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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica v.15 n.3 Lisboa jun. 2011

 

O pescador e o seu duplo: migrações transnacionais no mar europeu

João Coimbra de Oliveira*

*Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, ­Portugal; smallfisheries@gmail.com

 

RESUMO

Este artigo analisa as migrações transnacionais no setor das pescas, adotando como estudo de caso o fenómeno das migrações temporárias nos mares europeus e a sua lógica económica e social específica. Neste projeto empírico apresento algumas situações profissionais de pescadores portugueses e práticas políticas que tendem a derivar dessas opções. A abordagem teórica cruza-se com os discursos de pescadores com diferentes percursos de vida e um olhar particular de um sindicalista sobre as alterações mais emergentes das relações de produção e dos novos desafios que se colocam a um sindicato num quadro de rápidas transformações económicas e políticas.

PALAVRAS-CHAVE: migrações, transnacionalismo, pesca.

 

The fisherman and his double: transnational migration in the European sea

ABSTRACT

This paper analyzes the transnational migration in the fisheries sector, taking as case study the ­phenomenon of temporary migration in the European seas and their specific economic and social logic. In this project we present some empirical work situations of Portuguese fishermen and political practices that tend to derive from these options. The theoretical approach intersects with the discourses of fishermen with different life itineraries and a particular look of a labour union representative over the recent changes arising from the relations of production and new challenges to a union in a context of rapid economic and political transformation.

KEYWORDS: migrations, transnationalism, fishery.

 

“Los inmigrantes no son simplemente extranjeros. La gran mayoría son trabajadores extranjeros, es decir, (1) trabajadores y (2) extranjeros. Desde el momento en que se olvida uno de estos dos rasgos, que definen su condición de clase y su especificidad como fracción de clase, se hace imposible comprender la importancia de los inmigrantes para el capital y, más allá, para la transformación de la sociedad” (Castells 2001 [1975]).

 

História marítima transnacional

Toda a vida das sociedades, onde reinam as condições atuais de produção, se anuncia como uma imensa acumulação de proletarizações. A análise das migrações transnacionais, forma elementar desta riqueza, será portanto o ponto de partida deste artigo. Os naufrágios das embarcações Luz do Sameiro e Petit Julie, ocorridos respetivamente a 29 de dezembro de 2006 e a 7 de janeiro de 2008, encerram a similitude trágica de terem provocado a morte de seis pescadores em cada barco de pesca. O único sobrevivente da embarcação portuguesa que operava junto da costa da Nazaré foi Vasyl Huryn, trabalhador ucraniano de 46 anos, que desempenhava a tarefa de cozinheiro. Na embarcação francesa sobreviveu David Marques, com 48 anos, pescador profissional que, juntamente com dois camaradas portugueses, trabalhava nos mares da Bretanha francesa. Estes dois acontecimentos constituem uma introdução para dar relevo a uma reflexão sobre as atuais migrações transnacionais. O setor das pescas europeias encontra-se numa posição original face ao seu passado; transformou-se num setor de migrações paralelas, resultado da situação política e económica de estar inserido na União Europeia (UE), que tem como paradigma a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais dentro do Espaço Schengen. Em tal contexto, a análise dos processos migratórios contemporâneos surge ­enriquecida com a possibilidade de estudo de um duplo movimento de fluxos de pessoas que decidem, dentro dos seus recursos disponíveis, ficar na região de origem ou partir para outros lugares, em busca de oportunidades profissionais e de vida que não estão a conseguir obter nos seus países. Neste texto procedo à análise do transnacionalismo europeu no setor primário das pescas com a perspetiva de que os pescadores migrantes são eminentemente trabalhadores e só depois estrangeiros. Analiso as principais tendências estruturais do setor da pesca, observando o fenómeno das migrações dentro do espaço europeu e a sua lógica socioeconómica específica, considerando que a força de trabalho dos migrantes transnacionais não se limita a constituir uma força de mão de obra suplementar numa conjuntura de crescimento económico, mas constitui um elemento fundamental na estrutura económica do setor das pescas europeu. A atual divisão internacional do trabalho, que tem vindo a ser desenvolvida desde os anos 70 do século XX, efetiva uma organização da produção que favorece as deslocações transnacionais da força de trabalho. Ao longo do artigo insiro diversos excertos de entrevistas, nos quais pretendo, mais do que isolar o conteúdo, destacar em diferentes níveis as informações qualitativas obtidas no terreno.[1] Seguindo o exemplo do estudo de Simmel (2004), quanto aos nomes das pessoas, opto pelas possibilidades de leitura criadas na escolha de “personagens conceptuais” (Deleuze e Guatari 1992).

 

Mobilidade do trabalho e do capital no mar

A questão da mobilidade nas pescarias é complexa. Comparativamente com outros mercados de trabalho, o setor da pesca tem características específicas, pois é uma atividade extrativa e aleatória de exploração dos recursos haliêuticos. Quanto à mobilidade espacial dos fatores de produção em causa, nomeadamente o trabalho, o mar e o capital, é evidente que este último tem a sua mobilidade condicionada por não poder deslocalizar a produção para outros locais em que os fatores de produção sejam mais favoráveis. Por outro lado, ao contrário da terra, que não tem qualquer tipo de mobilidade, o fator da mobilidade dos recursos piscícolas cria predisposições para uma mobilidade maior do fator trabalho e para uma mobilidade relativamente reduzida do fator capital, que se soma ao risco da garantia de retorno do investimento. Os recursos piscícolas são móveis, criando meios de produção e relações de produção diferentes da atividade agrícola ou de outras atividades transformadoras. Apesar da relativa mobilidade dos recursos, tanto o trabalho como o capital são adaptados a essas condições. Ambos têm de se “situar” geograficamente. Na impossibilidade de transferir o capital para fora dos stocks de pesca existentes no espaço marítimo europeu, armadores e grandes empresas de distribuição alimentar procedem à deslocalização interna da sua produção através do trabalho migrante. Nesta perspetiva, é possível pensar em paralelos com outros mundos do trabalho, criando uma ligação efetiva com o setor agroalimentar europeu (Chesnais 2004), como foi realizada anteriormente para os setores da restauração e da construção civildevido aos obstáculos que se colocam à transferência geográfica da produção (Baganha, Ferrão e Malheiros 1999). Realmente, os recursos dos mares europeus, como os recursos da terra, têm de ser produzidos internamente, o que limita fortemente os processos de relocalização produtiva. A transferência internacional das unidades de produção (Duarte 2002) para locais onde a mão de obra é abundante e barata é dificultada quando se quer explorar os recursos alimentares europeus. A solução das empresas multinacionais consistiu, em diversos casos, em importar pescadores estrangeiros (Souto 2003), que se tornam mais económicos quando envolvidos em transações e estratégias associadas ao trabalho clandestino da economia subterrânea ou informal (Cabral 1983; Portes 1994).

 

Shrinking workers in a shrinking world

O conceito de globalização[2] tem sido usado para dar conta da tendência crescente do processo de desenvolvimento do sistema económico capitalista, em que as diversas atividades económicas mercantis têm um enquadramento cada vez mais supranacional, produzindo um incremento dos mercados de bens, serviços e fatores de produção, que seguem neste processo uma tendência cada vez mais global. Este processo mundial tem sido grampeado em três dimensões que se encontram interligadas e interdependentes, e que consistem nos fluxos internacionais de bens e serviços, nos fluxos internacionais de capitais e nos fluxos internacionais de pessoas (Silva 2007). A interdependência reforça-se com a intensificação dos circuitos económicos, políticos, culturais e ecológicos. Se os retratos panorâmicos da globalização (Roseberry 1988) têm sido caracterizados por um mundo de mobilidades e interconexões com uma miríade de processos a operar numa escala global (Ezensberger 1998), a pesquisa antropológica focou também o seu olhar em “áreas remotas” (Ardener 1987) e nas dimensões de abjeção e desconexão (Ferguson 1999) existentes e potenciadas por uma economia mundial (Tsing 2000). A antropologia da globalização tem dado um enfoque centrado tanto no mapeamento de fluxos particulares de capitais (Maurer 2000), pessoas (Rouse 1991), mercadorias (Bestor 2004a [2001]), imagens (Larkin 1997) e ideologias (Abu-Lughod 1991) que cruzam o globo, como nas experiências que as pessoas têm em locais específicos, assumindo-se de forma dinâmica que o seu quotidiano é conectado a processos culturais globais sem ser de modo determinista (Inda e Rosaldo 2002).

A atual globalização económica e financeira tem diversas vertentes (Amaral 2002), mas ao longo do século XX a importância das multinacionais não cessou de aumentar (Wolfe 1977). Independentemente da perspetiva de análise adotada e dos acérrimos debates consequentes (Marcus e Fischer 1999 [1986]), o que esteve desde o início em discussão decorreu do aumento exponencial da internacionalização da produção pelas principais empresas multinacionais, designadas internacionalmente corporações transnacionais não financeiras (TNC). Segundo os números apresentados na United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD 2004), existem atualmente cerca de 63.834 empresas transnacionais, com aproximadamente 866.119 empresas estrangeiras associadas. Independentemente das considerações sobre o processo de desenvolvimento das empresas, isto é, se são eminentemente globais, transnacionais ou internacionais, e do seu peso específico na economia, é apontado que estas empresas gerem a maioria do comércio mundial, chegando a assumir 80% do comércio externo e a empregar mais de 53 milhões de pessoas (MacGillivray 2006). As multinacionais são elementos fulcrais dos atuais sistemas globais de produção e distribuição de mercadorias. A sua expansão, num número cada vez maior de mercados, definindo e reunindo estratégias concertadas ou concorrentes à escala global, revela-se tanto na produção e venda de bens e serviços, como na implementação crescente de estruturas organizadas de redes mundiais.

A partir deste panorama geral calcula-se a situação interna da UE, em que as multinacionais a operarem no setor primário agroalimentar, não conseguindo transferir a produção para o estrangeiro, transferiram a mão de obra de outros países, tanto de países europeus como de outras partes do mundo. Para tal, passado um período longo de uma relativa conciliação entre capital e trabalho na Europa, criaram-se medidas excecionais, referentes à concessão ou ausência de direitos de trabalho, residência e cidadania, tendo como fim agilizar processos de importação de mão de obra estrangeira, desregulamentando paralelamente as políticas laborais existentes (Jappe 2006). Esta política neoliberal merece um desenvolvimento específico do caso francês, tanto pelo papel pioneiro deste país na flexibilização da conceção de cidadania e condições de exceção (Meillassoux 1977), como pelo incremento das ações de concentração das principais multinacionais da indústria alimentar e de distribuição dentro do espaço europeu – em determinados países europeus, estas chegam a controlar cerca de 80% do mercado (Chesnais 2004). Retenham-se as condições de exceção. Para “assentar” o conceito da globalização não o encarando como uma entidade formuladora que impõe um molde fixo e uma “grande teoria” mundial, Aihwa Ong, no seu ensaio Neoliberalism as Exception (2007 [2006]), argumenta empiricamente que o neoliberalismo corresponde a um novo modelo de otimização política reconfigurador das relações de soberania de governantes e governados. A autora, contrariando a visão unilateral da presença de uma doutrina económica com uma relação negativa com o poder de Estado, muda o ângulo de análise procurando novas “latitudes”, aferindo como em diferentes blocos económicos regionais se têm rearticulado domínios de governo e de conhecimento em que a ação dos Estados é reconfigurada em problemas, não ideológicos nem políticos, mas como problemáticas que necessitam de novas soluções técnicas. De facto, tem-se assistido a um processo de integração regional de blocos económicos cujos exemplos mais claros são a América (NAFTA e Mercosul), a Ásia (ASEAN) e a Europa (UE). Na perspetiva etnográfica da antropóloga, as questões de soberania, cidadania e racionalidade económica interagem de forma decisiva na esfera do trabalho e da sobrevivência humana.

 

Sindicalismo entre o mar e a terra

“Os aspetos burocráticos, esse tipo de questões, somos nós que acabamos por apoiar e ajudar. Não é tanto o papel de um sindicato tradicional. Os sindicatos tradicionais têm por princípios maiores a contratação coletiva, o apoio jurídico, a luta por melhores condições de vida. No caso concreto das pescas, e em particular por esta situação de migração que é específica, nós sentimo-nos na obrigação de acompanhar o acesso às prestações sociais, seja os abonos, a assistência médica. Também tentamos a resolução de pequenos problemas, sejam atrasos ou custos de transferências bancárias para as famílias. Ou seja, facilitar um bocado, dentro daquilo que está ao nosso alcance. Por exemplo no naufrágio de Petit Julie, fizemos o contacto com o consulado no sentido de pedir apoio e de os sobreviventes e os familiares serem acompanhados, porque estava lá família do moço que morreu da Praia de Mira. Requerer as pensões de sobrevivência para as famílias. Toda uma espécie de aspetos burocráticos que os pescadores já cá em Portugal têm alguma dificuldade. Atendendo depois a ser outra língua, às diferenças de tratamento, até à diferença de direitos que existem, sentimo-nos na obrigação de apoiar e ajudar a ultrapassar estas dificuldades” [Sindicalista, 45 anos].

A relação entre os processos migratórios e o mercado de trabalho tem tido ampla investigação científica (Peixoto 2008). Pela especificidade desta pesquisa, que analisa as migrações contemporâneas num setor particular de um mercado de trabalho, nomeadamente o setor das pescas, os fluxos transnacionais do proletariado marítimo ganharam particular destaque. Segundo a teoria do mercado de trabalho segmentado (Portes 1999), existem dois grupos principais: o do mercado “primário”, que tem como principais tendências a estabilidade das condições de emprego, altos salários, perspetivas de progressão de carreira e elevado estatuto com proteção social; o do mercado “secundário”, caracterizado por empregos com elevada insegurança contratual, baixos salários, reduzidas oportunidades de progressão nas carreiras, reduzidos estatuto e proteção sociais. Com o pretexto de recolher testemunhos sobre os dois naufrágios referidos no início do artigo, desloquei-me ao Norte de Portugal para conversar com o Sindicalista, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Pesca do Norte (STPN).[3] No dia em que combinámos o encontro, ele pediu-me desculpa, mas tinha um conjunto de ações a desenvolver enquanto dirigente e os contactos que eu queria estabelecer com pescadores que tinham emigrado tiveram de ficar suspensos. Por motivos da sua agenda pessoal, consegui então acesso a uma experiência que procurava também conhecer. Refiro-me ao papel de mediador que um dirigente sindical está sujeito a exercer no contexto específico do setor das pescas, setor este que desde muito cedo foi permeável aos movimentos migratórios (Nunes 2005) devido à sua especificidade tecnológica (Souto 2007), mas também por pressões externas à atividade piscatória (Lobo 1991). Nesse dia viajámos até à Costa Nova, na Ria de Aveiro, num carro desportivo com valor comercial de 40.000 euros, símbolo do capital ­adquirido numa década de pesca em empresas francesas. O proprietário da viatura era o Pescador Emigrante, de 57 anos. Apesar de ser natural da Costa Nova, e de ter quase toda a sua família a residir naquela comunidade piscatória, estava desorientado com a localização pretendida. O motivo era explícito. O “devir” de construção das habitações naquela tarde era frenético, o aumento em altura das casas e as obras de recuperação das fachadas eram as dinâmicas mais salientes no bairro. Os homens que se viam nas ruas eram operários de construção civil, distribuídos por dois polos, homens de idade avançada e adolescentes. Dentro das diversas casas que visitámos, familiares de pescadores discutiam com o dirigente sindical questões de vida e de morte que perturbavam o seu quotidiano. Numa casa, acercámo-nos de uma mulher perturbada pela morte recente do seu companheiro num acidente de trabalho em alto mar. As questões levantadas no meio de uma comoção generalizada diziam respeito a seguros de saúde, direito à pensão de reforma, assistência psicológica para enfrentar a morte do marido. Noutra vivenda encontrámos um pescador convalescente devido a um ataque epilético que sofreu a bordo de um navio-fábrica[4] nos mares da Bretanha, tendo permanecido em coma durante um mês num hospital francês, e que agora terá de ficar em terra pelo menos um ano. O pescador, pejado de dúvidas relativamente aos medicamentos que os médicos franceses lhe tinham prescrito, pediu ao Sindicalista para traduzir as receitas, tendo este prontamente telefonado a um médico amigo do Hospital de Aveiro para atender o pescador.[5] Enquanto se trocavam novidades entre o que se passava nos mares da França e em Portugal, o Sindicalista ia recebendo chamadas internacionais sobre embarques e desembarques e as necessidades dos armadores franceses e dos pescadores portugueses.

“Deixei a pesca o ano passado. Trabalhei 35 anos em Portugal e oito anos em França. A 26 junho de 2007 desisti da França também. A primeira vez que embarquei foi nesses barquinhos pequenos, de boca aberta, tinha eu 13 anos. Já não andava na escola, fiz só a quarta classe e deixei os estudos. A necessidade assim o obrigou, éramos muitos, tinha nove irmãos. Aos 17 anos parti para a pesca longínqua, na pesca do bacalhau à linha. Andei três anos, de 1968 a 1970, no barco Capitão João Vilarinho, de Aveiro. Embora esse barco usasse um pano [vela], tinha motor. A tripulação era composta por moços, pescadores, maquinistas, oficiais e éramos à volta de 110 homens. Neste tipo de pesca fazia-se viagens de cinco a seis meses de mar. Depois, em 1971, mudei para a pesca do arrasto, para a embarcação São Gonçalinho, também de pesca longínqua e do bacalhau, mas a companha era já de 60 homens. Fiz dois anos nesse barco. Depois desses barcos clássicos, que pescavam de borda, trabalhei no Santa Cristina, da mesma empresa de pesca. Esse já era um navio-fábrica, de grandes dimensões, que pescava de popa. Normalmente fazíamos viagens de cinco meses, era conforme, se o barco carregasse antes vínhamos embora, se não ficávamos até ao fim. Andei então na costa do Canadá nos pesqueiros de St. John’s à Terra Nova até 1979. Depois deixei e vim para os barcos da nossa costa. Eram barcos com sete homens, de popa na mesma, só que a qualidade de peixe é que era outra. Apanhava-se tudo, carapau, faneca, pescada, polvo, lulas, choco, linguado, tudo o que viesse à rede. Ia mudando de barco quando já não me sentia bem, às vezes não nos sentimos bem. Mudava também quando subia de categoria. Comecei como pescador, depois, subi para marinheiro, contramestre, e andei a fazer essa tarefa até à greve do arrasto de 1999. O que nós reivindicávamos era o que hoje ainda está. As condições são precárias e o marinheiro continua na mesma situação. Manteve-se sempre nos últimos 35 anos a percentagem de 1,2% nos lucros. Depois fez-se a greve de três meses que não deu em nada. Houve quem fugisse com os barcos para Espanha, outros acabaram por furar a greve. A maioria das pessoas começou a ficar com falta de capital, havia uns que conseguiam parar, outros não. Ainda foi muito tempo de greve, havia as rendas para pagar, o dinheiro deixou de entrar em casa e criou-se problemas nas famílias. Tudo se manteve na mesma e ninguém deu nada a ninguém. Os barcos continuaram a ir para os mares, aos fins de semana e tudo. E eu disse: «OK! Acaba-se a greve mas eu não trabalho aos fins de semana. Nunca!» Passados sete dias fui-me embora para França, onde andei até 2007. Já lá andava um português. Parecia-me mal voltar para o mar nas mesmas condições de antes da greve. Estive três meses parado, sem receber nada e ia para o mar? Achei que não e nunca mais voltei” [Pescador Emigrante, 59 anos].

O trajeto profissional do Pescador Emigranteé ilustrativo das principais linhas de exploração do setor português da pesca, bem como da mobilidade de um pescador que trabalha em diversos tipos de pesca, neste caso, a artesanal local, a costeira, a industrial e a do largo ou longínqua. Na viagem que efetuei ao Norte de Portugal, em março de 2008, estive com quatro pessoas do setor das pescas com diferentes percursos de vida: o Pescador Emigrante, de 59 anos, trabalhador na pesca longínqua no Canadá e recém-chegado da Bretanha francesa; o Sindicalista, com 45 anos, dirigente sindical do STPN; o Imigrante Suíço, com 35 anos, pescador de cerco de sardinha que desistiu da atividade marítima no ano passado, viajando para o estrangeiro para trabalhar na construção civil; e o Arrais de Pesca, de 42 anos – camarada na embarcação Pedro André –, que, apesar das dificuldades do setor das pescas em Portugal, tem apostado em continuar a sua progressão socioprofissional na costa portuguesa. As suas diferentes biografias representam algumas das situações profissionais que se vivem atualmente no setor das pescas transnacionais. Como profundidade de campo surgiu a questão de os pescadores portugueses terem começado a sair em grande número para o estrangeiro, depois da greve de 77 dias da pesca do arrasto que ocorreu em 1999.[6]

“Pretendia-se a renegociação do contrato coletivo da pesca do arrasto em Portugal. Há volta de 10 anos que não havia qualquer de negociação. A União Geral dos Trabalhadores (UGT) ia assinando pequenas coisinhas e evidentemente deu-se uma situação de revolta por parte dos pescadores. E o STPN parte para a greve. Aquilo ainda deu mais revolta e a greve inicia-se à meia-noite em Matosinhos e começou-se a prolongar por todo o país pela revisão do contrato coletivo do arrasto costeiro, tendo parado a totalidade das 60 embarcações que havia na altura do arrasto a nível nacional. Aliás, os pescadores da pesca artesanal recordam-se que esse foi o melhor de sempre na pesca do carapau, porque assim acabou por o peixe ter mais valor, mas a verdade é que parte do mercado foi abastecida pelo pescado autotransportado e pelo pescado congelado. Por outro lado, a oportunidade de os pescadores começarem a trabalhar em empresas francesas iniciou-se com a proposta de um estagiário que estava no grupo Intermarché, em Peniche. Em finais de 1997 contactou o Sindicato de Pescadores do Centro no sentido de estudar a possibilidade de haver gente que quisesse ir trabalhar para França, para duas empresas do grupo, sediadas em Lorient, na Bretanha francesa. Depois, dois anos mais tarde, [surgiram] empresas de outros lugares, nomeadamente a Compagnie de Pêches de Saint Malo, de pesca industrial, que tem dois navios, um de bacalhau, outro de verdinho, este último para fazer pasta para as delícias do mar. Através da ida destas pessoas para lá e com a falta de mão de obra em França, que também tem a ver com os rendimentos baixos da pesca em França… Ou seja, para nós, pescadores portugueses, interessa ir para lá porque os salários em França são maiores, um pouco como interessa aos ucranianos virem para a pesca em Portugal. Isto é um bocado como uma pescadinha de rabo na boca, os ucranianos vêm para Portugal, os portugueses vão para França. Por outro lado, não conheço casos de pescadores franceses de irem para outros países, vão é para outros setores de atividade onde há maiores salários. Começa a haver um reconhecimento da mão de obra portuguesa, como bons redeiros, tipos com valentia, gajos corajosos e bons profissionais. Depois é: passa-se a palavra, dão o contacto do STPN, os próprios pescadores questionam: ‘Eh pá, não tens lá um amigo, conheces lá alguém?’, troca-se o contacto do sindicato e hoje temos um conjunto de empresas, aliás cada vez mais, que nos contactam e a malta nem sequer consegue dar vazão à procura. Também começamos a ter algum cuidado com as empresas que nos procuram e a privilegiar aquelas que dão melhores condições sociais e onde o pescado tem mais valor. Depois das duas empresas já referidas, trabalhamos também com a Dhellemes – pesca industrial – em Concarneau e com duas ou três cooperativas em Sables d’Olonne e La Rochelle que dão um bom acompanhamento aos nossos associados, aos pescadores portugueses que lá estão” [Sindicalista, 45 anos].

Tendo em conta as características da Zona Económica Exclusiva (ZEE) portuguesa, será na plataforma continental que irá atuar a maioria da população, direta e indiretamente ligada à pesca, e é desta área que é proveniente a maior quantidade de pescado.[7] A pesca artesanal, segundo dados de 2008 do Instituto Nacional de Estatística (INE), empregou mais de 4 / 5 dos pescadores portugueses e contribuiu com 80% dos desembarques ocorridos nesse ano. O predomínio deste tipo de pesca em Portugal, juntamente com a Grécia e a Espanha, países estruturalmente delimitados por um tipo de pesca local, fez com que fosse reconhecida ao setor pesqueiro destes países uma especificidade própria dentro do contexto comunitário. Independentemente dos objetivos económicos que estão subjacentes à política comum das pescas, na sua solução de redução de embarcações com o argumento de se adaptar a frota de pesca aos recursos, pode constatar-se que o caso português é exemplar. Desde a adesão de Portugal à UE foram reduzidos em mais de 50% o número de pescadores e de embarcações. Este quadro decrescente não deve ser lido como um retrato inequívoco de um setor em crise. Se atentarmos nas Contas Económicas da Pesca 1998-2007 (INE 2008), verificamos que, apesar de o número de efetivos ter diminuído, refletindo as mudanças estruturais das pescarias nacionais, nomeadamente o abate de embarcações e a modernização da frota, houve paralelamente um aumento da produtividade do setor. Tal situação, paradoxal, pode ser explicada pela diminuição acentuada de pescadores na pesca polivalente (tradicional), por uma relativa estabilização de trabalhadores na pesca costeira (semi-industrial) e pelo crescimento significativo de trabalhadores na pesca do arrasto (industrial).

O enfoque da maioria das medidas comunitárias em Portugal incide diretamente na atividade económica dos pescadores, através de entraves cada vez maiores para a carreira profissional de novos trabalhadores, o progressivo impedimento da renovação de licenças de pesca, e a proibição do uso de diversas artes. O agravamento dos custos de produção, em grande parte provocado pelos aumentos dos combustíveis, e o não acompanhamento da variação dos preços do pescado são fatores não exclusivos da realidade portuguesa mas que adquirem dimensões exponenciais devido à realidade estrutural do país. Este, em termos de consumo per capita, apresenta valores na ordem dos 50 kg / ano, sendo assim o terceiro maior consumidor mundial de pescado, só ultrapassado pelo Japão e pela Islândia, quando a média da UE ronda os 23 kg / ano. O setor das pescas nacional sofreu nas últimas décadas uma redução tripla, seja no nível das capturas de pescado, seja na dimensão da frota, seja ainda na população ativa. A título de comparação com a Espanha ou a Irlanda, denota-se nestes últimos uma pujante atividade económica das suas pescarias. Estes países são exemplos operativos pois, apesar dos constrangimentos jurídicos internacionais e de estarem igualmente abrangidos pela política comum das pescas da UE, a Espanha conseguiu não ter perdas e a Irlanda duplicou as suas pescarias (Matias 2006). Atualmente, mais de 80% do pescado consumido em Portugal é importado de dezenas de países, comunitários e não comunitários, dos quais a Espanha e a Noruega assumem um lugar preponderante. A dependência do exterior é muito superior à atual média da UE e tem vindo a aumentar (Garrido 2006). As consequências desta situação são múltiplas, além da subordinação crescente que faz pesar sobre o país relativamente aos países exportadores. Um desequilíbrio surge entre os recursos internos e as necessidades da população, gerador de uma situação precária, inteiramente dependente de um aprovisionamento que só depende da boa vontade das grandes potências europeias. A sujeição conduz assim a uma espécie de viveiro de reserva de mão de obra (Godinho 2009), cujo volume depende dos países capitalistas avançados que investem estrategicamente em Portugal. O mais saliente nas palavras e ações doSindicalista foi a articulação dos problemas da classe piscatória a um nível local, nacional e transnacional. A perceção da realidade émica dos pescadores, marcada por uma insegurança decorrente da flexibilidade e individualização da sua força de trabalho, é respondida com uma atitude que se estende para além da esfera laboral, pensando os desafios do setor das pescas no quadro mais vasto da sociedade contemporânea.

 

O peixe como recurso global e o mercado europeu

“Nunca pensei ficar em França. Tive sempre a postura de trabalhar enquanto desse lá e depois voltar para casa, para Portugal. Contudo nós nem notávamos a diferença, até na lei nós não somos emigrantes, somos migrantes. Trabalhamos em França mas temos a residência em Portugal. A empresa não nos dava residência lá e nós automaticamente aceitámos as condições que eles ofereceram. Dentro da Europa existe a livre circulação de pessoas. Por outro lado, os pescadores embarcam diretamente para o mar. Como somos cidadãos da UE, não precisamos de ter residência em França. Teríamos de ter um espaço físico, de ir à polícia para nos registarmos, era toda uma série de burocracias que assim não temos de atravessar. Somos pescadores do espaço europeu. Em termos de assistência médica, em França também seria muito melhor. Teríamos direito à carta Vitalis, não pagando a médicos, nem medicação. Poderíamos recorrer ao privado. Com os portugueses a trabalhar assim, a França paga 400 euros à cabeça à Segurança Social portuguesa e esta safa-se connosco. Esses são os direitos que os franceses têm. Os que têm residência em França são trabalhadores portugueses, mas estão a receber os mesmos salários, pagam os mesmos impostos, fazem os mesmos descontos para a Segurança Social que um trabalhador francês que exerce a mesma profissão. Há também [outras] duas diferenças importantes. A primeira é a do abono de família, que anda à volta de 100 euros por filho. A segunda é que nós somos descontados de impostos, de IRS, e não recebemos depois. Tem esse contra” [Pescador Emigrante, 59 anos].

Este pescador, no seu percurso profissional transnacional, considera que a alteração mais significativa que ocorreu na pesca nos mares europeus foi deixar de se perder tempo com burocracias administrativas para ir operar nas zonas económicas marítimas de outros países. A UE, através do seu mercado comum, transformou-se num exemplo claro de uma região globalizada, através de um cada vez maior entrelaçamento das economias, dos mercados, dos sistemas financeiros, comerciais e de transportes, bem como de uma articulação nos sistemas de comunicação e de mão de obra entre os atuais 27 Estados-membros (Reis e Baganha 2002). Os dados relativos à produção e comércio mundial de pescado, apresentados pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação no seu relatório The State of the World Fisheries and Aquaculture (FAO 2009), salientam que a questão global da gestão das pescarias é de crucial importância para os países fora do eixo EUA-UE-Japão. Apesar dos números dominadores do comércio mundial com estes blocos económicos, o pescado é atualmente o único produto dos países em desenvolvimento em que as exportações para outros países em desenvolvimento são mais significativas (58% do total) do que para os países desenvolvidos.Estes números explicam-se duplamente pela necessidade crescente de produtos de subsistência e pelo aumento cada vez mais representativo da produção de aquacultura mundial. Na primeira década do século XXI, a produção de pescado em aquacultura aumentou 10 milhões de toneladas, enquanto que as pescarias de wildfish praticamente estagnaram, apesar do aumento do esforço de pesca. Qualquer análise das pescarias mundiais tem de tomar em conta que, no presente, 40% da produção mundial de pescado resulta da indústria da aquacultura, num contexto tanto de crescimento da população mundial (6,6 mil milhões de pessoas) como de aumento do consumo per capita de peixe por ano (16,7 kg por ano em 2006) (FAO 2009). A dimensão internacional de caráter geoeconómico cria desafios cada vez maiores em matéria de sustentabilidade dos recursos, seja nos países do hemisfério norte seja nos países do hemisfério sul. A questão assume também uma dimensão transnacional pela própria natureza das espécies piscícolas enquanto recurso. A propriedade migrante do peixe, presente na maioria das espécies existentes nos diferentes lugares marítimos e fluviais do planeta, evidenciada pela sobre-exploração dos recursos marinhos, está a formular uma interdependência internacional cada vez maior em termos de exploração económica e de abastecimento (Bestor 2004b), tornando a comercialização do pescado um dos setores mais globais e disputados dos produtos alimentares (Kurlansky 2000).

A frota comunitária europeia no seu conjunto é uma das maiores potências internacionais em termos de captura (Hypercluster 2009). Contudo, nas últimas duas décadas tem sido conduzido um esforço de redução da sobre-exploração dos recursos haliêuticos nas zonas económicas marítimas dos Estados-membros da UE. Este abrandamento, que contém um caráter de preservação dos recursos piscícolas, fundamenta-se na constatação da vulnerabilidade crescente dos stocks do Atlântico Norte e do Mar Mediterrâneo. Assim, a UE tem encetado uma política económica de criação de acordos de pesca com países terceiros, salientando-se os acordos com os países africanos e asiáticos, o que atualmente permite à indústria do setor o acesso a 2,5 milhões de toneladas de peixe adicionais. Este aumento de provimento anual de pescado representa assim cerca de 40% das capturas das frotas comunitárias, resultado direto das diversas políticas de concentração das pescas da UE e de interesses económicos diversos, e resulta atualmente numa situação de importação maciça de bens alimentares, metamorfoseando os aeroportos europeus nos principais locais de descarga de pescado da UE, do que o aeroporto de Vitória é o melhor exemplo na península Ibérica. No caso do setor pesqueiro, é evidente que a UE deixou de conseguir suprir a procura cada vez maior do mercado interno, tendo assim passado a importar mais pescado do que aquele que exporta. Esta tendência tem sido agravada pelos hábitos de alimentação dos europeus. Nos últimos anos o domínio do comércio retalhista de peixes, moluscos e crustáceos tem sido assumido pelas grandes superfícies comerciais, investindo na diversificação de produtos, apostando em força em alimentos transformados, nos quais as refeições pré-cozinhadas têm grande destaque, preterindo-se cada vez mais o lugar dos produtos frescos que até então tinham uma posição dominante (Greenpeace 2008). A oferta e a procura cada vez maior deste tipo de alimen­tação, por parte dos consumidores europeus, condiciona as grandes superfícies, através dos seus fornecedores industriais, a terem garantias da regularidade de abastecimentos de produtos piscícolas que o setor da pesca europeu deixou de conseguir fornecer. Esta situação criou um mercado cada vez mais dependente das importações de países terceiros, que neste momento já ultrapassam os 60% do consumo total de produtos da pesca nos diferentes países da UE.

 

Proletários no mar, proletários em terra

“Eu sou natural da Praia de Esmoriz. Estudei até à quarta classe, ainda comecei o ciclo mas não continuei. Somos seis irmãos, três rapazes e três raparigas. Tenho um irmão que está lá fora, emigrado na Suíça. Ele está lá, há uns 15 anos, e também era pescador. Levou a mulher e os filhos e montou lá casa. Eu comecei na pesca com 15 anos aqui em Esmoriz, na arte xávega. A nossa companha tinha muitos camaradas. De mar e terra éramos aí uns vinte, homens e mulheres. Andei 5-6 anos na xávega. Recebia duas partes, era homem de mar. O barco chamava-se Mar de Esmoriz. Depois fui para Matosinhos, para a sardinha, com 20 anos. Na altura fui para a traineira Mestre Augusto. Lá fazia tudo, mas passei, passados dois meses, para a chalandra [barco auxiliar de traineira]. Nesse barco andei dois anos e tal. Depois fui para o Miguel Alexandre. Pescávamos de Viana do Castelo a Figueira da Foz. O porto a que pertencíamos era o porto de Leixões. A hipótese de emigrar surgiu e eu decidi ir para ganhar dinheiro. Fui ter com uns primos meus que já lá estavam. Já tínhamos contactos aqui em Esmoriz, mas depois eles ligaram-me. Fui para trolha, para a construção civil, em outubro de 2007. Falei ao telefone com os meus primos, marcaram a viagem e acabei por ir. Parti de autocarro com mais pessoal, mas não de Esmoriz, daqui fui sozinho. Os outros são de longe, mas todos portugueses. Éramos oito, numa empresa que faz esse serviço que não tem nada a ver com [aquela para] que fomos trabalhar. Cada um deu uma parte, 150 euros. Lá na Suíça era trabalho mesmo. Trabalho-casa, trabalho-casa. A ideia era ganhar mais dinheiro que aqui. Ter um ordenado certo enquanto aqui não é, na pesca trabalha-se à percentagem. Lá fora ganharia muito mais, pelo menos três vezes mais do que aqui, 2500 euros fixos. Lá tinha muito mais despesas do que aqui. Aqui não tenho despesas fixas, pagar casa. Lá éramos só nós os três, amigos também tinha, mas era desviado. Fui para Bülach, perto de Zurique, que era onde eles estavam, foi o que arranjei. Eu não escolhi a construção, fui para aquele trabalho por causa do dinheiro, para ganhar mais. Tanto que nem escolhi, mas as coisas correram mal e vim-me embora para regressar para a pesca outra vez” [Imigrante Suíço, 35 anos].

O caso do Imigrante Suíço, pescador da arte do cerco em Matosinhos, é ilustrativo de uma tendência geral que leva numerosos pescadores a irem trabalhar para o estrangeiro, não fazendo valer a sua especialização profissional. Como me foi relatado por uma mãe e irmã de pescadores que tinham emigrado para a Alemanha, quando os pescadores viajam, se não for para trabalhar na pesca, é para o trabalho menos especializado exigido na construção civil. Muitos partem para os destinos tradicionais europeus da emigração portuguesa (cf. Serrão 1973) durante a segunda metade do século XX, como a Alemanha, França, Luxemburgo. Outros têm escolhido destinos diferentes, como é atestado pelas comunidades portuguesas em Inglaterra, Irlanda ou Suíça (Marques 2009). Paralelamente aos pescadores transnacionais, que partem para trabalhar na sua atividade profissional auferindo um salário muito superior ao que recebem em Portugal, outros arriscam o seu futuro pela possibilidade de poupança do salário que os seus familiares apresentam como realidade. Contudo, o custo de vida do Imigrante Suíço, com as despesas inerentes à sua estadia profissional, levou-o a fazer uma série de sacrifícios pessoais, que se estivesse a bordo de uma embarcação de pesca não seriam necessários. Tal facto conduziu à redução efetiva da capacidade de poupança monetária por parte do ex-pescador, tendo a viagem resultado num insucesso, se considerarmos os objetivos iniciais traçados, acabando ele por regressar a Portugal quando constatou a impossibilidade de acumulação de rendimentos.

A análise dos atuais fluxos de migrações internacionais em Portugal revela uma situação complexa. Segundo Peixoto (2004a), as séries estatísticas oficiais revelam que desde meados dos anos 70 os fluxos da emigração “permanente” (entendida como um projeto de residir noutro país por um período superior a um ano) têm vindo a diminuir, enquanto os fluxos da emigração “temporária” (projetos de ausência do país para o exterior por períodos inferiores a um ano) têm denotado uma vitalidade cada vez maior. Nas suas análises sobre indicadores de mudança e continuidade nas “dinâmicas e regimes migratórios” no mercado de trabalho, Peixoto (2002, 2004b) aponta que a situação portuguesa tem características anómalas, tanto do ponto de vista teórico como em termos da história recente na UE. Os casos contemporâneos no processo de adesão à UE revelaram um acréscimo dos fluxos de entrada, acompanhado por uma diminuição acelerada dos movimentos de saída. Em Portugal, que acompanhou esta tendência inicialmente (Rodrigues e Pinto 2002), contrariamente aos restantes casos da Europa do Sul, tem-se assistido à vitalidade dos movimentos de saída. Através da comparação entre os fluxos migratórios, Peixoto (2007) alega que existem razões estruturais para que o mesmo país seja tanto de imigração como de emigração. Os motivos para a existência permanente de mão de obra emigrante ficam claros analisando a realidade estrutural de Portugal. Pode considerar-se um triplo movimento: decomposição de estruturas produtivas atrasadas; desempenho estrutural deficitário de certos setores da economia nacional; salários nominais e reais muito inferiores comparativamente com os de determinados países capitalistas europeus. São estes os fatores intrínsecos que conduzem atualmente os pescadores portugueses a trabalhar no estrangeiro. Têm como principais destinos a Galiza, o País Basco e a Bretanha francesa, e aí são embarcados partindo para zonas de pesca tão díspares como Irlanda, Escócia, Noruega, Islândia, Canadá, Mauritânia, Guiné, Marrocos, Angola e África do Sul. Contudo, a análise do desenvolvimento desigual dos diversos países com os consequentes movimentos migratórios transnacionais envolvendo trabalhadores portugueses torna-se mais complexa se não for reduzida à necessidade de mão de obra para suster a economia dos diferentes países. O argumento principal é que a situação contemporânea nas pescarias é reflexo das “crises periódicas sustentadas”, crises essas de cariz eminentemente capitalista (Basch, Schiller e Blanc 1994). Sendo certo que a situação da oferta de emprego se reflete imediatamente no aumento ou na diminuição da procura de trabalho, os movimentos migratórios transnacionais no setor das pescas transformaram-se na última década num fenómeno conjuntural pouco sensível aos diferentes sinais de crise que afetam em geral todos os países pesqueiros, tais como a redução significativa dos recursos piscícolas, a diminuição da frota e do número de pescadores a operar, ou o aumento exponencial dos preços dos combustíveis.

Se o uso central do capital europeu se baseia no aumento do grau de exploração, de modo a elevar a percentagem de mais-valia, muitas vezes o método utilizado é o pagamento de um valor menor pela reprodução da força de trabalho, conjugado com o incremento da duração e da intensidade do trabalho. No caso dos pescadores portugueses, estes tornam-se mão de obra migrante transnacional ambicionada, porque são um conjunto de trabalhadores que recebe salários mais baixos que os autóctones, devido ao não reconhecimento das suas categorias profissionais,[8] apresenta boas condições de saúde, e permite a escolha de uma mão de obra especializada, com profissionais do setor que têm a ambição de fazer boas pescarias. Esta motivação é fortemente impulsionada pelas percentagens (caldeiradas) que os pescadores recebem por cima dos ordenados-base, que variam entre os 2000 e os 4000 euros mensais. Tal como em Portugal, muitas vezes estas percentagens são números que fogem ao controlo na lota e em certos casos assumem valores equivalentes ao ordenado oficial.

“A mais-valia das empresas francesas em contratar pescadores portugueses é a de conseguirem suprir a falta que lá têm de mão de obra com gente que é reconhecidamente bons profissionais. A procura tem-se acentuado, tanto em Portugal como em França, as dificuldades do setor das pescas acentuam-se. O aumento do preço dos combustíveis, que sai do monte de pesca, leva a que haja diretamente uma diminuição das remunerações dos pescadores. Isso leva a que […] os salários em França, que são três a quatro vezes superiores aos de cá, sejam atraentes para os emigrantes e deixem de o ser para os pescadores franceses. Aliás, nos dois países há cada vez menos jovens a ingressarem na pesca” [Sindicalista, 45 anos].

A mão de obra migrante transnacional também se sujeita às condições sanitárias e de segurança oferecidas, proporcionando às empresas e aos armadores uma possibilidade de poupança na organização do trabalho e nos custos de produção. O principal efeito desta dinâmica são poupanças significativas no custo de reprodução social do conjunto da força de trabalho, através de dois mecanismos fundamentais: primeiro, sendo indivíduos na sua maioria produtivos, poupa-se nos custos de formação do trabalhador e nos custos no fim da sua vida laboral; segundo, dadas as medidas restritivas que regem os contratos de trabalho dos migrantes transnacionais e as condições forçadas do trabalho no mar, a maioria tem família em Portugal e o capital francês não suporta os custos de reprodução das famílias, como o ensino ou os cuidados de saúde equivalentes a um cidadão nacional. Como as condições de reprodução social dos próprios migrantes se situam abaixo dos níveis médios dos trabalhadores autóctones, os detentores de capital reduzem aqui também custos. Por outro lado, o transnacionalismo nos mares europeus é um processo pelo qual os migrantes, através das suas atividades quotidianas e das suas relações sociais, económicas e políticas, criam campos sociais que atravessam fronteiras nacionais (Basch, Schiller e Blanc 1994). É nestas dimensões que o Sindicalista refere a incisão do seu papel político na garantia dos direitos laborais dos trabalhadores portugueses a pescar para empresas europeias. A ação do STPN reflete a consciência de que o trabalho dos migrantes transnacionais se transformou num elemento fundamental na estrutura económica do setor das pescas europeu, e não é uma mera fonte suplementar de mão de obra em condições de crescimento económico rápido. Os pescadores proletários portugueses, atraídos por necessidade para o setor capitalista das pescas francesas, constituem uma mão de obra específica em face da qual é instituído um modo de exploração igualmente específico. A tendência geral de crise no setor primário é a do aumento da procura de pescadores por parte das empresas armadoras, procura que as diferentes organizações produtivas já não conseguem satisfazer, devido principalmente aos salários mais baixos, quando comparados com outros setores de atividade de cada país.

“Arrais de Pesca – Da pesca do cerco, como ele, já foi muita gente para Espanha, para França. Ele até é dos poucos pescadores que, desde que foi para Matosinhos, nunca teve problemas. Está bem que ele é solteiro. Ele nunca passou por grandes dificuldades. Eu tenho 40 anos e dois filhos. Ele esteve sempre bem, além de gastar muito dinheiro, ele também conseguia juntar muito. Mas o que aconteceu com o homem é o comum. Ele pensou em ter mulher e filhos. Normalmente, quando as pessoas deixam de poder pagar as suas despesas procuram uma alternativa, mas há muitos que tentam ir e ainda não conseguem. Embora [se verifique] que, antigamente, era muito mais difícil colocar um trabalhador no estrangeiro. Agora tem sido mais fácil, talvez por estar mais gente lá fora e conseguir empregos para os outros. Este mês houve um tipo com filhos, casa e carro, que com o aumento das taxas de juro não conseguiu suportar o custo de vida e suicidou-se. Lançou-se ao mar.

Sindicalista – A malta daqui não vai para a pesca em França, vai para a pesca clandestina em Espanha ou vai para a construção civil.

Arrais de Pesca – Sabes quanto ele perdeu nos meses que foi para a França? 3750 euros [ri-se muito]. Foi o que a gente aqui ganhou. Tem sido o melhor ano de sempre para a pesca da sardinha aqui no Norte. Tem havido semanas de mais de 500 euros aqui no cerco. Este ano tem dado assim, mas para o ano que vem pode já não dar.

Imigrante Suíço – Aqui já estava a darquando eu fui, mas lá era ordenado certo e fixo, 2500 euros.

Arrais de Pesca – Eu também já pensei muitas vezes em ir. Quantas vezes! Quando a pesca corre mal, nós ficamos sempre pendurados: Vou? Não vou? Pronto, o patrão também percebeu, como que eu estava sempre a “chorar”, que as coisas estavam mal e eu teria de abandonar aqui a pesca e ele percebeu que eu tinha de ganhar mais alguma coisa. Além de ser arraisda chalandra também sou o escrivão da empresa. Sou eu que trato da contabilidade da empresa. E aí a vida começou a melhorar com mais esse ordenado. Eu desde que comecei a trabalhar naquele barco já mudou a companhatoda aí umas quatro vezes. É assim, a malta não ganha o suficiente e vai-se embora, emigra. Eu fiquei porque ganhei sempre um pouco mais que eles e por isso é que não emigrei. Porque o pescador quando vê que a coisa está a correr mal, faz pela vida. Porque há anos em que não se pesca. Eu sou o mais antigo no barco com este mestre. Já ando no mar há 23 anos e neste barco, o Pedro André,estou lá há 13 anos. Desses houve cinco anos que andava com ideia de emigrar. Os jovens não aderem à pesca, não querem mais o mar, querem trabalhar em terra. No ano passado trabalhávamos só com 13 homens e este ano tem bastante pessoal. Melhorou a pesca e os trabalhadores voltam, mas mesmo assim os jovens não estão a regressar. Eu quando fui a primeira vez para a pesca, jovens éramos quatro, e agora não se vê nada disso. Em relação ao futuro, se calhar no ano passado teria uma versão diferente de que o mesmo seria negro, mas este ano tem-se ganho muito dinheiro, as fábricas têm comprado mais peixe e as expectativas são de que as coisas sejam melhores. É uma safra boa, já é considerada a melhor safra de todos os tempos, mas mesmo assim as coisas estão a melhorar, tem havido também mais procura de Espanha. Em Espanha e Marrocos este ano não houve muita sardinha. Havendo esta falha nestes dois países, o ano corre-nos muito bem.

Imigrante Suíço – Agora é trabalhar, se puder, voltar ao mar. Voltar para a sardinha”.

 

Delícias do mar europeu

Encarando a globalização como reflexo direto de uma implosão do espaço e um acelerar do tempo na vida económica e social, Allan Sekula (2003), nos seus ensaios seminais sobre pessoas, trabalho e imagens contemporâneos, desenha um paralelismo entre o quadro Lost in the Grand Banks (1885) – de Winslow Homer e comprado por Bill Gates por 30 milhões de dólares, o preço até então mais elevado que foi pago por uma pintura norte-americana – e a situação da precariedade laboral contemporânea. O quadro, inserido num tríptico laboral que inclui também The Herring Net e The Fog Warning, faz parte de uma sequência de imagens sobre a pesca no Atlântico Norte. Sekula remete uma carta ao informático questionando as razões para que um quadro, com uma cena com dois pescadores perdidos em risco de naufrágio iminente, tenha tido tal impacte e se tenha transformado num paradigma iconográfico do mundo laboral. A demanda do artista enquanto etnógrafo (Foster 1996) leva-o a fazer uma dupla desconstrução radical da realidade das pessoas e da promoção de determinadas imagens no capitalismo hodierno, navegando em territórios que são pontos de rotura na hegemonia neoliberal, como os conflitos na cidade de Seattle em 1999, ou o naufrágio do navio Prestige na costa da Galiza em 2002. Presencia, documenta e divulga criativamente outras imagens que não correspondem a uma ascensão gratuita da precariedade humana. O presente texto intenta examinar a condição do pescador como uma figura operativa para se pensar o sentido e a condição da precariedade contemporânea (Nunes 2008). Interpreta a situação dos pescadores enquanto proletários do mar e migrantes transnacionais (Deleuze e Guatari 1992). Interroga os motivos da promoção imagética da precariedade e reflete sobre como o atual regime de acumulação flexível acentuou a tendência para a segmentação laboral (Kovács e Castillo 1998), alterando processos e mercados de trabalho (Kovács 2005), produtos e padrões de consumo a uma escala global (Mapril 2008). As lógicas atuais do mercado flexível e do trabalho incerto na Europa têm particular relevo nos processos migratórios em trabalhos “inamovíveis” (não deslocalizáveis) do setor primário e secundário da economia (Phizacklea 2005). Estes setores, dos quais o da pesca faz parte, subsistem concorrendo no mercado global através de práticas de precariedade laboral e da deslocalização interna da mão de obra (Hardt e Negri 2005).

A globalização contemporânea, encarada como mobilidade e circulação, é mais marcada por uma regionalização dos mercados do que por uma mundialização dos mesmos.[9] Contrariamente a uma ideia de senso comum, a UE é um mercado relativamente fechado. É, antes de tudo, um mercado intraeuropeu, onde a quase totalidade da produção interna corresponde à procura dos países que a constituem. Assim, as dinâmicas económicas das empresas transnacionais europeias respondem iminentemente a uma lógica interna de concorrência. Tal ponto já tinha sido avançado por Bourdieu (1998), quando apelava à resistência e luta dos trabalhadores europeus, afirmando que as lógicas subjacentes contra os direitos laborais tinham uma função instrumental erosiva dos sistemas sociais de cada país. Mesmo sendo problemático interpretar as estatísticas mais recentes pela abstração numérica dos valores da crise (ILO 2010), constata-se na UE uma especificidade em matéria de emprego e desemprego. Cruzando estes dados conjunturais da produção com os dados projetivos do consumo elaborados pelas próprias multinacionais (Deloitte 2010), assiste-se a uma alteração de fundo no comportamento das empresas europeias. Neste momento, passou-se a encarar as despesas do trabalho dentro da UE, não como um fator de produção, mas como um custo que é preciso reduzir (Héritier 1998).

Neste texto seguiu-se uma perspetiva diferente da que considera que a globalização é a “americanização” do mundo e que deita por terra as conquistas sociais alcançadas ao longo dos últimos 200 anos na Europa. Reconhecendo que o setor financeiro, os diferentes sistemas monetários vigentes e o comércio mundial têm as marcas das multinacionais, não constatei nenhum dado que pudesse aferir uma política diferente por parte das empresas europeias. É neste prisma que considero especialmente problemática a tendência neoliberal da UE de orientação do investimento económico para “zonas de exceção”, isto é, para locais que já sejam centros produtivos, e de desinvestimento das zonas economicamente mais débeis, forçando os europeus a deslocarem-se para conseguirem sobreviver. As novas condições que dominam no mercado mundial dos produtos alimentares – tendência para a alta – e a política atual de revalorização das subsistências (Roseberry 1996) criam mecanismos na UE de desenvolvimento e concentração da pesca industrial, e de apropriação capitalista do espaço marítimo. Paralelamente, assiste-se ao aumento exponencial da reserva industrial de mão de obra e à precariedade do trabalho. O aumento das migrações temporárias e a crescente proletarização nos mares europeus são duas faces da mesma moeda.

 

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NOTAS

[1]       Este texto insere-se num projeto de especialização em antropologia marítima que resultou no desenvolvimento de uma investigação intitulada “Migrações paralelas em Peniche: economia política da produção e consumo de sardinha”. A pesquisa efetuada, com a orientação académica da professora doutora Susana Trovão e do doutor José Mapril, contou com o apoio logístico e financeiro do Projeto Celebração da Cultura Costeira (2007-2010) – Mecanismo Económico Europeu / EEA Grants / Noruega, cofinanciado pela Câmara Municipal de Sines e promovido pela Mútua dos Pescadores.

[2]      Encara-se aqui o conceito de globalização, numa dimensão ampla, como um processo em que cada indi­víduo, situado em qualquer parte do globo, é afetado de modo gradual pelos comportamentos de outros indivíduos, por mais distantes que estejam, considerando-se a circulação de informação um ponto crucial nessa interação: “Now, a Massachusetts fisher’s livelihood can be transformed in a matter of hours by a spike in market prices halfway around the globe or by a disaster at a fish farm across the Atlantic. Giant fishing conglomerates in one part of the world sell their catch alongside family outfits from another. Environmental organizations on one continent rail against distant industry regulations implemented an ocean away. Such instances of convergence are common in a globalizing world” (Bestor 2000: 62).

[3]      Conheci o Sindicalista (António José Macedo – 1964-2010) em 2005, quando comecei a estender a investigação etnográfica a diferentes coletivos piscatórios do país. Macedo destacou-se ao longo da sua vida sindical pelo esforço voluntário de conectar os pescadores com os investigadores das ciências sociais, numa perspetiva de ambos estarem atentos à dimensão social que está em causa quando se analisa a gestão de pescarias.

[4]      Um navio-fábrica é um barco de pesca industrial de grandes dimensões com capacidade de processamento e transformação do peixe capturado. São unidades pesqueiras dotadas de uma autonomia elevada, efetuando longas viagens temporais e geográficas. Os pescadores portugueses caracterizam esse tipo de pesca como trabalho pesado e repetitivo e o ambiente a bordo como extremamente concentracionário. O Pescador Emigrante afirmou que, devido ao número elevado de tripulantes no “porão”, tendo eles origens díspares, como África, América, Ásia e Europa, os capitães dos navios franceses proibiram recentemente o consumo de álcool, com o argumento de que isso reduz os conflitos a bordo.

[5]      A ligação entre organização da produção, subcontratação do trabalho e o aumento da sinistralidade laboral é desenvolvida por Castillo (2005). Segundo este autor, analisando o caso espanhol, os principais traços característicos nos acidentes de trabalho são a juventude do trabalhador, jornadas contínuas e contratos a prazo.

[6]      José Botelho, na sua investigação A Greve dos Pescadores de Arrasto, procede à análise do conflito laboral, considerando que a greve do arrasto costeiro de peixe se singularizou no panorama grevista: “Desde logo pela sua duração: 77 dias de greve – a mais longa greve setorial da história do movimento operário português, mas também pelas consequências económicas que aportou para o setor e para a economia em geral, já que conduziu à paralisação da frota pesqueira de arrasto costeiro – total, segundo a Federação dos Sindicatos do Setor da Pesca, parcial, mas bastante significativa, segundo a Associação dos Armadores das Pescas Industriais –, provocando dificuldades no abastecimento público de pescado fresco e refrigerado, e o consequente recurso à importação de peixe espanhol, o maior concorrente externo do setor” (Botelho 2001: 10).

[7]      ZEE: constitui a zona marítima até 200 milhas perpendiculares à costa de um país, que se encontram sob a sua jurisdição. Em Portugal foi constituída a 28 de maio de 1977 pela Lei n.º 33 / 77. Cada Estado possui na sua ZEE “direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e do seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vista à exploração e aproveitamento da zona para fins económicos, como a produção de energia a partir da água, das correntes e dos ventos” (CNUDM 1985, art.º 56.º).

[8]      Os pescadores portugueses que partiram para a Bretanha foram inscritos como marinheiros, não lhes sendo reconhecida a sua categoria profissional do país de origem: “Toda a malta ingressa em França como marinheiro; depois há um ou outro, por experiência profissional ou porque se interessa, que os armadores colocam como subcapitães, como mestres de equipa, ainda que legalmente não estejam matriculados como tal. A exceção é como mestres de equipa, que já começam a estar matriculados na limpeza da pesca industrial. Há um trabalho a ser realizado pela Federação Europeia de Transportes (ETF) para que haja reconhecimento das competências e das várias categorias dos diferentes países da União Europeia” [Sindicalista, 45 anos].

[9]      Ideia desenvolvida por David Morley na conferência “New times and new spaces: globalisation and technology”, realizada a 7 maio de 2008 no Instituto de Ciências Sociais (ICS-UL), em Lisboa.

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