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Economia Global e Gestão

versão impressa ISSN 0873-7444

Economia Global e Gestão v.14 n.2 Lisboa set. 2009

 

Os senhores da crise[1]

José Manuel Rolo*

 

RESUMO: A crise financeira global é o resultado da adopção e da implementação pelos EUA, durante cerca de trinta anos, de uma política económica liberal que apostou na desregulamentação dos mercados. Num contexto macroeconómico extremamente favorável, a Administração americana tardou a identificar a formação de uma enorme bolha imobiliária que, quando rebentou, provocou uma contracção do crédito sem precedentes que, por sua vez, desencadeou uma crise financeira que alastrou a todo o mundo e provocou uma recessão económica generalizada, a maior desde a década de 1930. As fortes, e por vezes incoerentes, reacções à crise não deram, até agora, os resultados esperados.

Palavras-chave : Oligarquias Financeiras, Bolha Imobiliária nos EUA, Crise Financeira Internacional, Recessão Económica Global

 

TITLE: The lords of the crisis

ABSTRACT: The financial global crisis is the result of the adoption and implementation by the USA, in the last thirty years, of a liberal economic policy that bet in the markets deregulation. Within the framework of a benign macroeconomic context, the Administration took to much time to identify the formation of an enormous housing bubble whose burst, was the cause of an unprecedent credit crunch, that originated a tremendous global financial crisis and a world recession, the greatest since the 1930s. Up to now, the strong and sometimes incoherent reactions to the crisis gave results that lie far behind the expectations.

Key words: Financial Oligarchies, Housing Bubble in the USA, International Financial Crisis, Global Economic Recession

 

 

As crises não são obra do acaso nem constituem fatalidades inerentes ao funcionamento do sistema capitalista. Ao contrário, elas são o resultado da actividade de agentes económicos que, em determinados momentos, se encontram em posição e dispõem de meios para se aproveitar das falhas do sistema, mesmo que isso colida com a preservação do interesse colectivo.

Neste artigo, a primeira secção sugere que existe uma classe de pessoas, que, aliás, constitui uma oligarquia, que, desde a formação do sistema capitalista, está persistentemente associada à ocorrência de crises. Na segunda secção expõem-se algumas das razões que levaram à desregulamentação dos mercados financeiros e recordam-se as principais consequências que daí advieram para o funcionamento desses mercados. A terceira secção mostra, resumidamente, como, num ápice, se passou da prosperidade à recessão económica. A quarta secção dá conta das reacções à crise, nomeadamente dos esforços desenvolvidos para impedir o colapso do sistema financeiro e da economia mundiais. E, finalmente, na quinta secção, sintomaticamente intitulada «O epicentro da crise», sublinha-se o nefasto papel que as ideias liberais e o modelo de desenvolvimento dos EUA desempenharam em todo este processo que deixou o mundo à beira do abismo.

 

OS BANKSTERS

Em inglês, a palavra bankster é um neologismo derivado da fusão dos substantivos banker e gangster, duas palavras que denominam profissões/actividades que, não raras vezes, mostraram ter inesperadas afinidades. Os banksters são banqueiros que se envolvem em dodgy dealings, ou seja, negócios duvidosos, evasivos, questionáveis, suspeitos, incompreensivelmente complicados ou mesmo ilegais[2] .

O termo banksters apareceu nos EUA na década de 1930, no rescaldo do crash das bolsas de valores, que levou à falência milhões de pequenos investidores e que esteve na origem dos graves problemas económicos e sociais a que os historiadores chamaram a Grande Depressão.

O termo terá sido inventado por Ferdinand Pecora, um conceituado advogado e juiz americano que ficou famoso enquanto Chief Counsel do Senate Committee on Banking and Currency durante as investigações sobre o papel desempenhado pelas instituições financeiras de Wall Street no desencadeamento do crash. As investigações de Pecora puseram a descoberto provas de incontáveis irregularidades cometidas pelos tais banksters nos mercados financeiros que, invariavelmente, tinham a particularidade de beneficiar um círculo relativamente restrito de pessoas ricas e poderosas e de prejudicar um grande número de investidores comuns.

Foi na sequência das investigações de Pecora que o Congresso aprovou o Securities Act of 1933 e o Securities Exchange Act of 1934, duas leis federais destinadas a disciplinar os mercados de títulos.

Em 1934, já depois de terminadas as investigações aos mercados financeiros, o Presidente Roosevelt nomeou-o Commissioner da então recém-criada Securities and Exchange Commission (SEC), instituição onde permaneceu pouco tempo, até Janeiro de 1935, quando preferiu aceitar o cargo de juiz do New York State Supreme Court.

Em 1939, Pecora escreveu um livro, ainda hoje considerado exemplar, intitulado Wall Street Under Oath: The Story of Our Modern Money Changers, onde relatou a sua experiência à frente do Senate Committee on Banking and Currency.

Os teóricos do conspiracionismo não desdenhariam da ideia de que os que hoje são denominados banksters terão sido uma criação dos illuminati, que remonta ao tempo das repúblicas italianas, quando a base financeira do sistema capitalista começou a adquirir complexidade e poder. Tratar-se-ia de grupos de pessoas especialmente habilitadas a lidar com questões financeiras e que estavam ao serviço de sociedades secretas que se atribuíam a tarefa de gerir, secretamente, os destinos do mundo.

Em 1816, ao declarar que «(…) as instituições bancárias são mais perigosas do que exércitos em armas (…)», Thomas Jefferson pressentiu a presença nefasta dos antepassados dos banksters no sistema financeiro de então e antecipou e denunciou o papel negativo que estes poderiam vir a protagonizar na construção do presente e na projecção do futuro dos EUA e do mundo[3] .

Os sucessivos «pânicos» financeiros ocorridos ao longo do Séc. XIX e no início do Séc. XX, tanto nos EUA como na Europa, como no resto do mundo (1819, 1825 – falência de vários bancos ingleses e quase falência do Banco de Inglaterra; 1837, 1857, 1869, 1873, 1882 – crash da bolsa de Paris; 1884, 1893 e 1896, 1901, 1907, 1910 – crise da bolsa de mercadorias de Shangai; 1929 – crash da Bolsa de Nova Iorque), com os seus infindáveis cortejos de crashes, falências de bancos, recessões económicas e correspondentes problemas sociais, não fizeram senão confirmar os receios de Jefferson de que o sistema financeiro era dominado por banqueiros gananciosos e sem escrúpulos, exclusivamente motivados pelos seus objectivos de enriquecimento pessoal, aos quais só faltava dar um nome que, finalmente, lhes foi atribuído por Pecora no rescaldo da Grande Depressão.

São estas pessoas cada vez mais ricas, mais poderosas, mais organizadas e mais influentes (banksters e também especuladores internacionais e aventureiros) que se encontram associadas umas vezes ao desencadeamento, outras vezes ao desenvolvimento e quase sempre ao aproveitamento de crises financeiras mais recentes, com destaque para o crash da Bolsa de Londres, subsequente ao aumento dramático do preço do petróleo agravado pela greve dos mineiros e pela queda do governo de Heath (1973-1974); a chamada crise da dívida da América Latina com origem no México (1980); a célebre crise das Savings & Loans (S&L) nos EUA, que levou à falência 747 entidades financeiras e custou aos contribuintes americanos mais de 160 biliões de dólares (1989-1991); o colapso da bolha especulativa no Japão, que provocou um longo processo deflacionista e ainda hoje faz sentir alguns dos seus perniciosos efeitos (1990s); os ataques especulativos a moedas do Mecanismo das Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu (1992-1993); a crise económica do México, provocada por um violento ataque especulativo ao peso mexicano, que conduziu ao incumprimento do serviço da dívida do país e o deixou à beira da ruína (1994-1995); a crise financeira asiática provocada por um sell-off especulativo generalizado, que teve repercussões ruinosas na Tailândia, em Hong-Kong, na Coreia do Sul e mercados adjacentes, levando a desvalorizações de moedas e a crises bancárias um pouco por toda a Ásia (1997-1998); a crise financeira da Rússia, que provocou a desvalorização do rublo e o incumprimento da dívida russa (1998); a crise das dot-com, resultante do colapso da bolha tecnológica (2000); a crise económica argentina, que provocou o colapso do sistema financeiro argentino, levou ao incumprimento da dívida e destruiu a classe média argentina (1999-2002); a chamada Correcção Chinesa, provocada por inesperados sell-offs que levaram a uma queda significativa do Shangai Stock Exchange Composite Índex, que, por sua vez, provocou a queda das bolsas mundiais (2007); e, finalmente, a crise que estamos vivendo e cujo fim não se vislumbra, a chamada Crise Financeira Global. Esta foi desencadeada pelo rebentamento da bolha imobiliária nos EUA, para cedo se transformar numa crise do crédito a nível mundial, deixando os sistemas bancários julgados mais sólidos à beira do colapso, o que abriu a porta a uma recessão generalizada cuja evolução está longe de ser controlada e onde, em lugar da tão apregoada «mão invisível», mais do que em qualquer outra grande crise do sistema capitalista mundial, é notória a influência da «mãozinha predadora» dos banksters e dos seus acólitos de ocasião (2007-…).

 

O QUE É BOM PARA WALL STREET É BOM PARA A AMÉRICA?

A seguir à Grande Depressão e ao longo dos anos, a Administração americana adoptou várias leis federais destinadas a disciplinar a actividade das instituições financeiras. O Glass-Steagall Act de 1933 e o Bank Holding Company Act de 1956 foram das mais influentes. No seu conjunto, estas leis estabeleceram um princípio de especialização de actividades que levou a uma clara separação das actividades dos bancos, das companhias de seguros e das empresas que transaccionavam títulos. O sector passou a ser constituído por bancos de poupança, bancos comerciais, bancos de investimento, empresas de corretagem, fundos mútuos, empresas hipotecárias e companhia de seguros, todos eles operando no exclusivo contexto determinado pelas respectivas leis.

Durante várias décadas, o sector desempenhou satisfatoriamente as suas funções e contribuiu para uma significativa estabilização dos mercados financeiros.

Desde o princípio dos anos 1980, porém, com a subida ao poder de Ronald Reagan, as ideias liberais ganharam um novo fôlego. A crença na eficiência e na auto-regulação dos mercados, associada a uma multiplicidade de factores de ordem política, justificaram um impressionante processo de desregulamentação dos mercados onde avultam: a insistência na liberalização dos movimentos de capitais a nível mundial; a revogação das leis do tempo da Grande Depressão e similares; a oposição do Congresso à regulamentação dos mercados de derivados, com destaque para os credit-default swaps (o célebre caso Brooksley Born, que abordaremos noutra sede); o significativo aumento do leverage permitido aos bancos de investimento; a moderação da acção da SEC enquanto regulador dos mercados financeiros; a promoção de acordos internacionais destinados a conceder aos bancos competências na determinação do grau de risco das suas próprias operações; e, finalmente, uma falha intencional de proceder à actualização atempada das leis crescentemente incapazes de acompanhar o impressionante avanço da chamada inovação financeira[4] .

Neste novo contexto institucional, progressivamente liberta das restrições dos tempos da Grande Depressão, a indústria financeira começou por empreender um imparável processo de concentração empresarial.

Numa primeira e prolongada fase, os alvos foram as pequenas empresas regionais e locais (bancos de poupança, bancos comerciais, bancos de investimento, empresas de corretagem, fundos, empresas hipotecárias e companhias de seguros), que desapareceram na sua grande maioria absorvidas pelas grandes instituições financeiras de Wall Street. O processo de concentração foi tão ostensivamente assumido, que nem o conhecido escândalo das chamadas S & L, já referido acima (que ocorreu entre finais dos anos 1980 e princípios dos anos 1990 e foi o resultado da desregulamentação da actividade destas thrifts), serviu, ao menos, para parar e pensar um pouco! Diga-se de passagem que a história das S & L antecipou, no seu tempo e à sua escala, muitos dos problemas que estiveram na origem da recessão em que o sistema mundial está mergulhado. Nunca é de mais recordar que a actual crise começou por ser uma crise do sector imobiliário, que cedo se transformou numa crise do crédito bancário, que deu lugar a uma crise financeira, primeiro, localizada e, depois, internacionalizada, que redundou numa recessão que se espera não passe disso!

Numa segunda fase, mais recente, nem algumas das grandes empresas escaparam ao processo de concentração, como é o caso da Countrywide Securities e da Merril Lynch, ambas engolidas pelo Bank of América (a última com a prestimosa e, ao que parece, ilegal ajuda do Secretário do Tesouro Paulson) e do Bear Sterns, que se diluiu no J. P. Morgan Securities. Isto para não falar da falida e desaparecida Lehman Brothers, que foi uma notória vítima de todo este processo.

O que é um facto é que, em 1988, havia 46 primary dealers e, hoje, só há 16, onde se destacam o Citigroup, o JPMorgan Chase & Co., o Bank of America, o Goldman Sachs e o Morgan Stanley. Enquanto primary dealers, estas instituições participam nas operações de mercado aberto do FED e são clientes habituais dos seus leilões, onde habitualmente são convidados a subscrever montanhas de títulos do Tesouro. Por outras palavras, sem estas poderosas instituições, muito apropriadamente consideradas to big to swallow/to big to fail, a Administração americana veria seriamente afectada a sua capacidade para captar recursos destinados ao financiamento das suas actividades correntes.

Em paralelo com este processo de concentração, nos anos 1980, quando a volatilidade das taxas de juro tornou o negócio das obrigações altamente rentável, a indústria financeira, ao mesmo tempo que ganhava muito dinheiro, desencadeou um vasto processo de modernização e inovação, inventando a titularização, os swaps de taxas de juro e de créditos mal parados, as mais variadas formas de produtos derivados e por aí fora. Por essa altura, os baby-boomers, ainda eles, estavam ricos e, ao entrar na reforma, desataram a investir em títulos, no que foram seguidos por outras largas camadas da população americana mais abastada.

No seu conjunto, todos estes desenvolvimentos criaram enormes oportunidades e generosos lucros no sector dos serviços financeiros, que se transformou numa indústria altamente lucrativa.

O boom começou nos anos de Reagan, mas só ganhou força nas Administrações de Clinton e Bush e, claro, as grandes beneficiárias foram as instituições de Wall Street. Senão vejamos: entre 1973 e 1985, o sector financeiro nunca ganhou mais do que 16% dos lucros totais das empresas americanas; em 1986, este número atingiu os 19%; nos anos de 1990, oscilou entre os 21% e os 30%; nesta década chegou a atingir os 41%.

As compensações pecuniárias dos agentes do sector, bónus e golden parachutes não incluídos, também evoluíram generosamente. Entre 1948 e 1982, elas variaram entre 99% e 108% da média das compensações praticadas no total das indústrias privadas americanas. Desde 1983, essa percentagem não cessou de crescer, tendo atingido 181% em 2007[5] .

A enorme riqueza criada e acumulada pela indústria financeira americana nestes últimos 25 anos, que no pico do sucesso terá atingido 50% da riqueza criada nos EUA, constitui motivo de reflexão. Por um lado, ela demonstra que os mercados desregulamentados detêm um elevado potencial de eficiência. Por outro lado, uma vez que tudo acabou tão mal, também demonstra que, na ausência de regulação, a eficiência dos mercados é efémera e que a sua auto-regulação é uma ilusão que não funciona em tempos de instabilidade.

Do que não restam dúvidas é que esse processo de acumulação de riqueza concedeu aos banqueiros um imenso peso político, cuja influência foi crescendo ao longo dos anos. Nos nossos dias, essa influência faz-se sentir, inclusive, no processo de reforma do sistema financeiro americano, que alguns observadores atentos não hesitam em classificar como lento, pouco transparente e pouco interessado em renovar a oligarquia financeira e moralizar os seus privilégios.

 

COMO SE PROVOCA UMA CRISE

O forte crescimento económico verificado a partir de meados da década de 1990, mesmo depois do «9/11», criou em muita gente responsável a ilusão de que tão favorável estado de coisas podia ser prolongado, consistentemente, por muitos mais anos. Foi um período caracterizado por baixas taxas de inflação, baixas taxas de juro e abundante liquidez. O volume de crédito subiu em flecha e, naturalmente, os preços de todos os tipos de activos também subiram. Porém (e aqui começam os problemas), como as taxas de inflação se mantiveram baixas, os bancos centrais, especialmente nos EUA, não sentiram necessidade de subir as taxas de juro e, nestas circunstâncias, os países, as empresas, as famílias e os indivíduos transformaram o endividamento e a especulação num modo de vida que parecia não ser arriscado[6] .

Nos EUA, quando o Presidente Clinton resolveu ajudar as famílias de mais baixos rendimentos a possuir casa própria, o crédito hipotecário, sobretudo o tal sub-prime (porque concedido sem grandes preocupações de avaliação do risco inerente), disparou e criou as condições que faltavam para que se começasse a formar uma perigosa e generalizada bolha imobiliária. Como os preços das casas continuavam a subir por força das facilidades e do correspondente aumento da procura, milhões de pessoas passaram a dedicar-se à especulação imobiliária comprando casas que tencionavam vender mais tarde realizando, supunham elas, chorudas mais-valias.

O fenómeno agravou-se com a entrada em cena da imaginosa inovação financeira. Apesar de os níveis de liquidez serem elevados, as instituições financeiras começaram a titularizar tudo o que era dívida, sobretudo a hipotecária, mas também o crédito ao consumo. Para esse efeito, converteram os seus empréstimos a terceiros em MBS/ABS (mortgage or asset backed securities), subsequentemente transformadas em CDO/CDS (collaterised debt obligations or escurities), que eram produtos financeiros de alto risco e de alto rendimento, que, por terem muita procura (Wall Street comprava tudo sem sequer querer saber do que se tratava), foram posteriormente vendidos em todo o mundo, frequentemente através dos chamados SPV (special purpose vehicles), instituições subsidiárias destinadas a isolar o risco de certas operações ou negócios e dos SIV (structured investment vehicles), uma espécie de fundos mobiliários inventados pelo Citigroup em 1988[7] . Deste modo, os lenders iniciais não corriam riscos. E, uma vez que quanto mais vendiam mais ganhavam, naturalmente, fizeram explodir o crédito. No preciso momento em que emprestavam o dinheiro aos incautos, vendiam as dívidas aos bancos, sobretudo aos bancos de investimento, que as «empacotavam» em produtos «complexos», não raras vezes constituídos por várias camadas de CDO/CDS que, depois de devidamente «abençoados» pelas sociedades de rating, se tornavam altamente apetitosos[8] . Estes produtos foram vendidos por uma miríade de redes de agentes das empresas de Wall Street, quando não por elas próprias, nos mais recônditos lugares do mundo. Foi a maneira como este modelo originate-to-distribute se desenvolveu que subverteu a relação tradicional entre os devedores e os credores. No pico da euforia todos deixaram de se preocupar com as dívidas para se concentrar na evolução dos preços das casas e dos produtos complexos.

Deste modo, a enorme liquidez derivada da venda dos produtos complexos veio, assim, juntar-se à liquidez já existente, reforçando o processo especulativo que, entretanto, se tornou imparável.

A «brincadeira» durou até 2004. Nesse ano, Greenspan, o presidente do FED, percebeu finalmente que tinha de fazer qualquer coisa. Ele que, ao longo dos anos, foi um dos principais responsáveis pela desregulamentação dos serviços financeiros e que, mais recentemente, se tinha negado, inclusive, a admitir que havia uma enorme bolha imobiliária em formação, teve de mexer nas taxas de juro.

Quando a taxa de referência passou de 1% em 2004 para 5,35% em 2006, o mercado imobiliário ressentiu-se de imediato. As pessoas de baixos recursos, que já tinham dificuldades em pagar as prestações das hipotecas quando as taxas de juro eram baixas, viram-se impossibilitadas de honrar os seus compromissos. As pessoas que se tinham endividado para comprar casas com intuitos especulativos também ficaram em apuros, porque, entretanto, os preços das casas baixaram substancialmente e as perspectivas de realização de mais-valias esfumaram-se. Os investidores que tinham apostado nos produtos «complexos» começaram a sofrer perdas significativas. Os bancos ficaram com montanhas de CDO por colocar. O crédito malparado subiu em flecha. Os bancos começaram a desconfiar uns dos outros e deixaram de emprestar dinheiro uns aos outros. Foi a fase do credit crunch.

Entretanto, o impacto da crise fez-se sentir de imediato fora das fronteiras dos EUA, sendo o Reino Unido o país mais afectado. Os bancos de investimento sofreram perdas astronómicas. Numerosas firmas cancelaram a venda de produtos financeiros «avaliados» em biliões de dólares.

O FED e o BCE tentaram animar os mercados monetários disponibilizando fundos de curto prazo em condições favoráveis, sem, contudo, obter os resultados pretendidos. O FED e o BofE e, bastante mais tarde, o BCE começaram a baixar as taxas de juro na esperança de encorajar os bancos a emprestar dinheiro uns aos outros e às empresas do sector produtivo, no que também não são foram bem sucedidos.

Os fantasmas da deflação e da recessão começaram a povoar o imaginário dos media.

O Northern Rock, um pequeno banco inglês especializado no crédito imobiliário, não conseguiu obter um empréstimo vital para a sua sobrevivência e foi vítima de uma corrida aos seus balcões (a primeira em 140 anos no Reino Unido), que culminou com levantamentos da ordem dos 2 biliões de libras. Posteriormente, o banco foi nacionalizado (noutra sede veremos como os problemas do Northern Rock se repercutiram em numerosos bancos americanos, tais como o Citigroup e o Merril Lynch). Nos EUA, o quase colapso do Bear Sterns agravou a crise de confiança no sector financeiro americano e anunciou o fim dos bancos de investimento.

A crise atingiu o auge quando o Lehman Brothers abriu falência em Setembro de 2008. Nessa altura, soaram os alarmes e o Secretário do Tesouro Paulson, sem saber muito bem o que fazer, tirou da cartola o célebre Troubled Assets Relief Program – TARP, que, depois de um parto difícil, mostrou ser um grande flop.

No Reino Unido, o governo lançou um vasto programa de intervenção em oito dos maiores bancos ingleses.

Por todo o lado, os governos das economias afectadas pela crise do crédito desdobraram-se em iniciativas para aliviar os problemas.

Os bancos centrais dos principais países industrializados, numa atitude sem precedentes para combater a crise, decidiram baixar as respectivas taxas de juro em meio ponto percentual.

E assim por diante…

As coisas só acalmaram na Cimeira do G20 de Londres, em Abril deste ano de 2009, quando os responsáveis das vinte maiores economias mundiais declararam estar dispostos a não olhar a meios para estabilizar o sistema financeiro internacional e para reanimar a economia mundial.

Menos de três meses depois da Cimeira do G20, porém, os progressos alcançados são modestos. Outra coisa não seria de esperar. A menos que as astronómicas quantidades das dívidas dos países, dos bancos, das empresas, das famílias e dos indivíduos, quer se trate das dívidas declaradas, quer se trate das dívidas escondidas, se tenham evaporado, os problemas vão continuar e estão para durar. Um indicador indesmentível deste estado de coisas é o comportamento das bolsas de valores mundiais, que, depois de terem desvalorizado mais do que 40%, encetaram um processo de recuperação, mas continuam a evidenciar muito nervosismo e muita volatilidade.

E convém não esquecer que a economia real está em recessão. O consumo estagnou. O investimento regrediu. O comércio internacional está em perda. O flagelo do desemprego atinge todos os países. As pressões sobre os sistemas de segurança social são generalizadas. O espectro do proteccionismo é cada vez mais real. E, para ajudar, só faltava mesmo a epidemia da «gripe mexicana».

E aqui está, muito resumida e simplificadamente, como, em apenas dois anos, se passou de uma descuidada euforia a uma crise generalizada e profunda, cuja solução não está à vista.

 

REACÇÕES À CRISE

Nunca esteve em dúvida que os principais países responsáveis pela criação, desenvolvimento, aprofundamento e alastramento da crise foram os EUA e, em menor medida, o Reino Unido. Não admira, portanto, que tenha sido nestes países que o esforço financeiro público mobilizado para evitar o colapso dos respectivos sistemas financeiros tenha sido o mais significativo. Adoptando uma política de quantitative easing, ambos os países atiraram dinheiro «às pazadas», por vezes sem critério, para cima dos problemas, não hesitando em recorrer a medidas drásticas, tais como imprimir grandes quantidades de moeda»[9] .

Segundo contas da BBC, que nos parecem algo conservadoras, no fim do primeiro trimestre de 2009, os EUA e o Reino Unido tinham mobilizado, respectivamente, 9437 biliões de dólares e 1240 biliões de libras, assim distribuídos:

Moeda

PIB

Apoios/Bancos

Estímulos

EUA

$

13 800

8 500

937

Reino Unido

£

1 400

1 224

20

 

Em matéria de apoios a bancos, os EUA disponibilizaram a astronómica verba de 8500 biliões de dólares, que representam cerca de 62% do PIB americano: 5800 correspondem a empréstimos concedidos pelo FED, garantias de crédito e esquemas de aquisição de activos, 2000 biliões provêm de outras fontes e 700 biliões constituem o envelope do atribulado Troubled Assets Relief Program, mais conhecido por TARP[10] .

Estas verbas permitiram ao Tesouro americano adquirir posições temporárias de capital em troca de injecções directas de capital no CITI, no Bank of America, na AIG, na Fannie Mae e na Freddie Mac. Serviram, ainda, para financiar a controversa aquisição da Merryl Lynch pelo Bank of America, em que o então Secretário do Tesouro, Paulson, parece ter tido uma conduta indevida. Só não serviram para impedir a incompreensível falência da Lehman Brothers, acontecimento que teve um papel decisivo no aprofundamento e no alastramento da crise a nível mundial.

No que respeita aos estímulos directos às empresas, incluindo reduções de impostos e financiamento de projectos, os EUA tinham gasto 937 biliões de dólares.

As autoridades do Reino Unido concentraram a sua intervenção em apoios ao sector financeiro, nos quais investiram verbas da ordem dos 1224 biliões de libras, ou seja, cerca de 87% do PIB respectivo. Aos sistemas de protecção de activos foram atribuídos 585 biliões de libras; as garantias de dívidas dos bancos ascenderam a 300 biliões de libras; os empréstimos do Banco de Inglaterra totalizaram 185 biliões de libras; as injecções directas de capital nos bancos atingiram 94 biliões de libras; 50 biliões de libras foram afectados a um programa do Banco de Inglaterra de apoio às dívidas das empresas; e um fundo de apoio aos pequenos negócios recebeu uma dotação de 10 biliões de libras.

No Reino Unido, os bancos beneficiários das injecções directas de capital onde o Estado adquiriu participação foram o Royal Bank of Scotland (33 biliões de libras) e o Lloyds TSB (5,5 biliões de libras). O Northern Rock (26 biliões de libras) e o Bradford & Bingley (18 biliões de libras) foram nacionalizados. E o HBOS (11,5 biliões de libras) e a Alliance Leicester foram absorvidos[11] .

Os pacotes de estímulos às actividades económicas no Reino Unido não foram além dos 20 biliões de libras e parece que não tiveram grande procura por parte das empresas.

Muitos outros países mobilizaram recursos para proteger os seus sistemas financeiros dos efeitos nefastos da crise e para apoiar as actividades económicas.

No primeiro caso, importa sublinhar os exemplos da Islândia, que, no meio de grave crise política sem precedentes, foi salva da bancarrota, primeiro, pela Rússia e, depois, pelo FMI; da Irlanda, que, num ápice, viu o seu apregoado milagre económico ir por água abaixo; e da Bélgica, que teve de nacionalizar bancos. E também os casos da Hungria e da Ucrânia, que tiveram de recorrer à ajuda do FMI[12] . Aliás, os sistemas financeiros de vários países de Leste, onde as instituições financeiras da União Europeia têm interesses consideráveis, continuam a evidenciar grandes fragilidades.

No segundo caso, há bons exemplos de países que lançaram programas de apoio às actividades económicas em tempos de crise profunda, sendo os mais expressivos o da China, no valor de 586 biliões de dólares, e o da Alemanha, no valor de 81 biliões de euros. A União Europeia, através da Comissão, também dedicou 200 biliões de euros ao apoio às actividades económicas.

Aparentemente, o sistema financeiro português não foi muito afectado pela crise financeira internacional. Descontados os casos do BPP, que é uma consequência directa da crise financeira internacional, e do BPN, que não tem nada a ver com a crise, a banca portuguesa aguentou-se e resolveu os seus problemas mais prementes com uns aumentos de capital e com a utilização parcial das garantias do Estado para obter empréstimos internacionais em condições relativamente favoráveis, dadas as condições do mercado.

O Governo português deve ter sido o penúltimo (o último foi o da Alemanha) a aperceber-se de que vinha aí uma crise. Como tal demorou a tomar medidas adequadas. Só quando os responsáveis imaginaram que a crise podia ser posta ao serviço do calendário eleitoral, o que, aliás, foi um rematado erro, é que o Governo reagiu. O ministro das Finanças ainda chegou a dizer que a garantia dos depósitos era de 20 mil euros para, logo a seguir, graças a Bruxelas, declarar que, afinal, os depósitos individuais estavam garantidos até ao montante de 100 mil euros, o que foi um grande alívio para muita gente.

Logo a seguir, o Governo instituiu um fundo de garantia e apoio às actividades do sistema financeiro que tem sido parcimoniosamente utilizado por alguns bancos e anunciou um sistema de apoio às actividades das PME que parece não ser entusiasmante. Louvavelmente, reforçou alguns aspectos das prestações sociais, nomeadamente as que se aplicam aos desempregados e aos idosos.

Apesar das medidas adoptadas, a economia real, muito dependente de factores que o Governo não pode controlar, continua a evoluir negativamente: desemprego; quebra do consumo; retracção do investimento privado mal compensada por um mais do que duvidoso programa de investimentos públicos centrado em grandes projectos de infra-estruturas (TGV, novo Aeroporto, Auto-estradas, Barragens); quebra acentuada das exportações; e pressões sobre a Segurança Social. Alguns observadores, entre os quais me incluo, pensam que os efeitos da crise ainda não se fizeram sentir em toda a sua plenitude porque estamos em ano de eleições e o défice de 2008 permitiu amenizá-la. Em 2010 vai ser muito diferente. Logo no primeiro trimestre de 2010, quando vier a primeira factura, ficaremos a saber quanto custou o adiamento dos sacrifícios e qual a ordem de grandeza dos sacrifícios futuros.

Em declarações recentes, o ministro das Finanças avisou que quando acabar a crise temos de voltar à estaca zero, que é como quem diz, à correcção dos défices. É verdade. O problema é que a crise, salvo melhor opinião, está para durar, o que coloca o problema de saber a que distância fica a estaca zero, ou seja, qual vai ser a verdadeira dimensão dos défices que vamos ter de enfrentar!

 

O EPICENTRO DA CRISE

Aquela primeira semana de Dezembro de 2008 deve ter sido muito difícil para o Secretário do Tesouro americano Henry Paulson. Ainda a recuperar do stress causado pelas vicissitudes porque passou o seu já lendário TARP, que na sua anedótica primeira versão de três páginas se propunha sacar 700 biliões de dólares aos contribuintes americanos para livrar os bancos dos chamados «activos tóxicos» «(…) with no strings attached and no judicial review of his purchase decisions», foi nessa semana que o National Bureau of Economic Research, um painel de excelência constituído por economistas de Stanford, Harvard e MIT, anunciou ao mundo que a economia americana estava, oficialmente, em recessão e que o governador do Banco Central da China, Zhou Xiaochuan, lhe fez notar, há quem diga que com um sorriso algo amarelo, que «over-consumption and a high reliance on credit are the main causes of US financial crisis» e que «as the largest and most important economy in the world, the US should take the initiative to adjust its policies, raise its savings ratio appropriately and reduce its trade and fiscal deficits»[13] .

Mesmo sabendo que a economia americana estava em contracção desde há um ano atrás, não deve ter sido agradável, sobretudo para um ex-CEO da Goldman Sachs, confirmar a sua impotência face ao desenrolar implacável dos acontecimentos.

Mas menos agradável deve ter sido sentir-se admoestado por um alto representante do Banco Central de um dos seus principais credores externos que, seguramente, não quis imiscuir-se nos assuntos internos dos EUA, antes pretendeu avaliar, na medida do possível, as intenções da Administração em relação ao futuro.

Compreendem-se as preocupações do Sr. Xiaochuan. A economia dos EUA desde há mais de uma década tem vivido mais à conta da expansão da dívida do que à custa do crescimento do seu rendimento real. Como se pode confirmar em http://www.usdebtclock.org os desequilíbrios financeiros dos EUA são impensáveis. Presentemente, a Administração americana é incapaz de financiar as suas operações correntes, necessitando recorrer cada vez com mais frequência aos primary dealers e aos credores externos para vender as suas securities. Os juros da dívida são pagos com o produto da venda de mais securities e quando umas e outras se vencem a Administração redime-as vendendo novas securities. Os credores, sejam eles quem forem, não gostam de se ver apanhados neste tipo de armadilhas, porque, a partir de certa altura, os problemas estão mais do seu lado do que do lado do devedor. Mesmo sabendo que os EUA, pelas mais diversas razões, são a nação mais poderosa do mundo, a única, aliás, que goza do exorbitante privilégio de poder pagar as suas dívidas na sua própria moeda que só ela pode emitir, esta situação não vai durar eternamente. Um dia, que não deve estar longe, o Japão, a China, os países produtores de petróleo e todos os demais clientes das securities do Tesouro americano vão, no mínimo, querer diversificar as suas aplicações. Os chineses não se cansam de falar em aplicações alternativas e já estão a desviar uma parte significativa da sua enorme poupança interna para a aquisição de outros activos financeiros e de matérias-primas e para o seu próprio desenvolvimento.

Por agora, ao que consta, o Sr. Xiaochuan só quis saber se, no imediato, os EUA estão em posição de honrar os seus compromissos sem recorrer a habilidades e se, a prazo, estão ou não dispostos a mudar de vida, o que, diga-se de passagem, não parece ser tarefa fácil.

O novo Secretário do Tesouro, o Sr. Geithner, já foi a Pequim tentar apaziguar os ânimos. Depois disso, os chineses intensificaram a propagação da ideia de que é preciso encontrar alternativas ao dólar enquanto moeda de reserva. Como vamos sair disto? Ninguém sabe! É uma situação típica de Catch-22! Para já, tanto nos EUA como na UE estão para ser anunciados os pacotes legislativos que vão disciplinar os mercados financeiros. E, nos EUA, já se fala de um novo round de ajudas ao sistema financeiro e à economia real. Parece que as dívidas e os «activos tóxicos» dos bancos persistem. São como o colesterol dos humanos: instala-se facilmente, dá cabo da saúde das vítimas e para sair é um problema.

Em face do descalabro das políticas liberais, bem no meio de uma recessão mundial de grande envergadura provocada por essas políticas, tornam-se, agora, mais audíveis as palavras do Professor Paul Samuelson, Prémio Nobel da Economia de 1970, que, em entrevista recente, disse que: «Gostava que o Friedman ainda estivesse vivo para testemunhar como o seu extremismo conduziu à derrota das suas próprias ideias»[14] .

 

NOTAS

[1]Advertência : Neste artigo, a terminologia adoptada para os números/valores é uma versão em português da terminologia americana que, como se sabe, é diferente da terminologia portuguesa geralmente considerada inapropriada. A maior confusão reside no bilião em português que corresponde ao trilião americano. As correspondências são as seguintes:

Números/Valores

N.º de Zeros

Portugal

EUA

1 000

3

Mil

Mil

1 000 000

6

Milhão

Milhão

1 000 000 000

9

Mil milhões

Bilião

1 000 000 000 000

12

Bilião

Trilião

1 000 000 000 000 000

15

Mil biliões

Quadrilião

[2] O Google tem 716 000 referências alusivas ao termo banksters. Algumas delas são divertidíssimas como esta do Urban Dictionary: «A portmanteau or blend word derived from combining ‘banker’ and ‘gangster’. Usually referred to in the plural form ‘banksters’ to refer to a predatory element within the financial services industry, such as those offering ‘to good to be true’ adjustable mortgage rates for home buyers. The banksters just foreclosed on my mom’s Mcmansion, and now she is living in her SUV».

[3] A frase de Thomas Jefferson era a seguinte: «I sincerely believe... that banking establishments are more dangerous than standing armies, and that the principle of spending money to be paid by posterity under the name of funding is but swindling futurity on a large scale.», Thomas Jefferson to John Taylor, 1816.

[4] Cf. JOHNSON, Simon (2009), «The quiet coup». The Atlantic, May, p. 8.

[5] Cf. JOHNSON, Simon, op. cit., p. 5.

[6] Há quem chame a isto «economia de casino».

[7] Estas instituições integram o chamado shadow banking system. As suas operações não eram contabilizadas nos balanços das sociedades a que pertenciam. Foi nelas que, quando as coisas começaram a correr mal, se acumularam montanha de dívidas e toneladas de «activos tóxicos».

[8] Ocorre-me dizer que as melhores notações das sociedades de rating , as célebres «AAA», neste imbróglio da inovação financeira foram mais do tipo «Ah! Ah! Ah!». Até agora, que se saiba, nenhuma dessas consagradas empresas foi chamada a justificar os seus ratings e todas elas continuam em actividade.

[9] Fazendo uma curiosa analogia com os tempos da Guerra, um conhecido analista da BBC confrontado com a emergência das medidas tomadas não hesitou em afirmar: «We are building the economic equivalent of bomb shelters and mobile hospitals». Cf. PESTON, Robert (2008), «The new capitalism». BBC NEWS, 8/12.

[10] Para termos uma ideia da ordem de grandeza dos valores em causa, basta recordar que o valor total do Plano Marshal para a reconstrução da Europa do pós-guerra corrigido da inflação seria da ordem de uns «modestos» 115 biliões de dólares.

[11] Entretanto o Bradford & Bingley foi adquirido pelo Santander.

[12] Na cimeira de Londres de 2/4/09, os líderes do G20 chegaram a um acordo para enfrentar a crise, adoptando medidas avaliadas em 1106 biliões de dólares assim distribuídos: 500 biliões para o FMI emprestar a economias em apuros; 250 biliões para incentivar o comércio mundial; 250 biliões para a constituição de uma nova overdraft facility; 100 biliões para os bancos internacionais de desenvolvimento emprestarem aos países mais pobres; 6 biliões para o FMI apoiar os países mais pobres.

[13] Cf. PESTON, Robert, op. cit., p. 2.

[14] Cf. «Celebrar a recuperação? Só em 2012», In Visão, n.º 835, 5 a 11 de Março de 2009, pp. 52-55.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Este artigo é produto de uma intensa, divertida e frutuosa pesquisa empreendida no GOOGLE, cuja primeira entrada foi «Financial Crisis». Seguiram-se-lhe algumas centenas de outras entradas que raramente deixaram de corresponder à curiosidade do autor.

As suas principais fontes de inspiração, contudo, foram os seguintes textos:

BRUXELAS (2009), The de Larosière Report.         [ Links ]

JOHNSON, Simon (2009), «The quiet coup». The Atlantic, May.

PESTON, Robert (2008), «The new capitalism». BBC News, 8/12.

 

*José Manuel Rolo

jmrolo@ics.ul.pt

Doutorado em Economia – Instituto Superior de Economia e Gestão/Universidade Técnica de Lisboa (ISEG – UTL). Investigador Coordenador – Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa (ICS – UL).

PhD in Economics Higher Institute of Economics and Management – Lisbon Technical University (ISEG – UTL). Senior Research Fellow at Institute of Social Sciences – Lisbon University (ICS – UL).