) it enhances their capacity to do more in loose commonality with others, without being constrained to organize their relationship through a price system or in traditional hierarchical models of social and economic organization; and (3) it improves the capacity of individuals to do more in formal organizations that operate outside the market sphere». É significativo o fato do autor disponibilizar o seu livro gratuitamente online em http://www.benkler.org.

11LESSIG, Lawrence ( 2001) , The Future of Ideas: The Fate of the Commons in a Connected World , Random House, Nova Iorque, 340 pp.

12No original: «More property rights, even though they supposedly offer greater incentives, do not necessarily make for more and better production and innovation – sometimes just the opposite is true. It may be that the intellectual property rights slow down innovation, by putting multiple roadblocks in the way of subsequent innovation. Using a nice inversion of the idea of the tragedy of the commons, Heller and Eisenberg referred to these effects – the transaction costs caused by myriad property rights over the necessary components of some subsequent innovation – as the tragedy of the ‘anticommons’», BOYLE, James, The Public Domain, p. 49, itálico do autor. O conceito de «commons» é de difícil tradução. Trata-se de bens de propriedade comum, da comunidade. Temos encontrado o conceito de «domínio público».

13No original: «In the world of the 1950s, these assumptions make some sense – though we might still disagree with the definition of the public interest. It was assumed by many that copyright need not and probably should not regulate private, noncommercial acts. The person who lends a book to a friend or takes a chapter into class is very different from the company with a printing press that chooses to reproduce ten thousand copies and sell them. The photocopier and the VCR make that distinction fuzzier, and the networked computer threatens to erase it altogether. (…) In a networked society, copying is not only easy, it is a necessary part of transmission, storage, caching, and, some would claim, even reading» (Boyle, p. 51).

14Um seguimento sistemático da concentração de renda nos EUA pode ser encontrado no site www.toomuch.org e nos trabalhos de Sam Pizzigati, publicados no mesmo. No planeta, ver The Inequality Predicament (2005), ONU, Nova Iorque.

15Joseph Stiglitz deve o seu prêmio Nobel do Banco da Suécia ao estudo dos impactos da assimetria da informação. O livre acesso ao conhecimento é assunto bem mais amplo do que as brigas das editoras e outras empresas que fornecem suporte físico a bens culturais. A impressionante acumulação de fortunas por especuladores financeiros está também diretamente ligada ao acesso desigual à informação. Hoje, segundo a revista The Economist, 40% do lucro corporativo nos Estados Unidos vem de renda financeira: «In America the industry’s share of total corporate profits climbed from 10% in the early 1980s to 40% at its peak in 2007», «A special report on the future of finance», The Economist, 2009, 24 de Janeiro, p. 20.

16ALPEROVITZ, Gar e DALY Lew, (2008), Unjust Deserts The New Press, Londres, Nova Iorque, p. 55. «What they do not have to consider – ever – is the huge collective investment that brought genetic science from its isolated beginnings to the point at which the company makes its decision. All of the biological, statistical, and other knowledge without which none of today’s highly productive and disease-resistant seeds could be developed – and all of the publication, research, education, training and related technical devices without which learning and knowledge could not have been communicated and nurtured at each particular stage of development, and then passed on over time and embodied, too, in a trained labor force of technicians and scientists – all of this comes to the company free of charge, a gift of the past».

17Nas mais variadas áreas econômicas, são cada vez menos os produtores – os «engenheiros» do processo econômico, digamos assim, os que desenvolvem processos tecnológicos e produtivos – que controlam o mundo corporativo, e cada vez mais holdings interempresarias, marketeiros, empresas de intermediação financeira, jurídica e semelhantes. Desenvolvemos este conceito do controle dos processos produtivos através dos «intangíveis» em Democracia Econômica, Ed. Vozes, 2008.

18Lessig (2001), op. cit., p. 94, citando T. Jefferson: «If nature has made any one thing less susceptible than all others of exclusive property, it is the action of the thinking power called an idea… That ideas should freely spread from one to another over the globe, for the moral and mutual instruction of man, and improvement of his condition, seems to have been peculiarly and benevolently designed by nature, when she made them, like fire, expansible over all space, without lessening their density at any point, and like the air in which we breathe, move, and have our physical being, incapable of confinement, or exclusive appropriation. Inventions then cannot, in nature, be a subject of property.» Ver também Boyle, op. cit., p. 20.

19LESSIG, Lawrence, op. cit., p. 243.

20Idem, p. 249.

21RIFKIN, Jeremy (2001), The Age of Access, Penguin Books, Nova Iorque, publicado no Brasil como A Era do Acesso, pela Makron Books em 2001. Esta necessidade de pagar pedágio sobre tudo o que fazemos pode ser opressiva. Muitos investem as suas poupanças na casa própria, na segurança de um teto que não dependerá da capacidade oscilante de pagar o aluguel. Hoje, tudo passa a depender de inúmeros «aluguéis», e não vemos no horizonte a perspectiva de vivermos mais tranquilos. Uma pessoa que, por alguma razão, perde a sua fonte de renda, se vê assim rigorosamente excluída de um conjunto de serviços que exigem regularidade de pagamento. A situação particularmente dramática dos aposentados de baixa renda tem hoje também de ser vista nesta perspectiva mas, na realidade, estamos todos nos sentindo cada vez mais acuados. O pedágio está a cada passo da nossa vida. Bons tempos em que nos queixávamos apenas dos impostos públicos. O conceito de acesso público gratuito está voltando com força, pelo simples bom senso dos consumidores, e pela compreensão das dimensões discriminatórias geradas pela apropriação privada.

22DOWBOR, Ladislau (2003), A Reprodução Social , Ed. Vozes, Petrópolis.

23STIGLIT Z, Joseph ( 2006), «A better way to crack it», New Scientist, 16 de Setembro, p. 20.

24No original em inglês: «A balanced intellectual property regime for technology transfer: Options such as allowing developing countries to exclude critical sectors from patenting, as well as a global technology pool for climate change, merit serious consideration, as these options would provide certainty and predictability in accessing technologies and further enable much-needed research and development for local adaptation and diffusion, which would further reduce the cost of the technologies. In addition, modalities for access to publicly funded technologies by developing-country firms need to be explored» UN (2009), World Economic and Social Survey 2009, Overview, p. 21.

25Nos casos do cupuaçu, do açaí e da familiar rapadura, por exemplo, o Brasil teve de empreender batalhas jurídicas internacionais para recuperar os direitos apropriados por patentes na Alemanha, nos Estados Unidos e no Japão. Países mais fracos não têm sequer como enfrentar o problema. A biopirataria é um problema muito amplo, mas os piratas de olhos azuis não ocupam os mesmos espaços na mídia.

26CHANG, Ha-Joon (2002), Kicking Away the Ladder: Development Strategy in Historical Perspective, Anthem Press, Londres. No Brasil, edição da Unesp, 2003; em outro livro, Globalization, Economic Development and the Role of the State, Chang apresenta os resultados das diversas pesquisas realizadas sobre os impactos do protecionismo assim gerado pelos países desenvolvidos e conclui: «Demonstramos que não há base teórica nem empírica para apoiar o argumento de que uma forte proteção dos direitos privados de propriedade intelectual é necessária para o progresso tecnológico e portanto para o desenvolvimento econômico, particularmente para os países em desenvolvimento». O «a quem aproveita» aqui é claro: 97% das patentes do mundo pertencem aos países desenvolvidos, (p. 293). A ampliação da abrangência de patentes e copyrights constitui na realidade uma nova forma de protecionismo, adaptada à economia do conhecimento, como o são as tarifas aduaneiras sobre bens físicos, tão denunciadas pelos adeptos da globalização.