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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.24 no.3 Lisboa out. 2020

https://doi.org/10.4000/etnografica.7854 

ARTIGO ORIGINAL

 

Faça acontecer: a política da busca por autorrealização em empresas startup no Brasil e no Reino Unido

Make it happen: the politics of self-actualisation in start-up companies in Brazil and in the United Kingdom

 

Louise Scoz Pasteur de Faria*

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, E-mail: louisescoz@gmail.com

 

RESUMO

As empresas startup representam hoje a elite do empreendedorismo global. A busca por autorrealização é o que mobiliza os sujeitos em sua jornada empreendedora, um imaginário profundamente atrelado a um conjunto de práticas relacionadas à expressão e dramatização dos afetos. Nesse artigo, me volto para a categoria “faça acontecer”, prevalente em empresas startup. Busco compreender esse “fazer acontecer” a partir de uma perspectiva etnográfica. Meu objetivo é incorporar sentidos e práticas situados e contextuais e, assim, pensar sobre a experiência empreendedora no contexto de mudanças político-econômicas estruturais. Meu trabalho de campo foi conduzido entre os anos de 2014 e 2017 no Brasil e no Reino Unido, com jovens empreendedores e suas redes de investidores, consultores e experts no processo de estruturação de suas empresas.

Palavras-chave: empresas startup, empreendedorismo, etnografia, antropologia econômica, antropologia das emoções

ABSTRACTS

Start-up companies represent the elite of global entrepreneurship. The search for self-actualisation is what prompts entrepreneurs to start new ventures, an imagining deeply embedded in a specific set of practices related to the expression and dramatization of feeling. In this article, I focus on the category “make it happen” prevalent in start-up companies. I seek to understand this “making it happen” from an ethnographic standpoint and encompass situated and contextual meanings and practices in order to produce a more textured account of the contemporary experience of living under changing socioeconomic structures. My fieldwork was conducted in Brazil and the United Kingdom between 2014 and 2017 among young entrepreneurs and networks of investors, consultants, and experts in the making of their own start-up companies.

Keywords: start-up companies, entrepreneurship, ethnography, economic anthropology, anthropology of self and emotion

 

Introdução

A questão do “fazer acontecer” apareceu para mim como uma importante categoria analítica durante a pesquisa etnográfica que conduzi entre os anos de 2014 e 2017 no Brasil e no Reino Unido com jovens empreendedores, ao longo do processo de concepção, estruturação e operação de empresas popularmente conhecidas como startup.[1]

Essa é uma categoria que coloca em movimento um imaginário romântico atrelado ao dia a dia do mundo dos negócios. Apesar de um vocabulário fortemente técnico e heterogêneo, esses sujeitos empreendedores constantemente acionavam categorias morais e afetivas para justificar suas decisões de negócio em sua rotina de trabalho.

Eles buscavam estabelecer alianças de trabalho com pessoas “inspiradoras”, julgavam o mérito de um projeto ou de uma oportunidade de investimento por sua capacidade de “fazer a diferença”, escolhiam uma trajetória de trabalho autônomo por representar a chance de viver suas “paixões”. Era como se, através de suas empresas, esses sujeitos fossem capazes de reencantar não só suas próprias vidas, mas o ambiente empresarial como um todo, visto como burocrático, mecânico e desmotivador.

Etnografias em centros de inovação empresarial nos mostram cada vez mais a importância do “fazer acontecer” para compreender o modo como essa dimensão da ação econômica é produzida. Um exemplo é o trabalho de Marc Abélès (2002) junto aos empresários filantropos no Vale do Silício. O autor mostra que “Faire la différence (to make difference), ces termes allaient souvent revenir dans les propos de mes interlocuteurs” (Abélès 2002: 132).

De fato, muitas das críticas lançadas às empresas startup são articuladas a partir dessa discursividade, ressaltando exatamente a atmosfera de celebração em torno desses novos arranjos empresariais como se isso fosse parte de um “culto às startups”, que representariam uma “magic bullet that will transform depressed economic regions, generate innovation, create jobs and conduct all sorts of other economic wizardry” (Shane 2008: 4).

Essa perspectiva demasiadamente fixada na discursividade obscurece não somente o contexto concreto e situado a partir do qual narrativas salvacionistas são produzidas no âmbito de empresas startup, mas sobretudo suas implicações políticas, subjetivas e econômicas.

Meus sujeitos de pesquisa no Brasil são pessoas com idades entre 25 e 38 anos, homens e mulheres, que transitam entre as cidades de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, provenientes de lares de camadas médias altas, com formação superior em escolas de negócios e experiência de trabalho em áreas ligadas à gestão, inovação e comunicação e largo trânsito internacional. Fizeram também parte da pesquisa consultores, investidores e profissionais envolvidos nessas e em outras iniciativas e em aceleradoras de negócio no Brasil.

No Reino Unido, meu trabalho de campo foi mediado por minha relação com um informante-chave no mercado financeiro da cidade de Londres e realizei entrevistas em profundidade com investidores privados e mentores de programas de aceleração. Não são, portanto, empresários já estabelecidos ou donos de empresas multimilionárias. São jovens com acesso a redes de influência que nutrem o “sonho” de um dia serem reconhecidos como “empreendedores de sucesso”.

Empresas startup representam hoje a elite do empreendedorismo global. Geralmente, quando se fala a palavra startup, a primeira imagem que vem à mente da maioria das pessoas são empresas de alta tecnologia, competitivas, flexíveis e vibrantes, que introduzem uma miríade de inovações em modos de produzir e organizar negócios, criam novos mercados, produtos e serviços.

Essa é uma cosmologia que “draws structuring principles from the individualistic ethos of contemporary capitalism – specifically its Silicon Valley variant, which can be termed the ‘Californian Ideology’”, emergindo a partir de uma “bizarre fusion of the cultural bohemianism of San Francisco with the high-tech industries of Silicon Valley” (Boellstorff 2009: Kindle location 4425).

Entretanto, o termo startup se refere a um modelo de negócio que passa a se popularizar, a partir da década de 1990, fundamentado na lógica de lean production ou lean enterprise, um conjunto de novos métodos de produção entre os quais “podem ser citados princípios organizadores como just-in-time, qualidade total, processo de melhoramento contínuo, equipes autônomas de produção e uma série de instrumentos destinados a implementá-los” (Boltanski e Chiapello 2009: 102).

O método de lean production tenta eliminar ao máximo as estruturas organizacionais, com o objetivo de encontrar novas formas de criação de valor econômico no menor espaço de tempo possível. A lógica que subjaz esse modo de pensar as empresas é de uma eficácia especulativa, ou seja, pretende-se tornar esse organismo empresarial o mais eficaz possível para encontrar novas formas de criação de valor econômico.

Esse panorama de ação empresarial é também associado ao que David Harvey (2005) chama de novo empreendedorismo urbano: uma racionalidade de governança que “se apoia na parceria público-privada, enfocando o investimento e o desenvolvimento econômico, por meio da construção especulativa do lugar em vez da melhoria das condições num território específico, enquanto seu objetivo econômico imediato” (2005: 174), que marca a passagem de uma abordagem “administrativa” para formas de ação “iniciadoras e empreendedoras” (2005: 167).

Novas subjetividades econômicas passaram a emergir então ancoradas nessa “governamentalidade empresarial” (Dardot e Laval 2016), que coloca o sujeito como sendo “ele próprio seu capital, sendo para si mesmo seu produtor, sendo para si mesmo a fonte de sua renda” (Foucault 2008: 311).

Entre meus sujeitos de pesquisa, as condições de progresso profissional e o equilíbrio entre encontrar uma atividade rentável e fazer algo que “realmente valesse a pena” eram temas constantes de nossas conversas. Parecia existir uma atmosfera comum de “busca de equilíbrio” entre a vida pessoal e profissional que, naquele momento de nossas vidas, parecia algo distante.

A transição entre “ter um emprego” e “ter sua própria empresa” era colocada muitas vezes como uma questão existencial e afetiva. O mundo do trabalho era tratado nas narrativas de meus sujeitos de pesquisa como uma dimensão que precisava ser superada para que o indivíduo pudesse alcançar um estado de realização pessoal. Era esse sentimento de alienação que justificava, muitas vezes, a abertura de seus próprios negócios.

A vocalização e expressão dos sentimentos não era algo restrito ao foro da intimidade, mas fazia parte do próprio vocábulo a partir do qual esses sujeitos situavam seus modelos de negócio. As empresas startup, tal como seus empreendedores, tinham de ter “propósito”, ou seja, de ser iniciativas com um objetivo maior do que o simples ganho pecuniário.

Esse tipo de narrativa era expresso verbalmente – na fala de empreendedores envolvidos em empresas startup – e circulava amplamente em todo tipo de material promocional dessas novas organizações, de modo a se tornar um elemento fundamental no planejamento e formatação desses novos negócios e que permitia, assim, a avaliação e valoração (Giraudeau 2013) do projeto nascente por parte de investidores, colaboradores, empreendedores e outros demais agentes.

Como lembra Anna Tsing (2004), em dimensões especulativas da economia, o sentido de performance é “simultaneoulsy economic performance and dramatic performance”, no sentido que é exigido dos sujeitos um “self-concious making of a spectacle” como mecanismo para atrair “necessary aid to gathering investment funds” (Tsing 2004: 84).

“Start-up companies must dramatize their dreams in order to attract the capital they need to operate and expand. […] This is a requirement of investment-oriented entrepreneurship and it takes the limelight in those historical moments when capital seeks creativity rather than stable reproduction. In speculative enterprises, profit must be imagined before it can be extracted; the possibility of economic performance must be conjured like a spirit to draw an audience of potential investors” (Tsing 2004: 84).

Nesse artigo busco situar a questão do “fazer acontecer” como performance e como dramatização do tornar-se empreendedor, a partir de um pano de fundo amplo de mudanças estruturais nas paisagens empresariais e corporativas.

A ênfase em categorias do sensível é associada à incorporação da lógica de risco de ambientes empresariais especulativos. A prática da especulação nesse horizonte de ação requer a adoção de um modo de cálculo particular que organiza essa paisagem empresarial.[2] Essa matriz de racionalidade aparece no modo como seus agentes imaginam o mundo econômico e seu próprio horizonte de possibilidades.

O mundo do trabalho passou a ser imaginado como cada vez mais instável, fazendo com que a experiência do risco econômico e moral atrelado à ação empreendedora seja diminuído.

Isso é ligado ao aumento da percepção de vulnerabilidade econômica e social em camadas médias e altas do Brasil, além da produção de uma matriz de sensibilidade particular na fricção entre expectativas de classe e formação de experts no campo da gestão que dá o tom às angústias, ansiedades e perspectivas futuras desses sujeitos.

O artigo é organizado em quatro seções. Na primeira exploro a narrativa de como minha informante-chave Bruna tornou-se empreendedora, para ressaltar uma estrutura narrativa centrada na ideia de autorrealização. Na segunda situo a introdução de categorias psicológicas e do sensível em paisagens empresariais desde a década de 1980, para tratar da questão da motivação no ambiente de trabalho, principal justificativa de meus informantes para se tornarem empreendedores e lançar projetos de empresas startup. Na terceira seção trato o “fazer acontecer” enquanto uma estrutura narrativa própria dessa paisagem empresarial que implica a incorporação de uma linguagem de fundo espiritual e de um projeto de si mesmo enquanto unbounded self, um sujeito que é só limitado pela própria vontade. Por fim, proponho uma reflexão sobre o sentido do “fazer acontecer” na relação entre empreendedores e investidores privados.

Agora encontrei a minha verdadeira vocação: startups como solução de um problema de falta de motivação no trabalho

Quando conversei com Bruna pela primeira vez sobre seu negócio, era possível sentir o otimismo no ar. Ela falava animadamente e com notável precisão de detalhes a respeito do caminho que a levou ao lugar onde agora se encontrava. Ela queria ansiosamente me contar sobre como surgiu a ideia que, naquela época de junho de 2014, levava o nome de Prisma. Para isso, ela voltou alguns anos no tempo, mais precisamente para 2007.

Ela cursava o curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo na cidade de Porto Alegre, no estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Natural da cidade do Rio de Janeiro, ela já havia morado na cidade um tempo antes, mas, após um breve retorno para sua cidade natal, decidiu se estabelecer profissionalmente. Quando iniciamos nossa relação de pesquisa e ela se tornou minha informante-chave, Bruna costumava dizer que desde o segundo ano do curso já sabia que não queria ser arquiteta projetista. Muitos, como ela, haviam feito o curso sem expectativa de construir casas e apartamentos, ou de decorar ambientes domésticos e empresariais.

Outro caminho possível e atrativo era atuar em uma esfera corporativa, principalmente em agências de propaganda e escritórios de design.[3] A função de um arquiteto em um ambiente de negócio como esse era construir espaços atraentes para fazer com que o consumidor idealizado pela agência passasse mais tempo nesses locais e construir mobiliário promocional para supermercados, lojas e outros tantos locais de venda. Essa atividade engloba desde a aplicação de avisos para organizar o fluxo de pessoas dentro de empresas – para onde elas devem ir, onde devem ficar conforme sua especialidade e função –, até mesmo mudanças radicais nas fachadas e no interior de lojas.

Entre 2007 e 2009, ano em que se forma arquiteta, essa era a função de Bruna. Entretanto, ela não via um amplo horizonte nessa atividade. Não enxergava como poderia ascender profissionalmente em uma atividade tão restrita e especializada, dependente de estruturas empresariais de médio e grande porte. Ela passou a se sentir cada vez menos motivada para investir em sua carreira corporativa.

Bruna começou a se questionar sobre o que queria fazer de sua vida. A saída, para ela, pareceu ser retomar um sonho antigo: trabalhar com arte. Seis meses depois de sua formatura, no ano de 2010, toma uma decisão que muda para sempre sua trajetória profissional. Decide fazer um curso de pós-graduação em Espaço Expositivo da Arte Contemporânea, na cidade de Barcelona, em Espanha. Lá ela aprenderia fundamentos de como organizar exposições de arte contemporânea em galerias, feiras, eventos e espaços alternativos.

O interesse em novos espaços expositivos cresceu no mercado da arte sobretudo pelo fato de que as obras de arte não ficam mais restritas a suportes como telas e esculturas. Elas podem ocupar salas inteiras, fachadas de prédios ou, até mesmo, passar despercebidas por seu tamanho diminuto. Grandes galerias passaram a contratar arquitetos especialistas em exposição de obras de arte contemporânea por essa razão. Para Bruna, parecia perfeito, pois ela poderia utilizar sua formação técnica e experiência profissional em algo que era sua paixão.

O curso teve duração de um ano e, durante esse período, ela trabalhou em uma pequena galeria. Foi o suficiente para ela ver que era isso que queria fazer. No ano de 2011 ela retorna ao Brasil, em seus próprios termos, “perdida no mercado”.

A demanda por um profissional especializado em espaços expositivos de arte contemporânea é consideravelmente mais elevada na Europa do que no Brasil. No território europeu, existem 130 museus de arte contemporânea, especialmente concentrados na Suíça, Itália, Holanda, França, Espanha e Portugal. No Brasil, existem três: o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, mais recente, em Minas Gerais; o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo; e o Museu de Arte Contemporânea de Niterói, no Rio de Janeiro.[4] “O que eu faço com isso que aprendi?”, se questionava Bruna.

Bruna foi contratada pelo departamento de Pensamento e Patrimônio da Fundação Roberto Marinho em 2011, responsável por implementar museus e atividades relacionadas ao patrimônio histórico, material e imaterial. Na época, o departamento estava conduzindo três projetos: Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, e Paço do Frevo, em Recife, no qual ela foi incluída.[5] Em 2012, pediu demissão. “Se eu tivesse mais maturidade, eu ficaria mais um ano lá”, comenta.

Durante o período em que foi funcionária da Fundação Roberto Marinho, ela passou a imaginar como seria ter seu próprio negócio no mercado de arte. Sua experiência em Barcelona e depois no Brasil a levou a criar hipóteses sobre um possível modelo de negócio startup no setor. Ela passou a visualizar um negócio que funcionaria como portal virtual através do qual artistas jovens que não encontram espaço em galerias tradicionais poderiam divulgar suas obras, começar a comercializá-las por um valor um pouco mais elevado, aperfeiçoar seu trabalho e, assim, passar para galerias maiores. Essa proposta era pensada para um público alvo específico: jovens com mais de 25 anos, profissionais do mercado financeiro, advogados, médicos com renda mensal alta que gostassem de arte mas não soubessem por onde começar.

Essa proposta não passava de uma ideia abstrata até ela ser apresentada para um casal de investidores interessados em começar sua própria empresa de venture capital.[6] Ambos faziam parte do círculo social de Bruna e acompanhavam, distantes, seus avanços profissionais. Bruna decidiu apresentar formalmente a proposta de modelo de negócio e eles a avaliaram como uma boa oportunidade de investimento. Eles pareciam extremamente entusiasmados e disseram para Bruna que esse negócio “mudaria a vida dela”.

“Foi aí que a coisa começou a acontecer”. Bruna não podia perder a oportunidade. Em sua narrativa, esse foi o momento em que tudo fez sentido para ela. Todas as suas experiências profissionais prévias no mundo corporativo serviram para preparar ela para sua “verdadeira vocação”. “Esse é o meu trabalho, vou me dedicar 8,12, 18 horas nisso por dia, é onde vou colocar toda a minha dedicação”. Era como se Bruna não tivesse nada a perder. Para Bruna, sua empresa representava a materialização de um propósito interior e de sua vocação. Era como se, através de sua startup, ela fosse capaz de agir não só sobre sua própria vida, mas sobretudo sobre a realidade à sua volta.

Esse tipo de narrativa é que o Eva Illouz (2007) chama de narrativa de autorrealização, uma estrutura de sentimento que requer que o indivíduo identifique um comportamento indesejável ou um estado emocional nefasto no passado em relação a outro considerado saudável no futuro, traçando relações causais no presente que não só justifiquem essas posturas como apontem soluções para que o sujeito possa alcançar um estágio ideal de desenvolvimento pessoal.

Como fui percebendo ao longo de meu trabalho de campo, a predominância da narrativa de autorrealização entre jovens empreendedores ligados a projetos de empresas startup não poderia ser descolada do avanço da linguagem terapêutica em paisagens empresariais, especialmente a partir da década de 1980.

Motivação enquanto categoria de teoria da gestão: categorias do sensível e exploração dos afetos em paisagens corporativas

Parte de meu trabalho de campo se deu em vivências e palestras voltadas ao empreendedorismo startup. Esses espaços são bastante importantes hoje dentro da formação de uma matriz de racionalidade empreendedora, já que propiciam não só um contexto a partir do qual indivíduos interessados no tema podem trocar experiências, mas também se capacitar para agir dentro dessa dimensão de negócio. Desde o início de meu trabalho de campo em 2014, passei a me inscrever em várias atividades, palestras, workshops e eventos, de tal modo que passou a ser parte crucial de minha rotina de pesquisa.

Ao longo de minhas inserções em vivências corporativas, histórias sobre a vida corporativa se tornaram uma constante. Eram enredos que variavam em graus de dramaticidade, mas que articulavam a existência de dois universos distintos: a vida corporativa dentro de empresas já estabelecidas e a experiência de empreender em um cenário de incerteza. Entre os participantes atraídos por esse tipo de evento, uma coisa era certa: a vida corporativa para a qual foram preparados para atuar durante toda a sua vida não era “aquilo que imaginavam que seria”.

A falta de motivação pessoal era o argumento mais comum usado para dar conta desse processo de esgotamento simbólico. Essa falta de motivação emergia quando os sujeitos se deparavam com uma realidade profissional que não correspondia às suas fantasias e ao imaginário atrelado ao sucesso profissional, provocando um profundo sentimento de alienação e desconexão com seus valores mais íntimos.

A realidade narrada pelos profissionais era de crescente competitividade, diminuição de postos de trabalho considerados desejáveis e acirramento de conflitos no interior das empresas. Provenientes de camadas médias e altas, os participantes desses eventos situavam esse problema como um problema de motivação. O desconforto emocional experimentado na esfera do trabalho era percebido como um problema individual. A abertura de sua própria empresa era vista como a solução desse problema de motivação e um mecanismo para encontrar uma fonte de satisfação no trabalho.

A individualização da questão do desconforto emocional no mundo do trabalho era reforçada pela própria dinâmica desse tipo de evento. Em palestras voltadas ao tema do empreendedorismo, o palestrante geralmente interagia com a plateia propondo exercícios de escuta interior que tinham como objetivo fazer com que os participantes pudessem identificar claramente “seus valores pessoais” e fontes de bem-estar para criar novos modelos de negócio. O primeiro passo era comumente o pedido para que todos fechassem os olhos para imaginar um cenário de tranquilidade e felicidade, um universo particular e individual de onde poderíamos extrair uma sensação de bem-estar. Algumas pessoas da plateia eram convidadas a compartilhar elementos de seu mundo ideal.

Como eram eventos voltados à formação de empreendedores, geralmente as pessoas que se manifestavam diziam que, em seu mundo ideal, estavam realizando atividades muito distantes de suas rotinas profissionais atuais. Parecia existir um consenso de que o empreendedorismo não poderia ser descolado de uma noção de propósito interior, racionalizada pelos sujeitos a partir de uma sensação de bem-estar e motivação pessoal. Os exercícios que acompanhei em workshops e vivências eram pensados como “ferramentas” para acessar a vida psíquica íntima dos participantes, através de exercícios de visualização, escuta interior e imaginação. O processo de busca e consciência dessa noção de propósito era visto pela maioria como uma responsabilidade puramente individual.

“Motivação”, no entanto, é um termo que se tornou bastante corriqueiro no cotidiano corporativo e que passou a fazer parte da linguagem cotidiana de camadas médias e altas urbanas. A presença ubíqua de palestras e workshops motivacionais como atividades que hoje fazem parte da rotina de profissionais em grandes empresas é um sinal pungente da preocupação com o bem-estar psicológico e sua relação com índices de produtividade no trabalho.

A relação entre teorias de gestão e formas modernas de racionalização é um ponto interessante para pensar a produção de uma matriz de sensibilidade que permeia não só o repertório contemporâneo de narrativas psicologizantes, mas sobretudo o contexto afetivo a partir do qual parecem emergir dinâmicas ligadas à formação de novos arranjos empresariais. Como bem coloca Emil Royrvik, a racionalidade gerencial se tornou um “unquestioned pacemaker of the modern social order while playing a critical role in diffusing repertoires of instrumental rationality worldwide. A study of corporate management is thus a study of key aspects of modernization and modern forms of rationality” (Royrvik 2013: Kindle location 682 of 7015).

A preocupação com o mundo dos afetos está ligada a uma mudança de paradigma de gestão que configura a motivação como o centro de um problema de gestão pessoal e produtividade vastamente disseminado em ambientes empresariais a partir da década de 1980, aparecendo cada vez mais como um problema de bem-estar individual associado ao ganho de produtividade. Muitas das críticas contemporâneas dirigidas ao ambiente corporativo não parecem agregar essa dimensão de experiência.

O pressuposto básico dessas teorias contemporâneas de gestão é que as estratégias de motivação laboral são mais eficientes quando estimulam a execução precisa de atividades profissionais de maneira espontânea. Isso seria possível através de políticas de valorização e criação de condições favoráveis para maximizar o desempenho e a satisfação no trabalho. Para tanto, muitos dos esforços organizacionais passaram a se voltar para a identificação de fontes de prazer e satisfação no ambiente profissional (Erez, Kleinbeck e Thierry 2001).

O interesse pela motivação acompanha a expansão da estrutura corporativa como centro gerador de valor no capitalismo ao longo do século xx e, com isso, a consolidação de teorias de gestão que buscam sistematizar o processo produtivo.

Eva Illouz (2007) evidencia muito bem essa passagem na qual o mundo do sensível passa a ser incorporado a racionalidades produtivas no ambiente corporativo. O crescente interesse em mecanismos de influência psicológica e persuasão trouxe as emoções e os sentimentos para o centro das preocupações da vida cotidiana, através de uma série de ideologias políticas que enfatizavam o autodesenvolvimento, a liberação sexual e a vida privada. Isso influenciou muito a rotina de trabalho nas empresas. Illouz (2007) diz que “the management system shifted – or rather multiplied – the loci of control, which now moved from the hands of traditional capitalists to those of technocrats who used the rhetoric of science, rationality, and general welfare to establish their authority” (2007: 11).

Esse processo de racionalização incorporou a seus dispositivos de cálculo o domínio comunicacional e afetivo. A crescente complexidade tecnológica e estrutural das firmas e a cada vez mais rápida obsolescência técnica tiveram como efeito o aumento da sensação de incerteza dentro das estruturas corporativas; em resultado, “communication has thus become an emotional skill with which to navigate in an environment fraught with uncertainties and conflicting imperatives” (Illouz 2007: 23).

As empresas passam a fazer uso da psicologia como “ferramenta” de gestão. Os funcionários passaram a ser estimulados cada vez mais a entender o fluxo de afetos e sensações a partir de categorias psicológicas por meio de técnicas, dinâmicas, processos seletivos e tantos outros mecanismos de intervenção ritualizados. A “intimate life and emotions are made into measurable and calculable objects, to be captured in quantitative statements” (Illouz 2007: 32). O desafio era diminuir a distância entre a experiência afetiva e a consciência sobre essa experiência. O sujeito passou então a ser estimulado a identificar fontes de prazer e sofrimento, enquadrar essa experiência em conceitos psicológicos e conceber estratégias pragmáticas de minimização ou maximização dessas sensações atreladas ao mundo do trabalho.

Os afetos, portanto, passaram a ser vistos como aspectos fundamentais da produção. Isso passou a fazer parte de um conjunto de racionalidades instrumentais que esses sujeitos colocam em movimento para avaliar sua aderência a projetos morais e profissionais, bem como articular arranjos com o objetivo de atingir um estado ideal de desenvolvimento pessoal e profissional.

Apesar de rejeitarem a experiência corporativa no plano discursivo, a solução encontrada pelos sujeitos era exatamente reproduzir condições profissionais bastante semelhantes àquelas a que se opunham. Reflexões levantadas por Debra Schleef (2006) a partir de sua pesquisa entre alunos de direito e negócios em escolas de elite norte-americanas nos apresentam pistas interessantes para pensar a questão da motivação dentro de contextos elitizados de prática profissional.

Durante sua pesquisa, Schleef (2006) identificou uma matriz narrativa predominante entre os alunos, a qual chamou de “surface cynicism” e que se refere à contestação explícita de normativas e padrões avaliativos nas instituições. Entretanto, a contestação de ideologias dominantes “is integral to the transformation that occurs during elite professional training […] far from being unwilling dupes of ideological indoctrination, students are self-reflective and they strategically accomodate and resist the ideologies of their education” (Schleef 2006: 4).

Sujeitos que no final de sua formação conseguem acessar posições consideradas desejáveis – como um emprego em uma grande empresa ou uma promissora carreira como consultor – são o resultado de um processo bem-sucedido de socialização que requer tanto acomodação como resistência a ideologias profissionais. “A rejection of the rules and limits set up by those in authority is necessary to provide the illusion of choice” (Schleef 2006: 4).

Isso tem por efeito produzir uma matriz de sensibilidade de busca por bem-estar e satisfação íntima na esfera profissional, dando corpo a uma racionalidade de gestão de afetos e emoções. A profusão de narrativas emotivas em paisagens corporativas também sinaliza disjunções, justificadas diante da crescente concorrência e acirramento de assimetria de poder entre agentes.

Diante da diminuição de postos de trabalho desejáveis, compatíveis com expectativas de classe, os sujeitos inseridos nessas paisagens empresariais enxergam no empreendedorismo e em empresas startup os locais ideais para manter seu lugar no mundo e reproduzir uma autoimagem que aglutina noções naturalizadas de classe, mérito e expertise.

“Há algo de grandioso acontecendo no mundo”: o processo de subjetivação empreendedora em paisagens de negócio startup

“Sabe Louise, eu li um texto muito bom no Medium essa semana que resume bem o que a gente vem conversando sobre empreendedorismo. Era sobre incerteza. Falava que o mundo atingiu um nível de complexidade que tornou impossível prever exatamente como as coisas vão acontecer. A gente tem que estar preparada para aproveitar as oportunidades quando elas surgem e não imaginar uma coisa estável, certinha. Aquela visão de mundo tradicional, em que as pessoas nascem, estudam, arranjam emprego e se aposentam, acabou. E tem gente que acredita que isso existe ainda! As pessoas que vão ser protagonistas daqui para a frente são aquelas que sabem navegar a incerteza. Se uma coisa que a minha jornada empreendedora me ensinou é que isso é verdade” [conversa com Gabriela, trecho do caderno de campo].

Gabriela, uma de minhas informantes-chave, me disse essas palavras em um de nossos encontros de pesquisa. Consultora de marketing de 25 anos, ela havia tomado a decisão de deixar de ser funcionária de uma empresa de consultoria para se tornar, ela própria, consultora autônoma. O texto que ela referia nessa passagem é um artigo escrito por Gustavo Tanaka, autor e palestrante que adquiriu visibilidade ao publicar em outubro de 2015 “Há algo de grandioso acontecendo no mundo” na plataforma Medium (Tanaka 2015a).[7] O texto de Tanaka foi replicado em diversos meios de comunicação online e, em questão de dias, havia atingido uma audiência de cerca de um milhão de leitores brasileiros. Sua versão em inglês foi lançada na mesma ocasião e, diante do alto índice de menções em sites internacionais, é praticamente impossível calcular seu alcance global. O sucesso resultou na publicação de seu primeiro livro, 11 Dias de Despertar: Uma Jornada de Libertação do Medo (Tanaka 2015b), no qual narra sua “jornada” em “busca de seu propósito”, e Tanaka passou a comercializá-lo nos eventos em que participava. É possível também encontrar a publicação em grandes livrarias do Brasil. A obra sintetiza a visão de Tanaka sobre empreendedorismo e negócios, fundamentada na ideia de que os processos de inovação não devem ser separados de uma disposição individual afinada com propósito interior, aspiração e práticas espirituais. Além da carreira de palestrante, Tanaka investiu em sua própria consultoria de branding e marketing, chamada Baobba. Baobba encerrou suas operações no final de 2016.

Em suas comunicações, Gustavo argumenta que a racionalidade não seria mais suficiente para entender o mercado, devendo ser substituída pela intuição e a sensibilidade. Seu objetivo como consultor e palestrante é propor mecanismos e técnicas para tornar a dimensão da subjetividade mais concreta e pragmática no cotidiano do mundo dos negócios.

Em abril de 2016 tive a oportunidade de participar de um workshop promovido por Tanaka na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, incentivada por Gabriela. “Você tem que estar lá!”, dizia para mim. “Eu não vou porque já conheço ele, né. Para você vai valer muito conhecer o trabalho do Gustavo”.

Gabriela não era a única informante que admirava o trabalho de Gustavo Tanaka. Camila, designer de moda e startuper de 30 anos, costumava replicar em seus perfis de redes sociais frases, imagens e trechos dos textos de Tanaka.[8] Em uma de nossas conversas, perguntei para ela o que mais a atraía nesses textos. Sua resposta era que ela não dava tanta importância assim para os conselhos que Tanaka dava sobre empreendedorismo. O que chamava sua atenção era sua sensibilidade com relação a temas que eram pouco comentados em seu círculo profissional, em especial pela mudança profunda de visão de mundo que ela tinha passado nos últimos anos e que a levara a abrir seu próprio negócio.

“Passei por algumas coisas nos últimos dois anos que me levaram a repensar a minha forma de viver, a minha relação com as pessoas, com o tempo, dinheiro, trabalho… E o que o Gustavo escreve tem muito a ver com essa nova forma de ver tudo. Para mim não é como se ele estivesse dizendo algo supernovo, mas ler o que ele escreve é como se me lembrasse de manter esse novo olhar sobre as coisas” [Camila].

No evento, Tanaka narra uma história de descoberta pessoal e autorrealização. Ele conta aos participantes que vivia a vida de um jovem executivo de multinacional até que, aos 24 anos de idade, uma série de questionamentos o levou a pedir demissão e a querer mudar de vida. “Eu tinha a vida que muita gente desejava, mas não era feliz. O pior: eu nem sabia o que poderia me deixar feliz! Eu sempre fiz tudo aquilo que todos me diziam que era o certo. Nunca parei para pensar fora desse esquema”. Ele tinha “um vazio no peito”. “Eu achava que tinha que ser bem-sucedido, milionário, capa de revista. Mas nada disso me fazia feliz, contente com a minha vida”.Tanaka inicia, então, uma “jornada de autoconhecimento”. Começa a comprar “todo tipo de livro de espiritualidade, autoajuda e religião que via pela frente”. Ele passa um tempo se dedicando somente às suas leituras e começa a praticar yoga e meditação. Quando começou a se “abrir para coisas novas” ele passou a ter um “outro entendimento das coisas”. Ele sentiu que precisava criar, fazer alguma coisa diferente:

“Eu precisava do fracasso para aprender uma lição muito importante. […] As coisas estavam dando errado porque eu estava indo contra o meu verdadeiro propósito interior. […] Quando você está conectado com o universo, as coisas acontecem. As coisas fluem. Você não precisa mais pensar na sua vida, a sua vida acontece” [Gustavo Tanaka, em sessão de workshop].

O encontro com o propósito seria marcado por uma sensação de que “a vida começa a ficar muito mais fácil” e uma “sequência de sincronicidades” começa a acontecer. O ápice desse processo em sua trajetória profissional teria sido a publicação de “Tem algo de grandioso acontecendo no mundo”. Tanaka justifica o sucesso do texto pelo fato de que ele teria sido a materialização de sua compreensão mais ampla de seu papel como profissional: encorajar outros a questionar suas funções, atribuições e concepções de mundo para adotar uma visão de mundo mais focada no presente e naquilo que reverbera no universo íntimo e sentimental.

“Por causa do sucesso do texto, pessoas que estavam na mesma sintonia que eu começaram a se aproximar de mim para tocar projetos. Por isso eu acabei fundando a Baobba, para colocar em prática o conceito que acabei criando de empresa livre. Não adianta você empreender se for para reproduzir tudo aquilo que acha errado no mundo corporativo. É preciso construir uma nova ideia do que é empresa, do que é sucesso”.[9]

A relação entre empreendedorismo, novos arranjos empresariais e uma narrativa fortemente centrada na experiência, nos sentimentos e em práticas de fundo espiritual foi um aspecto preponderante ao longo de minha pesquisa. Conforme meus informantes iam avançando suas carreiras como empreendedores, eles passavam a adotar uma visão de mundo que privilegiava fluxos, contingências, imprevistos e sinais simbólicos que pontuavam suas trajetórias empresariais.

Carla Freeman (2014), em sua etnografia junto a empreendedores de camadas médias no Caribe, também encontrou essa mesma demanda por mecanismos de expressão afetiva e práticas de fundo espiritual entre seus interlocutores. Alguns de seus sujeitos de pesquisa, depois de se tornarem empreendedores, passaram a frequentar igrejas de teologia da prosperidade, consumir literatura de autoajuda, aconselhamento psicológico e tratamentos holísticos, fenômeno que ela entendeu como parte de uma “cultura terapêutica”. A noção de bem-estar psíquico e físico não era apenas uma busca por “equilíbrio” entre a vida profissional e a vida pessoal, mas sim fundamental para uma trajetória de sucesso.

É possível situar a aproximação entre empreendedorismo e práticas de fundo terapêutico como parte de um fenômeno de expansão de espiritualidades Nova Era associadas a discursos do mercado global, uma temática muito bem explorada por Paul Heelas (2006, 2008). Utilizo aqui o termo mercado como parte de uma ideologia que pensa a economia como esfera autônoma e autorregulável que deu origem à economia de mercado moderna a partir das reflexões de Karl Polanyi (2000).

A questão das narrativas Nova Era e da expansão dos discursos de mercado, para Heelas (2006), aparece centrada nos modos como levam os sujeitos a situar experiências de transcendência e divindade como aspectos que emanam do próprio indivíduo em oposição a formas de espiritualidade que colocam o divino fora do corpo e fora do humano. Isso me leva a considerar que a relação entre espiritualidades Nova Era e discursos do mercado se dá na medida em que essa discursividade e suas práticas associadas produzem uma subjetividade capaz de informar, articular e enfatizar a autonomia individual, ao inscrever e localizar o domínio do sagrado como parte de um projeto de um unbounded self, um self que não é limitado pelas circunstâncias, mas por sua própria vontade. É a imagem de um sujeito fora e acima do mundo que constrói sua realidade a partir de seus desejos, sua imaginação e sua vida interior.

Daniel Fridman (2017), em seu estudo comparativo nos Estados Unidos e na Argentina entre grupos de leitores do autor Robert Kiyosaki, que se tornou um ícone global da literatura de autoajuda financeira com seu livro Pai Rico, Pai Pobre (Kiyosaki e Lechter 2000 [1997]), e Daromir Rudnyckyj (2010), em sua pesquisa em centros de treinamento corporativos chamados Emotional and Spiritual Quotient (ESQ), na Indonésia, evidenciam muito bem como a linguagem da espiritualidade passou a ser incorporada não apenas por indivíduos, mas sobretudo por programas de treinamento e capacitação.

Fridman (2017) propõe uma reflexão sobre os modos através dos quais a literatura de autoajuda financeira busca combater formas de “dependência”, essas sendo a ideia de segurança psicológica atrelada ao trabalho assalariado, ao dinheiro e à ansiedade com relação ao futuro financeiro. O objetivo último da literatura de autoajuda financeira é fazer com que os indivíduos obtenham “liberdade financeira”, que é precisamente “the liberation from the constraints of that world, not the mastery of a corporate ladder” (Fridman 2017: Kindle location 553 of 5630).

Rudnyckyj (2010) cunhou o termo “spiritual economies” com o objetivo de descrever um conjunto diverso de práticas espirituais, linguagem de gestão, psicologia popular e rituais particulares e coletivos que representam “a larger formation in which religious values are mobilized to address the challenges of globalization in contemporary Indonesia and beyond” (Rudnyckyj 2010: Kindle location 180 of 5987) Segundo Rudnyckyj (2010), esses centros de treinamento prosperam na Indonésia devido a uma narrativa bastante atraente sobre como a prática do Islã seria indispensável para aumentar a produtividade e a prosperidade na economia globalizada.

Tanto Fridman (2017) como Rudnyckyj (2010) nos ajudam a pensar os modos através dos quais uma cultura terapêutica e uma matriz de novas espiritualidades Nova Era passam a fazer parte não só de amplos processos de reestruturação de modos produtivos, mas acima de tudo de sonhos e projetos coletivos.

Essas narrativas também têm como efeito singularizar o negócio nascente. O que parecia estar em questão entre meus interlocutores era a promoção de uma visão particular sobre como as coisas deveriam ser e qual seria a melhor maneira de atingir esse objetivo. De modo geral, meus informantes situavam suas experiências como uma crise de fé no mercado e uma forma de crítica ao mundo dos negócios, ou, em seus próprios termos, eram motivados por um desejo profundo de autorrealização.

Se tornar um empreendedor fazia sentido para eles porque seus negócios tinham um propósito além do ganho financeiro, isto é, tanto refletiam uma visão particular do mercado como falavam sobre uma vocação particular de quem empreende para propor uma forma específica de intervenção no mundo que extrai sua legitimidade exatamente dessa moralidade.

Essa estrutura narrativa é o que Nicole Aschoff (2015) chama de narrativa profética, que se tornou dominante nos núcleos discursivos do capitalismo contemporâneo, organizada em torno de uma lógica salvacionista que busca identificar problemas sociais e oferecer soluções simplificadas por meio da ação empresarial. As empresas startup incorporam esse tipo de narrativa. Ao oferecer alternativas, “safe, market-friendly solutions to society’s problems the new prophets reinforce the logic and structures of accumulation […] swallowing up stories that challange the status quo” (Aschoff 2015: 8).

Levada ao limite, a noção de propósito é uma forma de narrativa profética. Ela torna as empresas startup veículos para a solução dos mais variados problemas e seus agentes passam a ser visionários capazes de vislumbrar saídas para problemas complexos da vida cotidiana. Mais do que produtos e serviços, essas empresas oferecem a possibilidade de reencantamento do mundo e da vida de seus agentes, solucionando problemas sociais e de ordem reflexiva.

Esse tipo de narrativa também pode sugerir que a trajetória pessoal, o contexto social e o ambiente de negócios não são fatores importantes para compreender como uma empresa nascente se torna capaz de prosperar. Apenas a força de vontade, o desejo e a visão singular de uma pessoa poderiam explicar seu sucesso. E, de fato, a narrativa do propósito somente aparece diante do fato de que a empresa é vista como bem-sucedida em seu meio de atuação.

Os empreendedores envolvidos com esse tipo de iniciativa empresarial tinham de “provar” o “tempo todo” que eram capazes de “fazer acontecer”, ou seja, materializar a mudança que queriam ver no mundo. No entanto, manter essa narrativa no dia a dia dos negócios representava um alto custo psíquico para esses indivíduos. Meus sujeitos de pesquisa passaram a relatar, no decorrer de nossa relação de pesquisa, crescente ansiedade e sensação de exaustão emocional.

Faça acontecer (tudo para dar certo): a política do fazer acontecer na relação entre empreendedores e investidores privados

Encontrar o propósito é um aspecto fundamental na formação e trajetória desses novos empreendedores. Esse também é tema inescapável em cursos, vivências e workshops sobre empreendedorismo e uma expectativa manifestada por parte de agentes do mercado financeiro sobre essas organizações. Essa importância da noção de propósito como operador dessa dimensão de negócio só se tornou clara para mim no momento em que consegui inserção em campo entre investidores privados, durante meu período de pesquisa em Londres em 2016 e 2017.

Durante esse período, Guilherme se tornou um informante-chave no ambiente de negócios startup de Londres. Ele era um investidor privado que fazia parte de iniciativas público-privadas de incentivo a empresas startup no Reino Unido, na Europa continental e em alguns mercados asiáticos, trabalhando como mentor em programas de aceleração internacionais. Como parte da negociação de nossa relação de pesquisa, Guilherme passou a me inserir em seu circuito de eventos e me conceder uma série de entrevistas, onde conversávamos sobre sua rotina como investidor e tópicos de seu interesse a respeito dessa paisagem de negócio.

Uma passagem em especial de uma de nossas entrevistas reverberou sobre o modo como eu passei a entender a noção de propósito para além de seus efeitos discursivos. Nós conversávamos sobre aspectos importantes que ele levava em consideração para avaliar o potencial de uma empresa como investimento e um dos pontos que eu levantei ao longo da entrevista foi exatamente a noção de propósito. Ele então, disse: “uma empresa startup tem que fazer algo diferente. Eu vou investir em uma startup, sim, por causa do retorno financeiro, mas eu espero mais de uma empresa como essa. Se for para fazer o que todo mundo já faz, compro ações. Não equity”.

Sua posição parecia refletir um consenso entre agentes do mercado financeiro. A noção de propósito para esses sujeitos aparecia como um investimento de forma (Giraudeau 2013), algo que tornaria possível para os agentes do mercado avaliar e julgar o potencial de uma empresa ao torná-la comparável com outros demais projetos. Além de avaliar o potencial pragmático do novo negócio, o que também está em jogo é a incorporação da lógica de fazer negócios e o quanto esses sujeitos são capazes de performatizar esse expertise.[10]

Na trajetória empresarial de Bruna, minha interlocutora-chave, a performance do “fazer acontecer” foi o que definiu o sucesso inicial de sua empresa startup. As negociações para firmar o contrato que daria vida jurídica para Prisma se estenderam por um período de seis meses, desde meados de 2013. Durante esse período, aconteceu mais uma mudança na estrutura da sociedade detentora da empresa: a entrada de mais um investidor.

Durante meus primeiros meses de trabalho de campo junto a Bruna, tive a oportunidade de conversar com Eduardo, o terceiro sócio investidor, a respeito do que o havia motivado inicialmente a entrar nessa sociedade. Sua formação acadêmica foi fora do Brasil, em Boston, nos Estados Unidos. Lá, se graduou em Economia e se tornou especialista em empresas. Logo voltou para o país para trabalhar na avaliação técnica de novos negócios e na operação financeira.

Do ponto de vista técnico em sua área de atuação, era esperado de Eduardo que soubesse avaliar planos e modelos de negócios com base em análises estatísticas e qualitativas do mercado no qual pretendiam se inserir, custo de produção do produto ou serviço, tempo e taxa do retorno do investimento. Sua responsabilidade era avaliar a pertinência desses projetos. Segundo ele, olhava para números, dados e gráficos e emitia um parecer sobre o potencial de a empresa dar certo com base em modelos de como uma empresa e como os mercados funcionam. Esses modelos são construídos sobre casos corporativos – relatos de experiências corporativas prévias que colocam em evidência um determinado cenário de mercado, ações técnicas, resultados atingidos e avaliação da eficácia das operações – divulgados em revistas especializadas e eventos empresariais.

Para olhar para o futuro, Eduardo se baseava no passado. Ele também não tinha experiência de trabalho nessas empresas que avaliava, não sabia como elas operavam no dia a dia nem possuía detalhes concretos do que elas precisavam para funcionar efetivamente. Para isso, ele confiava em profissionais desses mercados. Para ele, é responsabilidade deles fazer o negócio funcionar efetivamente.

Ele me disse naquelas primeiras conversas que havia enxergado em Bruna essa habilidade. Ele tinha a convicção de que ela “não iria medir esforços para fazer acontecer o negócio. Eu sei que ela vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para dar certo”. Bruna, no entanto, tinha que convencer constantemente os outros de que sua ideia era boa e de que ela era capaz de dar conta de montar essa empresa. Em todo o momento desses nossos contatos iniciais, ela se esforçava para projetar uma imagem de domínio, de sucesso, de poder e persuasão. De fato, ela parecia bastante convincente e envolvente.

Esse era um aspecto definidor do fazer acontecer e de seu poder persuasivo. Essa noção não presumia conhecimento prévio de operação de negócios, nem ao menos conhecimento técnico específico, mas sim uma disposição para fazer o que fosse preciso “para dar certo”. Mais do que estar disposta a realizar um trabalho, Bruna precisava convencer os investidores de que estava afetivamente atrelada ao projeto. Essa era a garantia de que ela faria o que fosse preciso para viver sua vocação.

O que parece mais sutil é que Bruna, ao se tornar foco da confiança dos investidores, contraiu uma dívida que não pode ser quantificada em termos pecuniários. Isso significa que não somente ativos físicos e monetários são incorporados aos cálculos de investimento, mas sobretudo atributos intangíveis e morais.

Os investidores pareciam colocar sobre ela a responsabilidade de sacrificar-se em prol de algo maior: fazer a empresa dar certo. Bruna parecia consciente dessa dívida. Ela naturalizava essa disposição, compreendendo a ansiedade, o cansaço e o profundo sentimento de incerteza gerados pelo esforço extensivo e que se tornaram constantes ao longo de nossa relação de pesquisa como parte inquestionável do trabalho.

Abraçar a incerteza da jornada empreendedora significa incorporar uma visão do mundo como constante fluxo no qual se deve estar sempre preparado para aproveitar quaisquer oportunidades. A linguagem do “fazer acontecer”, fortemente ancorada em noções de autorrealização, traduz em categorias do sensível uma disposição que não poderia ser mais pragmática: se tornar empreendedor em uma paisagem especulativa de negócios significa, em última instância, se tornar um sujeito flexível no sentido mais profundo do termo.

Reflexões finais

Nesse artigo, discuti a partir de dados etnográficos a lógica do “fazer acontecer” como categoria de análise de paisagens de negócios startup que contatei ao longo de minha trajetória de pesquisa no Brasil e no Reino Unido. Compreendo a categoria “fazer acontecer” em seu aspecto performático e de expressividade, que coloca em relevo a moralidade e a ética particular do modo de estabelecer alianças e operacionalizar negócios entre investidores, empresários e experts.

Na primeira seção situei o empreendedorismo como a solução para um problema de falta de motivação dos sujeitos a se engajar no mercado de trabalho. Esse argumento é articulado por meus sujeitos de pesquisa a partir de narrativas de autorrealização que são profundamente influenciadas pelo discurso terapêutico e psicologizante. Abrir suas próprias empresas aparece, na fala de meus informantes, como um passo importante para alcançar um estágio ideal de desenvolvimento pessoal.

Na segunda seção deste artigo explorei a categoria “motivação” como parte de uma lógica de gestão. Busquei evidenciar os modos como as emoções passaram a ser incorporadas na literatura de gestão como um indicativo de produtividade. Esse modo de racionalidade é incorporado pelos indivíduos desde seus anos de treinamento em escolas de negócios e reforçado ao longo de sua trajetória profissional e em eventos voltados ao público corporativo e empresarial.

Esse é o pano de fundo da emergência da subjetivação empreendedora em negócios startup. Na terceira seção abordei essa lógica empreendedora particular, cujo objetivo é a produção de um sujeito flexível, que abraça a incerteza como visão de mundo e que é apenas limitado pela força de sua própria vontade. Dessa lógica deriva o sentido do “fazer acontecer”. A lógica do fazer acontecer parece fortemente atrelada à incorporação de uma visão de mundo pautada pela incerteza. Essa é uma categoria que emerge a partir de mudanças estruturais nas paisagens empresariais e tipificada pela incorporação de categorias psicológicas em teorias contemporâneas de gestão.

Na quarta e última seção explorei como a performance do “fazer acontecer” é um aspecto da relação entre empreendedores e investidores privados. Agentes dessas paisagens empresariais são julgados não somente por sua capacidade técnica, mas, sobretudo, por seu expertise em performatizar e dramatizar os sentimentos associados a essa moralidade de envolvimento afetivo com projetos profissionais.

Os empreendedores ligados a negócios startup precisam verbalizar constantemente a disposição para se engajar afetivamente com seus negócios, mesmo em circunstâncias de prejuízo, o que pode tornar a rotina de operação desses negócios desgastante e, por vezes, acentua assimetrias de poder entre empreendedores e investidores privados.

A crescente expressividade do mundo dos negócios acompanha uma demanda psíquica específica posta sobre esses profissionais. Esses sujeitos não só precisam fazer com que seus negócios progridam do ponto de vista financeiro, mas sobretudo precisam dramatizar seus sonhos, expectativas e ambições para atrair e manter relações de investimento e trabalho.

A noção de performance econômica se aproxima de uma lógica de pensamento mágico na qual o empreendedor narra o sucesso antes mesmo de ele acontecer, como mecanismo para aproximar esse imaginário de sua realidade concreta.

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Receção da versão original / Original version  2017 / 06 / 07 Receção da versão revista / Revised version 2018 / 08 /22 Aceitação / Accepted  2018/ 12 /28 Pré-publicação online / Pre-published online 2019/ 12 /31

Notas

[1] Faço uso do termo empreendedor como categoria nativa e modo como meus informantes viam a si mesmos dentro de um horizonte de ação empresarial. No presente artigo não coloco em questão empreendedor enquanto categoria de análise, mas será o centro de uma futura reflexão sobre minha pesquisa etnográfica.

[2] A categoria “paisagem” passou a ser bastante usada em textos antropológicos como meio de descrever um certo modo de visualizar, descrever e entender o social, pressupondo uma certa espacialidade, temporalidade e localidade para fenômenos do social. Posso destacar dois usos teóricos que tiveram impacto na disciplina: o primeiro é a noção de “scapes” como proposta por Arjun Appadurai (1990, 1996) como parte de sua teoria de fluxos globais; o segundo é o uso da categoria “paisagem” por Tim Ingold (1993). Os autores apresentam propostas distintas, mas que convergem no sentido de enfatizar o caráter disjuntivo, complexo, construído e temporal do social. Por paisagem me refiro à perspectiva de Appadurai (1990) como “building blocks of what, extending Benedict Anderson, I would like to call ‘imagined worlds’, that is, the multiple worlds which are constituted by the historically situated imagination of people and groups spread around the globe” (Appadurai 1990: 296).

[3] Por esfera corporativa me refiro à estrutura empresarial que emerge a partir da década de 1960 e que é exemplificada por empresas multinacionais: um organismo empresarial cujo núcleo ideológico é centrado em atividades gerenciais e de gestão, que é ordenado hierarquicamente e em setores distintos de atividades. Na fala de meus interlocutores, o ambiente corporativo é colocado em oposição às empresas startup que, por sua vez, seriam núcleos empresariais horizontais, sem funções especializadas bem definidas e em constante mudança hierárquica.

[4] Sobre a repercussão do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim na imprensa internacional, ver http://www.theguardian.com/world/2011/oct/09/millionaire-contemporary-arts-park-brazil (última consulta em dezembro de 2019).

[5] Sobre esses projetos, ver, respetivamente, http://museudoamanha.org.br, https://www.mis-sp.org.br/, e http://www.pacodofrevo.org.br (última consulta em dezembro de 2019).

[6] Venture capital é uma forma de adquirir equity (participação) através de fundos de financiamento para empresas em estágio inicial de captação de recursos ou em determinados estágios de expansão. O investimento é destinado a empresas com potencial ou que já tenham demonstrado grande crescimento.

[7] Plataforma Medium: https://medium.com.

[8] Startuper é uma categoria nativa que se refere ao empreendedor que lança uma empresa startup.

[9] O verbo tocar é utilizado como sinônimo de realizar em contextos coloquiais de interação no português do Brasil.

[10] Compreendo expertise à luz de Chevallier (1991) enquanto a formação de uma sensibilidade e cognição incorporada atrelada a saberes e fazeres.

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