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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.24 no.2 Lisboa jun. 2020

https://doi.org/10/4000/etnografica/8952 

ARTIGO ORIGINAL

Vivendo em mundos saturados de várias presenças

Living in worlds saturated with various presences

Olívia Maria Gomes da Cunha*

*Programa de pós-graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, e-mail: omgc@mn.ufrj.br

RESUMO

O artigo focaliza as controvérsias e conflitos decorrentes do uso de conceitos como coisa (sani) e cultura (kulturu), bem como os significados que os maroon Cottica Ndyuka creditam às relações entre pessoas e artefatos materiais. Para explorar o complexo trânsito dessas noções entre os maroons que habitam o povoado de Moengo e aldeias localizadas no leste do Suriname, dois eventos serão conhecidos por meio da atenção a alguns dos seus efeitos. A instalação de um “objeto de arte” feita por um artista holandês, mas inspirada em estruturas de madeira, tecido, palha e outros elementos usados nos vilarejos castanhos conhecidos como kifunga; e as negociações que se seguiram ao que os Cottica Ndyuka cristãos-pentecostais (conhecidos como keleki sama) interpretam como uma clara alusão ao paganismo existente nas aldeias, mas que não pode existir em Moengo – o uso de artefatos materiais. Os rumores e conflitos decorrentes destes dois modos de “presentificação” das relações entre seres humanos e não humanos e artefatos materiais serão conhecidos a partir de suas configurações locais. Por meio de uma análise intercalada por referências históricas e etnográficas aos modos de territorialização dos Ndyuka na região.

Palavras-chave maroons, artefatos, arte, materialidade, Caribe, Suriname

ABSTRACT

The article focuses on the controversies and conflicts arising from the use of concepts such as things (sani) and culture (kulturu), as well as the meanings that the Maroon Cottica Ndyuka credit to the relationships between people and material artifacts. To explore the complex transit of these notions between the Maroon people who inhabit the bauxitown of Moengo (Suriname) and nearby villages, located in eastern Suriname, the effects of two events will be explored. First, the installation made by a Dutch artist, but inspired by structures of wood, cloth, straw and other elements used in Maroon villages known as kifunga. Secondly, the negotiations that followed what Cottica Ndyuka converted to charismatic Christian-Pentecostal congregations (known as keleki sama) interpreted as a clear allusion to paganism existing in the villages but cannot exist in Moengo. The rumours and conflicts arising from these two modes of “presentification” of the relations between human and non-human beings and artifacts will be known from their local configurations through a analysis interspersed by historical and ethnographic references to the modes of territorialisation of the Ndyuka in the region.

Keywords maroons, artifacts, art, materiality, Caribbean, Suriname

Introdução

A morte repentina do comissário que ocupava o cargo mais importante do distrito de Marowijne causou comoção. Em setembro de 2015, Theo Sondredjoe (TS), um homem maroon Cottica Ndyuka de cerca de 65 anos, morador de Moengo, foi acometido por um mal súbito. Entre aqueles com quem trabalhava, o passamento foi debitado ao fato de TS ser um “homem doente”. Tal reconhecimento não impediu que o evento aparecece como desfecho de um presságio, pois no dia anterior ao desaparecimento de TS, cristãos ligados às igrejas pentecostais locais haviam manifestado descontentamento diante do que chamavam idolatria e abominação. O comissário hesitara em acolher os apelos de seus irmãos da igreja para que certos objetos descritos como “arte” e “instalações” fossem banidos dos prédios e nas ruas da decadente bauxitown. Como representante do Estado surinamês, TS via-se também pressionado, por instituições estatais e privadas, partidos políticos e suas redes locais, em apoiar programas de arte-educação voltados para o desenvolvimento da região. Para os cristãos, as instalações não pareciam resultar de intervenção política ou interpretação estética das transformações que mudaram Moengo nos últimos anos, mas a manifestação de presenças instáveis, incômodas, capazes de perturbar um processo; o “modo moderno” (modeni fasi) de os Cottica Ndyuka tornarem-se cristãos.

A reação não foi o primeiro incidente a confrontar o comissário com controvérsias envolvendo, de um lado, homens e mulheres maroons Cottica Ndyuka convertidos às igrejas “cristãs e pentencostais-carismáticas” (Robbins 2004) locais – conhecidos como gente da igreja (keleki sama) – e, de outro, jovens artistas, maroons e não maroons, surinamenses e estrangeiros.[1] Para os primeiros, o infortúnio de TS foi compreendido como estopim de demonstrações privadas, reclamações oficiais e fofocas públicas em torno da colocação de “instalações artísticas” num povoado ainda perturbardo pelas memórias da Guerra Civil ocorrida nos anos 80 (Thoden van Velzen 1990). Quanto aos artistas, tratava-se de manifestações de incompreensão e intolerância, cultural e religiosa. Mas o acontecimento pode ser ainda compreendido como o ápice de uma série de conflitos em torno dos usos de conceitos como sani e kulturu (SR), com os quais os cristãos descreveram e interpretaram os efeitos da presença de objetos que os artistas intitulavam “arte”, “arte-instalação” e “instalação” (Gell 1998; Sansi 2015).

Em okanisitongo, língua falada pelos Cottica Ndyuka, sani pode nomear tanto um artefato material quanto uma ação temida ou desconhecida. Na gramática do Summer Institute of Linguistics (SIL), por exemplo, sani é glosado como substantivo, geralmente designação de um objeto material, quase sempre acompanhado de adjetivos. Contudo, quando associado a um verbo, reforçando ou consumando uma ação, sani expressa um perigo potencial; o sentido de desconhecimento e imprecisão atribuído aos objetos também qualifica negativamente a ação.[2] Com relação a kulturu, o termo tem origem no sranantongo, guardando proximidade com seu equivalente cultuur em holandês. O termo designa artefatos materiais e de conhecimento legados por gerações precedentes, conformando parte de uma tradição. Há uma clara fronteira que distingue cultuur de religião, ao passo que kulturu inclui todas as formas de conhecimento legadas pelos antepassados, entre elas, as ações e os efeitos das forças sobrenaturais e suas interações com intenções humanas. Entre os afro-surinameses, um kulturusma (SR) é um especialista em winti,[3] do mesmo modo que kulturiwinkel é um mercado ou loja de produtos utilizados em práticas curativas e rituais. Kulturu é uma metáfora utilizada para fazer referência a todos os fenômenos e ações parcialmente conhecidos, entre os quais se enquadram aqueles que envolvem o que o conhecimento ocidental designou religião e crença (Latour 1996). Wooding (1981) e Van der Pijl (2010) definem kulturu como um “idioma”, um código por meio do qual práticas winti vêm sendo habitualmente referidas entre os afro-surinameses, sobretudo desde que um discurso nacionalista (com o fim do domínio colonial holandês em 1975) a transformou em uma religião – constituída por um tipo particular de “sincretismo” e trânsito de formas expressivas cristãs e não cristãs (por vezes referidas como “africanas”). A ambiguidade da equivalência idiomática de kulturu – por vezes substituída pela expressão “coisas culturais” (culturel dingen, NL) – com cultuur estaria no fato de o uso daquela expressão ocultar as referências a winti, misturando as evidências visíveis da “cultura” com as forças invisíveis da “religião” (Van der Pijl 2010; Keane 2008; Engelke 2007).

Nos casos analisados a seguir, nos quais a criação de artefatos por artistas maroons e não maroons é concebida como produção de cultuur, os sentidos atribuídos as categorias sani e kulturu produzem inesperados efeitos. Para explorar alguns dos seus sentidos, ao longo do artigo procuro descrever diferentes modos de coisas – artefatos materiais e de conhecimento produzidos por agências humanas e não humanas – tornarem-se presenças instáveis. Nas interlocuções dos Cottica Ndyuka com pessoas não maroons, elas emergem saturadas de intencionalidade e potenciais efeitos, mobilizam conceitos e práticas preexistentes nas socialidades maroon e reinscrevem paisagens de memória e alteram modos de existência.[4]

Destruição/reconstrução

A presença de instalações artísticas nos jardins, edifícios e caminhos planificados de Moengo alterou o horizonte da cidade, mas também, a relação da bauxitown com as aldeias maroons e os caminhos e estradas próximas. Encravada nas florestas e savanas da costa leste do Suriname, Moengo é uma área planificada, construída em um aclive de jazidas de bauxita a partir de 1916 pela norte-americana Aluminium of America (Alcoa, na década de 50 convertida na subsidiária surinamesa Suralco) (Koning 2011). Antes da intervenção e chegada de estrangeiros e não maroons (bakaa), a região fora morada dos gaan sama – ancestrais e antepassados dos Ndyuka que fugiram das inúmeras plantations em direção aos rios e florestas sagradas do Tapanahoni, nos quais abriram aldeias e estabeleceram seus primeiros clãs por volta de 1712; em meados do século XIX tornou-se destino de maroons que haviam negociado liberdade e autonomia por meio de tratados de paz a partir de 1760 (Thoden van Velzen e Van Wetering 2004). Nos lugares onde os homens cortavam e vendiam madeira, e as mulheres cultivavam alimentos, clareiras foram abertas e habilmente protegidas; habitações provisórias (kampus), aldeias e santuários foram erguidos não muito distantes de plantations, seus escravos e, por conseguinte, novos grupos de fugitivos (Köbben 1979). A expansão da exploração da bauxita por exploradores e companhias mineradoras no início do século XX resultou na abertura de estradas e linhas férreas, no incremento do transporte fluvial de minério e na arregimentação de trabalhadores para Moengo e arredores. Os Ndyuka aldeados ao longo dos rios Cottica, Courmotibo, Comewijne e Wane foram diretamente afetados por toda a sorte de deflorestamento, dragagem e poluição de rios, desertificação e contaminação provocadas pela mineração.

Quando deflagrou a “guerra do interior” (binenlandse orloog, 1986-1992), já no final do século, Moengo vivia seus últimos dias de opulência e a indústria de bauxita planejara um processo de desativação (Cunha 2018). A violência sacrificou civis, provocou o abandono forçado das casas e plantios; milhares fugiram para aldeias de difícil acesso e enfrentaram tempos difíceis como refugiados em direção ao território francês guianense na outra margem do rio Maroni. Aldeias destruídas, cultivos contaminados e civis perseguidos pelo Exército do Suriname em busca de aliados e integrantes da guerrilha maroon (autodenominada jungle comando). Alojados em campos provisórios no oeste da Guiana Francesa, maroons (em sua maioria Cottica Ndyuka) foram submetidos à disciplina de agentes do Estado e do exército franceses, e de instituições religiosas e humanitárias, até que um acordo de paz assegurasse os termos do processo de repatriamento e indenização das vítimas. Quase arruinada durante a guerra, Moengo recebeu famílias Ndyuka que abandonaram territórios seculares ocupados por seus antepassados a partir de 1992. Áreas públicas em torno de Moengo foram destinadas à construção de casas para receber refugiados que já não podiam ou queriam retornar às suas aldeias. Grande parte dos retornados instalou-se em Moengo por meio da ocupação de casas que haviam sido abandonadas por funcionários da companhia ou em habitações governamentais construídas em número insuficiente e mais de dez anos depois do conflito.

A guerra é uma importante inscrição da historicidade Ndyuka. Ao associar tempos da escravidão, das fugas dos antepassados e seus descendentes e repatriamento – transformações territoriais e ontológicas perfazem os modos de existência dos Ndyuka que habitam o Cottica, o evento institui uma espécie de corte entre a temporalidade das aldeias e dos territórios não maroon (bakaa) – marcados por diferentes restrições e sanções – e a modeni fasi: a libertade de circulação entre aldeias, cidades e fronteiras nacionais, a adoção de outros modos de vida, de padrões de consumo e relações com diferentes formas de cristianismo.

A memória da guerra foi, pela primeira vez, materializada, por meio de uma intervenção artística e política erguida no coração do Cottica em 2008. Cercado por caixas de ferro retangulares com o nome de civis vitimados por soldados do exército em 29 de novembro de 1986, um monumento foi criado por um jovem artista maroon. Marcel Pinas (nascido em 1971 na aldeia Pilgrim Kondre) recortou a mata que margeia a estrada em frente à antiga, agora abandonada, aldeia de Moiwana, fincando no terreno e à sombra das árvores, artefatos tridimensionais. Pinas captava diferentes sentidos atribuídos às historicidades dos clãs e matriclãs Ndyuka, sinalizadas na paisagem e nos corpos das pessoas maroon. A instalação foi o primeiro de vários experimentos com evidente dimensão política: materializou a memória de uma longa e duradoura presença, ao mesmo tempo que lembrava a violência perpetrada pelo Estado contra os maroons e, também, as políticas sociais que prometiam desenvolver a região e indenizar os refugiados retornados. O monumento impacta os olhos dos visitantes por sua invulgar materialidade: um artefato de memória não antropomórfico, uma topologia feita de retículas de ferro e brita, um inventário onomástico de sinais e letras, objetos imóveis para lembrar pessoas e clãs em fuga. Mulheres, idosos e crianças foram identificados nos blocos retangulares de diferentes alturas sobre os quais, em pequenas placas de metal, seus nomes surinameses foram escritos ao lado da grafia no alfabeto afaka.[5]

A construção do monumento no local onde uma aldeia secular estava localizada trouxe efeitos inesperados e outros usos para a instalação. Observei várias vezes no caminho para as aldeias próximas, mas também em visitas realizadas desde 2009 com meus interlocutores que vivem em Moengo, flores de plástico, garrafas de rum e outros objetos pequenos, como pequenas fotografias, colocados ao lado ou acima dos blocos de ferro. O lugar e os grandes objetos que lá repousam passaram a abrigar práticas que diferem da pura apreciação estética e que mobilizam turistas; é lugar de homenagear os mortos, que foram enterrados em sítios urbanos, sem tratamento ritual adequado. Ainda assim o monumento não é um mausoléu, mas inscrição da presença Ndyuka na paisagem Cottica. O exemplo de Moiwana é apenas um ponto de inflexão, o primeiro de uma série de interações envolvendo distintos artefatos nem sempre criados por artistas maroons, que começam a ocupar os lugares onde os Cottica Ndyuka e seus antepassados coabitam. A colocação dos primeiros objetos de arte em Moengo tem antecedentes que conectam a organização de eventos e a participação de artistas em diferentes redes e circuitos de arte que atravessam Paramaribo, cidades no Caribe, na Europa e nos Estados Unidos. Para tornar compreensíveis os eventos narrados na próxima seção, retenho apenas dois movimentos envolvendo artistas que vêm a Moengo, ministrando oficinas e trabalhando na confecção de obras coletivas ou individuais erguidas nos jardins que abrigam edificações da Suralco.

O primeiro movimento compreende encontros de artistas, curadores e críticos, surinameses locais e da diáspora, projetos de exibição e publicação em torno da chamada “Sranan Art”: formas de expressão artística caribenha, mas em permanente diálogo e “em trânsito” (Visser 2009: 13) entre mundos e perspectivas. Não por acaso, a primeira de uma série de exposições envolvendo artistas com formação em importantes instituições nos anos 90 – como a Academy of Arts and Culture (AHKCO) e a Nola Hatterman Art Academie (Paramaribo), o Edna Manley College of Visual and Performing Arts (Kingston, Jamaica), a Gerrit Rietveld Academie e a Rijksakademie (Amsterdã, Holanda) – tem lugar em Roterdã, cidade que abriga várias gerações de imigrantes e, em particular, surinameses de origem maroon. Em 2005, os curadores e artistas Remy Jungerman (2009), Gillion Graantsaan e Michael Teja dão início à primeira edição do Wakaman [andarilho, caminhante à deriva] Project. Dois anos depois o experimento é transmutado no Wakaman gaat lopen [Wakaman caminha], exposição realizada em Paramaribo.

Jungerman e seus pares propunham questionar as formas e os conceitos utilizados na caracterização da Sranan Art; “categorization, recognition, appreciation, frames of reference and interpretation; without making a substantial distinction between the local and global context since our art embodies both” (2009: 9). Atravessamentos, referências históricas e diálogos estéticos permitiriam diferentes composições do que artistas como Kurt Nahar, Iris Kensmil, Marcel Pinas, Charl Landvreugd, além de Patrícia Kaersenhout e o rapper Ori Piet expressaram, material e poeticamente, como o “dentro”, o “fora”, o “perto”, o “distante”, o “passado” e o “presente” da arte produzida desde o Suriname. O plano consistia em “conectar pontos” e “desenhar linhas” que permitissem reconfigurar fronteiras instituídas em diferentes contextos; conceber a Sranan Art como múltiplas tentativas, movimentos de aproximação entre distâncias nacionais, estéticas e étnicas contingentes. A exibição Wakaman pode ser pensada como um desvio no projeto anterior e nas carreiras individuais dos artistas envolvidos e, ao mesmo tempo, parte de um movimento verdadeiramente caribenho.[6] Essa qualidade esteve ligada tanto aos lugares de formação de uma nova geração quanto às redes regionais e internacionais que conectavam jovens e artistas renomados em galerias, escolas, festivais e museus no Caribe e alhures.

O segundo movimento se deve à visibilidade alcançada pelas intervenções de Marcel Pinas, um Cottica Ndyuka com formação na Nola Hartteman Academie (Paramaribo, 1987-1990), graduação no Edna Manley College (Kingston, 1997-1999) e residência artística na Rijksakademie (Amsterdã, 2007-2008). Experiências decisivas para o redirecionamento dos trabalhos que o artista desenvolveria após seu retorno ao Suriname; a singularidade das ideias e das formas que ele trasladava, primeiramente para telas e, depois, para esculturas, objetos e instalações. A conjugação de duas ideias – criatividade e “missão” (Pinas 2011: 137) – o mobilizaram a delinear um caminho diverso daquele que parecia aprisionar certos artistas em um saudosismo “primitivista”. Elas emergiam de engajamentos coletivos e intervenções transnacionais nas quais Pinas é apresentado como um “artista maroon” (Cozier 2013).

Os primeiros trabalhos de Pinas já evidenciavam uma leitura singular dos pontos e das linhas em contato do projeto Wakaman; marcavam um encontro da “arte contemporânea” e dos conhecimentos tradicionais maroon. Autor de pinturas e objetos repletos de signos afaka, utensílios, mobiliários, containers, garrafas, bolsas e outros artefatos que habitam aldeias maroon, dialogavam com outras vozes e artefatos em circulação; provenientes de outros mundos, feitos de “objetos de arte” e “culturas”. As instalações de Pinas também foram erguidas como objetos visuais, fragmentos de mídias, rizomas de circuitos de perambulação por diferentes cidades, parcialmente concebidas pelo artista afro-surinamês radicado em Roterdã e Londres com quem Pinas formara dupla: Charl Landvreugd. Nesta espécie de conversa estética, referências aparentemente limitadas ao universo das aldeias e da vida maroon que sobressaíam no trabalho de Pinas, pareciam invertidas. Figuravam como conceitos, exercícios de abstração em variadas escalas. Compósitos de substâncias naturais, tecido e madeira utilizados na consulta aos oráculos em rituais maroons, invertidos e fixados em superficies discretas, tornavam-se ligaduras multicoloridas, barras com códigos da tradição; lamparinas de alumínio finalizadas com chumaços de estopa confeccionados em tamanho monumental, colocados nos arredores de prédios coloniais em Paramaribo, iluminavam as histórias silenciadas de pessoas vitimadas pela escravidão; a zoada provocada pelo encontro de milhares de colheres entalhadas com signos afaka, penduradas numa estrutura geométrica, multiplicava reflexos e vozes para presenças ausentes (Pinas 2011). As intervenções de Marcel produziam uma leitura própria dos desejos de conexão manifestados por seus pares. Neles a “arte maroon” também se mostrava afetada pelos trânsitos entre o local e o não local, ainda que por outras contingências históricas: os objetos que circularam e foram criados pela experiência dos fugitivos vieram de diferentes lugares, sobretudo do escambo e da violência colonial. Quando Pinas tem permissão para ocupar parte dos prédios da administração e laboratórios da Suralco semiabandonados, em Moengo em 2010, parte das iniciativas e experiências de interlocução artística são reconstruídas num território saturado de memórias e presenças. Desde a confecção do monumento às vítimas da aldeia de Moiwana e instalação de grandes caracteres do alfabeto afaka em frente à escola da aldeia de Abado Konde em 2007 e 2008, uma espécie de ocupação e um singular retorno aos lugares devastados pela guerra foram iniciados. As instalações de Pinas infletiam práticas de coleta, reunião de objetos que povoam suas memórias e a de seus parentes Cottica Ndyuka, mas, também, permitiam reinventar diálogos explorados com outros artistas.

Desde 2009, venho acompanhando o desenvolvimento de vários projetos de arte-educação concebidos por Pinas em Moengo e seus inesperados efeitos. Fruto da cooperação com artistas e instituições locais e estrangeiras, o Tembe Art Studio (TAS) – instituição fundada por Pinas – teve sua implementação sujeita a instáveis engajamentos. Criadas e colocadas em espaços públicos, instalações artísticas contaram com alguma forma de participação, seja de crianças e jovens, escolas, artistas locais e autoridades de aldeias. Ao mesmo tempo, ocasionaram dissenso quanto aos modos pelos quais os Cottica Ndyuka, entre eles, os keleki sama, desejavam ser vistos em um território adensado por profundas transformações. Em 2011 Pinas abriu o Contemporary Moengo Museum of Arts (CAMM) em um galpão abandonado, onde abrigou materiais exibidos em exposições no país e no exterior. Pela primeira vez, suas instalações foram vistas e tocadas por jovens da segunda geração de refugiados que retornaram a Moengo. No dia da inauguração, foram jovens rapazes alunos do TAS que levaram parte da instalação Tjai a Ede (Pinas 2011: 44) sobre seus ombros e cabeças em cortejo pelas ruas próximas. Porém, ao longo da caminhada, simularam, jocosa e espontaneamente, os movimentos dos tyai gaduman – carregadores dos oráculos consultados em rituais funerários e instalação de kabitens nas aldeias. A brincadeira foi objeto de críticas, as primeiras de uma série de incidentes, ou desencontros, dos keleki sama com as intervenções artísticas, os artefatos e seus criadores em Moengo. As reações dos maroons convertidos aos experimentos de artistas bakaa, porém, vocalizaram, a seu modo, expectativas de que as instalações provocassem algum engajamento da “comunidade”: elas manifestaram outras formas de participação indesejadas.

Perigo das/nas coisas

“Um estrangeiro não pode, sob o disfarce de [fazer] arte, decidir por nós sobre como devemos fazer nossas coisas aqui”. Em maio de 2014, um caso levou oito pastores e pessoas de igrejas cristãs pentecostais-carismáticas locais a subscreverem uma carta na qual protestavam ao comissário TS “contra a colocação de um moesokoo na estrada com todo o tipo de coisas culturais em um caixão”.[7] Reação às pretensões de um jovem artista plástico holandês, Klass Burger, em instalar seu Bem-vindo ao Futuro (Welkom in de Toekomst), uma estrutura parecida a um pórtico, no Moengo Arts Park (MAP) – uma imensa área de jardins e construções industriais e residenciais semiabandonadas que pertenceram à Suralco.[8] As primeiras respostas foram pautadas pelo silêncio, pelo desinteresse e pela proibição de que crianças participassem de oficinas de desenho, pintura e tembe (arte tradicional em madeira) promovidas pelo TAS.

Pintada de branco e vermelho, a estrutura concebida por Burguer comportava um arco cuja extremidade superior sustentava uma pequena caixa contendo desenhos produzidos pelos estudantes locais, o que muitos viam como similar a um caixão. O problema se estendia ao pórtico e à obrigatoriedade de os keleki sama atravessarem o arco e o objeto que ele sustentava, gerando desconfiança quanto ao seu propósito. Parecia não haver dúvidas de que aquilo tinha como inspiração os alicerces feitos de palha, madeira ou bambu colocados na entrada das aldeias maroon. Nos termos da manifestação dos pastores, o projeto era disfarce de um moesokoo utilizado na feitura do kifunga – um compósito de objetos, um sistema de ações mágicas e protetoras em direta comunicação com os espíritos.

A oposição à instalação mobilizou diferentes pontos de vista sobre as fronteiras entre arte (kunst, NL) e kulturu. O caso foi coberto pela imprensa, especialistas e líderes religiosos foram chamados a explicar a polêmica, considerada “desconhecimento”, “ato de intolerância” cultural e religiosa por parte dos cristãos locais. Todavia, kifungas transformados em arte promoviam um trânsito de sentidos muito mais intenso do que o debate em torno da “liberdade de expressão” ou da suposta “censura artística” dos keleki sama. Na resposta do pastor Guno Banetti à jornalista do jornal De Ware Tijd, o problema não era o projeto de arte-educação de Marcel Pinas, mas desconhecimento do artista acerca do “significado” de objetos que produziam efeitos indesejáveis nas pessoas.[9] Pinas e os artistas bakaa desconheciam os efeitos da kulturu que seus objetos inevitavelmente provocariam. Os keleki sama não se opunham ao direito à “liberdade de expressão” e à cultuur garantidos pela Constituição do país, desde que não afetasse outrem. Seus temores eram os efeitos da kulturu sobre os modos de existência dos maroons.[10]

O comissário TS foi instado a tomar providências e as dúvidas acerca dos “significados” (betekend, NL) dos objetos tornaram sua reação ambivalente. Ao mesmo tempo que representava localmente o governo surinamês, era um Cottica Ndyuka. Congregando com parentes em um templo pentecostal-carismático filiado a Volle Evangelie (VE), via-se atordoado com os efeitos da conversão na sua vida e na de seus familiares. Em 2013, quando o procurei para uma conversa sobre o MAP, o TAS e os boatos negativos sobre as instalações, o comissário mostrou-se temeroso com a possibilidade de alguns dos objetos portarem forças maléficas. Na ocasião, TS estava particularmente atormentado com a instalação de um surinamês de origem hindustana próxima a sua residência, situada a poucos metros de uma edificação jamais reconstruída e evitada por muitos: as ruínas da antiga morgue que abrigou os restos mortais das vítimas de Moiawa em 1986. A instalação de Ravi Rajcoomar reunia dezenas de estacas de ferro nas quais tremulavam pequenas bandeiras coloridas inspiradas nas jhandis, mastros de bambu fincados em lugares de oração e sob os quais são colocadas oferendas para deuses e espíritos (marca da ocupação de um território e defesa de espíritos malígnos), presentes nos pórticos, entradas de jardins e casas de famílias hindustanas em várias localidades do Suriname (e outras partes do Caribe). TS desconfiava dos motivos da presença de uma “coisa de hindustanos” (colie sani) em Moengo.

TS comigo partilhou o que lhe parecia um difícil dilema: o temor de que sua transformação em um cristão não bastasse para aplacar a presença dos ancestrais na vida de sua família. Exemplos não lhe faltavam. Depois de mencionar ter visto estranhas aparições, seu velho pai havia perdido a visão após tentar enxergar uma estranha luz na escuridão; irmãos de fé que haviam optado em abandonar as obrigações rituais com os mais velhos – em geral, cerimônias funerárias realizadas nas aldeias e que obrigam os parentes dos mortos a honrarem os ancestrais por meio de oferendas e libações – sofreram ou morreram repentinamente. O comissário creditava à teimosia de Pinas e seus objetos de arte inspirados na kulturu a reaproximação de Moengo com sani que ao menos os keleki sama convertidos à VE e outras igrejas neopentecostais locais haviam deixado para trás. Quando indaguei o que os objetos instalados tinham a ver com esses efeitos, TS apenas concluiu: “isso não é boa coisa” (a na bon sani).

As preocupações do comissário não se restringiam aos acontecimentos recentes em Moengo, mas também a rumores envolvendo a possessão por espíritos chamados bakuus ou bakulus (Vernon 1980) em escolas em diversas localidades do Suriname.[11] Dois anos depois do meu encontro com TS, Pinas me contaria que ele próprio havia sido confrontado com uma inesperada reação ao seu trabalho, quando atendeu a um convite do departamento de educação para realizar uma visita a Gran-Santi, uma comuna-aldeia de maioria Ndyuka no interior da Guiana Francesa. Depois de um dia de oficinas com crianças, confeccionando peças em varas de madeira envolvidas em retalhos de pangie e tinta – artefatos inspirados nos faakatiki, mastros de bandeiras tradicionais, santuário e morada de deuses em aldeias maroon – situações de “descontrole” foram reportadas aos pais e aos professores.[12]

Quase um ano após os incidentes e a interrupção do projeto de Burguer, jornais da capital voltaram a descrever cenas de “comoção” em Moengo. A Coalisão de Líderes Cristãos (Platform van Christelijke Leiders), um grupo composto por pastores e representantes de igrejas ligadas à VE, reclamavam dos problemas advindos da instalação de objetos que designavam “idolatria” (afkodrei SR, afgoderij, NL). Às vésperas da terceira edição de um evento anual, o Moengo Festival 2015, dedicado as artes plásticas e visuais, intitulado Arte para a Vida/Viver (Tembe fu Libi) e organizado pelo TAS, duas instalações catalisaram as atenções dos keleki sama.[13] A primeira trazia esculturas feitas de colagens de papel e tecido, com faces ocultadas e posicionadas de forma a mirar em diferentes direções. Tratava-se de Moengo wake up and live, um trabalho colaborativo envolvendo os artistas surinameses de origem javanesa – Hesdy Mertowirijo, Kurt Nahar e André Sontosoemarto – chamado de “fantasmas” pelos moradores de Moengo. A reação ensejou um interessante diálogo e foi adicionada ao texto que explica a proposta do projeto.

“These ‘ghosts’, made from chicken fence covered by cemented fabric, are standing, sitting and gesturing in different ways. There is a sign that reads: ‘Moengo wake up and live’, and that is what the artists seem to ask from the people in Moengo, or more in general, from the person who is looking at this work. Are you really awake? Are your really living? Some people were afraid of this collective art work and questioned whether it should stay. In a way, because of this discussion triggered by ‘Wake up and live’; it is already doing what it was put there for in the first place: waking people up.”[14]

A segunda instalação, Continuum, do afro-surinamês Miguel Keerveld, foi referida como um caixão preto (baaka kisi) por assustados moradores que ousaram conhecê-la nas poucas horas em que permaneceu em exibição. Com uma estrutura de pedra e vidro sobre a qual uma urna funerária se erguia, Keerfeld explorava a virtualidade da fronteira entre a vida e a morte. Por meio de carta pública, os cristãos expressaram suas preocupações.

“O que constatamos de fato é que alguns trabalhos artísticos acabam em idolatria, o que é uma abominação aos olhos de Deus. Por experiência própria encontramos o que idolatria verdadeiramente quer dizer na Palavra de Deus. É por meio dela que pessoas podem ser possuídas por espíritos malignos. Recentemente, um estudante foi possuído depois que um caixão foi colocado no terreno da escola. Houve muita ansiedade. Além disso, nossa Bíblia entende que toda forma de idolatria é amaldiçoada, implicando em pobreza, adversidades, alimento para a criminalidade e para a promiscuidade sexual.”[15]

Os pastores procuraram TS e um grupo de cerca de 50 pessoas marchou pelas ruas do bairro empunhando cartazes e exigindo imediata retirada do “caixão preto”. A demonstração atraiu não só o apoio, bem como críticas de moradores para quem os keleki sama demonstravam “falta com respeito” com a “nossa cultura”, ainda que as instalações não tivessem evocado explicitamente temas tradicionais da cosmologia Ndyuka. Tanto críticos como apoiadores do protesto pareciam fazer referências a conceitos e ideias não objetivamente associadas aos artefatos, mas aos efeitos que eles supostamente produziam. Para os críticos da marcha cristã, eram apenas criações que objetificavam de forma alegórica a celebração da maroon kulturu e a urgência de projetos de desenvolvimento em Moengo. Para os keleki sama, no entanto, os artefatos materializavam perigos advindos de uma das mais terríveis formas de abominação. No dia seguinte, o pior aconteceu: o comissário TS faleceu em menos de 24 horas após o protesto. Não havia como desassociar seu passamento das advertências e temores dos keleki sama quanto ao perigo das sani sobre as pessoas. O kifunga que supostamente se escondia sob o pórtico de Burguer, os espíritos que assombravam as instalações de Nahar, o kisii de Kerfeld, e as faakatiki estilizadas de Rajcoomar, eram todas expressões de idolatria por estabelecerem vínculos com planos de existência e mobilizarem atenção e cuidados com antepassados e forças que haviam cessado de operar por meio da experiência da conversão.

Objetos enredados

A participação humana no processo de feitura das coisas é um ponto de inflexão que nos aproxima das interpretações dos keleki sama descritas no início do texto. Para os Ndyuka todo artefato é produto da criação humana – com ou sem participação de seres não humanos – que neles infundem intencionalidade. Objetos encontrados ao acaso ou desconhecidos são temidos porque os responsáveis pela sua confecção não podem ser identificados. As pessoas e as coisas estão em contínua relação e são mutuamente susceptíveis à ação de forças mágicas, cujo conhecimento, legado pelos ancestrais, é raramente revelado (Hurault 1965). Em constante circulação sob a forma de promessas de cura (que podem ou não se materializar), participando de, e dando existência a, um artefato ou combinação de substâncias naturais ou manufaturadas, intenções animam corpos e coisas. Em outras palavras, um objeto desconhecido é, potencialmente, um obiya – conceito maroon utilizado para referir-se às expressões tangíveis e intangíveis de conhecimentos e de poderes não humanos que participam da feitura das coisas. Materialização de poderes mágicos de diferentes classes de divindades, espíritos e ancestrais, sua principal característica é o fato de ter sido manipulado por especialistas humanos que possuem conhecimentos e direitos de utilizá-lo. A indeterminação intrínseca de substâncias e objetos, mas, sobretudo, suas relações com as pessoas, torna diferentes formas de materialidade um obiya em potencial.[16]

Poderes atribuídos aos obiya e àqueles responsáveis pela sua criação mereceram atenção nas etnografias das socialidades maroon, bem como nas descrições sobre as primeiras tentativas de transformar as “populações coloniais” em objetos científicos. Exemplo ilustrativo foram os exercícios classificatórios de coletores, exploradores e etnógrafos, empenhados em descrever o modo de vida dos então chamados “negros do mato” (boschnegers, NL) por meio da atenção à produção material. Susan Legêne (1998) seguiu os rastros das observações de Gaspar P. C. van Bruegel, que junto a cabaças, roupas, utensílios e outros objetos pertencentes aos escravos da plantation Clifford Kocqshove, doou ao Museu Colonial de Harleem dois objetos inicialmente referidos como “escova” e “vassoura”. Minuciosamente descritos pelo doador, que destacou a composição de elementos naturais reunindo folhas de maipa (Arecaceae attalea maripa), contas, cordas feitas de fibras naturais e argila (pemba doti), foram caracterizados como objetos de decoração que emulavam costumes rurais holandeses sem nenhuma relação com rituais e outras práticas mágicas conduzidas por escravos na colônia. Após a abolição da escravidão (1863) e a intensificação da ação missionária dos chamados Herrrutters atuando na conversão de ex-escravos, objetos coletados nas plantations foram transformados em signos de alteridade, pois diferenciavam os “novos cristãos” dos maroons resistentes à conversão e adeptos de toda forma de “paganismo” e “fetichismo”.[17] A destruição e apreensão dos chamados “fetiches” inaugurava a trajetória da conversão. Descrevendo os ex-escravos como cristãos, restaria aos bosnegers o vínculo com religiões “pagãs”. Na apresentação das “Populações do Suriname” no catálogo da Exposição Colonial de 1899, as duas “vassouras” reapareceriam como “relíquia” (Pels 1998) do momento da conversão – na medida em que a descrição catalográfica faz referência a dificuldade de acessá-los – e “fetiche” – materialização de uma “religião animista rejeitada” (Legêne 1998: 51).

Diários e relatórios de missionários moravianos e católicos atuando em aldeias maroon fazem inúmeras referências a artefatos rituais designados idolatria. Para W. van Lier (1940), funcionário colonial que atua próximo às aldeias maroon no início do século xx, os Ndyuka não adoravam objetos, mas os seres que acreditavam neles habitar. Goeije também rejeitou a adoção da noção de “fetichismo” para explicar as relações entre as pessoas e os objetos não antropomórficos feitos a partir de composições. Objetos “da natureza” ou “construídos” podiam incarnar uma dupla individualidade, tangível e intangível, material e metafísica. Tal duplicidade não se aplicava a uma divindade, pois esta só existia como atualização, ora visível, ora invisível, do poder espiritual de seres divinos encontrados por, ou revelados aos, ancestrais. Publicações e diários missionários estão repletos de testemunhos sobre a capitulação de escravos e maroons, “convencidos” a destruir “objetos de bruxaria” e ídolos que caracterizavam antigas práticas ditas primitivas. Troféus da conquista e do combate cristão contra o paganismo, artefatos foram transformados em ícones de uma radical alteridade e temporalidade. A destruição das coisas para propósitos rituais implicou na sua transformação em artefatos museológicos. Essas seriam provas incontestes de uma necessária “separação ontológica” entre os domínios espirituais e o da transcendência e da vida material (Legêne 1998: 49).

No fim do século XIX, em alguns casos e em diferentes sociedades maroon, a inexistência de kifunga na entrada das aldeias, por exemplo, passou a sinalizar outra presença: a dos missionários moravianos ou católicos. Em vez de caracterizadas pela presença ostensiva de kifunga, santuários e artefatos como faakatiki espalhados pelo território das aldeias mantiveram posições discretas. Isso quer dizer que, ao menos em aldeias com atividade missionária, a existência desses objetos foi, ao menos, evitada, mas nunca erradicada. Nas aldeias que receberam missões católicas, por sua vez, faakatiki, kifunga e uso de objetos visando proteção de divindades “menores”, não só parecem ter sido tolerados, mas transformados em objetos de particular interesse. Em crítica explícita ao afastamento da vida das aldeias e restrições impostas aos maroons como prática de evangelização, padres católicos não hesitavam em empregar certa ironia na descrição de rituais funerários, instalação de kabiten e uso de objetos. Ao finalizar a descrição de um funeral na aldeia Ovia Ollo, no Cottica, o padre Gerritsen conclui: “não encontrei nem idolatria, nem superstição”.[18]

Embora a presença do cristianismo nas aldeias não implicasse conversão, nas primeiras décadas do século xx, movimentos fortemente iconoclastas associados ao contato com missionários sacudiram os territórios Ndyuka. Profetas, visionários e líderes maroons que propunham alguma forma de restauração social e espiritual por meio do abandono da idolatria, o fim da submissão e do pagamento de tributos às autoridades locais, foram marcados pela destruição de artefatos materiais (Thoden van Velzen e Van Wetering 1988: 273; Voorhoeve 1983). Pela sua enorme influência entre os Cottica Ndyuka no século passado e intrincadas relações com missionários católicos, o caso de Wensi é emblemático. Após ser possuído por Amanfu durante estada no Cottica trabalhando na economia da madeira, Wensi, um homem do clã Pinasi da aldeia de Sabendomi, retorna ao Tapanahoni e deflagra uma jornada de purificação dos Ndyuka por meio de aproximações com o idioma cristão. Registros dos acontecimentos em que protagoniza embates com autoridades aldeãs, escritos por missionários católicos e moravianos, dão ênfase aos aspectos performáticos que caracterizam o modo de Wensi demonstrar a sua fé – o aniquilamento de faakatikis, amuletos e toda sorte de idolatria. Banido para a aldeia Langa Uku, no Cottica, Wensi torna-se um líder carismático por meio da ação do justiceiro Amanfu, “o destruidor” (Thoden van Velzen e Van Wetering 1988: 252 et passim): um espírito capaz de empreender curas e arregimentar seguidores para sua pregação de restauração da pureza nas relações com a divindade por meio da destruição dos mediadores materiais.

Contudo, a observação de Thoden van Velzen e Van Wetering (2004: 13) de que o cristianismo nunca substituiu o “politeísmo”, mas apenas o adicionou a miríades de entidades nativas, pode ser compreendida quando observamos diferentes linguagens cristãs produzindo camadas de novos conhecimentos e conceitos sobre os modos de existência maroon. A proliferação, sobreposição e, por vezes, ação conjunta de igrejas cristãs em aldeias e povoados no pós-guerra, revela que a expansão de missionários moravianos e católicos no Cottica foi de fundamental importância para a recente explosão do pentecostalismo carismático e circulação de ideias sobre o poder dos objetos.

Quando as primeiras denominações pentencostais chegam ao Cottica, o contato com cristãos moravianos e católicos é parte importante da história de muitas famílias Ndyuka na região.[19] O sucesso da linguagem pentencostal em localidades já confrontadas com formas tradicionais de cristianismo pode ser debitado à combinação de “biblical symbolic content with modern forms of communication, and translating traditional ways of worship into local cultural expressions of spirituality and spontaneous verbal and bodily participation” (Van der Pijl 2010: 182). Estudos sobre o crescimento do cristianismo carismático observaram a forte adesão de afro-surinameses e maroons, para os quais o pentecostalismo difundido pela VE oferecia, ao mesmo tempo, o controle dos conhecimentos das formas religiosas não cristãs – winti – por meio de uma linguagem de santidade e de acesso direto à “palavra de deus”.

Instrumento de transformação, a evangelização impôs cortes entre um “presente” de modernidade associado a expansão da indústria da bauxita, suas máquinas, pessoas e hábitos bakaa, e um “passado” de paganismo e primitividade. Moravianos e católicos circunscreveram resquícios desse passado como expressão da cultuur, enfatizando em textos e materiais iconográficos o exotismo de casas, dos objetos, das línguas e dos corpos em contraste com as máquinas e as roupas ocidentais. A emergência das igrejas pentencostais no Suriname resultou em mais nuances nas interpretações cristãs sobre as relações entre ação sobrenatural e materialidade, agora mediada por uma legião de espíritos, criaturas malévolas, anjos e bruxas (Jap-A-Joe, Shie e Vernooij 2001: 209).

Nos anos 90 uma rede diversa de igrejas pentencostais compete na adesão de uma maioria Cottica Ndyuka, tendo como autoridades espirituais homens, crioulos e, em menor grau, maroons que já passaram pelas igrejas cristãs convencionais. As redes dos pentencostais-carismáticos de Moengo são atravessadas pelo parentesco: elas congregam parentes que vivem nas periferias de Paramaribo e aqueles que ficaram nas aldeias e residem temporariamente em Moengo. Os keleki sama são Cottica Ndyuka que falam para seus irmãos e parentes. As práticas de congregar e instituir socialidades em torno da experiência da conversão são claramente direcionadas àqueles que resistem na vida das aldeias (kondee libi) – povoada de espíritos, tabus alimentares e sexuais, e antigas crenças. O uso do okanisitongo nas preleções, ao lado do sranatongo (e repertório de músicas gospel em inglês), dá ênfase a essa relação de quase intimidade entre os que têm o poder da palavra e os que a escutam; o “novo convertido” se apresenta como um “maroon moderno” (modeni fasi nengee), que rompeu as amarras que o mantinham preso aos parentes e suas aldeias. A memória da fuga do regime de violência imposta pelos bakaa no passado permite transladar conceitos como katibo (cativeiro), inscrevendo a experiência da conversão, da descoberta e da revelação em um regime de historicidade Ndyuka.

Lugares e tempos das coisas

Do ponto de vista dos keleki sama, o passado é um tempo-lugar, pois está associado a práticas preexistentes nas dezenas de aldeias maroon que circudam Moengo. Ou seja, o passado não é uma imagem da memória, mas encontra-se ontologicamente distante nas coisas (sani) que não mais são feitas. A relação entre certas coisas e lugares define seus sentidos e poderes; na feitura das coisas existentes nas aldeias podem ter participado várias e desconhecidas agências. Diferente dos caminhos reticulados entre os prédios de Moengo, os territórios das aldeias são marcados por linhas sinuosas, “tracejados” (Ingold 2009), caminhos de terra (pasi) próximos a declives e rios parcialmente escondidos pela mata. As aleias e ruas que recortam Moengo são, em geral, asfaltadas, cenário de antigas habitações operárias, clínicas e armazéns, hoje semiabandonadas. Ao contrário das aldeias, subordinadas às regras de ocupação e “bem viver” (makandi libi) estabelecidas pelas autoridades locais e os seus matriclãs (lo), Moengo é território do governo do Suriname: seus moradores estão sujeitos ao controle do Estado. Aldeias são “o passado” não somente porque são os territórios dos quais os Cottica Ndyuka que vivem em Moengo e seus antepassados têm origem; uma parcela importante das gerações mais novas só as conhece devido às obrigações rituais funerárias. O passado que habita o território das aldeias é constituído por formas e presenças que compõem, diferentemente, uma paisagem e uma temporalidade. A maioria das aldeias do Cottica ainda são ocupadas por pessoas, animais domésticos, casas e uma pletora de objetos localmente manufaturados. Objetos feitos de cabaça, folha, argila e madeira, largamente utilizada na construção de habitações, mobiliários; utensílios domésticos e destinados ao embelezamento pessoal cedem, cada vez mais, espaço para o uso de cimento, areia, brita, telhas plásticas e outros objetos trazidos da cidade. Ainda assim, a madeira utilizada na construção das casas dos antigos, raras e em ruína, estabelece um corte entre o tempo (fosi ten) em que as coisas eram feitas localmente, e a modeni fasi.

O uso de grafismos e diferentes padrões figurativos fez da criação de artefatos de madeira conhecidos como tembe uma habilidade extremamente valorizada, mas o conhecimento ou talento para a sua criação não fazem dos seus criadores “artistas”. É justamente a capacidade criativa de compor e produzir relações entre conhecimentos distintos que caracteriza o que S. Price e R. Price (1999) têm se referido como “arte tradicional maroon” (S. Price 1980): a confecção de objetos de uso pessoal e paisagístico, ou utensílios para a preparação de alimentos, marcam, sobretudo, relações entre os mais velhos e seus afins mais novos, entre os homens e as mulheres; estão presentes ao longo de toda a vida das pessoas, transformando-se, por vezes, em artefato de instanciação do tempo dos antepassados no cotidiano da casa. As coisas acompanham a pessoa maroon ao longo da vida, tendo enorme importância nas disputas envolvendo dotes e pagamentos de tributos entre clãs e matrilinhagens; ocupam lugar central nos rituais funerários e nas sanções imputadas àqueles acusados de bruxaria, cujos despojos são abandonados na floresta (Hurault 1965; Thoden van Velzen 1985, 1995).

A economia maroon inclui também coisas criadas no mundo bakaa, obtidas por meio das mais diversas formas de comércio, desde que os primeiros começaram a negociar os termos da sua autonomia na floresta com os segundos – miríades de objetos e formas foram incorporados ao cotidiano e à estética maroon. Instrumentos de trabalho, armas, utensílios metálicos, louças, cerâmicas e tecidos, no passado; e, nas últimas décadas, plásticos, contas e fios sintéticos, cosméticos, máquinas, antenas parabólicas, eletrodomésticos, bombas de água, cabos, geradores de energia, voadeiras, celulares e eletrônicos de todo tipo fazem parte do cotidiano das aldeias. A combinação entre matéria local, cuja origem é a floresta, e as “coisas fabricadas pelos bakaa” (bakaa sani) atravessa distintamente as relações entre os maroon e os seus outros. As relações que determinam as formas de obtenção e participação, humana e não humana, na feitura das coisas – “da floresta” e dos bakaa – definem modos de incorporação, cuidado e manutenção específicos. As relações que antecedem a compra, aquisição, troca ou criação determinam o feitio, a qualidade e os efeitos das coisas; maneiras por meio das quais elas habitam as aldeias e, principalmente, participam da vida das pessoas. As histórias dos clãs, das matrilinhagens e das pessoas encompassam trânsitos de objetos e pessoas que são parte dessas interações. Formas rituais de dar e receber tributos e presentes ofertados em cerimônias funerárias fazem parte das histórias dos matrissegmentos, dos parentes, dos vivos e dos mortos.

Para proteger clãs e matrilinhagens, na paisagem das aldeias habitam seres não humanos – espíritos, deuses e ancestrais – cuja presença é, direta ou indiretamente, sinalizada por meio da colocação de objetos como, por exemplo, faakatiki e kifunga. Chamados também de deus (gadu), faakatiki são estruturas em madeira de vários tamanhos, no alto das quais tecidos brancos ou com diferentes padrões cromáticos são pendurados. Os lugares que as abrigam são delimitados com varas de madeira, cerâmica, plantas ou terra. Trata-se de um quadrado ou retângulo de terra transformados em santuário no qual são depositadas garrafas, pequenos pacotes, e outras substâncias como pemba, restos de matéria vegetal, água, rum e outros artefatos manufaturados. Objetos nos quais compósitos de forças incidem sobre o território da aldeia, as faakatiki transformam-se em lugares dedicados à instalação de um novo kabiten, visando a realização de sacrifícios. Libações e oferendas de alimentos (towe njan), água ou rum (towe wataa) ali são oferecidos aos deuses dos clãs dos moradores das aldeias. Faakatiki podem ser colocadas em frente a uma residência, ou próximo às edificações sagradas como as kee osu (destinadas a cerimônias funerárias) e kuutu osu (habitações próprias para a realização de reuniões com autoridades da aldeia), ou restarem discretas, quase ocultas, entre árvores e plantas sagradas. Por terem residência na aldeia de um determinado clã, faakatikis podem guardar o gadu principal, ou pequenas versões de deuses, simbólica e materialmente consorciadas à primeira; são lugares de instanciação, demonstração de reverência e proteção (Parris 2011: 27).

Kifungas são estruturas de madeira, bambu, palha e folhas colocadas na entrada de aldeias maroons. São erigidas por meio da composição de fragmentos, substâncias e princípios que delimitam formas de ação. Uma vez combinadas, elas agem diante de ataques espirituais inimigos. A estrutura montada demarca a fronteira entre o interior e o exterior das aldeias e produz uma separação entre os limites sagrados, espirituais e protegidos; sinalizam uma importante distinção entre “dentro” – o espaço da “ordem doméstica” e das regras que orientam as relações – e “fora”, território do perigo, limite entre a socialidade e um mundo povoado por seres potencialmente perigosos. Kifungas orientam os visitantes quanto as regras de circulação e os modos de os moradores, os alimentos e os bens adentrarem ou deixarem o território das aldeias. Sua colocação pode ser episódica, quando da demonstração de reconhecimento na recepção de visitantes ilustres. Quando as aldeias estão situadas nas margens de rios e córregos, eles delimitam o lugar próximo ao qual os barcos devem aportar. Sua presença é capaz de estabelecer a separação entre os espaços domésticos habitados pelas pessoas no interior da aldeia e a paisagem perigosa, controlada por temidos “espíritos do mato” (ampuku) na floresta (busi). A separação tem efeitos corporais e espirituais importantes. Ao aproximar-se ou passar sob um kifunga, qualquer força irrefletida que habite ou acompanhe uma pessoa será enfraquecida ou aniquilada. Essa ação exige cuidado constante com os deuses que asseguram sua ação. Por esse motivo kifungas são constantemente alimentados de novas substâncias e objetos. Sua eficácia depende de as forças que os habitam serem constantemente agraciadas e respeitadas. Essa dimensão performativa faz com que não restem inalterados ou sejam concebidos como meramente decorativos (Ingold e Hallam 2014). Para poderem agir é necessário que sejam cuidados por parentes, autoridades, ou por aqueles que os primeiros designem, e que têm o poder de invocar poderes espirituais. É preciso transformar não só a aparência externa de um kifunga, mas fortelecer as energias invisíveis que por ele percorrem. Do mesmo modo que as faakatiki, kifunga são sani: permitem o acesso ao conhecimento legado pelos ancestrais, pois materializam movimentos de mediação e aproximação entre eles e os humanos.

Coisas em ação

Descrevi efeitos creditados aos artefatos criados como instalações, peças e objetos de arte. Recipientes ou veículos de formas desconhecidas de agência (Gell 1998: 16), entre os keleki sama foram compreendidos como sani, manifestação e índice de uma presença, evento ou paisagem; recebidos como materialidade que difunde formas de existência e produz reencontros com o espaço-tempo das aldeias compondo socialidades entre humanos e não humanos. Como observei, o que provocou os keleki sama não foram os objetos instalados, mas suas potenciais relações e efeitos inesperados nos corpos, invadindo os sonhos das pessoas, mudando suas vidas. Foram tomados como presença temida, ao induzir comportamentos descontrolados, pois não eram apenas sani, mas faziam sani, propiciando, criando e impulsionando relacionamentos com formas não humanas de existência. De caráter abstrato, não representacional, e, muitas vezes, conceitual, as instalações foram associadas a outras formas de criar e manipular materialidades, cujos contornos, propósitos e usos eram, exceto para os seus criadores, desconhecidos. Esse desconhecimento e ambiguidade incluiu, parcialmente, poderes de cura e transformação. A diversa origem dos fragmentos, das peças e das substâncias que tornavam um objeto de arte resultado único de processos de combinação de presenças tangíveis e existências intangíveis estendiam seus efeitos incontroláveis a outras pessoas. Conforme Thoden van Velzen e Van Wetering, objetos são “the end product of a long process, they have acquired a great deal of autonomy from the supernatural agency from which they are derived, or which had made them available” (2004: 26). Essa virtualidade e potencial poder explicam porquê eles simplesmente não podiam “estar lá”, diziam os manifestantes.

Ao instanciar o tempo-espaço das aldeias, os objetos parecem afetar os modos de ser dos Cottica Ndyuka que se autodenominam adeptos da modeni fasi, provocando movimentos de separação e descontinuidade para com o passado (Meyer 1998; Robbins 2004: 224). Tiveram de adaptar-se a um modo de ser moderno – o que inclui a conversão – e distanciar-se dos parentes praticantes da kulturu e não cristãos. Essa leitura conferida à kulturu delimita afastamentos existenciais e materiais para com as aldeias, os ancestrais e a memória de espíritos vigativos que são herdados pelos membros de um matriclã. Mas a modeni fasi não implica erradicação indiscriminada da kulturu; ela oferece uma perspectiva, revelação talvez, dos limites das forças que potencialmente operam por meio da kulturu – das coisas criadas/feitas pelos ancestrais e suas relações com o mundo invisível e com os conhecimentos interditos e esotéricos. Os keleki sama têm se apropriado de conhecimentos musicais, estéticos e iconográficos da vida maroon nas aldeias. Realizam não só cultos, encontros de prece e cura, mas participam de funerais nos quais pangies e tambores são utilizados; organizam grandes encontros anuais no estádio local (chamados de okanisineti, noite okanisi), nos quais estilos de música e dança tradicionais como a awasa e o aleke, e contação de estórias (mato) são oferecidos a Jesus em agradecimento pela santidade e a conversão. Essas intervenções parecem sinalizar, de um lado, uma curiosa combinação entre o reconhecimento da perigosa existência do mundo da kulturu e, de outro, o seu necessário controle por meio da restauração daquilo que Robbins chamou “dualismo” (2004: 130). As okanisinetis não são expressões “sincréticas” da kulturu, mas reconhecimento de que a celebração do conhecimento tradicional (koni) não é incompatível com a conversão. Ou seja, sobretudo as autoridades pentencostais que lideram grupos que congregam em Moengo parecem apostar em um movimento de redistribuição de poder, no qual participam os ancestrais e a matrilinhagem, cuja presença está fortemente associada às obrigações rituais nas aldeias.[20]

Por meio da reedição das okanisineti, os keleki sama repelem os críticos que os acusam de abandonoar os conhecimentos tradicionais, reafirmando serem Cottica Ndyuka. Há, contudo, um outro modo de apropriar-se da koni e das sani feitas nas aldeias pelos antigos. Essa “diferença” parece salvaguardá-los dos perigos das abominações e das práticas de winti que compõem o repetório da kulturu atribuída aos afro-surinameses. Essa percepção se aproxima àquela fornecida por artistas não maroons e bakaa de Paramaribo: povos, grupos sociais e nações são “portadores” de cultuur, sendo sua expressão um “direito”. Para estes a marron cultuur não se confunde com a “mistificação” e o tratamento algo pejorativo dado à kulturu por parte dos crioulos e keleki sama. Por esse viés, seria possível compatibilizar a celebração da cultuur sem capitular diante dos perigos de “equivocada” compreensão da kulturu e alguns problemas que emergiram quando instalações começaram a manifestar a sua força como se kunst, artefatos da cultuur, fossem. Se as danças, histórias, roupas e outras marcas da marron cultuur não pareciam representar perigo imediato para os keleki sama, pois podiam ser transformadas em instrumentos da experiência cristã, com a circulação de objetos de arte algo diferente parecia ocorrer. Sua ambiguidade e abertura à indiscriminada e participativa interpretação os transformava em sani saturados de múltiplas presenças. Eram elas que exerciam o poder da ação e da comunicação dos objetos sobre outras pessoas (Gell 1998; Meyer 2010; Strathern 2013).[21] Descontextualizadas e abertas à interpretação, sua indeterminação era potencialmente perturbadora. Materializações de agências desconhecidas eram “disfarce”, extensões e atualizações de temidas “presenças” (Engelke 2007; Johnson 2014: 3). Uma sani, travestida de kunst, capaz de promover o transe, a doença e a morte. As pessoas ou forças que criavam tais objetos a eles emprestavam propriedades humanas ou sobrenaturais.

Os sentidos conferidos às instalações por parte de artistas maroons não convertidos, como Pinas, por exemplo, desejavam afastá-las da kulturu. Eram kunst, mais precisamente, “arte contemporânea” e experimentações capazes de mobilizar tanto a apreciação e o prazer estético, quanto a consciência e a reflexão. Novos conhecimentos eram criados a partir das interações com o público e não meramente “replicados” (Wright e Schneider 2010: 11) ou transformados em representação; as instalações não eram ícones de uma única presença, grupo, cultura e ideia. Eram objetos “fronteiriços” ali exibidos para aplacar antigas separações. Seus significados pretendiam transcender o “mútuo desentendimento” dos artistas e dos keleki sama. No universo da kunst, tal qual evocada tanto por Pinas quanto pelos artistas bakaa, o poder das coisas sobre as pessoas não parecia estar adscrito aos vínculos familiares e espirituais. As pessoas e as coisas constituíam-se como entidades distintas, embora entre ambas pudessem existir relações de certos tipos. Enquanto as primeiras podiam criar matérias e ideias – desígnios que precediam toda forma de materialização – as coisas propiciavam, ativavam forças preexistentes. A indeterminação, a fluidez e a transcendência, quando contrastadas com o que os keleki sama entendiam como figuração e idolatria, pareciam produzir uma inusitada afinidade. A indeterminação da forma e a abertura ao significado eram justamente o que aproximava as sani da kulturu e seus temidos efeitos.

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Receção da versão original / Original version  2018 / 01 / 19 Aceitação / Accepted 2019 / 11 / 18

Notas

[1] Quando não indicado com iniciais (NL, para o uso do holandês, e SR, para sranantongo), serão privilegiadas expressões e palavras em okanisitongo segundo a grafia adotada por Huttar e Huttar (2003).

[2] Por exemplo, “algo/coisa doce” (sukuu sani), “objeto/instrumento de trabalho” (wooko sani) e “coisa suja” (tyobo sani); e “adorar ou pedir algo (begi sani), traduzido pelo SIL como “workship idols” e “causar problema” (sani du wan sama). Ver Aukan Interactive Dictionary, Languages of Suriname, em http://www.suriname-languages.sil.org/Aukan/National/AukanNLDictIndex.htmlu (última consulta em junho de 2020).

[3] Winti provém de wind, vento (NL), e alude a um complexo sistema de práticas religiosas fortemente associadas aos chamados “crioulos” ou afro-surinameses (Wooding 1979, 1981; Van der Pijl 2007: 100-103). Na cosmologia maroon, por sua vez, figura como um conceito por meio do qual os Ndyuka, por exemplo, compreendiam a circulação de forças internas (legadas pelos ancestrais e reproduzidas por meio da filiação a um matriclã) e externas (espíritos e deuses presentes na natureza) que atravessam o corpo da pessoa maroon (Goeije [1940: 4]).

[4] A pesquisa que subsidia esse artigo teve o apoio do CNPq (PQ2010-2020; Edital Universal 2014 e 2018) e FAPERJ (Edital Humanidades 2011). Primeira versão desse texto, “This is (not) a good thing! Living in worlds saturated of multiple presences”, foi apresentada no congresso da Latin American Studies Association realizado em 27 de maio de 2016 em Nova Iorque. Agradeço aos colegas do painel “Fetish, Magic and the Politics of Difference”, Ana M. Bacigalupo, Andre Menard, Jorge Pávez e Stephan Palmié, pelos comentários e interlocução.

[5] Os primeiros registros do silabário conhecido como afaka foram descritos por missionários e viajantes na primeira metade do século XX (Dubelaar e Pakosie 1993; Cunha 2019).

[6] Por fugir aos propósitos do artigo, as conexões e entre artistas surinameses e o debate em torno da “arte caribenha” não serão exploradas. Ver Stephens (2013).

[7]  “Musokoo” é o nome em okanisi dado às folhas jovens e ainda não totalmente abertas da palma (Attalea maripa). Ver o plantefto “Betreft: Plaatsen van Moesokoo over de weg met allerlei culturelle dingen in een kist”, [Moengo], 25 de maio de 2014, assinado por Natanael e outros. Tradução minha.

[8] Os trabalhos realizados por artistas ligados ao TAS ocorrem no âmbito de um projeto de Art-and-Residence (MAP). A estadia dos artistas em Moengo teve duração de semanas ou meses e, em geral, envolveram algum tipo de participação da população local. Entre os primeiros artistas a participar de projetos no TAS, estão Ken Doorson (Moengo, 1978), Jhunry Udenhout (Nickeri, 1970), e Charl Landvreugd (Paramaribo, 1971); e os não maroon, Remy Jungerman (Moengo, 1959), Kurt Nahar (Paramaribo, 1972), Iris Kensmil (Holanda, 1970) e Ravi Rajcoomar (Georgetown, 1973). O artista holandês Klass Burguer residiu em Moengo em junho de 2014. Ver entrevista com Burguer realizada em ‘s-Hertogenbosch (Holanda), em 27 de junho de 2017. Para um histórico do projeto e das reações, ver https://www.klaasburger.com/project/long-term.collaborations/welcome-to-the-future.html (última consulta em junho de 2020).

[9] “Dit is kunstcensuur”, De Ware Tijd, 23 de maio de 2014.

[10] Artistas maroon em Moengo não fazem menção frequente ao Suriname, mas à maroon kulturu. Todavia, aqueles que participam de circuitos artísticos em Paramaribo e internacional, por vezes enquadram seus trabalhos no âmbito do que chamam sranan art, arte surinamesa, ou afro-diaspora. Sobre arte, representação e o Caribe, ver Van Binnendijk e Faber (1992).

[11] “Geestelijken zoeken oplossingen voor trance op scholen”, Star Nieuws, 30 de maio de 2013. Disponível em http://www.starnieuws.com/index.php/welcome/index/nieuwsitem/17358 (última consulta em junho de 2020).

[12] “Guyane: quarante collégiennes en transe, envoûtement ou mal-être?”, Guyane France, 3 de abril de 2015. Disponível em http://www.rfi.fr/fr/france/20150402-guyane-france-djuka-transe-crise-college-grand-santi-envoutement-hysterie-agitation- (última consulta em junho de 2020).

[13] “Confronteren kunst gaat Moengonezen te ver”, De Ware Tijd, 10 de agosto de 2015, p. 7.

[14] Para um resumo dos trabalhos apresentados no festival, ver “Tembe fu Libi: Moengo Festival of Visual Arts: the exhibition”, disponível em https://africanah.org/tembe-fu-libi-moengo-festival-of-visual-arts-the-exhibition/ (última consulta em junho de 2020).

[15] “Confronteren kunst gaat Moengonezen te ver”, De Ware Tijd, 10 de agosto de 2015, p. 7.

[16]           Diferente dos sentidos atribuídos aos objetos e práticas designadas obeah no Caribe anglófono (Bilby e Handler 2004: 155), entre os maroon guianenses o conceito inscreve, frequentemente, algum tipo de ação humana com finalidades mágicas e curativas. Ainda que as condições de fabricação possam ser obscuras, diferente das chamadas ngangas, obiyas não encerram “contratos irrevogáveis” (Palmié 2006: 875) com os mortos.

[17]  Inicialmente envolveu missionários moravianos, a Evangelische Broedergemeente no Suriname (Herrnhutters ou Aniti) entre os saamacas no alto rio Suriname. Os moravianos começam a atuar entre os Ndyuka em meados do século XIX, e os padres católicos aumentam sua presença no baixo Marowijne e no Cottica apartir de 1896 (Vernooij 1996).

[18] P. Gerritsen [CssR.], “Sterfgeval op Ofilla Ollo 1957”, em Bisdom Archief, Paramaribo, p. 4.

[19] Sobre pentencostais no Suriname, ver Vernooij (2002).

[20] Ver Trapido (2013) para um movimento análogo pelos pentencostais congoleses em Kinshasa.

[21] Essa questão está diretamente associada à teoria da agência ou abdução de sentidos de objetos concebidos como artísticos descritos por Gell (1998), à relação entre artefato e evento (Strathern 2013), e às formas materiais da experiência cristã analisadas por Meyer (2010).

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