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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.23 no.1 Lisboa jan. 2019

https://doi.org/10.4000/etnografica.6329 

ARTIGOS

 

Arte de “arremedar”: atos de criação entre humanos e animais no Alto Trombetas (Pará, Brasil)

 

The arts of arremedar: acts of creation between humans and animals in the upper Trombetas (Pará, Brasil)

 

 

Igor ScaramuzziI

IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Brasil. E-mail: igorabs@hotmail.com

 


RESUMO

Entre quilombolas do Alto rio Trombetas, Amazônia, norte do estado do Pará, o conjunto de artifícios usados nas atividades cinegéticas destinados a criar encontros com animais alvos da caça e da pesca é designado sob o termo “arremedar”. O “arremedar” ocorre tanto pela produção humana de movimentos e de sons ritmicamente e melodicamente semelhantes àqueles produzidos por animais, como também pela criação, por caçadores e pescadores, dos traços sensíveis dos habitats e das relações das espécies caçadas e pescadas com outros seres vivos. O presente artigo parte do “arremedar” para abordar como o conhecimento dos quilombolas ligado às esferas do meio ambiente, da percepção, da técnica e do comportamento dos seres vivos atua na configuração das relações entre humanos e animais que ocorrem no espectro das atividades cinegéticas. Pretende-se, por fim, abordar as formas de aprendizado do “arremedar” para elucidar as conexões do praticante com as relações que se dão entre seres vivos e ambientes nos contextos de ocorrência desta prática.

Palavras-chave: Amazônia, conhecimento, humanos e animais, ambiente


ABSTRACT

Among the Quilombolas of upper Trombetas river, in northern Pará state, arremedar is a set of devices used in hunting activities in order to create encounters with animals that are being chased in land or water. Arremedar includes not only the production of sounds rhythmically and melodically similar to those produced by animals, but also the creation by hunters and fishers of physical and sensible elements that are part of the habitats where these animals live and of its relations with other beings. In this article I argue that the notion of arremedar is part of a form of knowledge that acts in the constitution of human-animal relations. Arremedar, therefore, is associated to the environment and to perceptions, techniques and behaviors of different living beings. Finally, it is intended to address ways of learning how to arremedar to further elucidate the relationship between living beings and environments in the scope of processes and contexts in which this practice is employed.

Keywords: Amazon, knowledge, humans and animals, environment


 

 

Introdução

Este artigo resulta da descrição etnográfica do extrativismo da castanha da Amazônia realizada em minha tese de doutorado (Scaramuzzi 2016) entre os quilombolas do Alto Trombetas, situados no município de Oriximiná, no estado do Pará, Brasil, em bioma amazônico.[1] A população remanescente de quilombos da bacia do rio Trombetas está estabelecida, além deste rio, nos afluentes Erepecuru, Acapu e Cuminá. Ela é constituída pelos descendentes de escravos que fugiram na primeira metade do século XIX de propriedades que exploravam o cacau e a pecuária no Norte do Brasil, no atual estado do Pará, nas regiões que hoje em dia fazem parte dos municípios de Óbidos, Santarém, Alenquer e Belém (Andrade 1995).[2] Atualmente, com uma população de cerca de 8000 pessoas, os quilombolas de Oriximiná estão organizados em 35 comunidades partilhando um território de aproximadamente 600.000 hectares.[3]

Desde a formação dos antigos quilombos até os dias de hoje, o extrativismo comercial da castanha é a principal modalidade de intercâmbio comercial entre a população quilombola e segmentos regionais locais.[4] A castanha do Pará, o nome mais conhecido, castanha do Brasil ou castanha da Amazônia (Bertholletia excelsa) é uma árvore nativa da Amazônia, de grande porte e longevidade, que se encontra distribuída de forma descontínua em todo bioma amazônico, notadamente em florestas de terra firme. Geralmente, nos lugares onde habitam, as castanheiras vivem em aglomerados com alta densidade populacional de sua espécie e são monodominantes no dossel da floresta. Estes ambientes são denominados no contexto quilombola e também na literatura científica como “castanhais”.[5] As sementes das castanheiras – as castanhas – são abrigadas em um fruto lenhoso – o ouriço – e são altamente nutritivas, de agradável sabor e muito apreciadas no mercado nacional e internacional. Sabe-se que a castanheira é manejada por populações indígenas desde os tempos pré-colombianos, e que já no século XIX ocorria a comercialização de suas sementes em larga escala (Shepard Jr. e Ramirez 2011). Atualmente, a castanha é um dos mais importantes produtos florestais não madeireiros comercializados neste bioma.

Além da presença fundamental do extrativismo comercial da castanha e de outros produtos florestais, as fontes históricas disponíveis sobre os quilombolas da bacia do Trombetas evidenciam que, desde sua chegada na região, esta população vive de forma muito semelhante às populações do entorno, tanto do ponto de vista material quanto na relação com as águas e as florestas. Os quilombolas praticam a agricultura de coivara – com ênfase no cultivo da mandioca (do tipo “brava”) [6] e na produção de farinha –, a caça e a pesca em modalidades semelhantes àquelas praticadas pelos povos indígenas vizinhos,[7] Além dos aspectos que envolvem as técnicas e o manejo da biodiversidade, há de se ressaltar que há muitas semelhanças entre os quilombolas da bacia do Trombetas e os outros povos amazônicos (indígenas e não indígenas) no que diz respeito ao que poderíamos chamar de “universo simbólico” das relações entre humanos e “natureza”, como se pode observar nas teses de doutorado de Arregui (2012), Sauma (2013) e Scaramuzzi (2016). No que diz respeito às relações com os animais, esta semelhança pode ser observada no universo dos quilombolas, por exemplo, pela presença de entidades sobrenaturais que cuidam e protegem os animais, principalmente aqueles que são alvos da caça e da pesca. Denominados “donos”, “mestres” ou “mães”, estes entes são notáveis nas cosmologias de praticamente todos os povos caçadores ­amazônicos, sejam eles indígenas ou não indígenas. Por esta razão, os ­conhecimentos e as práticas relacionados às atividades cinegéticas abordados neste artigo terão como referência o universo amazônico, que engloba populações diversas.

No Alto Trombetas, atualmente, o extrativismo comercial da castanha mobiliza um contingente significativo da população quilombola, que passa aproximadamente cinco meses do ano se dedicando à coleta da castanha para fins comerciais. Essa atividade, por sua vez, configura modos diversos de relação e de engajamento com grande diversidade de seres vivos e com diversos tipos de ambientes e lugares que são frequentados e habitados por essa população.

Com exceção da farinha de mandioca, os castanheiros não levam qualquer tipo de alimento quando se deslocam de seus locais de moradia e estabelecem acampamentos sazonais nos castanhais. No tempo da safra da castanha, além de coletar as sementes das castanheiras, os quilombolas praticam a caça e a pesca em diversas modalidades para obterem parte importante de sua alimentação. Estas atividades são consideradas constituintes do ramo castanheiro, e saber praticá-las com sucesso e eficiência no trabalho nos castanhais é parte das qualidades que definem, para quilombolas, um grande castanheiro ou um castanheiro “original”.

Em relação a tais atividades, há na teoria do conhecimento dos quilombolas um conceito fundamental, localmente denominado “ciência”. “Ciência” incorpora as práticas e as relações dos quilombolas com o “mundo”, englobando as técnicas, os procedimentos e os modos de etiqueta que embasam as formas consideradas corretas de se fazer atividades e trabalhos e também de se relacionar com lugares, seres vivos, ferramentas, veículos de transporte, etc. Todas as práticas existentes no ramo castanheiro, como a navegação, o manuseio de ferramentas, o caminhar e o modo de se orientar na floresta, e também as relações advindas destas práticas, possuem uma “ciência”, o que significa dizer que em todas elas há técnicas, procedimentos e condutas que indicam o modo correto e adequado de se fazê-las e de se estar nelas de forma plena.[8]

 

“Arremedar”

Na caça e também na pesca, tais como são desenvolvidas no âmbito do extrativismo da castanha, se destaca um conjunto de artifícios dotados de “ciência” considerados fundamentais para que tais atividades sejam bem-sucedidas. São designados sob o termo “arremedar”, e usados pelos caçadores e pescadores quilombolas para criar encontros com animais alvos de caça e pesca para então tentar capturá-los e abatê-los.

No “arremedar”, a produção de sons ritmicamente e melodicamente semelhantes àqueles produzidos pelas espécies cinegéticas é um dos principais artifícios utilizados para a criação de encontros propícios à caça e à pesca. Além dos sons e dos movimentos dos animais, “arremedar” incorpora os traços sensíveis dos habitats, como também das relações dos animais alvos de caça e de pesca com outros seres vivos. A sua importância para atividades cinegéticas das populações negras do Baixo-Amazonas foi descrita por Arregui (2012) em sua tese de doutorado, realizada entre os quilombolas vizinhos aos do rio Trombetas, situados no rio Erepecuru. Em sua análise, esta prática não aparece cunhada sob o termo “arremedar”, mas, de forma pouco diferente do que aqui proponho, é designada e descrita pelos termos “mimésis” e “imitação”.

Os artifícios que servem a criar encontros com animais na caça ou na pesca – seja pelo uso predominante de meios visuais, como, por exemplo, a recriação no corpo humano da imagem da presa, tal como ocorre entre as populações de caçadores na Sibéria, como demonstra Willerslev (2007), ou pelo viés de produção sonora, como se dá entre povos da floresta tropical da Papua Nova Guiné, tal como descrevem Gell (1995) e Feld (1982) – parecem ser algo inerente ao mundo dos povos pescadores e caçadores, de forma geral. Embora também presente entre os povos amazônicos, o uso destes artifícios foi, até o momento, pouco descrito e analisado. Há de se salientar também que existem ainda poucos trabalhos na Amazônia que enfatizam na descrição etnográfica os universos da técnica, da prática e da percepção envolvidos nas relações entre humanos e animais. Além de Arregui (2012), dentre os que possuem esta proposta, destaco as teses de doutorado de Sautchuk (2007), que aborda a pesca do pirarucu (Arapaima gigas) e da gurijuba (Arius luniscutis) entre uma população ribeirinha do estuário amazônico, e a de Garcia (2011) sobre a caça, especialmente a de certas espécies de primatas, entre os índios avá guajá do estado do Maranhão.

Como já salientado, no âmbito do extrativismo comercial da castanha, a caça e a pesca são fundamentais para a obtenção de alimento, portanto, atividades interessadas, com finalidades específicas. Levando em conta este importante pressuposto, os extrativistas com quem interagi na pesquisa de campo enfatizam invariavelmente em suas exegeses os aspectos práticos quando se referem a tais atividades. Outro aspecto importante enfatizado, que também se relaciona com o modo como o extrativismo comercial da castanha é ­realizado, é o ­planejamento. É possível afirmar que, no âmbito do extrativismo da castanha, na maior parte das vezes em que se sai para caçar ou pescar, se sabe de antemão exatamente que tipo de pescaria ou de caçada irá se realizar, qual a “qualidade” de animal que se deseja caçar ou pescar e, de acordo com esse desejo, quais os lugares que serão frequentados.

Algo relevante e pouco comentado nos trabalhos antropológicos sobre as práticas de caça e pesca é a importância dos conhecimentos relativos aos lugares em que vivem os animais caçados e pescados.[9] Nesse sentido, realizar uma boa incursão etnográfica sobre a dimensão da prática da caça e da pesca perpassa, sem dúvida, por realizar uma descrição e uma análise dos ambientes em que circulam, moram e se alimentam os animais. No acompanhamento dessas atividades, que são cotidianas no extrativismo da castanha, realizado na pesquisa de campo, pude constatar que, sem dúvida, o conhecimento sobre os ambientes onde vivem os animais e sobre os modos como eles se relacionam com seus habitats torna possível planejar com muita precisão quais das modalidades de caça e de pesca serão praticadas e quais “qualidades” de animais se deseja encontrar. Levada essa hipótese ao limite, se poderia dizer que nos contextos da caça e da pesca, os extrativistas com quem convivi não concebem que o conhecimento sobre os animais seja dissociado daquele sobre os lugares onde vivem, havendo, portanto, uma conexão fundante e, ao mesmo tempo, uma dissolução das fronteiras entre o ser vivo e seu ambiente no modo de conhecer e, como se verá a seguir, nas práticas relativas às atividades cinegéticas.[10]

 

Contextos de prática e eficácia de “arremedar”

Primeiramente, cabe dizer que “arremedar” é um dos recursos mais utilizados na caça de forma geral e em algumas modalidades específicas da pesca, especialmente as que utilizam varas, ou como chamam por lá, “caniços”, a linha e o anzol. Incluem-se também aquelas em que se utiliza somente a linha e o anzol, a que chamam de “linhada”.

O “arremedar” bem-sucedido não está somente ligado à execução perfeita dos artifícios que o compõem da perspectiva da técnica ou do viés performativo. Se tratando de sons produzidos pelos animais, por exemplo, um caçador pode saber executar um “arremedo” perfeito do ponto de vista melódico e rítmico e nunca ter êxito na criação do encontro com determinada “qualidade” de animal que deseja capturar ou abater.

Algo fundamental que confere eficácia ao “arremedar” é o código de conduta que o rege. Primeiramente, nunca se deve “arremedar” fora de uma situação real, sob pena de perda de sua eficácia. Na arte de “arremedar”, geralmente, um caçador ou pescador, mas um caçador em especial, sabe “arremedar” muitas “qualidades” de animais, mas sempre há arremedos e arremedos. Da perspectiva de todo praticante, alguns são muito eficazes e outros, embora aparentemente perfeitos do ponto de vista técnico e performativo, não criam encontros com os animais que se deseja.

Algo a que estão sujeitos todos aqueles que fazem uso do “arremedar” é que ele fatalmente perde sua eficácia no decorrer do tempo. No Alto Trombetas, costuma-se dizer que quando se tem condições de praticar de forma mais ou menos plena a caça e a pesca, nas alturas dos 20 e 30 anos de idade, ele possui uma incrível eficácia. Dizem os mais velhos que nessa fase da vida o corpo do caçador ou pescador é mais “puro” e, portanto, pouco influenciado por fontes causadoras de “panema”.[11] Dentre essas, uma das mais mencionadas é o contato dos homens, no decorrer da vida, com fluidos menstruais femininos, seja pela vida em comum do casamento, seja pelo contato de mulheres com as presas abatidas pelo caçador ou pescador.

Outro fator que diminui a eficácia do “arremedar” entre caçadores e pescadores é tirar a vida de animais de forma desmedida e abusiva. Isto pode se desdobrar na quebra de pactos e dos modos de etiqueta com as espécies caçadas e pescadas e com seus entes sobrenaturais responsáveis. Um dos entes sobrenaturais mais mencionados nestes contextos são as “mães da mata” e “mães dos animais”. No caso do universo das águas e florestas, “mãe” é a categoria usada pelos quilombolas do Alto Trombetas para se referir aos entes não humanos sobrenaturais que tomam parte pelos animais na relação com os humanos, mas também com outros animais. Esta categoria é correlata ao que a literatura etnológica denomina, para o caso dos grupos indígenas amazônicos, de “donos” ou “mestres”. Estes entes sobrenaturais são fundamentais em alguns contextos amazônicos para como são elaborados e cumpridos a ética e os modos de etiqueta vigentes entre humanos e animais e, em alguns casos, também entre humanos e vegetais, tal como demonstra o artigo de Fausto (2008).

Entre os quilombolas, de modo muito semelhante ao que se encontra em outras populações caçadoras da Amazônia, existem certos modos de etiqueta que são sempre realizados nas atividades cinegéticas para amenizar o caráter violento dessa atividade e não ofender o animal abatido e os entes não humanos responsáveis por ele.[12] Primeiramente, no momento do abate ou da captura, deve-se proceder de modo que haja o menor sofrimento possível. Em segundo lugar, há os procedimentos relacionados aos cuidados com o cadáver do animal quando ele vai ser preparado para o consumo: os restos mortais não podem ser descartados de qualquer modo e devem ser mantidos longe do contato com a água de rios, lagos ou igarapés e com animais domésticos. Em terceiro, há os cuidados nos modos de circulação e no consumo dos animais abatidos: deve-se evitar vender a “embiara” modo como localmente é feita referência aos animais caçados ou pescados – e evitar que mulheres grávidas, com filhos recém-nascidos ou que estejam menstruadas entrem em contato com a presa, principalmente nos atos de cuidar e preparar, mas também, em alguns casos, no consumo.

A diminuição da eficácia do “arremedar” pode ser contida ou amenizada no decorrer da vida com o uso de “banhos” ou “remédios”, compostos de espécies animais e vegetais específicas para atrair e/ou “amansar” os animais, e com a troca frequente dos artefatos usados para executá-lo, tal como os apitos, por exemplo.

Algo muito importante em relação ao “arremedar” é que ele não é uma prática exclusiva dos humanos, mas parece ser de todos os seres que praticam a caça e a pesca. Vários castanheiros antigos dizem ter testemunhado onças pintadas (Panthera onca) arremedando suas presas. Dizem que elas sabem arremedar vários animais, como a cutia (roedor da família Dasyproctídae) e o mutum (ave galiforme da família Cracidae). O arremedo das onças não é ritmicamente e melodicamente tão semelhante como o produzido pelos humanos; é meio grosso, grave, o que o faz ser feio e apavorante. Tal como as onças, as “cobras grandes”, seres sobrenaturais habitantes de certos locais da floresta, associadas localmente às cobras jiboias (serpente não peçonhenta da família Boudae), também arremedam e, nesse caso, com duas finalidades: primeiro para caçar animais, pois vivem exclusivamente da caça; em segundo, para atrair e devorar humanos que andam pela mata. “Curupiras”, “mães da mata” e as “mães” das espécies animais também arremedam, mas nesse caso para protegerem os bichos e os lugares pelos quais são responsáveis. O fazem para confundir os caçadores, para que se afastem ou para que se percam na mata e sejam punidos, caso não tenham respeitado os pactos previamente acordados. Por tais motivos, “arremedar” é também algo perigoso, pois ao praticá-lo é possível atrair predadores poderosos, como as onças, as jiboias, e também os protetores e seres sobrenaturais habitantes das águas e florestas. Nesses contextos, “arremedar” pode fazer com que caçadores tomem o lugar da caça: podem ser atraídos, enganados e virarem presa de onças, “cobras grandes” ou serem alvos de retaliações dos protetores da mata.

Como já salientado, na prática de “arremedar”, o conhecimento sobre os ambientes onde vivem, circulam, moram e se alimentam os animais é tido como fundamental e está presente na maior parte dos contextos que a envolvem. Em boa parte das situações em que ela ocorre isto se dá nos ambientes específicos de circulação, de alimentação ou de moradia de “qualidades” específicas de animais. Todo grande castanheiro quando chega ao seu lugar de trabalho, além de “espiar” a produção de frutos das castanheiras, costuma também averiguar cuidadosamente as “fruteiras” e os lugares que sabe que os animais de caça e pesca frequentam e onde circulam. “Fruteiras” é a categoria pela qual os quilombolas designam centenas de vegetais terrestres e aquáticos de diversas espécies que servem de alimento para os animais de caça e pesca, tal como o taperebá (família botânica Anacardiaceae), o uxi (Endopleura uchi), o araçá (família botânica Myrtaceae), entre muitas outras.

Nas ocasiões da coleta da castanha, invariavelmente, os extrativistas buscam saber do paradeiro das “fruteiras” que habitam o entorno e o interior das florestas de castanhais para preverem os estágios de maturação das frutas e saberem quando irão poder frequentar determinadas árvores com a finalidade de caça ou pesca. Nas “fruteiras” com frutos já maduros, averiguam se há presença de rastros e outros vestígios dos animais que se alimentam ou vivem nas redondezas. Para isso, claro, é obrigatório conhecer de antemão como são os rastros, os vestígios e os prováveis locais de abrigo e moradia de muitas “qualidades” animais. Para se ter uma ideia de como isso se articula na prática, somente se “arremeda”, por exemplo, uma cutia, mamífero roedor muito comum nesta região, nos lugares que se sabe previamente, pela análise dos vestígios encontrados, que ela os está frequentando. No tempo da safra de castanha, as cutias costumam frequentar assiduamente os castanhais e se alimentar das sementes das castanheiras. É possível saber de antemão que ela está frequentando determinado fragmento de castanhal quando, por exemplo, se encontram os ouriços – os frutos lenhosos das castanheiras onde ficam as castanhas – quebrados, roídos e amontoados de um jeito característico. Leva-se em consideração também o horário em que costumam se alimentar ou circular os animais. No caso da cutia, não se costuma arremedá-la no fim do dia, por exemplo, pois se sabe que ela nesse horário não está mais comendo e está entocada em algum buraco ou “madeira” que lhe serve de moradia. Tendo estes fatores em conta, quando eficaz, o arremedo sonoro cria um encontro entre a cutia e o caçador, colocando-a, então, em situação vulnerável para a boa pontaria. Algo importante de salientar é que na criação do encontro com a cutia, os sentidos da visão e da audição do caçador atuam em conjunto. Quando se arremeda em um ambiente onde se sabe que se pode encontrar determinado tipo de animal, a observação atenta se dá com os olhos e ouvidos simultaneamente. Nesses casos, para os caçadores, não existe a distinção entre o escutar e o ver ou vice-versa.[13]

Além de “arremedar” nos ambientes onde se sabe que determinadas “qualidades” de animais estão se alimentando, circulando ou habitando, se faz uso dessa prática em outros dois contextos específicos.

O primeiro é aquele em que se avista um animal e se arremeda para levá-lo a uma posição melhor ou mais próxima. Essa situação é bastante corriqueira na caça de certas aves tais como o jacu, o mutum (aves galiformes da família Cracidae), o jacamim (ave gruiforme da família Psophiidae) e também na caçada de espécies de primatas. É comum se avistar, por exemplo, um bando de macacos-prego (primatas da família Cebidae) e usar o “arremedo” sonoro para atraí-lo para mais perto ou para uma árvore mais baixa. Nesse caso, é importante reparar que o “arremedo” acontece quando se avista bem o animal e o objetivo é somente atraí-lo, pois já se sabe onde ele está. Dizem os extrativistas que a necessidade da proximidade no encontro está associada ao tipo de artefato que usam para caçar. As espingardas “cartucheiras”, as armas de caça mais usadas na região, espalham diversos projéteis pequeninos que também possuem curto alcance e, além disso, como se trata de uma floresta tropical, há muitos galhos, folhas e cipós que podem desviar sua trajetória. É necessário, por tais razões, muita paciência para “ajeitar” a caça e conseguir ficar em uma posição em que se possa executar o chamado “tiro cheio”, ou seja, uma posição em que se esteja a curta distância e sem obstáculos. Pode-se observar que não são somente as condições ambientais, as florestas de tipo tropical, onde a visão se dá a curta distância, que influenciam nas condutas de caça, mas também o artefato usado para a realização de tal atividade.

O segundo contexto é aquele em que se escuta o animal, seja o canto de um mutum, o roer de uma cutia ou o gruir dos porcos selvagens, como o caititu (Pecari tajacu). Nesses casos, o encontro é criado pela via estritamente sonora, através da reprodução, pelo caçador, do canto, do piado ou do grunhir do animal. O “arremedo” sonoro propicia condições de avistar o animal e “ajeitá-lo” para uma melhor posição de tiro. Isso é muito comum para a caçada de aves, pela marca dos cantos e piados. A caça ao mutum, por exemplo, é primordialmente feita dessa forma. Geralmente, quando se escuta o canto de um mutum, o “arremedo” serve exclusivamente para atraí-lo para o campo de visão do caçador. Nesse caso, a audição e a comunicação sonora atuam para a criação do encontro e o caçador vê o animal somente na fase de “ajeitar”, o final da caçada. Com efeito, a paisagem ambiental influi de modo relevante na predileção da audição, pois o campo de visão é limitado. Geralmente, quando se ouve o mutum ele não está muito distante, mas a vegetação impede quase completamente a possibilidade de enxergá-lo, mesmo que a curtas distâncias.

 

Arremedando o “mundo” na criação dos encontros ideais

Como já salientado, “arremedar” incorpora as relações das espécies cinegéticas com seus ambientes e com outros seres vivos. Isso é particularmente claro na pesca, como demonstro a seguir.[14]

No tempo da coleta da castanha, tempo das chuvas, a pescaria ocorre primordialmente nas “fruteiras”. As explicações dos quilombolas para este fato são duas. Por um lado, as “fruteiras” atraem peixes em busca de alimentos, tornando-os presas fáceis em razão do número elevado; por outro, há grande quantidade de peixes de maior porte, atraídos pelos menores que se alimentam das frutas, garantindo aos pescadores uma diversidade de espécies.

A pescaria do pacu (peixe da família Characidae) – que na taxonomia local possui diversas “qualidades” – com o uso de “caniço” ou vara de pesca é particularmente relevante nos castanhais, principalmente naqueles situados nas áreas de sobreposição com a unidade de conservação de proteção integral – Reserva Biológica do Rio Trombetas/Rebio Trombetas –, onde é proibida a caça e certas modalidades de pesca. Os pacus no tempo da safra de castanha estão “gordos” pela abundância e pela variedade de frutas de sua preferência nessa época do ano.

A pescaria do pacu com “caniço” se dá primordialmente nas “fruteiras” e a isca utilizada no anzol é a própria fruta da espécie vegetal em questão. Esse tipo de pescaria ocorre da seguinte maneira: primeiro, se procura uma “fruteira” da qual se sabe que este peixe gosta de se alimentar. Em segundo, se posiciona cuidadosamente o “bote”, a embarcação, em uma posição confortável, longe de galhos e outros obstáculos que possam atrapalhar o manejo do “caniço” ou da vara de pesca.[15] Em seguida, com o “caniço”, utilizando a parte mais grossa, a qual na pesca se empunha com as mãos, o pescador reproduz o som da “batida” do pacu na água, criando seus sons e movimentos na relação com a água quando se alimenta. Os pacus sempre se alimentam na “flor d’água”, na superfície das águas dos rios, lagos e igarapés. Posteriormente, o pescador pega uma fruta da “fruteira” conecta no anzol, lança-a na água, espera ela afundar, recolhe a linha e joga novamente da mesma maneira e, assim, os pacus “pegam” o anzol. Nesse tipo de pescaria é necessária muita perícia e paciência, mas quando há peixes circundando uma “fruteira”, com certeza se levará vários deles para casa. Quando eu estava acompanhando esse tipo de pesca e perguntava o que significavam as batidas na água com a vara de pesca ou “caniço” e o gesto repetido do arremesso das frutinhas na superfície da água, os pescadores me diziam que estavam arremedando primeiramente a “batida” na água dos pacus, conforme a fazem quando estão se alimentando; em segundo lugar, estavam arremedando a “fruteira”, “jogando” as suas frutas maduras e, por fim, “arremedando” as frutas caindo na superfície da água. Algo semelhante acontece na pesca do tucunaré (peixe da família Cichlidae), um peixe de maior porte e que se alimenta de outros peixes. Geralmente no começo ou no final do dia, hora que os peixes menores se alimentam nas “fruteiras”, se costuma escutar a “batida” do tucunaré em caçada. Na pescaria do tucunaré, o pescador primeiramente, com uma vara de pesca mais grossa que a utilizada na pesca do pacu, “arremeda” a “batida” desse peixe de mesmo modo que na pescaria anterior, só que com maior intensidade na água. Posteriormente, usando um peixinho ou um pedacinho de pano como isca no anzol, se arremessa a linha; quando a isca cai na água se recolhe lentamente, “arremedando” um peixinho nadando na superfície da água e dando a chance para que os tucunarés “ataquem” os anzóis.

Nesses dois tipos de pescaria, podemos notar que “arremedar” se expande para elementos do ambiente e, sobretudo, para as relações do animal que se deseja capturar com outros seres vivos. De modo mais explícito que nos exemplos da caça, o que parece ocorrer nesses casos é a criação, para além do som e do movimento do próprio animal, das condições ideais para esses peixes irem ao encontro do pescador. No caso do pacu, essa criação se dá de acordo com o horário correto do dia, com a temperatura da água e seus hábitos de alimentação. Há o “arremedo” de outros da espécie se alimentando na superfície da água ao redor da “fruteira”; o arremedo da “fruteira” “jogando” suas frutas maduras na água; e também das frutas caindo na superfície da água. Essa composição em seu conjunto cria as condições perfeitas para um pacu ou vários deles irem para aquele lugar naquele momento. O mesmo parece ocorrer no caso do tucunaré: há o “arremedo” dos peixinhos, incorporando os hábitos de outras “qualidades” de peixes, e o “arremedo” de outros tucunarés caçando ao redor da “fruteira”, de acordo também com a temperatura da água e com o horário do dia em que isto costuma acontecer nessa época do ano.

Embora não se apresente de forma tão contundente como nesses dois exemplos de pesca, creio que o mesmo ocorre no caso da caça. Quando se “arremeda” animais sem nenhum contato visual ou sonoro prévio, tendo em vista somente seus ambientes de circulação, alimentação ou habitação, o que se faz de certa maneira também é uma composição para criar as condições para o aparecimento do animal que se deseja caçar. Vejamos de forma mais detalhada o caso da cutia, já comentado anteriormente. Geralmente, se “arremeda” cutias nos castanhais, no tempo de as castanheiras “jogarem” seus ouriços maduros. Leva-se em consideração previamente, antes de “arremedar”, pelo exame dos vestígios – como rastros, restos de alimentos, fezes –, se elas estão realmente circulando e/ou se alimentando no lugar. A partir dessa averiguação, sabendo de antemão os horários do dia e as condições do tempo consideradas ideais, de acordo com o conhecimento prévio a respeito do hábito e do comportamento dessa “qualidade” de animal, se executa o “arremedo” sonoro. Nesse contexto, o “arremedo” sonoro não parece ser uma tentativa de estabelecer somente uma comunicação com o animal, mas sim mais um elemento a ser somado a diversos outros fatores para a criação de uma condição ideal para atraí-lo. A criação do encontro, portanto, leva em conta o ambiente – como a presença das alterações no solo pelos rastros e pela presença de vestígios de alimentos e fezes da cutia –, a relação dela com outros seres vivos, neste caso com as castanheiras, e também o conhecimento que possuem os caçadores e pescadores sobre os hábitos e o comportamento desse animal.

Algo importante que se leva em consideração também nestes contextos é o conhecimento sobre o universo perceptivo do animal em questão. Pude averiguar, durante a pesquisa de campo, que caçadores e pescadores dão grande atenção a como atuam os diferentes sentidos (olfato, visão, audição) de diversas “qualidades” de animais. Por exemplo, caso o sentido do olfato de um determinado animal seja muito aguçado, se terá, por consequência, muita atenção à direção do vento na tentativa de se criar um encontro com ele; caso algum tenha uma visão muito aguçada, a atenção será colocada em saber se camuflar de modo que não se seja visto por ele; por fim, se tiver uma audição apurada, se levará em conta a emissão de ruídos na ocasião do encontro.

No que diz respeito ao universo dos sentidos dos caçadores e pescadores na prática de “arremedar”, pode-se observar com os exemplos etnográficos descritos que não há uma hierarquia entre eles, pois para que esta prática seja bem-sucedida é necessário que o caçador e o pescador interajam com uma infinidade de aspectos físicos, de traços sensíveis e de relações que exigem, sem dúvida, que todos os sentidos atuem em conexão. Enfatizar essa equidade não quer dizer, entretanto, que a conexão entre os sentidos ocorra de forma unívoca em todo o momento da prática de “arremedar”. Como vimos, em certos contextos, como nas caçadas de encontro, em que o primeiro contato se dá pela visão ou a audição, principalmente, é possível que um dos sentidos, em um primeiro momento, possa ser o mais relevante.[16]

 

Anedotas da aprendizagem e as considerações finais

No modo de conhecer e realizar a caça e a pesca, a conexão entre o vivo e seu ambiente é um pressuposto fundamental para a “ciência” de suas práticas decorrentes. Com efeito, a “ciência” nesses casos não se restringe aos aspectos técnicos ou performáticos ou a uma relação do humano com um único ser vivo, mas assinala o espectro de relações que está em jogo nas situações em que tais atividades ocorrem. Por esta razão, as práticas decorrentes da caça e da pesca, como o “arremedar”, são aprendidas invariavelmente em contextos de ação. Descrevo a seguir duas situações vividas no tempo de minha pesquisa de campo que trazem à tona cenas de aprendizagem envolvendo estas atividades.

Na primeira estava eu com o castanheiro que acompanhei por maior tempo em minha pesquisa de campo e três de seus filhos, coletando castanha, quando ouvimos o canto de um mutum. A partir da escuta do canto, o pai deixou as ações da caçada por conta do filho mais velho, que a partir de então tomou as diretivas para encontrá-lo. Os jovens começaram a se movimentar rapidamente pela “mata”, os mais novos seguindo o mais velho. Eu e o pai deles ficamos de longe observando. Pouco tempo depois de ouvir o canto, nós vimos o “remexer” deles. Eram mais de um e estavam em árvores ali próximas. O lugar onde estávamos era uma “divisa” entre uma “baixa”, mata que fica sujeita às inundações de inverno, e uma “mata bruta”, de terra firme.[17] O procedimento inicial ideal a ser feito para o sucesso da caçada seria achar a posição correta para poder “arremedar” e atraí-los para mais perto. A posição do atirador nesse caso era fundamental, pois teria de ser uma que impedisse as aves de voarem em direção à “mata bruta”, onde há árvores muito altas. Com efeito, a direção ideal era ficar virado de frente à “baixa” e de costas para a “mata bruta”. Nessa posição seria possível, caso houvesse erro na pontaria, impedir que as aves se escondessem nas árvores altas da “mata bruta”, onde ficariam fora do alcance dos projéteis da espingarda.

De forma equivocada, o atirador se posicionou de modo contrário, deixando então a “mata bruta” como uma opção de fuga para as aves. Ele “arremedou”, as aves responderam, mas ele não teve a paciência de esperar elas se aproximarem o suficiente. Acabou atirando a longa distância e em uma posição ruim. As aves escaparam rumo à “mata bruta” e o pai deles logo disse para irmos embora para casa, pois naquele momento não se poderia tentar atraí-las, pois já estavam assustadas, “ariscas”, e nas árvores altas. Logo que chegamos a casa, o pai explicou-lhes em detalhe os equívocos cometidos na empreitada. Pude perceber durante essa situação que o “arremedo” sonoro do jovem não era tão semelhante do ponto de vista rítmico e melódico como o que pude observar acompanhando caçadores mais experientes. Quando perguntei ao pai sobre isso, ele disse, em outras palavras, que a perfeição da execução sonora era alcançada de forma concomitante às outras ações envolvidas, que exigiam a leitura do ambiente e a previsão de como iriam se comportar os animais, tal como exigia a ocasião.

Na segunda situação estava acompanhando o mesmo quarteto na busca da castanha. Estávamos de barco no caminho de volta para casa e avistamos um bando de macacos guariba (primatas da família Atelidae) em árvores próximas à “beira d’água”. Nessa beirada, havia árvores baixas e também altas e, assim foram os jovens atrás deles. Nessa situação, era ideal e necessário posicionar o “bote”, a embarcação, próximo das árvores altas, para que os animais, caso se espantassem, não fugissem nesta direção, onde é praticamente impossível persegui-los. Ocorreu que os jovens posicionaram o “bote” no lugar e direção errados e não “arremedaram” o suficiente para atraí-los, pois avaliaram que os guaribas já estavam próximos o suficiente. Novamente, não tiveram paciência para aguardar que fossem para uma árvore mais baixa e atiraram de um lugar cheio de galhos e folhagens, e os animais escaparam para as árvores mais altas. Tal como na situação anterior, o pai não tomou a direção da empreitada, deixou que eles tomassem as decisões e depois de tudo acabado explicou os equívocos que os fizeram não obter êxito.

As duas situações levam a observar que quando há uma compreensão adequada do ambiente em uma caçada ou pescaria é possível prever e se antecipar diante das atitudes que serão assumidas pelos animais em uma determinada situação. Por outro lado, entender o comportamento do animal permite também saber como ele se relacionará com o ambiente em determinado contexto e se adiantar diante de suas ações. A consequência da aplicação do pressuposto da indistinção entre o vivo e seu ambiente nas práticas realizadas na caça e na pesca é a incursão de forma criativa do praticante no espectro de relações dos outros seres vivos com seus ambientes. Neste sentido, “arremedar”, além de um ato de criação, é um momento em que o humano, caçador e pescador, busca de forma intencional e interessada diluir a fronteira com a natureza e, ao mesmo tempo, se conectar a ela de forma plena e total.

Um aspecto importante que a “ciência” do “arremedar” revela é que, para os quilombolas, as práticas decorrentes da caça e da pesca se aprendem em plenitude somente quando a mente e o corpo trabalham de forma conectada. Do mesmo modo, podemos considerar que não é possível separar corpo e mente dos artefatos utilizados, do ambiente onde ocorrem as práticas e das relações que outros seres vivos travam entre si. Com efeito, para o aprendizado ser pleno é fundamental, portanto, que ocorra o uso correto do corpo e dos artefatos e o entendimento e a inserção plena do praticante nas relações dos seres vivos e seus ambientes. Desse modo, as situações narradas acima mostram que o papel dos mais experientes no aprendizado parece ser inserir os aprendizes nessas situações e ensiná-los aos poucos a se conectar com todos estes elementos de forma conjunta e harmônica.

É interessante notar que o conceito de “ciência” se assemelha nesse quesito ao conceito que Tim Ingold (2000) denomina skill, traduzido em língua portuguesa como “habilidade”. “Habilidade”, de acordo com Ingold, seriam modos particulares de ação e prática de humanos, como também de outros seres vivos, sobre o ambiente. Na tentativa de problematizar as dicotomias entre as categorias humano e animal, mente e corpo, organismo e meio, o conceito de “habilidade” sugere que a vida e os modos de conhecer de humanos e de seres vivos existem somente nos processos de interação com o ambiente. O conceito parte do pressuposto de que o organismo não é uma unidade que age e compreende um mundo no qual ele não tem influência em sua conformação e vice-versa. Com efeito, o que se denomina “organismo” não atua como “processador e armazenador de informação” de modo autônomo em relação ao meio e de forma desconectada dos contextos de prática e ação.[18] Creio que a abordagem “processualista” proposta por Ingold, que precede a elaboração desse conceito, condiz com o que os quilombolas designam como “ciência”. Tal como “habilidade”, a “ciência” coloca em evidência a aprendizagem como algo que não se dá somente de forma autônoma em um “organismo”, sem levar em conta os modos de ação e prática no ambiente e as relações que ocorrem entre os seres vivos.

Algo importante que o conceito de “ciência” também incorpora são os pressupostos ou preceitos “teóricos” importantes para a caça, a pesca e para as suas práticas decorrentes que não são transmitidos necessariamente nos contextos de ação e que extrapolam o universo de seus praticantes. Eles dizem respeito especialmente à ética e aos modos de etiqueta com os lugares e com os seres vivos. No Alto Trombetas, embora a ética e a etiqueta se atualizem e sejam postas em evidência em situações práticas, elas têm também um caráter “canônico” e são compartilhadas não somente por caçadores e pescadores, mas por todos os quilombolas. Perpassam o tempo, permanecem entre gerações e são transmitidas para aqueles que nunca praticaram ou que nunca irão praticar a caça e certas modalidades de pesca. A transmissão desses conhecimentos e modos de conduta ocorre, por exemplo, quando caçadores e pescadores se reúnem em torno de uma fogueira em suas casas e nos acampamentos sazonais nos castanhais e contam histórias de caçadas e pescarias para as mulheres, jovens e crianças.

Na teoria de conhecimento dos quilombolas, a ética e os modos de etiqueta atuam, portanto, como pressupostos presentes nos modos de as pessoas pensarem sobre o mundo e são aplicados e postos em evidência nos contextos de ação e prática. Desse modo na caça e na pesca, o conceito de “ciência” assinala não somente a dimensão dos processos ligados aos contextos de ação que envolvem estas atividades, mas os pressupostos que guiam as ações e que fazem parte da vida dos quilombolas como um todo e não somente do universo dos praticantes. A teoria de conhecimento dos quilombolas do Alto Trombetas abordada aqui pelo viés da prática de “arremedar” e do conceito de “ciência” revela que os pressupostos, que podemos denominar de “teóricos”, e os processos são duas dimensões inseparáveis que se informam e se atualizam mutuamente.

 

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Receção da versão original | Original version 2017/03/31
Aceitação | Accepted 2017/12/02

 

 

NOTAS

[1] A tese foi orientada pela professora Nádia Farage e defendida na Universidade Estadual de Campinas/Unicamp (Scaramuzzi 2016). A pesquisa foi financiada pela agência FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

[2] A formação dos mocambos ou quilombos na bacia do rio Trombetas foi documentada em uma série de fontes históricas escritas. Estes documentos foram analisados na tese de doutorado e em uma série de artigos posteriores do historiador Eurípedes Funes (1995, 1999, 2004, 2007, 2009); no livro de Acevedo e Castro (1998) a respeito da escravidão e formação dos quilombos na região, e em trabalhos que tratam da história da escravidão na Amazônia e no estado do Pará de forma mais genérica, como Salles (1988).

[3] Informações atuais sobre os dados de população e as comunidades foram retiradas dos sites da ONG Comissão Pró-Índio de São Paulo: www.cpisp.org.br e www.quilombo.org (última consulta em dezembro de 2018).

[4] O termo extrativismo, como salienta Almeida (2012: 125), pode ser associado a um tipo de economia florestal predatória, ligada a relações sociais de dependência e dominação dos tempos em que os produtos florestais amazônicos estavam em alta no mercado internacional, na primeira metade do século XX. Pode também, tal como é usado pelo autor e adotado na descrição etnográfica do extrativismo da castanha que desenvolvi em minha tese de doutorado (Scaramuzzi 2016), estar associado a um modo de vida florestal no qual a venda de produtos florestais, como a castanha, é uma das atividades que está integrada a um sistema amplo de atividades, que conformam usos e ocupações territoriais de “baixo impacto ambiental” e que viabilizam, em um tempo de longa duração, a existência, a dignidade e a convivência das populações humanas com uma grande diversidade de vida. Creio que as populações quilombolas da bacia do rio Trombetas se encaixam nessa acepção, pois habitam, há mais de 200 anos, em boa convivência, uma das regiões amazônicas mais “preservadas” do país.

[5] Os termos locais mais relevantes à descrição e à análise proposta no artigo estão grafados entre aspas.

[6] Localmente, são denominados “mandioca brava”, ou somente “mandioca”, os tubérculos com alto teor de ácido cianídrico, que não podem ser consumidos com o simples cozimento, contrariamente ao que acontece com a “macaxeira” ou “mandioca doce”, que possui baixo teor desse componente. Essa distinção, com a predominância de um tipo ou de outro em um sistema agrícola, é recorrente em toda a Amazônia. Para maiores informações sobre a diversidade da mandioca entre populações indígenas e tradicionais, ver Emperaire (2005, entre outros artigos da mesma autora).

[7] A bacia do rio Trombetas é habitada por diversos povos indígenas, como os kahyana, kaxuyana, hixkaryana, tiriyó, txikiyana, tunayana, xerew, waiwai, zo’é e grupos isolados. Com uma população estimada em 3400 pessoas, estes povos ocupam quatro Terras Indígenas, estando três delas homologadas (TI Nhamundá-Mapuera, TI Trombetas-Mapuera e TI Zo’é) e uma em processo de regularização (TI Kaxuyana-Tunayana). Para informações gerais sobre estas populações, recomendo a consulta do site do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé: https://www.institutoiepe.org.br/campanhas/demarcacao-ja/povos-indigenas-e-quilombolas-do-trombetas/ (última consulta em dezembro de 2018).

[8] O conceito de “ciência” e sua relação com os modos de conhecer dos quilombolas da bacia do rio Trombetas já foi abordado por Arregui (2012, 2014, 2018). O autor, em artigo de 2014, se dedica à análise deste conceito (engloba também os conceitos locais de “teoria” e “inteligência”) no que denomina “sistemas sociotécnicos” dos povos quilombolas do Baixo-Amazonas. “Ciência”, “teoria” e “inteligência”, afirma o autor, “assinalam certas habilidades físicas e perceptivas com as quais são levadas na prática algumas técnicas tradicionais” (Arregui 2014: 92). “Ciência” é um conceito importante também para o modo conhecer de seringueiros do Alto Juruá, no Acre, na Amazônia Ocidental, e foi tratado por Postigo em sua tese de doutorado de 2010. Segundo o autor, “Ciência refere-se em alguma medida a um saber fisicamente localizável. […] Uma ciência, nesse sentido, não designa um conhecimento qualquer, mas, sobretudo, as regras que devem ser conhecidas para transitar em cada mundo. Aproxima-se mais corretamente da ideia de conhecimentos de conduta” (Postigo 2010: 23). A definição que propus acima se assemelha e une as que foram propostas pelos dois autores, enfatizando por um lado, as práticas e os contextos de ação e, por outro, os aspectos da conduta e das regras. Para uma discussão mais detalhada deste conceito, além destes trabalhos, ver também Scaramuzzi (2016).

[9] Sobre esse aspecto destaco o trabalho não propriamente de antropologia, mas de ecologia histórica, de Cormier (2003) sobre a relação dos saberes botânicos com a caça e o comportamento animal entre os avá guajá do Maranhão, Brasil.

[10] Esta conexão fundamental, no universo dos quilombolas, entre o vivo e o ambiente, no âmbito da caça e da pesca, se relaciona com questões importantes debatidas nos últimos trabalhos de Tim Ingold, como os da coletânea Being Alive (2011), nos quais ele advoga pela dissolução da dicotomia conceitual e analítica e pela indistinção no plano existencial entre o vivo e o ambiente através dos conceitos de “linhas”, “tramas” e “fluxos”, enfatizando que as formas do vivo não seriam algo inato, mas fruto do movimento que se dá em um “emaranhado de relações”.

[11] “Panema” é o termo geral pelo qual caçadores da Amazônia se referem ao azar ou à má sorte na caça, mas também na pesca; já foi abordado e discutido por diversos autores, tais como Da Matta (1973), Garcia (2012) e Almeida (2013).

[12] Essa questão parece ser crucial e está presente na prática e no pensamento de todas as populações indígenas e não indígenas amazônicas, especialmente a respeito da caça. Para a observação desta questão no contexto caboclo ou ribeirinho (populações não indígenas que habitam as florestas da ­Amazônia), tais como os quilombolas do Trombetas, ver Almeida (2013).

[13] O argumento de Ingold (2008) para se opor a alguns trabalhos antropológicos que abordam a importância dos sentidos para conhecer e interagir com o mundo, dentre os quais o de Alfred Gell (1995), advoga que na percepção não se poderia separar de forma hierárquica qualquer um dos sentidos, pois ela se dá através do organismo “como um todo” em seu “engajamento” direto com o meio.

[14] Essa particularidade da pesca foi tratada na tese de doutorado de Arregui (2012: 121-122), em que aparecem de modo muito semelhante algumas descrições de aspectos relacionados à pesca que aqui serão tratados. Embora não enfatize a importância dos sentidos da maneira aqui colocada e não se refira propriamente que há uma indistinção entre os animais e seus ambientes nos conhecimentos que envolvem a caça e a pesca, ao se referir à “reprodução” de aspectos do ambiente e das relações dos animais na pesca o autor denomina essa junção de “recriação da natureza”, algo semelhante ao que proponho neste artigo.

[15] Botes são embarcações de pequeno porte feitas a partir de um tronco de árvore inteiriço escavado. São conduzidas a remo ou com o auxílio de pequenos motores a gasolina chamados de “rabetas”.

[16] No que diz respeito a uma possível hierarquia dos sentidos humanos na relação com a natureza, o elemento sonoro (a escuta dos cantos e piados) parece ser mais decisivo na taxonomia e no conhecimento sobre os pássaros entre os Kaluli na Nova Guiné do que os outros sentidos, como por exemplo, a visão, como retrata a etnografia de Feld (1982).

[17] “Baixas” são espaços de florestas localizadas em baixo relevo que podem ser de grande extensão territorial e que na estação das chuvas sofrem influência das águas. Geralmente as “baixas” ficam entre áreas de florestas de terra firme ou de “mata bruta” (localizadas em áreas de relevo mais elevado) e que não sofrem alagamento na mesma estação. “Igapós” é como os quilombolas designam todas as áreas de floresta que ficam alagadas na estação das chuvas, que incluem também as “baixas”.

[18] Para a relação entre o conceito ingoldiano de “habilidade” e sua relação com a temática do aprendizado na antropologia, ver Sautchuk (2015).

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